segunda-feira, fevereiro 10

AGOSTINHO ROSETA - 25 de abril - 40 anos, 34

                                                                  Agostinho Roseta

domingo, fevereiro 9

ANTÓNIO PEDRO RUELLA RAMOS - 25 de abril - 40 anos, 33


Foi este homem que permitiu que o jornal “Esquerda Socialista”, órgão do extinto MES, se tornasse realidade. Após o 25 de Abril, quase certamente a pedido do José Manuel Galvão Teles, a Renascença Gráfica compôs e imprimiu aquele jornal e alguns dos mais interessantes cartazes de autoria do Robin Fior. Nada era interdito e lembro-me de ter andado pelas instalações do Bairro Alto a acompanhar a produção de alguns trabalhos. A certa altura, no contexto das vicissitudes da chamada imprensa do MES, as dívidas contraídas exigiram um grande esforço de saneamento financeiro que permitiu saldá-las quase todas o que não impediu, quer-me parecer, que tivesse ficado alguma por pagar à Renascença Gráfica. Nunca mais ninguém falou nisso. Mais tarde, quando fui presidente do INATEL, foi adjudicada, por concurso público, à Lisgráfica a impressão da Revista “Tempo Livre”. Era, e continua a ser, uma encomenda de razoável dimensão, física e financeira, para o nosso meio editorial. Os concursos eram anuais. Lembro-me que num dos anos a Lisgráfica perdeu o concurso para outro fornecedor que apresentou melhores condições. O António Pedro Ruella Ramos deve ter ficado aborrecido. Não mexeu uma palha, não mandou recado, nem recriminação. Um grande Senhor!

PUBLICADO A 18 DE JUNHO DE 2009

sábado, fevereiro 8

MANUEL LOPES - 25 de abril - 40 anos, 32


Fotografia de António Pais  (Grupo no jantar de extinção do MES em 7 de novembro de 1981 - de pé da esquerda para a direita - Agostinho Roseta, José Manuel Galvão Teles, António Machado, Francisco Farrica, Afonso de Barros, José Galamba de Oliveira, Rogério de Jesus, Manuel Lopes, António Rosas; em baixo da esquerda para a direita: Edilberto Moço com as mãos nas costas de César de Oliveira, Eduardo Ferro Rodrigues, Vitor Wengorovius, José Dias e Carlos Pratas. )

Antes do 25 de Abril, militou no MDP/CDE e foi membro da sua Comissão Política em 1969. Foi fundador do MES (Movimento de Esquerda Socialista) em 1973 e presidiu à sua direcção até 1975.
Sempre apreciei o Manuel Lopes que, a par com o Agostinho Roseta, desempenhou um papel importante na gestação do sindicalismo português no período ante e pós 25 de Abril. Ambos morreram prematuramente. O Agostinho Roseta em 9 de Maio de 1995 e o Manuel Lopes em 15 de Maio de 1999. Honra à sua memória. Ambos foram fundadores do MES como activistas do sindicalismo livre que ganhara influência em diversos sindicatos incluindo o Sindicato dos Lanifícios de Lisboa. Digo sindicalismo livre para assinalar a sua autonomia face a qualquer direcção política partidária, em particular, a do PCP. Não tenho dúvidas que os últimos acontecimentos e a própria evolução do sindicalismo português teriam sido diferentes se fossem vivos. Esclareço que o Manuel Lopes tendo sido fundador do MES não presidiu à sua direcção pois nunca houve nenhum presidente de qualquer direcção do MES. As estruturas eram todas de tipo colectivo (coisas de outros tempos! …) e um bocadinho de feição anarquista. O MES também não foi fundado em 1973 – isso foi o PS – e as datas que melhor podem ser indicadas como de fundação do MES são o 1º de Maio de 1974, com a primeira saída à rua, ou a data do seu 1º Congresso, em Dezembro de 1974.

PUBLICADO EM 12 DE MAIO DE 2009

sexta-feira, fevereiro 7

O tempo é superior ao espaço


Este é o tempo frio invernal e faz tempo que não escrevo aqui direto na tela branca como gosto. A questão do tempo fez-me lembrar um excerto magnifico do texto do Papa Francisco na EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM:

O tempo é superior ao espaço

222. Existe uma tensão bipolar entre a plenitude e o limite. A plenitude gera a vontade de possuir tudo, e o limite é o muro que nos aparece pela frente. O «tempo», considerado em sentido amplo, faz referimento à plenitude como expressão do horizonte que se abre diante de nós, e o momento é expressão do limite que se vive num espaço circunscrito. Os cidadãos vivem em tensão entre a conjuntura do momento e a luz do tempo, do horizonte maior, da utopia que nos abre ao futuro como causa final que atrai. Daqui surge um primeiro princípio para progredir na construção de um povo: o tempo é superior ao espaço.

223. Este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a suportar, com paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos que o dinamismo da realidade impõe. É um convite a assumir a tensão entre plenitude e limite, dando prioridade ao tempo. Um dos pecados que, às vezes, se nota na atividade sociopolítica é privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos. Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação. É cristalizar os processos e pretender pará-los. Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos de uma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificarem em acontecimentos históricos importantes.  Sem ansiedade, mas com convicções claras e tenazes.

Hoje, finalmente, decorreu, em Portugal, um debate acerca deste texto programático do papa Francisco. Haja Deus!

Anjos e Marvão Libertação – uma homenagem tardia - 25 de abril - 40 anos, 31

João Mário Anjos (à esquerda), Eduardo Ferro Rodrigues (ao centro) e o subscritor (à direita). Fotografia de uma época próxima dos factos.
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Um dos acontecimentos mais marcantes a que assisti no período imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 foi o da recusa dos oficiais milicianos (João) Anjos e (Carlos) Marvão em comandar uma acção destinada a reprimir uma greve dos trabalhadores dos CTT. Na verdade a unidade militar na qual, no dia 17 de Junho de 1974 (?), ocorreu esse acontecimento era aquela onde eu prestava serviço militar: o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (ao Campo Grande).
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Alguém dos poderes provisórios, saídos da revolução, não sei quem, decidiu que caberia àquela unidade militar estrear um tipo de intervenção que colocaria as forças armadas, acabadas de sair triunfantes do 25 de Abril, contra uma acção reivindicativa de trabalhadores. Foi uma decisão surpreendente, ainda para mais, quando nos demos conta que o comando da força repressiva seria cometido a oficiais milicianos.
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Lembro-me de nos terem reunido e de um oficial superior encetar a tarefa impossível de ordenar a um oficial miliciano (ou oficiais) que comandasse a força. Começou por uma ponta na qual, por acaso, se haviam posicionado o João Mário Anjos e o Carlos Marvão. Não sei já qual foi o primeiro a recusar a ordem mas indagado o segundo, que também recusou, o oficial resolveu suspender a diligência. Logo a seguir, na terceira posição, se não me falha a memória, estava eu próprio. Nos dias 25 e 26 de Junho foi concretizada a prisão dos oficiais rebeldes que seguiram para a prisão da Trafaria.
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A greve dos trabalhadores dos CTT terminou no dia 20 de Junho mas a posterior prisão daqueles oficiais despertou a mais profunda indignação dando origem a diversas manifestações, com significativa participação popular, de que possuo registo de duas: a primeira convocada para 28 de Junho no Campo Grande, junto à Churrasqueira, e a segunda realizada no dia 9 de Julho na Praça Marquês de Pombal proibida, aliás, pelas autoridades. Segundo uma cronologia do Centro de Documentação 25 de Abril Os manifestantes recusam-se a obedecer e desfilam até ao Marquês de Pombal.

O MES convocou as manifestações, pelo menos, através de três comunicados: o primeiro subscrito pela Comissão Política, com data de 27 de Junho (dois meses após o 25 de Abril), com o título Dois Milicianos Presos na Trafaria Por Não Quererem Reprimir os Trabalhadores, o segundo e terceiro, ambos subscritos pelos Grupos Socio-Profissionais Mistos, sem data, com os títulos Exijamos a Libertação dos Milicianos Presos e Libertemos Anjos e Marvão! A Luta Continua!

O Robin Fior, designer inglês, apanhado em Lisboa pela revolução, que foi o autor do símbolo e dos primeiros materiais de propaganda do MES, concebeu um inesquecível cartaz, com a palavra de ordem Anjos e Marvão Libertação. O cartaz de que não possuo qualquer exemplar, nem encontrei disponível na internet, ostenta um design gráfico invulgar para a época sendo, certamente, uma das peças de propaganda mais notáveis daquele período. [Quem o puder enviar, agradeço.]

Um dos oficiais milicianos presos era, nem mais nem menos, o João Mário Anjos que havia, comigo e o António Dias, bastante antes do 25 de Abril, constituído uma das «células» do MES que, por essa altura, «marinava» entre a semi-clandestinidade, que nós pensávamos que o serviço militar exigia, e a legalidade que o 1º de Maio, ainda fresco na memória de todos, reclamava. Conviveríamos com esta ambiguidade durante os meses seguintes pois, na verdade, vivíamos, com ou sem razão, na incerteza dos destinos da revolução que aquelas inopinadas prisões parecia confirmar.

Hoje, passados 35 anos sobre esses acontecimentos, por dever de consciência, presto homenagem pública aqueles dois camaradas de armas e, em especial, ao João Mário Anjos, cuja coragem física e clarividência política, de que possuo evidências, nunca foram, pelos seus próprios companheiros, suficientemente reconhecidas. Onde quer que se encontre quero dizer-lhe que o não esqueci, nem esquecerei.

PUBLICADO EM 1 DE JUNHO DE 2009

quinta-feira, fevereiro 6

BIOGRAFIA DE HUMBERTO DELGADO - UMA LEITURA NECESSÁRIA - 25 de abril - 40 anos, 30


Terminada a leitura da Biografia de Humberto Delgado, de autoria de seu neto Frederico Delgado Rosa, não resisto a deixar algumas notas. Na minha meninice – como já antes assinalei – senti pessoalmente o frémito da campanha presidencial de 1958 e nunca mais se apagaram da minha memória as imagens do empolgamento popular que a figura de Humberto Delgado suscitou.

Esta obra promissora de desenvolvimentos, e aprofundamentos, que se aguardam para o próximo futuro, mereceria, além do mais, uma verdadeira divulgação popular que contribuísse para desmitificar o branqueamento do fascismo português e da figura do seu líder e mentor – Salazar – que amiúde se quer fazer passar como um político brando na repressão, tolerante nos costumes e eficaz na política.

A leitura das 1225 páginas de texto deste livro sugere uma meditação acerca do "fenómeno Humberto Delgado", após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, até aos nossos dias, mesmo que não nos aventuremos pelos caminhos da crítica e nos limitemos – como é o caso – ao simples papel de leitores atentos e interessados. Eis algumas breves, e despretensiosas, dessas possíveis reflexões:

(1) É do mais elementar bom senso desconfiar das ideias feitas acerca da história, em particular, da “história oficial”, quando envolve personagens carismáticos e acontecimentos com forte carga política e emotiva;

(2) Os protagonistas que marcam, pelo seu pensamento e acção, a história das nações são homens com suas virtudes e defeitos transformando-se a si próprios a par das transformações que suscitam;

(3) O General Humberto Delgado foi um distinto militar de carreira, apoiante do golpe militar do 28 de Maio, e da ditadura entre 1926 e o dealbar dos anos 50, tendo acabado por sacrificar a carreira, e a própria vida, no combate sem tréguas ao regime fascista, após a ruptura política com Salazar, a partir das eleições presidenciais de 1958, às quais se candidatou, como independente, por vontade própria;

(4) Foi ele o verdadeiro precursor do 25 de Abril de 1974 pois defendeu (quase sempre) que a ditadura só cairia através da acção militar, que haveria de ser protagonizada pelas forças armadas, apoiadas pelo povo, o que viria, de facto, a acontecer pouco menos de nove anos após o seu assassinato que ocorreu em 13 de Fevereiro de 1965;

(5) Delgado foi, politicamente, um liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona, e pela sociedade americana (o que lhe valeu o magnífico epíteto de “General Coca Cola”) influências assumidas ao longo de várias missões profissionais – em representação do estado português - na Inglaterra, Estados Unidos e também no Canadá;

(6) Delgado foi um político que nunca deixou de ser General e de cuja áurea anti-salazarista a esquerda, do seu tempo, se quis apropriar sem, na verdade, partilhar das suas ideias e acções, que desprezava apodando-as, pelo menos, de aventureiras;

(7) O General Humberto Delgado foi atraído a uma cilada e assassinado pela PIDE, por espancamento, e não a tiro, com conhecimento de Salazar, que sempre encobriu este hediondo crime, sob as mais variadas artimanhas, no plano interno e da diplomacia, entrando, inclusive, em rota de colisão com Franco;

(8) O julgamento dos autores materiais do crime – que não dos seus autores morais que sempre foram poupados pela democracia – em Tribunal Militar – foi uma triste farsa que não permitiu apurar a verdade e muito menos punir os criminosos;

(9) Todo o processo desde o assassinato de Delgado, passando pelo encobrimento do crime, à descoberta dos corpos, à investigação judicial e perícias forenses, realizadas pelas autoridades espanholas, até à condução do processo judicial em Portugal, julgamento e recursos judiciais, constitui um caso exemplar que permite, nos planos político e judicial, entender muitos aspectos da realidade contemporânea portuguesa e as peripécias de processos que ainda correm os seus trâmites;

(10) Este livro deveria ser de leitura obrigatória para todos os políticos, militares, juízes, magistrados, jornalistas e decisores de todos os escalões da hierarquia do estado a começar pelo Senhor Presidente da República;

(11) Espero que o autor, cuja coragem não pode ser só uma herança de sangue, prossiga as suas investigações para que os portugueses possam conhecer todos os meandros do assassinato de Humberto Delgado, para que sejam identificados os seus autores, materiais e morais, assim como os encobridores, localizados os que ainda possam estar vivos, reabrindo, eventualmente, o processo, levando a que os criminosos paguem pelos seus actos e contribuindo, dessa forma, para que os portugueses se reconciliem com a justiça do seu país.

(12) Nunca nenhum processo-crime está definitivamente encerrado enquanto subsistirem fundadas suspeitas de que se não fez justiça. É o caso.

PUBLICADO EM 18 DE AGOSTO DE 2008
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terça-feira, fevereiro 4

MES - CARTAZES (1) -25 de abril - 40 anos, 28

Imagem cedida por Margarida Boto
Cartaz do MES – Almada, Ano: 1975, Arquivo: CNE

Recentemente fui contactado pela Margarida Boto que, no âmbito de um trabalho académico, aborda a questão do grafismo dos cartazes político-partidários, abarcando o período 1969/80. Eu próprio gostaria de possuir mais informação acerca da génese dos cartazes do MES. Aqueles que Margarida Boto recolheu e que me disponibilizou, em suporte digital, são do período posterior à colaboração de Robin Fior. O cartaz que agora se publica é, como um outro desta série, de concepção e produção local e apresenta um grafismo singular no universo dos cartazes do MES.

Alguns cartazes do MES [Movimento de Esquerda Socialista] estão também disponíveis no site do Centro de Documentação 25 de Abril que mostra um conjunto, com uma marcada concepção artesanal, certamente, de iniciativa das estruturas de base, com excepção do último que é, se não erro, o primeiro verdadeiro cartaz do MES. Este mostra um desenvolvimento da linha gráfica concebida por Robin Fior que foi o autor do símbolo do MES e da sua linha gráfica inaugural, em particular, a partir da concepção do seu órgão de imprensa: “Esquerda Socialista”.

Com os meus agradecimentos à Margarida Boto, não vou alongar-me em comentários, na expectativa de que me possam ser enviadas mais informações acerca de cada um dos exemplares desta série cuja publicação agora inicio.

PUBLICADO EM 14 DE AGOSTO DE 2006

segunda-feira, fevereiro 3

25 de Abril de 1974 - Os Verdadeiros Comandantes da Revolução - 25 de abril - 40 anos, 27


Entre a madrugada do dia 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974 vivi enclausurado no Quartel do Campo Grande, em Lisboa, onde hoje funciona uma universidade privada e naquela época estava sedeado o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar. Lá entrei já a madrugada ia alta, tal conjurado, com o António Dias, após termos perseguido, de carro, a coluna do Salgueiro Maia desde a sua entrada no Campo Grande até ao Terreiro do Passo.

Já contei essa história. De todas as imagens que guardo na memória a mais impressiva é a da fragilidade da coluna revoltosa. Não sabia quem a comandava mas o impensável viria a tornar-se realidade. E a vitória dos mais fracos deveu-se, tão-somente, à justeza das suas razões e à coragem do seu líder. Aos leitores mais ortodoxos do colectivismo assinalo que falo num símbolo. Também sei que, desde sempre, reinou a desconfiança, entre os “donos” da mudança, a respeito de Salgueiro Maia, como hoje reina a desconfiança a respeito de tantos que ousam tomar toda e qualquer iniciativa de mudança (o que é a mudança, hoje?).

Para os “donos” da revolução nem todos devem desfilar na Avenida da Liberdade mas quis o destino – ou a ordem de operações – que quem primeiro nela desfilou fosse Salgueiro Maia que, oferecendo o peito às balas, fez estalar o click que mudou o rumo da história. Olhem com atenção para as imagens que, por vezes, passam na TV. Esse comandante, Salgueiro Maia, era um entre muitos e quem dirigia as operações era um comando com a seguinte constituição: Amadeu Garcia dos Santos, Hugo dos Santos, José Eduardo Sanches Osório, Nuno Fisher Lopes Pires, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Crespo. O coordenador era Otelo por decisão do Movimento das Forças Armadas. [Ver a “Fita do Tempo da Revolução - A noite que mudou Portugal”.]

O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, “tinha-os no sítio”, estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com “eles no sítio” do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade.

Quem fez triunfar a revolução não foi Ramalho Eanes, nem Spínola, nem Costa Gomes, não foi nenhum General estrelado pelo Antigo Regime, ou promovido administrativamente pelo novo, quem decidiu o triunfo da revolução foram os “capitães” e o povo, que alargaram à rua o posto de comando e que tomando a rua para si tudo decidiram. Não cito mais nomes, pois todos sabem os nomes, e em nome do povo sempre, à distância de tantos anos, podem caber todos os nomes.

A revolução foi branda para com os seus inimigos, perdoou-lhes os crimes, ofereceu o seu sangue em troca da liberdade, ganhou a admiração do mundo e isso é o seu legado histórico mais valioso. Os antigos carrascos da liberdade: os PIDES, os censores, os legionários, todos os esbirros da ditadura, seus ajudantes e admiradores, ganharam o direito a viver em liberdade, ainda hoje se cruzam connosco nas ruas e nos locais de trabalho, emitem opinião, sendo detentores de todos os direitos cívicos e políticos.

Mas se a nossa revolução foi branda para com os carrascos da liberdade pode orgulhar-se da grandeza de lhes oferecer o bem mais precioso que eles sempre negavam aos seus benfeitores. Os verdadeiros comandantes da Revolução foram generosos. Mas que ninguém, verdadeiro amante da liberdade, espere que os aspirantes a tiranos lhes retribua tanta generosidade. Por isso é prudente que, para preservar a liberdade, a democracia não vacile no combate aos seus inimigos.

Comentários deixados nos Caminhos da Memória (somente fiz ligeiras alterações para facilitar a leitura):
Não acredito que ele fosse conservador. Provavelmente Salgueiro Maia era de tal forma apartidário, que os elementos com ligações partidárias (quase todos...) desconfiavam dele. Ainda hoje é assim. Raramente se acredita nas pessoas que dizem não sentir afinidades por qualquer força política (com os clubes de futebol ainda é pior...)

luis eme

Posso confirmar que não era conservador. Conhecíamo-nos de Santarém ele e o major bernardo, marido da felisbela, minha antiga colega de liceu, há muitos anos. Durante a campanha de 1969 , fui eleito membro da comissão executiva da cde de Santarém e por essa altura tive imensos contactos com militares da escola prática. Em 1971 é preso José Jaime Fernandes no quartel de Santarém e depois houve uma grande explosão ainda hoje não explicada. O José Jaime correu Caxias, Peniche e passou pelo presídio militar de Santarém, onde através do apoio de diversos militares amigos fizemos chegar diversos materiais. Em 1972 ele e outros amigos fizeram um relatório sobre o presídio militar de Santarém que publicámos no boletim da comissão de socorro aos presos políticos. Para isso contribuíram vários amigos militares. Antes de Abril desertaram seis capitães de Santarém, entre eles o capitão Vítor Pires, meu antigo colega de liceu, para a Suécia e eu e José Jaime fizemos os contactos para os ajudar a desertar No congresso de Aveiro de 1973 eu era um dos responsáveis do gabinete de imprensa, tendo trabalhado em estreito contacto com a comissão organizadora do congresso. Eu a helena Neves, João Paulo Guerra e Vareda pelo secretariado do MOD. Eu na altura pertenci também ao secretariado do Mod, representandoSantarém, com Tengarrinha . Cardia, Hélder Madeira, Vareda e outros. Nessa qualidade tive contactos com vários militares em Santarém que se queriam informar sobre o congresso de Oposição Democrática, em particular sobre a nossa posição sobre a guerra colonial.Diziam não ter posição política mas queriam compreender a nossa posição. Antes de 25 de Abril fui ainda contactado por um antigo colega de liceu, militar, que me quis informar da amplitude do movimento militar e das suas esperanças. Durante a madrugada do 25 de Abril, fui o primeiro a chegar à redacção do meu jornal ,pelas quatro horas da madrugada e já sabia por um telefonema que me acordou que devia ir para o jornal. Pelas cinco da manhã fui ao rádio clube português por ordem do meu chefe de redacção e lá encontrei alem do meu amigo Filipe costa o capitão da força aérea Vítor Cunha, meu antigo colega de liceu e meu amigo, mais tarde conselheiro da revolução. Ficaram eufóricos quando me viram. Precisamos do apoiodas forças democráticas. Em 28 de Abril levei ao rcp o primeiro comunicado da uec que me foi entregue pelo Edgar Valles. O Vítor Cunha e o sobral Costa cansadíssimos pediram-me um comunicado dos "maioreszinhos". No Carmo durante a manhã de 25 Abril tive todo o apoio de salgueiro maia que falou várias vezes comigo, mas quando Marcelo estava para sair no tanque, pediu-me explicitamente para eu falar à população como representante da oposição democrática. Expliquei-lhe que estava como jornalista e sugeri-lhe o "tareco" da oposição católica progressista que eu vira falar na manifestação que tínhamos feito no patriarcado contra a guerra colonial. Durante a noite de 26, passei a noite junto de Caxias com Helena Pato, minha antiga colega de Coimbra e subi de manhã com os marinheiros para o pátio de Caxias, onde cumprimentei os meus amigos presos e continuei contactos com militares. À tarde abri celas a presos e presidi com um militar de Spínola e outro representando o MFA, por sugestão de advogados democratas presentes, em particular Wengorovius e Galvão Teles à libertação dos presos políticos. Estou a escrever um livro sobre este período histórico mas gostaria de contribuir para mudar a imagem conservadora de Salgueiro Maia.
José João Louro

PUBLICADO EM 14 DE ABRIL DE 2009

sábado, fevereiro 1

25 de Abril de 1974 - três momentos fascinantes - 25 de abril - 40 anos, 25

Foto de Bruno Barbey


A rendição de um PIDE

Num post anterior, publicado em 16 de Março, aniversário do «Golpe da Caldas» descrevi, de forma mais sucinta possível, a minha insólita participação na coluna de Salgueiro Maia na madrugada do 25 de Abril.

Nessa madrugada já após termos ultrapassado a coluna de Salgueiro Maia não sei já se na Rua do Arsenal, ou na Av. Ribeira das Naus, entrámos, ia alta a noite, no Quartel do Campo Grande e desde essa madrugada, até depois do dia 1º de Maio de 1974, não saí do quartel senão uma única vez.

Não vivi na rua a verdadeira festa do 25 de Abril após a consumação da vitória da revolução. Não assisti à enxurrada de manifestações populares nem participei, com muita pena minha, na manifestação do 1º de Maio de 1974. Os soldados ficaram, horas a fio, alinhados nas casernas, por detrás das janelas de armas apontadas para a rua, preparados para o que desse e viesse. Alguém tinha que cuidar desses detalhes da «cozinha» da revolução.

Num desses dias, estava de oficial de dia o António Dias, quando foi procurado por alguém que da rua pretendia falar. Era um agente da PIDE que se queria entregar. Foi recebido com deferência. Identificou-se e fez a entrega da arma. Uma bela pistola que, devo confessar, me suscitou cobiça e nunca mais esqueci.

De seguida coube-me a tarefa de o escoltar a caminho da Ajuda onde o entreguei em «Cavalaria 7» ou «Lanceiros 2». Foi a minha única saída do quartel em todos aqueles dias de brasa.

No percurso, realizado em jipe, nem uma palavra se trocou. Lembro-me de ter cumprido a missão, com rapidez, respeitando e defendendo, do primeiro ao último momento, a dignidade de um homem aterrorizado que tinha passado, de um dia para o outro, de agente do poder a prisioneiro do poder.
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O passo em frente

Os dias que se seguiram ao 25 de Abril foram de ansiedade e expectativa. Nas ruas a euforia disfarçava o nervosismo mas nos quartéis o ambiente não era de certezas definitivas. O Oficial que assumiu o Comando da minha unidade, certamente o Major Azevedo, mandou reunir os oficiais milicianos.

Formámos um semi-círculo e o comandante perguntou se alguém estava contra, ou tinha reservas, face ao Movimento das Forças Armadas. Quem estivesse contra daria um passo em frente. Gerou-se um ambiente de silêncio e passividade total.

Eis senão quando o Graça (Mário), o de Moçambique, deu um passo em frente. Ficámos sem saber o que pensar. Mas ele explicou. Não tinha a certeza se os militares levariam até ao fim o processo de libertação do povo português e a descolonização.

Ficamos mais descansados e destroçamos com sorrisos. Na prática todos os oficiais milicianos do quartel estavam com o MFA.

Mário Viegas

Mas o oficial miliciano mais fascinante do meu Quartel era o Mário Viegas. O seu estatuto no serviço militar era apropriado ao seu talento de actor.

Vivemos em comum aqueles momentos inesquecíveis em que a liberdade foi devolvida aos portugueses. Tinha por ele um natural fascínio que sempre me retribuiu até à sua morte prematura.

Por um daqueles dias entre o 25 de Abril e o 1 de Maio de 1974, se não erro, no Quartel do Campo Grande, assisti ao espectáculo mais extraordinário de toda a minha vida. Havia que festejar o que agora comemoramos com nostalgia. O refeitório foi transformado numa sala de espectáculos. Nele se reuniu toda a gente de serviço no quartel.

Imaginem o elenco daquela festa improvisada: Carlos Paredes, Zeca Afonso e Mário Viegas. Todos mestres geniais na sua arte. A certa altura o Mário Viegas subiu para o tampo de uma mesa e a poesia brotou, em palavras ditas, como se diante de nós se revelasse um novo mundo ou tivéssemos da vida renascido.

[A partir de um conjunto de posts publicados no Absorto em Março/Abril de 2004.]

PUBLICADO EM 30 DE MARÇO DE 2009
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sexta-feira, janeiro 31

Germana Tânger e o poema "Aniversário" de Álvaro de Campos


Acabo de ver e ouvir, por acaso, na “SIC Mulher”, uma entrevista com Germana Tânger. Grande declamadora de poesia, como me apetece dizer, agora com 84 anos e muitas histórias para contar.

Mora numa casa ao lado daquela onde nasceu Pessoa. Pessoa e os poetas do Orfeu foram os que mais disse na sua longa vida de divulgadora infatigável da poesia. Vai ser agora editado um “audio-livro”, pela Assírio e Alvim, com poemas de Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Mário Sá Carneiro ditos por ela.

O programa acabou com Germana Tânger dizendo o poema de Álvaro de Campos, “Aniversário”.

Recusou o livro para o dizer de cor. O que na televisão pode ser uma tragédia para um artista vulgar não o foi para ela. Esqueceu-se de um verso e, provavelmente, enganou-se noutros. Mas disse o poema de cor. E o essencial estava lá. Aqui está o poema com as desculpas por algum erro pois é tarde e não tenho tempo de o rever em todo o seu detalhe.


Aniversário
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


Álvaro de Campos
 
PUBLICADO EM 25 DE OUTUBRO DE 2004


quinta-feira, janeiro 30

Breve resenha histórica da imprensa do MES - O jornal «Esquerda Socialista» (II) - 25 de abril - 40 anos, 24



Em épocas de revolução o tempo ganha uma dimensão proporcionalmente inversa ao empolgamento dos protagonistas. Quanto mais fervor revolucionário mais o tempo parece escasso. Todos os sonhos parecem realizáveis e as vozes conciliadoras, ou que se atrevam a apelar ao realismo, tendem a ser silenciadas ou desprezadas.
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Apesar do seu temperamento afectuoso e, ao mesmo tempo, irascível, César de Oliveira, uma grande figura de intelectual da esquerda portuguesa do século passado, abandonou a direcção interina do “Esquerda Socialista”, após a edição dos seus seis primeiros números, sob a pressão de uma maioria radicalizada que, considerava o jornal ”politicamente ambíguo”, “graficamente confuso” e “financeiramente desastroso”.

Acusações tanto mais injustas, digo-o hoje sem contemplações, atentas as dificuldades em reunir, à época, as condições para erguer qualquer órgão de imprensa partidária (e mesmo generalista!), fora da esfera de influência do PCP e dos grupos marxistas-leninistas-maoistas, ainda por cima, em oposição, ideológica e política, aos princípios essenciais da orientação político-partidária daquelas organizações.

Foram aliás essas dificuldades que explicam o longo tempo, quatro meses e dez dias (uma eternidade!), que mediou entre o surgimento público do MES, anunciado no pano artesanal que desfilou na grande manifestação do 1º de Maio de 1974, e o dia 11 de Setembro desse ano quando saiu do prelo o nº 0 do “Esquerda Socialista”. O cartaz dizia “Movimento de Esquerda Socialista (em organização) ”, uma fórmula impensável à luz das regras tradicionais do marketing político, mas que explica, em duas palavras, as delongas no surgimento do jornal.

Era preciso dar corpo a uma ideia que andava no ar, ou seja, estabelecer as bases programáticas e organizativas de um partido, criando-o de raiz, a quente, na bigorna da revolução, não deixando perder as energias de tantos e tão promissores movimentos de luta sectorial e o entusiasmo dos militantes que exigiam aderir a um movimento político que nem os seus fundadores sabiam muito bem ao que vinha e nos quais não constava, que me lembre, uma única personalidade relevante ligada à imprensa.

Que experiência mais apaixonante se poderia desejar na volúpia da revolução, que fervilhava nas ruas, do que responder ao desafio de criar um partido de “esquerda socialista” despojado, à partida, de recursos materiais e de apoios internacionais? Mas como encontrar energias para fundar, do nada, o mais depressa possível, um órgão de imprensa que lhe desse rosto e voz?

Ao fim de muitas, e acesas, discussões, nas quais o César de Oliveira se enfurecia amiúde, lançaram-se as bases de uma equipa de trabalho para elaborar o “Esquerda Socialista”, arranjou-se uma sede provisória na Rua Garrett, que a partir do nº 8 passou para a Rua Rodrigues Sampaio e a partir do nº 30 para a Av. D. Carlos I, convenceu-se a Renascença Gráfica a vender “fiado” os trabalhos de edição e impressão, contratou-se uma distribuidora e o “Esquerda Socialista” foi para a rua.

Esta aventura, FAÇA-SE JUSTIÇA, não teria sido possível sem o empenho do José Manuel Galvão Teles e como, ainda hoje, não sei se alguém lhe agradeceu o suficiente daqui lhe envio o meu tardio obrigado!

No decurso da 2ª fase da sua existência, de Dezembro de 1974 a Julho de 1975, a direcção do “Esquerda Socialista” foi atribuída, pela Comissão Política Nacional (CPN) a Augusto Mateus, tendo sido editados mais 27 números, do nº 12 ao 38, com periodicidade semanal, compostos por 12 páginas a 2 cores e ao preço de venda ao público de 3$00. (a única excepção foi um nº especial, a propósito do 11 de Março de 1975, que saiu apenas com 4 páginas ao preço de 1$00).

Se não erro, pois não tenho a colecção completa na minha frente (não sei que é feito dela), foram editados, contando com o nº 0, quarenta números do “Esquerda Socialista”, com uma tiragem, no seu ocaso, entre 17.000 e 20. 000 exemplares, mesmo assim bastante relevante acerca da presença política do MES no processo revolucionário em curso, como era da praxe dizer-se.

O jornal “Esquerda Socialista”, carregando, em particular, nesta derradeira fase, as marcas próprias da sua época, mais criativo e anarquizante, na sua primeira fase, constitui um testemunho interessante para uma análise política, e cronológica, do período revolucionário compreendido entre o 28 de Setembro de 1974 e a aprovação do “Plano Aliança Povo-MFA, em Junho de 1975.

Mas ainda não tinha acabado a aventura do “Esquerda Socialista” e já tinha sido criado o “Poder Popular”, o outro órgão de imprensa do MES, que se pretendia mais próximo da luta das classes populares, porta-voz de um programa político do MES que nunca deixou de reflectir, a partir do final de 1976, embora sem expressão pública, a luta interna entre facções que se digladiavam no seu seio.

PUBLICADO EM 29 DE DEZEMBRO DE 2008
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quarta-feira, janeiro 29

BREVE RESENHA HISTÓRICA DA IMPRENSA DO MES (I) - 25 de abril - 40 anos, 23


“Esquerda Socialista” jornal do Movimento de Esquerda Socialista, disponível na Hemeroteca Digital da Câmara Municipal de Lisboa. Pode ser folheado aqui.

Publicado nos Caminhos da Memória

O MES, como todos os partidos nascidos com o 25 de Abril, também criou a sua própria imprensa. Aquando da eclosão do 25 de Abril, somente o PCP dispunha de uma verdadeira imprensa própria, com tradição e enraizamento. Os diversos movimentos de base que haviam de confluir no MES produziam folhas volantes, opúsculos, boletins, mais ou menos ao sabor dos acontecimentos, e conforme as necessidades do momento. Salvo, claro está, as colaborações individuais de muitos dos seus fundadores em publicações marcantes da sociedade portuguesa dos anos 60.

Esta é uma breve resenha da história da imprensa do MES, como sempre, apoiada em documentação que tenho em minha posse e, não somente, em impressões subjectivas.

O grande entusiasta da criação de um jornal do MES foi César de Oliveira mas a própria natureza do Movimento, criado pela confluência de correntes surgidas de lutas sectoriais, tornou a tarefa mais difícil. A “Comissão de Imprensa” foi criada numa reunião da Comissão Politica realizada em 12/6/74 sendo encabeçada por Eduardo Ferro Rodrigues e César de Oliveira mas o Jornal só viria ser publicado em 11 de Setembro.

Ao contrário do que se poderia supor a primeira ideia formalizada para título do jornal do MES não foi “Esquerda Socialista” mas “A Luta Operária” e integra uma proposta subscrita por aquela “Comissão de Imprensa” titulada: “PROPOSTA – JORNAL DO MOVIMENTO DE ESQUERDA SOCIALISTA” – A apresentar à I Assembleia Nacional de Militantes do MES”. Trata-se de uma proposta detalhada que além do título propõe uma periodicidade semanal, o dia da publicação (5ª feira), o formato (tablóide), nº de páginas: 12 e subtítulos: “Órgão do Movimento de Esquerda Socialista” e “ O socialismo em Portugal será obra dos Trabalhadores Portugueses”.

Desta proposta inicial sobreviveu quase tudo, menos o título que havia de ser substituído por “Esquerda Socialista” já que o anterior, conforme consta num documento posterior, “não ganhou o suficiente apoio”. Mas não restam dúvidas que foi César de Oliveira o verdadeiro impulsionador da criação do Jornal do qual foi director interino dos 7 primeiros números da 1ºa fase, que decorreu entre Setembro de 1974 e o I Congressos de Dezembro desse ano, na qual foram publicados 11 números.

O número zero, já com César de Oliveira ao leme, foi publicado em 11 de Setembro de 1974, merecendo a megalómana tiragem de 100.000 exemplares e no seu editorial são apontados os 6 objectivos que devia prosseguir: “a) a informação e a análise das lutas; b) a informação e análise da realidade portuguesa; c) a promoção do debate político entre os militantes do MES; d) a divulgação das posições do MES à escala e regional; e) a divulgação e análise das experiências internacionais e f) contribuir para a elevação do nível de consciência das classes trabalhadoras …”. É claro que a avantajada tiragem também foi devidamente explicada mas não evitou, apesar das vendas estimadas entre 20 e 30.000 exemplares, ter sido, ainda antes da edição do nº1, acumulada uma dívida de 176 contos.

O nº 1, com o subtítulo “Órgão do Movimento de Esquerda Socialista” saiu a 16 de Outubro de 1974, com uma tiragem de 35.000 exemplares, e até ao I Congresso de Dezembro, saíram regularmente, sem falhas, 11 números. Parte da tiragem era então vendida ao preço de 2$50, com 12 páginas e a duas cores. César de Oliveira, em carta publicada no nº 7, demite-se de Director interino, justificando essa demissão por razões pessoais às quais se sobrepunham, certamente, a evolução e o teor do debate e as consequentes divergências que haviam de desembocar na primeira dissidência consumada aquando do I Congresso.

Entre o nº 7 e o nº 11 a Direcção do “Esquerda Socialista” foi assumida por Rogério de Jesus consumando, como se afirma num documento posterior, “a vitória duma “certa concepção obreirista que derrotou o intelectualismo dos “doutores” que vieram a dar origem ao GIS e à actual esquerda do PS”.

Não posso deixar de referir o papel marcante, nesta fase iniciar, entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa por altura da eclosão do 25 de Abril. Foi ele que desenhou osímbolo do MES o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil; Robin foi também o autor da linha gráfica da primeira série do jornal "Esquerda Socialista" e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade. Os materiais gráficos do MES, em particular, os da sua fase inicial, alcançaram uma rara qualidade que bem merecia uma cuidada recolha, estudo e divulgação pública.

PUBLICADO EM 16 DE DEZEMBRO DE 2008

terça-feira, janeiro 28

O diálogo social como contribuição para a paz


240. O cuidado e a promoção do bem comum da sociedade compete ao Estado. Este, com base nos princípios de subsidiariedade e solidariedade e com um grande esforço de diálogo político e criação de consensos, desempenha um papel fundamental – que não pode ser delegado – na busca do desenvolvimento integral de todos. Este papel exige, nas circunstâncias atuais, uma profunda humildade social.

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO
24 de novembro de 2013

segunda-feira, janeiro 27

O discurso do MES silenciado no 1º de Maio de 1974 - António Santos Júnior - 25 de abril - 40 anos, 22


A primeira manifestação pública do MES (em organização) no 1º de Maio de 74 (Fotografia de Rosário Belmar da Costa) 


Ainda decorriam os primeiros dias após a libertação quando ocorreu um episódio significativo, pelo menos para a história do MES (Movimento de Esquerda Socialista), envolvendo um dos seus mais ilustres dirigentes fundadores. Em plena euforia vivida nos dias que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 havia que reunir as forças que em diversos sectores da oposição ao fascismo se não identificavam, à esquerda, nem com comunistas nem com socialistas, nem tão pouco com os grupos marxistas-leninistas, dissidentes do PCP.

Num livrinho publicado cerca de dois meses após o 25 de Abril, intitulado “Intervenção Política I”“O MES afirma-se como Movimento, reivindica-se Socialista e demarca-se como de Esquerda, e defende, como princípio fundamental que, conforme as lutas dos trabalhadores de todo o mundo têm demonstrado, a emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios trabalhadores.” E a concluir a Introdução afirma-se: “O socialismo é a associação livre de produtores livres e iguais, a sociedade em que aos produtores e apenas a eles caiba decidir o que se produz, como se produz e para que se produz.”

Foi com este espírito, repleto de ressonâncias libertárias, que os dirigentes de uma amálgama de movimentos sectoriais, associados a lutas de base, se foram unificando dando origem ao que viria a ser o MES pré-anunciado num pano, desenhado de forma artesanal, que desfilou na grande manifestação do 1º de Maio de 1974.

Entretanto caiu no esquecimento que estava prevista, no final da manifestação do 1º de Maio de 1974, uma intervenção de um representante do MES. Essa intervenção estava a cargo do destacado militante sindical e operário António Santos Júnior que “não pôde concluir a leitura do seu discurso porque uma parte da assistência o interrompeu aos gritos.” Como se escreve numa nota que acompanha a transcrição do discurso, na publicação em referência, “como a sua determinação em prosseguir fosse manifesta certos indivíduos com fins inconfessáveis conseguiram com o Hino Nacional transmitido pelos altifalantes impedi-lo de prosseguir.

Distribuído à imprensa diária, que silenciou aqueles factos nos relatos sobre o comício efectuado no estádio, houve manifestos interesses que impediram a sua divulgação, pois apenas dois jornais, passados alguns dias depois do 1º de Maio, publicaram o discurso”.

PUBLICADO EM 23 DE OUTUBRO DE 2008

domingo, janeiro 26

MES - Os dirigentes fundadores (II) - 25 de abril - 40 anos, 21


(Publicado originalmente nos Caminhos da Memória)

Uma surpresa com que me deparei, tempos atrás, ao revolver maços de papéis antigos do MES (Movimento de Esquerda Socialista) foi ter encontrado três folhas A4, apresentando sinais de longa afixação numa parede, nas quais se divulga a estrutura, e constituição, dos primeiros órgãos dirigentes do Movimento no período imediatamente posterior ao dia 25 de Abril de 74.

Muitos dos nomes são meus velhos conhecidos, mesmo amigos, alguns prematuramente falecidos, outros (poucos) são vagas reminiscências que a memória não reteve, sendo todos, politicamente, frutos da época, apanhados na voragem de uma mudança radical na sociedade portuguesa para a qual, de verdade, nenhum de nós estava preparado.

Um caso exemplar é o primeiro nome que surge na lista, sem hierarquia, da estrutura designada por «Comissão Política»: Mário Simões Maciel. Trata-se de uma bizarria, própria do ambiente de frenética agitação da época, que o primeiro nome que surge a encabeçar a «Comissão Política» seja de alguém cuja inclusão naquela lista, ainda hoje, me desperta a maior perplexidade. (Alguém que explique!). Além do Mário Maciel só não referencio, dos restantes catorze, o António J. Pereira e o Pedro Martins. Assinalo que o Braga da Cruz é o Manuel - actual Reitor da Universidade Católica.

Eis a constituição da «Comissão Política», de dezasseis membros, aprovada na «Reunião Geral de militantes do M.E.S., realizada 45 dias após o 25 de Abril, no dia 9 de Junho de 74»:

Mário Simões Maciel, (Eduardo) Ferro Rodrigues, (António) Santos Júnior, Agostinho Roseta, Nuno Teotónio Pereira, Carlos Pratas, Jerónimo Franco, Francisco Farrica, António J. Pereira, José Catela, Pedro Martins, Vítor Wengorovius, Luís Filipe Fazendeiro, Braga da Cruz, Rogério de Jesus, Jorge Ivo.

Naquela mesma reunião de militantes, realizada em 9 de Junho de 1974, havia sido aprovado um conjunto de Comissões que foram preenchidas numa reunião posterior da Comissão Politica, realizada três dias depois, a 12 do mesmo mês. As comissões eram o Secretariado (supunha-se da Comissão Política mas ver-se-á a originalidade da opção tomada!), a Comissão de Imprensa e Propaganda, a Comissão de Relações Exteriores, a Comissão de Expansão (que designação!), a Comissão Sindical, o Secretariado dos Socioprofissionais e a Intervenção Local.

Eis as respectivas composições:

Secretariado
Afonso de Barros, José Dias, António Pinto Basto, Mário Maciel, Eduardo Graça, António Dias.
(Todos os nomes do Secretariado surgem, no documento, com um sinal indicativo de terem aceite o encargo.)

A constituição do Secretariado apresenta a curiosidade de só integrar um membro da Comissão Política (e logo o Mário Maciel!), sendo que os restantes membros foram cooptados fora da Comissão Política, outorgando a este Secretariado, aparentemente, um estatuto com poder autónomo e independente.

Visto a esta distância, é como se a Comissão Política fosse um órgão de representação externa, digamos legal, respondendo a uma fase repleta de incertezas acerca do futuro da revolução, e o Secretariado um órgão semi-clandestino constituído por dois oficiais milicianos no activo que havia sido decidido não darem a cara publicamente - eu próprio e o António (Cavalheiro) Dias - e um responsável pelo embrionário aparelho partidário (José Dias), além de Afonso de Barros e de António Pinto Basto (aliás o jornalista Ribeiro Ferreira).

A ideia de salvaguardar, através do Secretariado, as condições para resistir a um eventual contra golpe, parece ser a única justificação para este modelo de estrutura e constituição do Secretariado, ideia que é reforçada pelo facto de nenhum dos seus membros integrar qualquer das outras Comissões que, por sua vez, apresentam uma constituição, embora ainda provisória (na verdade, à época, tudo era provisório, incluindo os governos!) razoavelmente compreensível.

Comissão de Imprensa e Propaganda:
Eduardo Ferro Rodrigues (+), César Oliveira (+), (João) Benard da Costa, Salgado Matos, Vilaverde Cabral (riscado mesmo no esboço), (António) Machado (+), Abelho, Vítor Silva.
(Os nomes assinalados já haviam aceite o encargo.)

Comissão de Relações Exteriores
Joaquim Mestre, Jorge Sampaio, José Manuel Galvão Teles, António Santos Júnior (+), Agostinho Roseta (+).
(Os nomes assinalados já haviam aceite o encargo. Curiosa a concentração nesta Comissão dos “pesos pesados” do futuro GIS (Grupo de Intervenção Socialista), que não integraram a sobre citada «Comissão Política», e haveriam de sair do MES, em finais de Dezembro de 74, aquando da realização do seu I Congresso.)

Comissão de Expansão
Nuno Teotónio Pereira (+), Carlos Pratas (+), M. Santos (riscado mesmo no esboço), Francisco Cordovil (+), Silvestre (+), Espadaneira (+), (António) Romão (+), Borges Pires (+), José Dias - Ligação com o Secretariado.
(Nesta Comissão todos os nomes estão assinalados por haverem aceite o encargo. Além desse facto, esta é a única Comissão em que é notada a presença de um elemento do secretariado tendo em vista assegurar a ligação o que demonstra a importância atribuída, nesta fase, à expansão e implantação do Movimento.)

Comissão Sindical
(António) Santos Júnior, (Jerónimo) Franco, Marcolino (Abrantes), Almeida, Agostinho (Roseta)
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Secretariado dos Socioprofissionais
(Augusto) Mateus, Rogério (de Jesus), (Francisco) Farrica, Abelho, (António) Machado, António.

Intervenção Local
(José) Catela, Fonseca Ferreira, João Cordovil,
(Todos os elementos referidos aceitam o encargo - a partir da Comissão Sindical).

O Documento termina, no final da 3ª página, com a menção, escrita à mão: «DOCUMENTO INTERNO».

Resta acrescentar que todas estas estruturas, ou seja, os seus activistas, muitas vezes entregues a si próprios, atravessaram o verão de 74 funcionando num ambiente mais ou menos caótico, num sobressalto permanente, acolhendo adesões e correspondendo a entusiasmos, desdobrando-se a cada hora, na crença de que a revolução socialista, afinal, poderia transformar-se de utopia em realidade. Esta crença mostrou-se, na verdade, uma pura utopia. Ainda bem! Aqui para nós, que ninguém nos ouve!

PUBLICADO EM 12 DE SETEMBRO DE 2008
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