sábado, outubro 30

CHICO BUARQUE & MILTON NASCIMENTO



O mais importante acontecimento por estes dias é a eleição presidencial no Brasil. Amanhã o povo brasileiro votará, numa segunda volta, por Dilma ou Serra. Os conservadores brasileiros, de todas as cores, temem que seja demasiado tempo de “Lulismo”, ou seja, de governo de esquerda. Quando Lula foi eleito pela primeira vez as mesmas vozes anunciavam o “fim do mundo”. Lula afirmou-se, afinal, um político moderado e um estadista respeitado em todo o mundo. Nestas eleições as sondagens dizem que será Dilma a vencedora, ou seja a esquerda, mas em democracia, como dizia o outro, prognósticos só fim do jogo.  

sábado, outubro 23

Norah Jones

HOMENAGEM AO PAPAGAIO VERDE

Fotografia de Hélder Gonçalves

Um dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe, aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado, resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: - Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.

[Encontrei, um dia destes, na livraria do Publico, o último exemplar à venda de Homenagem ao Papagaio Verde e outros contos de Jorge de Sena. Homenagem ao Papagaio Verde é um dos textos mais notáveis que alguma vez me foi dado ler.]
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terça-feira, outubro 19

O SENTIDO DE VOTO DO PSD


Fotografia de Hélder Gonçalves

Abstraindo da retórica e, para quem tenha dúvidas acerca do sentido de voto do PSD na PROPOSTA DE LEI N.º 42/XI, mais conhecida como Orçamento de Estado para 2011, Ângelo Correia esclarece: O PSD deve pois abster-se e nem negociar com o PS.
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terça-feira, outubro 12

PORTUGAL NO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS



Portugal foi hoje eleito membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Durante o dia foi notável o contorcionismo da maioria dos midia para desvalorizar o acontecimento. A notícia subiu, a custo, à categoria de manchete assumindo a fórmula de vitória da diplomacia portuguesa, ou seja, para falar claro, vitória do governo!   
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Dito por outras palavras aqui. Também aqui.
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Adélia Prado




Tenho dificuldade em comer folhas,
mesmo as que eu próprio lavo
com óculos de aumento e rios d´água.
Minha carne quer outra carne,
vermelha entre dourados
de gordura amarela gotejante.
Não me vale saber das excelências do verde,
meu lábio treme à vista de suculências.
Aos rigores da lei
- paulina ou não –
minha fortaleza é a da mostarda.
Um grão.

Na minha recente visita de trabalho a Porto Alegre entrei na tal livraria e encontrei, além do último livro de Ferreira Gullar, também o último de Adéla Prado: A Duração do Dia. O poema acima transcrito ostenta este título extraordinário: O Noviço e a Abstinência de Preceito.
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domingo, outubro 10

Ferreira Gullar - em alguma parte alguma




Em algum lugar
esplende uma corola
de cor vermelho-queimado
metálica

não está em nenhum jardim
em nenhum jarro
da sala
ou na janela

não cheira
não atrai
não murchará

apenas fulge
em alguma parte alguma
da vida

Numa viagem de trabalho a Porto Alegre, da qual regressei hoje mesmo, entrei numa livraria e encontrei o novo livro de Ferreira Gullar: em alguma parte alguma. O poema que transcrevo intitula-se Uma corola e o seu penúltimo verso dá o título ao livro.

domingo, outubro 3

BRASIL



Hoje é dia de eleições no Brasil nas quais o voto é obrigatório e electrónico. Devo dizer que concordo. Um grande país democrático,  uma potência emergente que se afirmou após dois mandatos de Lula que assumiu, de forma corajosa, que é possível governar em favor dos pobres sem alimentar o desprezo dos ricos. Lula que recusou uma emenda à Constituição que lhe permitiria voltar a candidatar-se. O Expresso - versão digital - no dia das eleições no Brasil mantém, desde há mais de 24 horas, em manchete declarações de Jerónimo de Sousa...    
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Apuramento do resultado.
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U2

quarta-feira, setembro 29

Bonnie & Clyde



Morreu Arthur Penn, realizador de Bonnie & Clyde, um filme da minha vida. Um dia, com um grupo de amigos, fui ver um filme que acabara de estrear,  talvez no Cinema Condes, ali para os Restauradores. Sem saber ao que ia, pois iamos simplesmente ao cinema ou talvez sabendo pois do grupo fazia parte o Félix Ribeiro (ilustre amigo e filho do fundador, e director, da Cinemateca pelos idos dos anos 60), ao longo daquela tarde deixei-me surpreender. Bonnie & Clyde é um filme que não sei criticar, pois não sou crítico de cinema, mas que me marcou para toda a vida. O seu autor morreu hoje mas não morreu a marca que a sua obra deixou em mim. Salvé!
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Ler aqui e também aqui
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Juliette Greco

sexta-feira, setembro 24

Alicia Keys

MARIA JOÃO PIRES



Leve, levitava
num som interior
quase etérea dessacralizada
num mundo outro, sem penumbras.
Os lábios - sábios domadores do compasso -
antecediam promessas
visualizavam harmonias
e, sob as mãos de Pierre Boulez,
sem batuta,
organizavam-se sons, que escorriam,
impetuosos puros vibrantes
das cúpulas e colunas
do Mosteiro dos Jerónimos.
Ao fundo, desfocado em bruma
- como D. Sebastião -
Camões pensou
que os dedos daquelas mãos,
femininas e rudes,
tinham dobrado o Bojador.

Depois, adormeceu e pacificou.

Maria F. Monteiro
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terça-feira, setembro 21

FERREIRA GULLAR - Prémio Camões (2)



Um dia, num ano recente, numa visita de turismo a Cuba, li a obra (quase) toda de Ferreira Gullar. Compreendi muito bem as razões da atribuição do Prémio Camões ao grande poeta brasileiro, o que não entendo é a  composição da mesa que se vê no filminho ilustrando a entrega do Prémio. Mas, finalmente, hoje um órgão de comunicação português dá algum destaque ao acontecimento retirando prémio e premiado da "clandestinidade".
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Françoise Hardy



Na estrada
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domingo, setembro 19

REAL MADRID, HOJE



O Real Madrid transformou-se numa referência para os portugueses que gostam de futebol. Pelo jogo em si mesmo, pelo fulgor mediático dos protagonistas, um português no comando (qual político que joga o seu jogo!), jogadores conhecidos, reconhecidos, "íntimos" dos portugueses, a que acresce a intensidade do futebol jogado em Espanha (sempre foi assim!) e uma presença constante de (muito) público entusiasta. Numa época em que as notícias se transformaram num espectáculo de divertimento, mais do que num exercício de cidadania, mais vale aderir às modalidades do espectáculo que se assumem, em plenitude, como espectáculo verdadeiro.   
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quinta-feira, setembro 16

EUROPA - Adolfo Casais Monteiro por Mário Viegas



O que eu sei é que não quero pertencer a uma comunidade – politica, económica, social - cujos líderes professem ideias racistas e xenófobas ou, mesmo que as não professem, assumam posições frouxas na sua condenação. O que eu sei é que as guerras foram sempre antecedidas por profundas crises económico-financeiras geridas por governantes permissivos, ou colaboracionistas, face aos primeiros indícios de perseguição a minorias. O que eu sei é que não se pode colaborar, nem ficar em silêncio, perante esses sinais mesmo que venham de governantes de países democráticos. Pois para que sobrevenham terríveis tiranias são sempre necessárias fracas democracias.    

Diabo na Cruz

quarta-feira, setembro 15

NOVIDADES DE CUBA



A comunicação social portuguesa, vá lá saber-se porquê, "esquece" este acontecimento da maior importância no debate ideológico entre as diversas famílias da esquerda.
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sábado, setembro 11

Marta Hugon

NEW YORK - SEPTEMBER 11

REQUIEM POR SALVADOR ALLENDE


Salvador Allende
Enviado por PaNoRaMiX1. - Videos de noticias do mundo inteiro.

(...)

Era uma vez um chileno chamado salvador allende que
fez um grande país de um país pequeno onde
talvez três anos nós houvéssemos depositado a esperança
quando fosse qual fosse a nossa nacionalidade
todos nós fomos um pouco chilenos
Mas que diabo importa em suma a qualquer de nós
que um homem se detenha quando a história caminha
em frente sempre altiva e serena
como mulher de muito tempo sabedora
Posso dizer por certo como há já muitos anos
acerca dos milicianos espanhóis dizia neruda
allende não morreste estás de pé no trigo

Ruy Belo

In “Todos os Poemas – III” – “Toda a Terra” – I Parte “Areias de Portugal”
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sábado, setembro 4

Ir pela sua mão


em memória de meu pai

Ir pela sua mão era caminhar
para um paraíso sem nome,
sonhar uma aventura terna
sabendo de cor o caminho
de regresso a casa a pé
sem guia nem vertigens

Ir pela sua mão aberta
à ternura de mão solitária
era saborear um engano
sem mácula, sobreviver
e nada dever aos outros
que se não pudesse devolver

Ir pela sua mão desarmada
não deixava rasto no chão
e a minha cabeça voava à roda
do meu coração que batia
como agora quando me escapo
à rotina do bater do dia

Ir pela sua mão lembra-me
sempre o dobrar dos dias,
homens tristes de ombros
postos nas esquinas luzidias
esperando taciturnos perder
o sentido do seu próprio corpo

Ir pela sua mão seria partir
do nada ao especial feito,
rasgar um caminho incerto
de mágoas, uma alegria banal,
sagradas confidências guardadas
entre nós que se não confiam

Ir pela sua mão dava acesso
ao mundo, mas ninguém soube
das suas amantes que eu vi,
nem dos gritos do seu olhar
que se abria dolente para mim
pedindo em silêncio aceitação

Eu tudo lhe dei sempre sem pedir
nada em troca, somente por vezes
a sua mão para ir nela confiante
em busca de um caminho qualquer
que não sabia onde levava nem
isso de verdade nada interessava.

In Ir pela sua mão, Editora Ausência, 2003

[4 de Setembro 2010 - pelo centenário do nascimento de meu pai.]



quinta-feira, agosto 19

Herman Leonard


Morrison Hotel Gallery - An Evening with Tony Bennett from Herman Leonard on Vimeo.

Em homenagem a Herman Leonard (1923-2010)
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CANOAGEM


Portugal será, em breve, uma referência mundial na canoagem. Ninguém vai dar grande destaque ao assunto mas qualquer transferência de um futebolista de quinta ordem faz manchetes. Alguém vai ser capaz de fazer alguma coisa nesta matéria de ética comunicacional?
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Confirmando as expectativa.
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terça-feira, agosto 17

OBAMA EM PORTUGAL




Esta notícia que, goste-se, ou não, de Obama, goste-se, ou não, dos Estados Unidos, goste-se, ou não da NATO, é uma vitória do governo e da diplomacia portuguesa, um dos acontecimentos mais importantes da política internacional de 2010, suscita comentários pestilentos nas caixas dos ditos em diversos meios. É a liberdade pela qual morreram milhares de americanos nas “praias da Normandia” para libertar a Europa do jugo nazi fascista.      

domingo, agosto 15

O meu encontro com Albert Camus



Tanto tempo passado, como decifrar os caminhos do meu encontro com Albert Camus? Sou levado a crer que me seduziu o ambiente mediterrânico que trespassa a sua escrita. Talvez me tenha atraído o autor existencialista, que hoje sei não ter sido, ou a sua atracção pelo tema do suicídio, ou o alcance político que o apego à defesa da liberdade assume no seu pensamento e acção cívica. O que sei é que um dia pelos meus vinte anos, ou talvez dezanove, cursando um curso superior da área das ciências económicas, caíram-me nas mãos os três pequenos volumes dos Cadernos editados, em Portugal, na Colecção Miniatura, pela Livros do Brasil. Devo tê-los comprado por iniciativa própria, buscando o mero prazer da leitura, impulsionado pela curiosidade de conhecer um autor/personagem, oriundo do sul, como eu, atraído pela sua escrita concisa, demasiado perfeita, segundo alguns detractores, feita de fragmentos que se sobrepõem e interagem.

A minha memória navega por entre uma nebulosa repleta de impressões fortes mas difusas. A escrita fragmentada ajudou, certamente, no entusiasmo da escolha e os sublinhados, a traço grosso, que os livros estoicamente suportaram, testemunham a cronologia íntima de um leitor frente ao objecto do seu desejo.

No Cadernos I, ao cimo, na página 25, escrevi, a esferográfica azul, em perfeito alinhamento gráfico com a palavra Abril, “ – 3 – 1968 – Faro – Cais”. O texto sublinhado de Camus cuja leitura datei diz mais acerca da minha escolha que todas as palavras que possa escrever: “Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se pedem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas mouros de conversa à espera que venha a noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento.”

Esta, como outras das minhas escolhas de juventude, podia ser uma escolha actual. As minhas escolhas actuais vão mais além mas encaminham-se, quase sempre, para uma faceta da reflexão de Camus em que olha a mãe natureza e os outros homens com assumido desprendimento pelas coisas materiais sempre deixando transparecer um problema nunca resolvido na sua vida: a sua relação com o sucesso. Como transparece no texto final do Caderno nº 1:

“ (…) Não é necessário entregarmo-nos para parecer mas apenas para dar. Há muito mais força num homem que não parece senão quando é preciso. Ir até ao fim, é saber guardar o seu segredo. Sofri por estar só, mas por ter guardado o meu segredo venci o sofrimento de estar só. E hoje não conheço maior glória que viver só e ignorado. Escrever, minha profunda alegria! (…)”

O prazer dos meus reencontros com Camus renasce quando afloram à memória os momentos felizes da minha juventude, vivida sob o céu azul nas terras do sul, entre uma sinfonia de abraços apertados como se cada dia fora a despedida do mundo, o último dia, o primeiro do último abraço, aquele que marca o prazer de tudo começar. Quente a juventude, rebelde a paixão.

“ … a criança morrera naquele adolescente magro e vigoroso, de cabelos revoltos e olhar arrebatado, que trabalhara todo o Verão para levar um salário para casa e acabava de ser nomeado guarda-redes titular da equipa do liceu e, três dias antes, saboreara pela primeira vez, quase desfalecido, o contacto com a boca de uma jovem.” *

Como tantos outros leitores apaixonados também sinto que em cada livro leio sempre o mesmo livro e, passados 50 anos sobre a trágica morte de Camus, sou capaz de ouvir os seus passos por entre as suas palavras e a actualidade do seu pensamento não deixa nunca de me surpreender:

« Aquilo a que chama cepticismo das novas gerações – mentira. Desde quando o homem que recusa acreditar no mentiroso é o céptico”*

*«O Primeiro Homem»

Publicado em As Artes entre as Letras, edição de 11 de Agosto de 2010
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sábado, agosto 14

VISITAÇÃO


Carlos Tarrats

Hoje é o dia da ida ao campo. Aos sítios onde nasceram meus pais. Casas antigas, árvores que conheço desde que me conheço, minhas raízes nos rostos crestados pelo sol, memórias presentes que dão sentido à vida.
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quinta-feira, agosto 12

PRAIAS DO SUL


Slot Canyon

Ainda por aqui, pelas praias da Ria Formosa, praias da minha juventude. Desde sempre ao rés do mar. A caruma dos pinheiros, o cheiro da vegetação rasteira, mediterrânica, ainda pujante em muitos lugares atravessados pelos caminhos do turismo. Não visitava algumas destas praias há muito tempo. Reconheço-as e nelas deitado vislumbro a plenitude do céu azul. Um azul uniforme sem falha, nem mancha, em toda a abóbada até aos confins do olhar. Nem um sinal de nuvens, somente o vento quente de ocidente (levante?), e um calor ao mesmo tempo agreste e sedutor. E a água deste mar, um bálsamo forte de sabor salgado.
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terça-feira, agosto 10

MARTA ABREU


In A Defesa de Faro – Aqui na minha cidade também acontecem milagres que não são mais do que o resultado de muito trabalho, dedicação e capacidade de enfrentar as dificuldades. Quem havia de dizer que em Faro seria possível nascer uma campeã de natação. Um abraço para ela e para o Eurico, seu pai, com os desejos de longa vida e os maiores sucessos pessoais e desportivos.
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segunda-feira, agosto 9

SAÚDE


Eva Timothy

Uma colega minha, há uns anos atrás, disse-me que estava a preparar-se para fazer uma operação numa clínica oftalmológica situada em Lagoa. Embora não tivesse qualquer informação precisa acerca da dita tentei desencorajá-la. Era tudo demasiado informal, fácil e barato. Ela é uma pessoa cuidadosa, não sei ao certo o que aconteceu, mas parece que há muito gente que ainda não entendeu que os serviços públicos de saúde são os mais seguros. Os serviços públicos de saúde estão cheios de defeitos para a opinião pública mas se desaparecessem haviam de ver as virtudes dos seus defeitos.

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sábado, agosto 7

The Flaming Lips

REGRESSO À TERRA


Jenny Ellerbe

Desloco-me na direcção da terra onde nasci. Faro, o mesmo sol imenso, abrasador, apesar da brisa deste fim de tarde. Tenho uma homenagem para fazer ao Bettencourt Resendes a propósito de um caso que me tocou pessoalmente. Não é urgente, tal como a morte. Regresso à terra como em todos os anos passados, desde que nasci. Uma sensação sempre renovada de regresso à natureza e de crença na vida.
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quinta-feira, agosto 5

PRAIA


Ernie Button

A praia como lugar de férias é recente, ou melhor, como lugar de férias de massas; da mesma forma como são recentes as férias pagas, ou seja, as férias dos trabalhadores por conta doutrem. O direito às férias pagas foi decretado, pela primeira vez, pelo governo da Frente Popular, na França de 1936, afinal há bem pouco tempo. Antes dessa lei as férias, períodos de “não trabalho”, ou de lazer, só para aristocratas, burgueses endinheirados e um ou outro excêntrico.

Onde estou, nesta praia, misturam-se as gentes; as crianças predominam e são-lhes prestadas todas as atenções; nota-se a presença de casais misturando nacionalidades (os portugueses por esse mundo fazem mundo como sempre e, pelos vistos, cada vez mais, não sei se melhor!); forma-se uma fila disciplinada quando chega o homem das bolas de Berlim (num carro e já não com a maleta às costas); foi declarado um armistício político, sendo raras as conversas acerca do tema; avolumam-se as preocupações do quotidiano; o ambiente é de convivência distanciada mas respeitadora da liberdade alheia. Como mudaram os tempos mesmo entre uma turba de gente da chamada classe média.

A praia situa-se tão perto da casa dos meus avós maternos que me é familiar mesmo que não a tenha frequentado nos últimos cinquenta anos. São as memórias que nos fazem viver. Parece que sempre foi a minha praia quando as minhas praias têm sido outras. O calor abrasa logo que nos metemos a terra firme. Ao longo da costa é temperado por uma brisa que é o que faz com que as praias da minha terra sejam as melhores do mundo. Mesmo que não sejam as melhores do mundo!
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CAMUS - AO CORRER DA LEITURA
























Fotografia de Hélder Gonçalves

Bruxelas, 1 de Março (1981)

Ao ler a correspondência Albert Camus-Jean Grenier. Tudo me é familiar: o tom, as referências, os livros citados, as datas, a própria natureza do diálogo.

Reencontro aqui o Camus que estudei, apetece-me quase escrever que conheci: o garoto do bairro popular de Belcourt, em Argel; o adolescente de Bab-El-Oued e da praia de Padovani aos domingos de manhã. Os primeiros anos da adolescência, a pobreza, a tuberculose. A inteligência tão cedo aberta ao mundo e a sensibilidade tão depressa fechada sobre si mesma. A descoberta da politica, ética em acção, como exigência de solidariedade. E logo, desde muito cedo também, a paixão de criar para melhor viver todas as vidas numa só vida.

Merecer-se a si mesmo, sem desmerecer do mundo. Sem excluir o deslumbramento ante “a parte luminosa do homem” de que a sua obra será vibrante testemunho. E já nessa altura o desejo de redescobrir e reinventar para a Europa as virtudes redentoras do homem mediterrânico por oposição ao figurino soviético e ao modelo atlântico.

E a última carta, datada de 25 de Dezembro de 1959, escrita uma semana antes de morrer com estas linhas premonitórias: “Quando terminar o meu livro, se porventura o terminar …”


quarta-feira, agosto 4

NÃO HÁ PACIÊNCIA ...


Isto não é uma brincadeira. O Montepio, um banco de raiz mutualista, decidiu, nas suas instâncias próprias, crescer. Como? Lançando uma OPA amigável sobre outro banco mais pequeno, o Finibanco. Esta iniciativa é um sinal positivo pois, além do mais, o Montepio declarou que nem precisa de crédito para concretizar a compra. Toda a gente entendeu que é uma compra “a pronto”. Não contribui para agravar o endividamento do país sendo um sinal de racionalidade num mercado que parece ter enlouquecido. Vai daí fica o Montepio sob observação negativa pois a operação pode ter dificuldades a curto prazo sendo, no entanto, virtuosa no longo prazo. O Finibanco fica sob observação positiva pois vai beneficiar em ser comprado … Não há paciência … para as chamadas agências de notação financeira!
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terça-feira, agosto 3

MÃES DE FILHAS


O cidadão comum, trabalhador, ganhe o que ganhar, mais ou menos honesto e cumpridor, que os há e muitos, paga os seus impostos; os empresários que movem montanhas para pagar os salários ao fim do mês, sabe-se lá bem com que sacrifícios, que os há e muitos, pagam os seus impostos; todos pensando por igual viver num estado de direito democrático que o é na forma, e já não é mau, convenhamos, recebe, amiúde, cartas com a notícia de que ou paga ou lhe penhoram o ordenado, os bens, tudo e mais alguma coisa, é a lei; e a lei é para cumprir. Não discuto. Mas o cidadão comum, cumpridor, confrontar-se com notícias destas só pode sentir revolta. Se for verdade, é claro. O que todos queremos ser é Mães de Filhas!

segunda-feira, agosto 2

A HORA DA VERDADE


Holly Roberts

O que vai acontecer em Cuba, agora anunciado, já era conhecido e comentado nos meios de comunicação não oficiais, pelo menos nos blogues críticos do regime. É uma espécie de despedimento colectivo de pessoal da administração pública num país onde quase só há pessoal da administração pública. Sussurrava-se há muito acerca das “listas”, todos tentando saber se chegara a sua hora. A explicação é simples: não há dinheiro para pagar. A todos os que ainda não entenderam o que significa para a vida das pessoas, e para a sociedade no seu conjunto, o “socialismo real” aconselho que observem, e se tiverem oportunidade, visitem Cuba. Um povo magnífico submetido a um regime político que finge viver o sonho dos amanhãs que cantam. Se os dirigentes do regime que pensam pela sua cabeça não forem capazes de fazer vencer uma politica de transição pacífica para a democracia haverá violência e um banho de sangue. Mas não podem perder muito mais tempo.

domingo, agosto 1

REGRESSO


Jane Alden Stevens

A terra mais a sul. Uma praia que visitei antes de ter nascido. Presente na memória mais antiga, o mesmo cheiro, outras gentes, o mesmo mar, outras correntes. As cores enchem-me os olhos e as imagens dos meus antepassados correm à desfilada. Todos tão próximos!
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