sábado, outubro 9

"O teatro

Não acreditando na separação do afecto e do signo, da emoção e do seu teatro, não podia exprimir uma admiração, uma indignação, um amor, com medo de a significar mal. Assim, quanto mais comovido está mais insípido fica. A sua “sinceridade” não é mais do que o constrangimento dum actor que se não atreve a entrar em cena com medo de representar excessivamente mal.”

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 46
(Fragmento 1 de 2, pag. 20)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Três meses depois

Passaram três meses exactos sobre a decisão do PR, após a fuga de José Manuel Barroso, de não convocar eleições gerais antecipadas. 9 de Julho de 2004. Três meses depois estamos, de novo, em plena crise política ou num arremedo dela? Manobras tácticas? Reposicionamento de forças? Mudança de generais? Preparo para as batalhas políticas nos prazos legais? Ou mais do que isso?

O tom dos discursos e o desenho do cansaço nos rostos deixa antever, pelo menos, excesso de nervosismo. A opinião pública não se alenta com as medidas anunciadas pelo governo. A base de apoio da maioria estreita-se. Todos os sinais vão nesse sentido.

As oposições estão mais frescas. Porque estão fora da linha de fogo dos descontentamentos provocados pelas medidas impopulares. Mas também porque mudaram, ou vão mudar, as lideranças (excepto o BE). O tempo é escasso para mais do que escaramuças tácticas. Na legislação, nos negócios e na propaganda. A evolução, a curto prazo, da economia não vai ajudar quem governa. Veja-se a escalada do preço do petróleo nos mercados internacionais.

A anunciada aceleração desacelera. O factor tempo, finalmente, parece favorecer a oposição. O orçamento de estado para 2005 tem de ser apresentado até ao final da próxima semana. Disso falará certamente o primeiro-ministro na anunciada comunicação ao país de 2ª feira. Qual a mensagem? De confiança ou de renúncia? De esperança ou de desalento? De autenticidade ou de demagogia?

Veja o interessante artigo Marcelo e as «ondas de paixão», de Clara Ferreira Alves, no “Diário Digital”

sexta-feira, outubro 8

As pegadas do elefante

“Celeste Cardona recebeu do Montepio Geral durante sete anos (de 1996 a 2002) mais de quatro mil euros mensais, acrescidos de cartão de crédito e carro. Tinha sido contratada como consultora jurídica, depois de ter emitido um parecer positivo sobre o regime fiscal que favorecia a banca. Em 2002, garantiu a ex-ministra ao JN, deixou de receber tal verba. Tal como deixou de exercer a advocacia, atendendo a que a lei das incompatibilidades o proibia.

A "subida" a ministra parece ter representado, afinal, um grande rombo nas suas economias. Em 2003, quando apenas exercia a tutela da Justiça, Celeste Cardona declarou pouco mais de 80 mil euros. No ano anterior (2002), juntando os 202 mil euros de trabalho independente ao vencimento de deputada, declarou 278 mil euros.

Também por explicar está o facto das quantias pagas a Celeste Cardona pelo Montepio Geral terem transitado para o seu marido, o advogado Luís Queiró. Este contrato terá sido assinado no final de 2003, mas desde que Cardona tomou posse como ministra que a verba lhe passou a ser paga.” (JN)



Diálogo matinal

A empregada de mesa, preocupada:
“A sua amiga anda tão tristinha!”
(silêncio)
“Acho que o cão dela está muito doente!”
(silêncio)
A empregada retira-se incrédula.

"A minha cabeça está baralhada

Sobre um determinado trabalho, sobre um determinado assunto (habitualmente aqueles sobre os quais se fazem dissertações), sobre um determinado dia de vida, gostaria ele de colocar como divisa este dito de comadre: a minha cabeça está baralhada (imaginemos uma língua na qual o jogo das categorias gramaticais obrigasse por vezes o sujeito a enunciar-se sob as vestes de uma velha).
E, todavia, ao nível do seu corpo, nunca sente a cabeça baralhada. (…)
Sente por vezes vontade de deixar repousar toda essa linguagem que tem na cabeça, no trabalho, nos outros, como se a própria linguagem fosse um membro cansado do corpo humano; parece-lhe que, se descansasse da linguagem, descansaria completamente, pelo feriado dado às crises, às repercussões, às exaltações, às feridas, às razões, etc. Vê a linguagem sob os traços duma velha mulher cansada (algo como uma antiga mulher-a-dias de mãos gastas) que suspira por uma certa aposentação”.

Nesta página escrevi, vá lá saber-se porquê: “generalizo talvez abusivamente.”

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 45
(Fragmento 3 de 3, pag. 19)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Abandono Escolar

Em Abril passado publiquei no "Semanário Económico" um artigo com o título: "Abandono escolar – uma emergência nacional". Agora que o ano escolar está finalmente a arrancar em pleno, nas escolas públicas, vale a pena regressar a um dos temas mais importantes da política educativa em Portugal. Por isso aqui deixo os parágrafos iniciais desse artigo que pode ser lido na íntegra no IR AO FUNDO E VOLTAR.

"A Comissão Europeia divulgou um “projecto de relatório intercalar” acerca dos objectivos da “Estratégia de Lisboa” para os sistemas de educação e de formação na Europa. Esse relatório revela que, considerando os jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, a “taxa média de casos de abandono escolar, precoce, na União é de 18,8 %”.

Surpreendente, ou talvez não, os dez países aderentes apresentam melhor desempenho que os actuais Estados membros da União com uma taxa de 8,4 %.

Outro facto relevante é que Portugal apresenta a mais alta taxa de abandono escolar da União Europeia com 45,5%. Ainda mais preocupante é o facto de Portugal (com a Dinamarca) ter invertido, a partir de meados da década de 90, a tendência para a melhoria deste indicador, encetada no início dessa mesma década."

quinta-feira, outubro 7

"Espantação"

Tanta gente espantada com a perseguição do governo à livre expressão da opinião e da crítica! Ainda não tinham dado por isso? Os jornalistas não sabem? Mostram-se indignados? Muitos deles próprios não participaram já em processos persecutórios?

No caso Marcelo a fonte é o próprio Marcelo. A perseguição ao “one-show-man” fez estilhaçar as ligações perversas entre todos os poderes. Expôs à vista desarmada as ligações perigosas entre os poderes político, económico e mediático. Os recíprocos condicionamentos e as dependências.

Fez emergir o desprezo do poder, exercido pelo governo, pelo elo mais valioso e, ao mesmo tempo, mais sensível da democracia: a liberdade.

Estamos no ponto em que a indiferença do poder presidencial, ou a omissão da sua acção, é imperdoável.

"Tel Quel"

O corpo é a diferença irredutível e, ao mesmo tempo, o princípio de toda a estruturação (uma vez que a estruturação é o Único da estrutura (…). Se eu conseguisse falar política com o meu próprio corpo, tornaria a mais chã das estruturas (discursivas) numa estruturação; com a repetição produziria Texto. O problema está em saber se o aparelho político reconheceria durante muito tempo esta maneira de fugir à banalidade militante enfiando nela, vivo, pulsional, gozador, o meu próprio corpo único.”

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 44
(Fragmento 2 de 3, pag. 19)

Edição portuguesa: "Edições 70"

quarta-feira, outubro 6

Falatório - cont....

O PSD já calou Marcelo.

Falatório*

Então ficamos combinados: o PSD não vai calar Marcelo, o PS não vai calar Alegre, o PP não vai calar o “autarca da quinta”, porque eles não se calarão; o PCP não vai calar Carvalhas, porque ele se calará; o PSD/PP não vai calar Sampaio, porque ele só falará; Sampaio não vai calar o Povo, porque o Povo não se calará...em democracia é difícil governar.

(Falatório: “ruído de vozes”, “mexerico”, “tagalerice”, “discurso comprido” – Mini Houaiss – Dicionário)

"A simbólica de Estado

Escrevo o que se segue num sábado, 6 de Abril de 1974, dia de luto nacional em memória de Pompidou. Durante o dia inteiro na rádio, “boa música” (para os meus ouvidos): Bach, Mozart, Brahms, Schubert. A “boa música” é portanto uma música fúnebre: há uma metonímia oficial que une a morte, a espiritualidade e a música de classe (nos dias de greve só se ouve “má música”). A minha vizinha, que ouve habitualmente música pop, hoje não ligou o rádio. Ficamos assim os dois excluídos da simbólica do Estado: ela porque não suporta o seu significante (a “boa música”), eu porque não suporto o seu significado (a morte de Pompidou). Esta dupla amputação não tornará a música assim manipulada num discurso opressivo?”

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 43
(Fragmento 1 de 3, pag. 19)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Amália Rodrigues

Amália Rodrigues morreu a 6 de Outubro de 1999. Vejo as imagens de uma homenagem na RTP. Ouço a sua voz e sigo os seus gestos. É um espanto. Um fenómeno arrebatador. Uma voz e uma alma. O melhor de um povo na voz singular de uma mulher do povo.

Em Nápoles canta uma canção napolitana no dialecto local. Em Lisboa, como espectadora, sobe ao palco para a abraçar Caetano Veloso. Recebe a mais alta condecoração do Estado português das mãos de Mário Soares. Fez-se justiça a tempo e ficou feliz. Mas confessa que só os aplausos do público lhe davam alegria.

Os aplausos para Amália ainda não se deixaram de ouvir e ecoam na nossa memória colectiva.

terça-feira, outubro 5

Querem uma notícia importante?

05-10-2004 15:25:00 UTC . Fonte LUSA. Notícia SIR-6406573
Temas: economia internacional energia mercadosPetróleo: Preço bate novo recorde nos 50,91 dólares em Nova Iorque

Lisboa, 05 Out (Lusa) - O preço do petróleo bateu hoje um novo recorde em Nova Iorque ao chegar aos 50,91 dólares o barril depois dos furacões que atingiram o Golfo do México terem reduzido as exportações para os Estados Unidos.
O preço mais elevado até hoje foi atingido a 28 de Setembro com o barril a ser transaccionado a 50,47 dólares no mercado de Nova Iorque.
A produção norte-americana no Golfo do México está 28 por cento abaixo do normal, devido aos estragos provocados pelo furacão Ivan, anunciou o governo.
No final da semana que acabou a 24 de Setembro, as reservas norte-americanas de combustível para aquecimento estavam 9,7 por cento abaixo da média dos últimos cinco anos para esta época, levantando dúvidas acerca da sua capacidade para satisfazer o aumento da procura no Inverno.
O barril de crude para entrega em Novembro transaccionava-se na abertura da sessão do New York Mercantile Exchange (Nymex) a 50,91 dólares.
Em Londres, o Brent, para entrega em Novembro, cotava-se às 14:04 (hora de Lisboa) a 47,14 dólares o barril.
ACF.
Lusa/fim

"A mim, eu

Um estudante americano (positivista ou contestatário: já não consigo distinguir) identifica, como se fosse óbvio, subjectividade com narcisismo; pensa certamente que a subjectividade consiste em falar de si, para dizer bem. Isto por ser vítima de um velho casal, dum velho paradigma: subjectividade/objectividade. Todavia, hoje em dia, o sujeito toma-se noutro lado e a “subjectividade” pode regressar noutro ponto da espiral: desconstruída, desunida, deportada, sem amarras: porque não hei-de falar de “eu”, uma vez que “eu” já não é “mim mesmo”?
(…)
Por outro lado, não falar de si próprio pode querer dizer: eu sou aquele que não fala de si próprio; e falar sobre si próprio, dizendo “ele”, pode querer dizer: falo de mim como estando um pouco morto, assolado por uma leve bruma de ênfase paranóica; ou ainda: falo de mim à maneira do actor brechtiano, que deve distanciar o seu personagem: deve “mostrá-lo” e não encarná-lo, dando no seu débito verbal como que um piparote que tem por efeito descolar o pronome do seu nome, a imagem do seu suporte, o imaginário do seu espelho (Brecht recomendava ao actor que pensasse todo o seu papel na terceira pessoa).
(…)
Ao dizer, acerca de alguém, “ele”, tenho sempre em vista uma espécie de assassínio pela linguagem, cuja cena completa, por vezes sumptuosa, é o mexerico. (…) ”

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 42
(Fragmento 1 de 1, pag. 18)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Nesta página escrevi: “a viagem é mais do que um pretexto: santuário das relações, lugar de culto de uma nova forma de ser solidário e de marcar encontro com aspirações que se estão a esvair com uma rapidez e violência impressionantes.”

(O excerto original é excessivamente longo para um post, por isso este é um excerto de um excerto. Além do mais aborda um tema que tenho presente, como dilema, num conjunto de textos que estou a escrever, hoje, agora mesmo, na primeira pessoa, “eu”, e que hesito em publicar num registo que receio ser demasiado autobiográfico.)


segunda-feira, outubro 4

PSD odeia Marcelo

Só falta apelar ao restabelecimento da censura. Depois da criação da “central de informações” o PSD ataca-se a si próprio. O Dr. Portas deve rir às gargalhadas.

“Gomes da Silva quer intervenção da alta autoridade contra Marcelo

O ministro dos Assuntos Parlamentares Rui Gomes da Silva afirmou hoje estranhar o silêncio da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) em relação aos comentários de "ódio" e às "mentiras e falsidades" feitas pelo ex-presidente do PSD Marcelo Rebelo de Sousa aos domingos na TVI.”




A base

Algumas notícias anunciam, no rescaldo do congresso do PS, o regresso à base de Ferro Rodrigues. Este regresso é assumido pelos órgãos de comunicação social de uma forma envergonhada e pouco convincente.

O exemplo de cidadania, humildade democrática e coragem cívica, como o de Ferro, são pouco aliciantes para eles. Os patrões da comunicação social, e os seus sequazes, preferem chafurdar no sangue das presas a espernear entre os dentes de “animais ferozes”.

Sempre retive na minha cabeça a frase de Camus que explica muitas destas “anomalias” da política: “Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.”

O "shifter" como utopia

Recebe uma carta longínqua de um amigo: “Segunda-feira. Regresso amanhã. João-Luís.”

Tal como Jourdain e a sua prosa célere (cena de resto bastante poujadista), maravilha-se ao descobrir num enunciado tão simples como este o rasto dos operadores duplos, analisados por Jakobson. Porque, se o João Luís sabe perfeitamente quem é e em que dia está a escrever, a mensagem dele que até mim chega é perfeitamente incerta: qual segunda-feira? qual João Luís? Como hei-de sabê-lo, eu que do meu ponto de vista tenho que escolher instantaneamente entre vários João Luís e entre várias segundas-feiras? Embora codificado o “shifter”, para só falar do mais comum desses operadores, surge assim como um meio manhoso – fornecido pela própria língua – de romper a comunicação: eu falo (apreciem o meu domínio do código), mas envolvo-me na bruma duma situação enunciadora que é desconhecida para os outros; estabeleço no meu discurso fugas de interlocução (não será afinal isso que sempre acontece quando usamos o “shifter” por excelência, o pronome “eu”?).
(…)

Será possível imaginarmos a liberdade – e, se assim se pode dizer, a fluidez amorosa – duma colectividade que só falasse usando primeiros nomes e “shifters”, em que cada pessoa não dissesse senão eu, amanhã, lá …”

Nesta página escrevi a seguinte nota: “a viagem é uma tradição a recuperar com ou sem grupo”.

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 41
(Fragmento 1 de 1, pag. 17)

Edição portuguesa: "Edições 70"

"No meu bairro já está tudo normal

“Voltou a calma ao meu bairro. Depois de quinze dias em que pensámos que estávamos todos ricos, eis que o ministro das Finanças nos tira com uma declaração aquilo que nos tinha dado com uma afirmação. Explico-me.

Lembram-se certamente de o ministro das Finanças ter ido à RTP, há quinze dias, dizer à Judite de Sousa que ia acabar com os benefícios fiscais dos PPR, PPR-E, PPA e Contas Poupança-Habitação, já que, segundo afirmou, quem investia em tais produtos eram os contribuintes 30% mais ricos de Portugal (ele só falou dos que pagam impostos; os outros ricos, ao que deduzimos, ou não pagam impostos ou não investem nestes produtos). E eram assim esses ricos que, capciosamente, se aproveitavam de tais benefícios para pagar menos impostos, ao contrário dos outros contribuintes pobres que, por não investirem em tais produtos, nada podiam deduzir à colecta. O ministro anunciou então o que faria Robin dos Bosques: tirar aos ricos para descer o IRS dos mais pobres. O país estremeceu de reconhecimento emocionado: finalmente, a justiça social pela mão de Bagão!


Pois bem: eu sabia que lá no meu bairro o sr. Joaquim da mercearia tinha feito um PPR para a mãe que está velhota. O sr. João da padaria investiu num PPR-E para quando o miúdo, que ia bem nos estudos, quisesse tirar um MBA. A sra. Ana da farmácia andava a juntar uns trocos numa Conta Poupança-Habitação para comprar uma casita. E o sr. José de uma agência imobiliária apostou num Plano Poupança Acções, depois de ter ouvido o dr. Catroga dizer em 1995 que isso ia ser muito bom para quem aí investisse, além do que servia para animar o mercado de capitais.


Ora assim que ouviram o ministro dizer que estavam entre os 30% dos mais ricos de Portugal (os que pagam impostos, insisto), os meus vizinhos entraram numa euforia, porque não é qualquer um que trata os Belmiro, os Jardins Gonçalves, os Américos Amorins e outros ricos deste país tu cá, tu lá como nós lá no bairro. E assim o Joaquim deixou de trabalhar, pensando na herança que ia receber, o filho do João deixou de estudar porque o pai tinha ficado rico, a Ana não pôs mais os pés na farmácia e o José está à espera que lhe cheguem a casa as grandes mais-valias que fez através do Plano Poupança Acções.


Estava assim o meu bairro em grande festança quando vários jornais resolvem colocar cá fora a declaração de rendimentos do ministro das Finanças. Ora ele é homem sério, competente, trabalhador, bom chefe de família, até porque é um furioso entusiasta do Benfica, mas não tem cara de ser rico. Tem, aliás, o mesmo carro desde 1994 e não é grande coisa a viatura. Ora se ele não é um rico, nós devemos ter muito mais dinheiro que ele.

Mas vai-se a ver a declaração de rendimentos do nosso ministro e a nossa surpresa foi total, seguindo-se uma profunda tristeza. Para já, se não é rico, como é que ele investe nestes produtos? Só os 30% dos ricos é que o fazem. Depois deste facto perturbador, outro se seguiu. O ministro não só investe, como investe bastante. A saber: tem uma carteira de aplicações de 655 mil euros, dos quais quase 74 mil em PPR, quase 24 mil em PPA e depois ainda uma modesta aplicação de 7.200 euros numa conta poupança-habitação, num total que se aproxima dos 105 mil euros. Aliás, o ministro não fez outra coisa se não aumentar as suas aplicações nestes produtos nos últimos três anos, que passaram de 81 mil euros em 2002 para 91 mil em 2003 e 104 mil em 2004.

Bom, eu queria que vissem a cara do Joaquim, do João, da Ana e do José quando ouviram isto. É que aquilo que o ministro tem em aplicações financeiras é bem mais do que qualquer um deles ganha por ano, na casa das cinco vezes mais.

E pronto, durante quinze dias fomos ricos, mas já deixámos de ser. Mas como em todas as coisas, há que tirar os pequenos lucros das grandes perdas. O Joaquim abriu de novo a mercearia, o filho do João voltou a estudar, a Ana regressou à farmácia e o José está de novo a mostrar casas na imobiliária onde trabalha. O bairro voltou à normalidade e estamos todos muito mais contentes. É claro que deixámos de nos dar com o Belmiro, o Jardim Gonçalves e o Américo Amorim. Mas também é verdade que eles não passavam lá muito pelo meu bairro. E quem é que se quer dar com pessoas que não investem em PPR?”

4 de Outubro de 2004

Nicolau Santos, in Expresso on line




domingo, outubro 3

Congresso do PS - Encerramento

As maiorias esmagadoras são más conselheiras. Vejo notícias, acerca do Congresso do PS, a realçar essas maiorias. Zapatero ganhou o Congresso do PSOE por um voto (isso mesmo, um voto). Os discursos eficazes, com mensagens perceptíveis por todos, são um bom sinal. José Sócrates é um bom comunicador. Toda a gente já o sabia. Mas o Congresso consagrou essa vantagem.

Homenagear Sousa Franco proclamando as palavras: "amigos, companheiros e camaradas", com as quais abria as suas intervenções é uma provocação, desnecessária, a Manuel Alegre. Todos os que têm a memória da resistência ao fascismo sabem que era Manuel Alegre que abria as emissões da Rádio “Voz da Liberdade”, desde Argel, com as palavras: "amigos, companheiros e camaradas". Mau sinal.

A afirmação da vocação europeia do PS é um bom sinal. A criação de um “Fórum Novas Fronteiras”, seja qual for o seu formato, é um sinal de abertura à sociedade civil. A marcação de uma data para a sua concretização, 29 de Janeiro de 2005, é uma marca de pragmatismo. Bons sinais. Será para lançar a candidatura de Guterres à Presidência da República?
A "simplificação" da questão da política de alianças, que transpareceu dos discursos de alguns dirigentes da maioria vencedora do Congresso, e as afirmações ideológicas de um centrismo exacerbado, explanadas por outros, são um mau sinal. Se não houver capacidade para flexibilizar os impulsos do "radicalismo centrista", emergente neste Congresso, será muito difícil ao PS obter uma maioria absoluta nas próximas eleições legislativas por erosão do seu eleitorado à esquerda. O futuro o confirmará.
Não conheço os detalhes do debate mas reparei que as moções sectoriais foram, como de costume, remetidas para a próxima reunião da Comissão nacional. Mau sinal. Os rostos dos derrotados estavam crispados, os dos vencedores cansados (e preocupados?). Mau sinal.
Agora falta definir a política. A tradicional divisão direita/esquerda não ajuda grande coisa a essa definição. Os problemas que bloqueiam o desenvolvimento do país e a sua afirmação na Europa e no Mundo são transversais nos planos económico, social e político. Difíceis de abordar e ainda mais difíceis de verter em políticas aceitáveis pelo eleitorado tradicional da esquerda e mobilizadoras dos sectores mais dinâmicos da sociedade.
É preciso ir ao terreno, ouvir os protagonistas, chamar os melhores à mesa da discussão e formular políticas realistas, aceitáveis pelo maior número, com bom senso e bom gosto. É difícil? É simples? Em política o difícil é fazer os problemas difíceis parecerem simples.

Os Desvarios do Senhor Reitor

Deve ter sido um azar do Reitor da “Católica”. As entrevistas têm destas coisas. Logo foram puxar para manchete da edição dominical do "Público" um tema certamente marginal ao teor da entrevista concedida pelo reitor da “Católica”.

Manuel Braga da Cruz foi militante do MES. Eu sei que foi há muitos anos e a juventude explica muitos e, na maior parte dos casos, saudáveis desvarios. Ora aí está uma boa razão para que a diversão nocturna não mereça excomunhão. Haja Deus!

“Reitor da Católica Quer Novas Regras para Bares e Discotecas Manuel Braga da Cruz Diz Que a Pressão da Industria de Diversão Nocturna Contribui para o Insucesso no Ensino Superior, Deseja Que Os Alunos Não Frequentem Esses Espaços Tão Intensamente e Pede Intervenção do Poder Político

O reitor da Universidade Católica Portuguesa considera que um dos factores que contribuem para o insucesso dos alunos do ensino superior é a existência de uma pressão da indústria de diversão nocturna. Manuel Braga da Cruz defende que o poder político deve intervir na regulamentação desses espaços de modo a que os estudantes não os frequentem tão intensamente.”
TEXTO