quarta-feira, junho 30

Ganhaaaaamos! (6)

Escrevo meia hora antes do início do jogo. Muita animação pelas ruas. Buzinas em alta antes do jogo: mau sinal. Nos anteriores não foi assim. Parece que se instalou um convencimento de vitória antecipada.

Desta vez quase não há governo. A bancada VIP vai ficar mais espaçosa para os verdadeiros responsáveis pelo sucesso do EURO - 2004 que, finalmente, vão poder sentar-se. Ufff!

Se passarmos à final e Durão Barroso apresentar a demissão, como prometido, no fim-de-semana, temos muitas hipóteses de ser campeões.

Este projecto foi uma iniciativa do governo do PS. O governo demissionário não conseguiu travar o EURO - 2004 como Santana Lopes acabou com os "Jogos de Lisboa".

Ficou provado, uma vez mais, que "Deus não dorme". É a "pesada herança" em todo o seu esplendor.

O jogo terminou. O coração aguentou. O povo festeja com mais intensidade. Foi sofrer até ao fim. Agora só falta um. Domingo pode ser a apoteose. Espero que a selecção nacional possa dar a grande alegria da conquista do título europeu ao povo português que tanto tem sofrido nestes últimos dois anos.


Sonetos (IV)

Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.

Luís de Camões

(in Obras Completas, Círculo de Leitores,
Edição de Lobo Soropita, de 1595)

terça-feira, junho 29

Freitas do Amaral

Freitas do Amaral é uma personalidade singular. Fundador do CDS o partido, criado no pós 25 de Abril, mais à direita do espectro partidário português, Freitas do Amaral tem mostrado uma extraordinária capacidade de independência e originalidade de pensamento.

Não é uma questão de direita ou de esquerda. É uma manifestação da mais pura liberdade de pensamento. Freitas do Amaral é um exemplo de cidadão que oferece à comunidade uma participação cultural, científica e política altamente qualificada, despida de preconceitos e mobilizadora da iniciativa cívica.

Sei do que falo pois fui responsável, em primeira linha, com o Carlos Fragateiro, por ter acolhido, no Teatro da Trindade/INATEL, as suas experiências de dramaturgo, permitindo que fossem representadas duas peças de sua autoria. Representações de grande sucesso pela única verdadeira medida do sucesso, em teatro, que é a adesão do público. Não foi tão fácil como possa parecer acolher a criação teatral de um homem como Freitas do Amaral. Mas valeu a pena.

O entusiasmo e a paixão pela novidade e iniciativa de Freitas do Amaral são um bálsamo para a alma daqueles que anseiam, contra as tendências ultra conservadoras, "andar para a frente", arriscar, reformar sem concessões aos interesses instalados, em suma, modernizar o país respeitando a tradição.

Assino de cruz a sua posição, divulgada, hoje, no Público, explicando as razões da bondade da convocação de eleições antecipadas. Bem haja, prof. Freitas do Amaral.

segunda-feira, junho 28

Vitorino Nemésio

Uns largos tempos andei, de livraria em livraria, em busca de um determinado livro de poesia de Vitorino Nemésio. Tinha lido de Nemésio um ou outro poema solto e guardava na memória as extraordinárias conversas que nos ofereceu na Televisão. Agora já entendo um pouco melhor este poema heterodoxo de Eugénio de Andrade.

A VITORINO NEMÉSIO,
ALGUNS ANOS DEPOIS

Ninguém te lê os versos, tão admiráveis
alguns, e a prosa não tem muitos leitores,
embora todos reconheçam, mesmos os que
nunca te leram, que é magnífica.
A moda é o Pessoa, coitado: dá para tudo;
e a culpa é dele, com aquela comovente
incapacidade para ser ele próprio.
De nada lhe serviu ter dito e redito
que a fama era para as actrizes.
Que vocação de carneiro têm as maiorias:
não há fúfia universitária ou machão
fardado que não diga que a pátria
é a língua ou a puta que os pariu.
Não, contigo isso não pegou. Durante anos
e anos arrumaram-te na prateleira:
eras o Cavaleiro das Tristes Figuras.
Conversão ao catolicismo, fretes ao estado
novo, prémios do sni não ajudavam muito
a que te lessem, além de haver outros poetas
a festejar, por sinal bem medíocres, mas
"democratas
convictos", coisa que dizem que não foste.
Isto de morrer pela pátria não é para
todos e tu, decididamente, para a morte
não tinhas nenhuma inclinação. Afinal,
além dos alçiões a quem davas os olhos,
só tinhas versos, e alguns bem maus,
coisa aliás de pequeníssima importância,
como exemplarmente, depois de morto, provou
Pessoa, que está, como se sabe, no paraíso.
Coitado, pensava ter tempo para por ordem
na arca, mas a morte veio antes da hora.
Contigo ao menos isso não aconteceu,
bebias menos, pudeste arrumar a casa.

Nada disto te importa já, e de resto
que lêem esses que lêem quando lêem?

1983

(In Poesia - Eugénio de Andrade. Edição
da Fundação Eugénio de Andrade, 2000)

A hipocrisia em estado puro

"O presidente da Câmara de Lisboa e vice-presidente do PSD, Pedro Santana Lopes, negou hoje ter sido convidado para substituir Durão Barroso no cargo de primeiro-ministro e estranhou as manifestações e comentários quanto a esta possibilidade."

Vejam aqui a notícia do desmentido das notícias.

domingo, junho 27

Durão - Presidente da Comissão Europeia (3)

O Correio da Manhã, um tablóide, diz abertamente o que outros afirmam em complicados discursos políticos. Durão Barroso vai embora. A maioria precisa de Santana Lopes porque tem medo de eleições. É isto simplesmente.

"Sucessão: Sociais-democratas com receio de antecipadas
SANTANA SEGURA COLIGAÇÃO
A estabilidade governativa e o receio de fracasso numas eleições antecipadas levaram os principais dirigentes sociais-democratas a cederam o seu aval a Santana Lopes." Correio da Manhã

Pacheco Pereira entendeu cedo o cenário do "golpe" . Desenha-se no horizonte uma solução populista, pura e dura, na qual o PP, de Paulo Portas, ganhará ainda maior influência e peso político. Não se deve menosprezar o populismo. Nem os perigos que as soluções populistas encerram.

Esperemos que o Presidente da República encontre uma solução equilibrada para a crise política. Haverá uma solução no quadro da actual maioria palamentar que dispense Santana Lopes? Os acontecimentos das últimas horas estreitaram a margem de manobra do PR. As soluções para esta crise gizadas no recato dos gabinetes são uma machadada na credibilidade do sistema político democrático.

Será que vai prevalecer o entendimento de que em democracia as eleições são um factor de instabilidade? A crise aberta pela demissão de Durão Barroso é muito grave. Para uma crise de tamanha gravidade, que envolve a legitimação do governo, não pode deixar de ser aplicada a medida mais eficaz, prevista na Constituição, que permite legitimar um novo governo. Eleições.


sábado, junho 26

Sonetos (III)

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.


Luís de Camões

(in Obras Completas, Círculo de Leitores,
Edição de Lobo Soropita, de 1595)

Durão - Presidente da Comissão Europeia (2)

Vi ontem um debate na SIC Notícias - Expresso da Meia Noite - com um grupo de comentaristas divertidos. Para eles - sejam de simpatias da esquerda ou da direita - a crise política aberta com a demissão do primeiro-ministro é uma alegria.

Disseram muitos e variados disparates sem que algumas chamadas ao bom senso tivessem resultado. Hoje o Público fala de uma "remodelação profunda" do governo. Mas do que se trata é de um novo governo, com um novo primeiro-ministro. Não há remodelação nenhuma.

Se o PR não convocar eleições antecipadas, no fim do mandato deste novo governo os portugueses vão pedir contas a quem? A Durão Barroso, presidente da Comissão europeia (ex-primeiro ministro) ou a Santana Lopes, primeiro-ministro (ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa)?

E em Lisboa, no fim do mandato de Santana Lopes, os lisboetas vão pedir contas a quem? Só há uma maneira para legitimar politicamente uma mudança de primeiro-ministro e de governo: eleições antecipadas.

Não se trata de um cálculo político para dar o poder de volta à esquerda. Trata-se de uma questão de higiene democrática.

sexta-feira, junho 25

Durão - Presidente da Comissão Europeia

Faço um primeiro comentário, acerca deste magno assunto, na abébia vadia mas confesso que, depois do jogo de ontem, estou cansado e esta crise política foi bem pensada. É o dia certo.

"Pedro Santana Lopes, actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa e vice-presidente do PSD, será o próximo primeiro-ministro de Portugal, após Durão Barroso ter decidido aceitar o cargo de presidente da Comissão Europeia. »

Se for verdade, como afiança o Expresso na sua versão online, cujo resumo reproduzo acima, o que pensar desta saída de Durão Barroso? O seu governo dura há pouco mais de 2 anos. A sua popularidade está em baixa. Não vai haver remodelação. Vai haver um novo governo. Certamente sem eleições e um novo primeiro-ministro - Pedro Santana Lopes?

Há muitas maneiras de fugir. Para cima, para baixo ou para o lado. Esta é uma dança. Se não houver eleições antecipadas tudo se resolve num círculo restrito. Depois admirem-se que haja cada vez mais desinteresse dos cidadãos pela política e pela participação cidadã.

Ganhaaaaamos (5)

Dei uma vista de olhos pela imprensa internacional buscando os relatos do Portugal-Inglaterra. Vejam aqui um exemplo.

É difícil imaginar o valor desta vitória para a imagem de Portugal no mundo. As notícias são todas de primeira página. Descrições de um jogo épico. Referências constantes a um herói: Ricardo. Pormenores: defendeu o penalty decisivo sem luvas e marcou o golo que nos deu a vitória facto invulgar para um guarda-redes.

Pormenores de um alcance para o imaginário colectivo que é difícil de interpretar. É um sinal de que os encantos da vida estão na assunção do risco, na novidade da descoberta, no afrontamento das dificuldades da vida com as mãos nuas.

Em realizar o que antes se considerava irrealizável. Muito do que o homem tem de bom em si próprio, e para oferecer aos outros, não se encontra, afinal, do lado da razão mas no lado da emoção. Não se encontra do lado do calculismo, mas do lado do expontâneo.

Afinal o "pequeno Portugal" venceu a "grande Inglaterra". Eram mesmo só 11 contra 11. O mundo tomou, com simpatia, conhecimento. Portugal, digo Portugal, surgiu aos olhos do mundo, através deste episódio, como um país vencedor.

Mas o povo não mudou, nem as dificuldades da vida foram atenuadas. Mas sempre é melhor vencer do que ser derrotado. Não é?

quinta-feira, junho 24

Ganhaaaaaamos (4)

Estou vivo. Nada mau. Foi um jogo raro. Daqueles que nos fazem acreditar na beleza de um combate travado frente a frente. Os ingleses não pertencem à categoria das turmas "manhosas".

Lutam com galhardia e sinto estima por eles. Podíamos ser nós os derrotados e mesmo se assim fosse teríamos merecido o aplauso geral. Mais uma festa e estamos cada vez mais próximos de alcançar um feito.

Scolari mostrou coragem e foi recompensado. Com ele a média de idades da selecção baixa de jogo para jogo. Não tem medo de substituir os "monstros sagrados". Olhem com atenção os nossos políticos como se faz uma reforma em acção.

Mas cuidado que os próximos adversários serão, porventura, ainda mais difíceis que os ingleses. Suécia ou Holanda. Na próxima quarta feira vou torcer para um novo Ganhaaaaamos. Um abraço especial ao respirar o mesmo ar e ao Joaquim Paulo.

Sonetos (II)

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.
É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.
Estando em terra, chego ao Céu voando;
Numa hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.
Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha senhora.


Luís de Camões

(in Obras Completas, Círculo de Leitores,
Edição de Lobo Soropita, de 1595)

Ironia

"Beneficiários do RSI Sem Projectos de Inclusão"

A filosofia do "rendimento mínimo" assentava numa ideia de integração social. O "rendimento social de inserção" assumiu, na própria designação, a regeneração dessa ideia, pretensamente pervertida, pelo anterior governo.

Balanço: Os beneficiários do antigo "rendimento mínimo" recebem um subsídio. Os potenciais beneficiários do "RSI" não recebem subsídio, nem participam em projectos de integração.

quarta-feira, junho 23

CV-17

Regressando aos blogs do Brasil aqui têm o Papel de Pão. De tudo, nada

Sem apresentações. Assunto morto com o lema: "Tudo que eu possa dizer sobre mim está nos posts ao lado. O resto não importa"

Um dos mais belos blogs que tenho visitado nesta digressão. Na escrita e nas imagens. Vale a pena.

Vistas de Rua (6)

Rua Dr. Coelho de Melo, Faro, Algarve, Portugal

Quando olhava, da janela, aquela rua os meus olhos viam uma paisagem povoada de sonhos. Não era uma rua o que eles viam mas o espaço da liberdade. Ir à rua era sair em busca de sensações novas caminhando ao encontro do desconhecido. Ir à rua era buscar as diferenças que a disciplina da escola e as obrigações da casa tornavam grandiloquentes e imensas como o mar.

A rua em que eu nasci era de terra batida e nela era possível escavar buracos para jogar ao berlinde, desenhar, com o pé, figuras e olhar, curioso, os sulcos deixados pelas rodas do triciclo. A rua em que eu nasci era uma rua vulgar aos olhos do comum dos mortais mas, para mim, era uma avenida luminosa de sol e sombras desenhadas pelo calor da paixão de viver.

A rua em que eu nasci ainda lá está quase tal qual era na época da minha meninice. Uma rua de casas baixas, brancas de cal, com terraços mouriscos que, no verão, me queimavam os pés descalços. Nessa rua perdi a inocência. Aprendi tudo: a sonhar, a ler, a contar e a rezar. Nela conheci a beleza das mulheres e a cor da solidão. Aprendi a amar os que me amavam. A reconhecer a ausência e a partida. A morte e a vida. A doença e a miséria.

Tudo se aprende até aos 8 anos. Depois não se aprende nada.

terça-feira, junho 22

Sonetos (I)

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!

Luís de Camões

(Edição de Lobo Soropita, de 1595
In Obras Completas - Círculo de Leitores)
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Ganhaaaaamos (3)

As reflexões acerca do fenómeno do futebol não podem deixar de fora a crítica às tentativas descaradas de instrumentalização do Euro - 2004 à estratégia da coligação governamental nas últimas eleições europeias.

Queria deixar aqui uma nota de repugnância pelas sucessivas e organizadas acções de premeditada colagem e confusão entre a realidade do futebol e os desígnios políticos de uma candidatura eleitoral. O post de Porfírio Silva hoje afixado no abébia vadia refere só uma manifestação extrema desta política de inominável apropriação do fenómeno desportivo pela maioria de direita.

As recentes vitórias da selecção portuguesa e os festejos que delas resultaram, esperados e legítimos, deram para perceber, em toda a plenitude, a ideia dos estrategos da coligação "Força Portugal". A colagem à imagem de um país em festa vitoriando a selecção na véspera de eleições. A vitória sobre a Grécia permitiria a saída para a rua de multidões de portugueses carregando às costas os símbolos nacionais que a Coligação "capturou" para a sua campanha.

A imagem de um povo feliz a que se associariam os lideres do governo e da coligação. Tal fúria desesperada de protagonismo, ilegítima e desproporcionada, levou até a uma "invasão" da bancada vip do Estádio do Dragão, por membros do governo e comitiva, a que não escapou nem o próprio responsável pela organização do Euro.

Depois, após a vitória sobre a Rússia e, ainda com mais evidência, com as manifestações suscitadas pela vitória sobre a Espanha, foi possível antever o que teria sido esse momento. O tiro saiu pela culatra. Portugal perdeu com a Grécia. Em boa medida essa derrota foi da responsabilidade daqueles que quiseram, a todo o custo, instrumentalizar a selecção aos seus desígnios partidários. (imagino as pressões - directas e indirectas - sobre a Federação, técnicos e jogadores!).

Os portugueses celebraram, com euforia, as vitórias fazendo o que seria de esperar. Agora será melhor acautelar esta euforia para a disputa com a Inglaterra que, verdade seja dita, passe a ironia, foi a potência determinante na vitória portuguesa na batalha de Aljubarrota. Depois de vencida a Espanha, uma "potência continental" é a vez de nos defrontarmos com a nossa aliada estratégica tradicional, a Inglaterra, uma "potência marítima" como nós, embora nós tenhamos vergonha, a mais das vezes, de o assumir.

Espero que todos tenhamos razões para festejar, na próxima quinta-feira, a vitória do "pequeno" Portugal contra a "grande" Inglaterra". Pois, neste caso, não há desproporção de forças: são só onze contra onze.

segunda-feira, junho 21

CV-16

Ouguela Com Vida - o blog

"Este blog será um espaço onde os alunos e a comunidade de Ouguela poderão partilhar com todos os amigos os seus sonhos..."

Este blog tem a particularidade de ser editado por uma escola do Concelho de Campo Maior, Alentejo, frequentada por 5 alunos. Não tenho abordado, por opção pessoal, de forma sistemática, as questões da educação mas esta experiência vale bem a abertura de uma excepção.

Ganhaaaamos (2)

O meu amigo Joaquim Paulo Nogueira no seu Respirar deu-me um cartão amarelo amigável. Aqui vai a minha réplica antes que se faça tarde.

O que está em causa nestas abordagens críticas do fenómeno do futebol é uma certa incapacidade de percepção das diversas vertentes do "ganhámos". O meu compromisso com a comunidade em que insiro a minha acção, criatividade, convicção, crença, saber,..., não se esgota na observação das facetas imbecis da paixão colectiva.

Se assim fosse estaria, no limite, a dar caução a um nacionalismo serôdio ("que está fora do seu tempo") e a uma fé irracional nas vitórias decididas pelo destino. Mas o meu compromisso com a comunidade exige de mim uma capacidade de compreender o entusiasmo e a paixão dos outros e, em particular, quando os outros somos, de facto, nós próprios, embora não o queiramos reconhecer.

Não quero ficar de fora nem por uma razão de exibicionismo nem por uma razão de sensibilidade. Desde sempre tenho uma paixão pelo futebol que não consigo esconder nem dominar. Por isso nunca poderia ficar de fora da paixão destes dias.

Tenho, ao mesmo tempo, a percepção de que o futebol é visto por alguns como um subtil factor da distorção (distracção) das penas dos dias difíceis a que certas políticas têm submetido o nosso povo. Mas esses manipuladores são perdedores à partida pois jogam um jogo que a multidão exultante, no nosso tempo, não aceita nem amplia.

O perigo de erosão da democracia não provem da paixão do povo pelo futebol mas da capacidade dos podesres democráticos e seus agentes (os eleitos) serem capazes de se manterem fiéis aos compromissos que assumiram quando se apresentaram a sufrágio. Tenho para mim que a qualidade da democracia depende, acima de tudo, da qualidade dos eleitos. E que, salvo em situações de extrema penúria, todos nos podemos deixar possuir livremente pelas nossas paixões que o poder não cai na rua.

Preocupante seria o contrário. Aliás como têm afirmado diversos sociólogos, no âmbito desta discussão, são inúmeras as manifestações de resistência às tiranias que se têm apoderado do fenómeno desportivo e, em particular, do futebol, assim como são conhecidos os casos de sentido contrário. Mas esse também é um jogo que os democratas não podem recusar-se a jogar.

Nada, de essencial, muda na vida de uma comunidade com uma vitória da selecção mas a força do contentamento de um povo jamais pode ser aprisionada pela reflexão crítica do fenómeno da paixão. Estou pois de ambas as margens deste rio caudaloso. Paixão pelas vitórias (ganhaaaaamos!), compaixão pelas penas da vida qua a paixão da vitória não amacia nem atenua.