quinta-feira, fevereiro 20

MES - Resolução da 8ª reunião plenária do Comité Central - 25 de abril - 40 anos, 39


Nos onze meses posteriores ao II Congresso do MES, desde 15 de Fevereiro de 1976 até ao final desse ano, decorreram três batalhas políticas nas quais o MES foi estrondosamente derrotado: as eleições legislativas de Abril de 1976, as eleições presidenciais, nas quais apoiámos a candidatura de Otelo e, finalmente, as eleições autárquicas de Dezembro.

Apesar da retórica revolucionária, ainda presente nas conclusões do II Congresso, que se destinavam a sustentar, persistindo na «linha revolucionária», o empenhamento nas batalhas eleitorais de 1976, o desastre político que os seus resultados representaram impuseram o início de um volte face, em particular, no plano programático que começou a desenhar-se com a Resolução adoptada na 8ª Reunião Plenária da Comité Central.

Esta reunião realizou-se nos dias 15 e 16 de Dezembro de 1976 e a Resolução aí aprovada ostenta, como epígrafe, uma citação de Lenin que, no dia do encerramento do XXVIII Congresso do PCP, em que escrevo, se revela particularmente interessante:

«Ocorre frequentemente que quando se dá uma reviravolta brusca na história, até os Partidos mais avançados deixam passar um tempo mais ou menos longo, antes de se orientarem na nova situação criada, repetindo palavras de ordem que, se ontem eram acertadas, hoje perderam toda a razão de ser tão “subitamente” como «súbita» é a brusca viragem da história.»

O teor da frase escolhida para epígrafe da 8ª Resolução, assim como o seu autor, foram uma espécie de «almofada» que ajudaria os mais recalcitrantes «revolucionários» do MES a aceitar a democracia parlamentar, nunca antes reconhecida, mas que os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 haviam tornado numa realidade irreversível.

Na verdade a questão política central que se colocava ao MES, desde há muito, mas nunca assumida, era reconhecer a democracia parlamentar como o regime político consagrado pelos portugueses nas eleições, livres e democráticas, para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975. Foi esse mesmo reconhecimento tardio que esta Resolução, a muito custo, consagrou.

Lembro-me de ter sido eu próprio que redigiu o seu segundo parágrafo, aliás sublinhado, a bold, no qual se pode ler: «É necessário tomar como certo que na actual fase a democracia-burguesa vai prevalecer no nosso País sobre qualquer outro tipo de regime».

Poucos acreditavam que tal posição pudesse ser aprovada pelo Comité Central mas, na verdade, acabou por sê-lo, ao mesmo tempo, que uma outra posição que, à época, era crucial para a clarificação do posicionamento do MES e que, em conjunto com aquela, abria caminho para uma aproximação política aos partidos do campo democrático, em particular o PS.

Esta segunda posição é resumida na seguinte frase também sublinhada no corpo daquela Resolução: «O CC considera que a actual correlação de forças no terreno militar não favorece nem o golpismo militar de direita nem dá viabilidade a qualquer “solução militar de esquerda”.»

As orientações desta 8ª Resolução, aprovadas em Dezembro de 1976 e publicadas em Janeiro de 1977, haviam de originar uma intensa disputa interna durante os anos seguintes, atravessando o III Congresso e desembocando no IV Congresso do MES, realizado em 8 de Julho de 1979, que abriria, de uma vez por todas, as portas ao acto original da sua extinção que haveria de ocorrer a 7 de Novembro de 1981. O mais que me apetece dizer, de cada vez que pego em qualquer ponta da história do MES é que, tal como na vida, também na política, o tempo tem um valor incalculável.

PUBLICADO EM 5 DE DEZEMBRO DE 2008

quarta-feira, fevereiro 19

MES - Os dirigentes eleitos no II Congresso (II) - 25 de abril - 40 anos, 38


No contexto político em que foi realizado o II Congresso do MES, na ressaca do 25 de Novembro de 1975, não admira que a designação adoptada para a estrutura dirigente eleita fosse a de Comité Central, decalcada dos partidos comunistas, o que nunca antes havia acontecido. A sua composição, por outro lado, aproximou-se da representação nacional, reivindicação antiga das “bases” e, curiosamente, como sempre aconteceu, não contou com a participação de uma única mulher.

Atenho-me, nesta abordagem, à composição dos órgãos dirigentes do MES permitindo, no período que decorreu entre o II e III Congresso, observar um processo de depuração cujas razões políticas não abordo neste momento.

Eis a composição do Comité Central, e da Comissão Política, órgãos saídos do II Congresso, com as datas das respectivas eleições e a evolução da composição da Comissão Politica e do Secretariado, que resultaram das lutas internas que ocorreram desde o II até às vésperas do III Congresso.
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COMITÉ CENTRAL

João Mário Anjos *, Marcolino Abrantes *, Afonso de Barros *, Manuel Luís Brito (Coordenadora Regional de Viana), António Caetano (SORBA - Secretariado da Organização Regional do Baixo Alentejo), Celso Cruzeiro *, Francisco Cordovil - suplente - (SORL - Secretariado da Organização Regional de Lisboa), Valter Diogo (Núcleo de Castelo Branco), Francisco Farrica *, Eduardo Graça *, Rogério de Jesus *, Alberto Martins (SORP - Secretariado da Organização Regional do Porto), António Mil-Homens (Coordenadora Militar), António Moreira (SORBA), Augusto Mateus *, Carlos Mendonça (SORBL - Secretariado da Organização Regional da Beira Litoral), Edilberto Moço *, Fernando Ribeiro Mendes *, Luís Martins *, António Pires (SORBA), Eduardo Pontes (Núcleo do Açores), Manuel Pires (SORL), Nuno Teotónio Pereira *, Agostinho Roseta - suplente (Célula do Sindicato dos Têxteis - ORL), Agostinho Rafael (SORP), Cândido Rana (ORL - Célula Petroquímica), Eduardo Ferro Rodrigues *, Jacinto Rodrigues (SORP), José Manuel Raimundo - suplente (Núcleo de Faro), António Cortes Simões - suplente (SORBA), António Moreira dos Santos (Núcleo de São João da Madeira), Fernando de Sousa (SORBL), Vítor Silva *, Carlos Vargas (Núcleo de Faro), Vítor Wengorovius *.

(A lógica da ordenação dos nomes é indecifrável mas é a que consta do documento que tenho na minha posse. Assinalam-se as estruturas de origem de cada um dos eleitos, sendo assinalados com * aqueles que provinham da CPN -Comissão Política Nacional, eleita no I Congresso).

COMISSÃO POLÍTICA DO COMITÉ CENTRAL *

Marcolino Abrantes, Afonso de Barros, Francisco Farrica, Eduardo Graça, Rogério de Jesus, Alberto Martins, Augusto Mateus, Fernando Ribeiro Mendes, Manuel Pires, Nuno Teotónio Pereira, Eduardo Ferro Rodrigues. (* Eleita em 21 de Fevereiro de 1976 na 1ª Reunião Ordinária do C.C.)

Em 3 e 4 de Julho de 1976, na 5ª Reunião ordinária do CC, foi eleita uma nova Comissão Politica e, pela primeira vez, o Secretariado do C.C, com a seguinte composição:

COMISSÃO POLÍTICA:

Afonso de Barros, Francisco Cordovil, Eduardo GraçaRogério de Jesus, Alberto Martins, António Mil-Homens, Augusto Mateus, Carlos Mendonça, Fernando Ribeiro MendesNuno Teotónio Pereira, Vítor Silva. (Sublinho os nomes que permaneceram da anterior CP sendo que, em Janeiro de 77, José Manuel Raimundo substituiu Rogério de Jesus.)

SECRETARIADO:

Afonso de Barros, Eduardo Graça, António Mil-Homens, Augusto Mateus e Nuno Teotónio Pereira. (Francisco Farrica substituiu Afonso de Barros, em Novembro de 76 e Fernando Ribeiro Mendes substituiu António Mil-Homens, em Janeiro de 77).

Em 7 e 8 de Abril (ou Maio) de 1977, na 6ª Reunião Extraordinária (15ª Ordinária) do C. C., foi eleita uma nova Comissão Política e um novo Secretariado:

COMISSÃO POLÍTICA:

Manuel Luís Brito, António Caetano, Francisco Cordovil, Francisco Farrica, António Mil-Homens, Augusto Mateus, Eduardo Pontes, Nuno Teotónio Pereira, António Cortes Simões, Fernando de Sousa, Vítor Wengorovius. (Sublinho os únicos dois nomes que, entre 21 de Fevereiro de 1976 a 8 de Abril (ou Maio) de 1977, integraram todas as sucessivas Comissões Políticas.)

SECRETARIADO:

Francisco Cordovil, António Mil-Homens, Augusto Mateus, Eduardo Pontes e Nuno Teotónio Pereira.

É assinalável o facto de, entre Fevereiro de 1976 e o verão de 1977, se terem afastado da Comissão Política, entre outros: Afonso de Barros, Eduardo Ferro Rodrigues, Eduardo Graça, Alberto Martins e Fernando Ribeiro Mendes.

Um dia, se não me faltar tempo, e vontade, voltarei à abordagem das vicissitudes políticas deste período conturbado da vida do MES.

PUBLICADO EM 12 DE NOVEMBRO DE 2008
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terça-feira, fevereiro 18

O MEU AVÔ DIMAS EDUARDO

O meu avô paterno, Dimas Eduardo Graça - uma fotografia tirada em Santos - Brasil.

A PAZ NA EUROPA


Dias turvos, pardacentos, hoje trava-se uma batalha em Kiev, a velha disputa entre as várias Europas, antecâmara de tantas guerras que a memória da maioria esqueceu. Não há batalhas a sul, ou são as batalhas do silêncio, ou do consentimento, surdas mas violentas, bordejando a potência continental que tantas vezes fez e desfez fronteiras - a Alemanha. Quando forem revelados os resultados das eleições europeias de 25 de maio será o tempo do sobressalto. A Europa unida, desde 1945, pelos desígnios da paz será questionada pelos arautos da guerra. Aí se testará a tempera dos políticos de hoje e o enraizamento popular dos valores da democracia e da liberdade. Um momento decisivo para a manutenção da paz na Europa.    

domingo, fevereiro 16

FERRO RODRIGUES - 25 de abril - 40 anos, 37


Um dia alguém perguntou ao Generalíssimo Franco, no leito de morte, se não se preocupava com os acontecimentos do 25 de Abril de 74, que corriam em Portugal, tendo obtido uma resposta seca: não, porque os portugueses são cobardes. Claro que há excepções mas quer-me parecer, como sói dizer-se, que as excepções confirmam a regra.

Vem esta lembrança a propósito da entrevista que Ferro Rodrigues concedeu hoje à Visão, após um longo silêncio, somente entrecortado pelo ruído do chamado “processo Casa Pia” no qual, por razões que a razão desconhece, foi envolvido. Acabei de ler a entrevista. Antes li e ouvi notícias acerca dela. Salvo raras excepções as notícias passam ao lado do essencial da mensagem de Ferro Rodrigues. Estranho que o porta-voz do PS – Vitalino Canas – tenha feito uma declaração que denota não a ter lido…

Pelo sim pelo não faço uma “declaração de interesse” na justa medida em que sou amigo do Ferro Rodrigues, desde os tempos da juventude, tendo trilhado um percurso cívico e político comum do qual, salvo algumas asneiras, não me arrependo.

A entrevista, no seu conjunto, é equilibrada, comedida e sensata; ousa a auto crítica e assume a grandeza de fazer as pazes com Jorge Sampaio; não ataca o governo, ao contrário do que parece fazer crer a manchete: “Quando se pede sacrifícios, não se deve ser arrogante”. Nada de mais verdadeiro mas empolado no contexto dos temas abordados entre os quais destaco como o mais impressivo, para mim, o que está contido na frase: “Não gosto de algumas das formas como o poder político, judicial e mediático se relacionam.”

Qualquer pessoa que guarde o siso e o bom senso entenderá, sem risco de errar, que Ferro Rodrigues é merecedor da gratidão dos socialistas, pelo combate político de 2002 no qual, após a “saída” de Guterres, cujas motivações não vêm ao caso, foi capaz de manter o PS à tona e, mais do que isso, num lugar cimeiro, como alternativa política de governo.

Ferro Rodrigues em nome de valores políticos em desuso, a chamada “ética republicana”, tornou-se um obstáculo, enquanto secretário-geral do PS, à ganância de interesses ilegítimos, na esfera pessoal e de grupo, pública e privada, nacional e internacional, que o tornaram em alvo político a abater custasse o que custasse.

Só a cobardia que domina muitos sectores da sociedade portuguesa, incluindo alguma esquerda, assim como um aviltante acomodamento cívico, tem permitido que o poder político e judicial, nas respectivas esferas de competência, omita a exigência do esclarecimento cabal da verdade acerca das infames denúncias que “colaram” o nome de Ferro Rodrigues ao processo “Casa Pia”.

Um dia saber-se-à toda a verdade, mas como diz Ferro, pode ser tarde demais …

PUBLICADO EM 3 DE JANEIRO DE 2008

quinta-feira, fevereiro 13

GENERAL HUMBERTO DELGADO

A minha homenagem à memória do General Humberto Delgado pelo 49ª aniversário do seu assassinato. (13 de fevereiro de 1965)

quarta-feira, fevereiro 12

MES - O II Congresso de Fevereiro de 1976 (I) - 25 de abril - 40 anos, 36


Autocolante alusivo ao II Congresso

O II Congresso do MES realizou-se na FIL, à Junqueira, em Lisboa, nos dias 13, 14 e 15 de Fevereiro de 1976, no rescaldo dos acontecimentos do 25 de Novembro de 1975. No longo Relatório que a Comissão Política apresentou a esse Congresso, tecem-se algumas considerações elucidativas acerca da génese do “grupo dirigente do MES”.

Cito algumas: “Assim o grupo dirigente do MES nasceu desligado das questões centrais do Movimento operário e muito ligado a processos concretos de luta. Os militantes que a partir do 25 de Abril integrarão as fileiras do nosso movimento e que assumem a sua direcção real não são na sua esmagadora maioria dissidentes de outras organizações, (…)

Tal facto permite compreender que mesmo aquando da eclosão do 25 de Abril o Movimento surja à luz do dia com uma sintética declaração de princípios subscrita por um conjunto eclético de militantes: 3 sindicalistas, 6 operários de vanguarda, 3 estudantes e 5 intelectuais participantes activos nas lutas democráticas de 1969 e 1973. A natureza frentista do Movimento está espelhada nestes factos e vai determinar toda a linha do Movimento até ao I Congresso de 1974.”

E sob o título “O que é MES inicialmente?” clarifica-se, em dois parágrafos, a natureza das estruturas dirigentes do Movimento até ao I Congresso:

“Durante um largo período (período de formação) que é brutalmente acelerado pelo 25 de Abril, somos uma frente de base, anti-capitalista que reúne militantes de sectores diversos com uma coordenação ténue entre si. Quer dizer, inicialmente não tínhamos entre nós uma unidade de tipo partidário.

A coordenação adoptada depois do 25 de Abril era, antes de mais, resposta a uma necessidade de referência comum essencialmente ideológica, ditada pelo surgimento na legalidade das diversas forças políticas que se tinham formado na luta contra o fascismo e o capitalismo.”

Sem prejuízo de uma mais aprofundada investigação acerca das sucessivas estruturas dirigentes que antecederam o I Congresso é, de facto, verdade que “a estrutura da direcção nacional que vigora até ao I Congresso não tem uma composição fixa e é até maioritariamente composta por representação corporativa de sectores e estruturas da organização.” “É mais uma coordenação do que uma autêntica direcção partidária.”
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O II Congresso do MES representou, por força da mudança política provocada pelo 25 de Novembro, uma “fuga para a frente”, nos planos doutrinário e organizacional, de forma sintética, caracterizada na “Saudação Inicial ao II Congresso do MES”, lida por Nuno Teotónio Pereira, de que transcrevo três curtos excertos:

“Na realidade, este ano de combate, marcou-nos profundamente, deixou inclusivamente muitos pelo caminho. O Movimento de Esquerda Socialista sofreu ele próprio uma dura experiência que tem ajudado poderosamente a uma profunda transformação. De frente política, de natureza marcadamente ideológica, queremos que se transforme numa força organizada de classe que possa cumprir o seu papel de vanguarda no seio do movimento operário.”

“Muitos dos nossos inimigos e mesmo dos nossos falsos amigos têm feito correr que o MES vai desaparecer. Muitas forças políticas estão realmente interessadas nisso. Este II Congresso já é e vai sê-lo ainda mais um claro desmentido a essas calúnias.”

Este foi um Congresso que, no plano doutrinário, apelou, explicitamente, aos princípios do “socialismo a caminho da sociedade sem classes” e, no plano da organização, à contribuição do MES para a “construção do Partido revolucionário da classe operária”.

Todos fomos solidários na assumpção de princípios que não eram coerentes nem com a natureza social do Movimento, nem com a formação ideológica da maioria dos seus dirigentes e apoiantes.

Toda a encenação criada para este II Congresso pretendia mostrar que estávamos politicamente vivos mas escondia as dores íntimas da ruína de um projecto político que a maioria de nós ainda não estava preparada para assumir.

PUBLICADO EM 30 DE OUTUBRO DE 2008

segunda-feira, fevereiro 10

JOSÉ GOMES FERREIRA - 25 de abril - 40 anos, 35


"Viver sempre também cansa"
Descobri pelos meus apontamentos nos Cadernos de Camus a leitura entusiástica que, pelos meus 19/20 anos, fiz da poesia de José Gomes Ferreira. Aqui está a explicação, dada pelo próprio poeta, das circunstâncias em que surgiu o poema "Viver sempre também cansa" e de como, nesse momento, se afirmou a própria identidade do poeta. Esta é uma época muito marcada pela resistência comunista ao Estado Novo quando a ditadura vivia a sua primeira fase ainda antes da Constituição de 1933. A qualidade deste poeta e do seu trabalho ultrapassa, no entanto, as circunstâncias históricas da época em que iniciou a sua criação poética. Vale a pena revisitar este poeta e a sua poesia.
"Na noite de 8 de Maio de 1931, num segundo andar da Rua Marquês de Fronteira, encontrei, finalmente, a expressão autêntica do poeta autêntico, há tanto procurada. À terceira tentativa, para uma série de poesias que eu intitulava Poemas de Reincidência, escrevi dum jacto e quase sem emendas o poema 'Viver sempre também cansa'. Mostrei-o ao Carlos Queiroz, então meu amigo de todos os dias, que, sem me consultar (e se consultasse daria logo o meu consentimento, claro), o enviou a João Gaspar Simões. Pouco depois aparecia na Presença. E assim entrei no âmbito da chamada Poesia Modernista. A propósito, devo dizer que nunca fiz parte do grupo presencista. Como nunca pertenci a qualquer grupo saudosista . Ou à Seara Nova. Voltemos à noite de 8 de Maio de 1931 e à poesia de 'Viver sempre também cansa', onde já havia - coisa insólita na época! - uma referência a Mussolini...Desde então senti que surgia em mim a expressão do poeta verdadeiro. E para marcar bem, para separar bem o novo do antigo poeta, acrescentei sub-repticiamente ao Gomes Ferreira, com que assinara os 'Lírios do Monte' e as duas edições de 'Longe', o meu nome próprio: José! Passei a bagatela, reputo eu de valor psicológico importantíssimo. E, assim, num novelo terrível de ganhar a vida com artigos diversos, crónicas anedóticas, contos e contecos, anúncios das cintas Pompadour, publicidade, traduções de fitas, etc., iniciei a minha carreira de poeta, a que mais tarde chamei de poeta militante." 

PUBLICADO EM 18 DE FEVEREIRO DE 2004

AGOSTINHO ROSETA - 25 de abril - 40 anos, 34

                                                                  Agostinho Roseta

domingo, fevereiro 9

ANTÓNIO PEDRO RUELLA RAMOS - 25 de abril - 40 anos, 33


Foi este homem que permitiu que o jornal “Esquerda Socialista”, órgão do extinto MES, se tornasse realidade. Após o 25 de Abril, quase certamente a pedido do José Manuel Galvão Teles, a Renascença Gráfica compôs e imprimiu aquele jornal e alguns dos mais interessantes cartazes de autoria do Robin Fior. Nada era interdito e lembro-me de ter andado pelas instalações do Bairro Alto a acompanhar a produção de alguns trabalhos. A certa altura, no contexto das vicissitudes da chamada imprensa do MES, as dívidas contraídas exigiram um grande esforço de saneamento financeiro que permitiu saldá-las quase todas o que não impediu, quer-me parecer, que tivesse ficado alguma por pagar à Renascença Gráfica. Nunca mais ninguém falou nisso. Mais tarde, quando fui presidente do INATEL, foi adjudicada, por concurso público, à Lisgráfica a impressão da Revista “Tempo Livre”. Era, e continua a ser, uma encomenda de razoável dimensão, física e financeira, para o nosso meio editorial. Os concursos eram anuais. Lembro-me que num dos anos a Lisgráfica perdeu o concurso para outro fornecedor que apresentou melhores condições. O António Pedro Ruella Ramos deve ter ficado aborrecido. Não mexeu uma palha, não mandou recado, nem recriminação. Um grande Senhor!

PUBLICADO A 18 DE JUNHO DE 2009

sábado, fevereiro 8

MANUEL LOPES - 25 de abril - 40 anos, 32


Fotografia de António Pais  (Grupo no jantar de extinção do MES em 7 de novembro de 1981 - de pé da esquerda para a direita - Agostinho Roseta, José Manuel Galvão Teles, António Machado, Francisco Farrica, Afonso de Barros, José Galamba de Oliveira, Rogério de Jesus, Manuel Lopes, António Rosas; em baixo da esquerda para a direita: Edilberto Moço com as mãos nas costas de César de Oliveira, Eduardo Ferro Rodrigues, Vitor Wengorovius, José Dias e Carlos Pratas. )

Antes do 25 de Abril, militou no MDP/CDE e foi membro da sua Comissão Política em 1969. Foi fundador do MES (Movimento de Esquerda Socialista) em 1973 e presidiu à sua direcção até 1975.
Sempre apreciei o Manuel Lopes que, a par com o Agostinho Roseta, desempenhou um papel importante na gestação do sindicalismo português no período ante e pós 25 de Abril. Ambos morreram prematuramente. O Agostinho Roseta em 9 de Maio de 1995 e o Manuel Lopes em 15 de Maio de 1999. Honra à sua memória. Ambos foram fundadores do MES como activistas do sindicalismo livre que ganhara influência em diversos sindicatos incluindo o Sindicato dos Lanifícios de Lisboa. Digo sindicalismo livre para assinalar a sua autonomia face a qualquer direcção política partidária, em particular, a do PCP. Não tenho dúvidas que os últimos acontecimentos e a própria evolução do sindicalismo português teriam sido diferentes se fossem vivos. Esclareço que o Manuel Lopes tendo sido fundador do MES não presidiu à sua direcção pois nunca houve nenhum presidente de qualquer direcção do MES. As estruturas eram todas de tipo colectivo (coisas de outros tempos! …) e um bocadinho de feição anarquista. O MES também não foi fundado em 1973 – isso foi o PS – e as datas que melhor podem ser indicadas como de fundação do MES são o 1º de Maio de 1974, com a primeira saída à rua, ou a data do seu 1º Congresso, em Dezembro de 1974.

PUBLICADO EM 12 DE MAIO DE 2009

sexta-feira, fevereiro 7

O tempo é superior ao espaço


Este é o tempo frio invernal e faz tempo que não escrevo aqui direto na tela branca como gosto. A questão do tempo fez-me lembrar um excerto magnifico do texto do Papa Francisco na EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM:

O tempo é superior ao espaço

222. Existe uma tensão bipolar entre a plenitude e o limite. A plenitude gera a vontade de possuir tudo, e o limite é o muro que nos aparece pela frente. O «tempo», considerado em sentido amplo, faz referimento à plenitude como expressão do horizonte que se abre diante de nós, e o momento é expressão do limite que se vive num espaço circunscrito. Os cidadãos vivem em tensão entre a conjuntura do momento e a luz do tempo, do horizonte maior, da utopia que nos abre ao futuro como causa final que atrai. Daqui surge um primeiro princípio para progredir na construção de um povo: o tempo é superior ao espaço.

223. Este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a suportar, com paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos que o dinamismo da realidade impõe. É um convite a assumir a tensão entre plenitude e limite, dando prioridade ao tempo. Um dos pecados que, às vezes, se nota na atividade sociopolítica é privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos. Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação. É cristalizar os processos e pretender pará-los. Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos de uma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificarem em acontecimentos históricos importantes.  Sem ansiedade, mas com convicções claras e tenazes.

Hoje, finalmente, decorreu, em Portugal, um debate acerca deste texto programático do papa Francisco. Haja Deus!

Anjos e Marvão Libertação – uma homenagem tardia - 25 de abril - 40 anos, 31

João Mário Anjos (à esquerda), Eduardo Ferro Rodrigues (ao centro) e o subscritor (à direita). Fotografia de uma época próxima dos factos.
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Um dos acontecimentos mais marcantes a que assisti no período imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 foi o da recusa dos oficiais milicianos (João) Anjos e (Carlos) Marvão em comandar uma acção destinada a reprimir uma greve dos trabalhadores dos CTT. Na verdade a unidade militar na qual, no dia 17 de Junho de 1974 (?), ocorreu esse acontecimento era aquela onde eu prestava serviço militar: o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (ao Campo Grande).
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Alguém dos poderes provisórios, saídos da revolução, não sei quem, decidiu que caberia àquela unidade militar estrear um tipo de intervenção que colocaria as forças armadas, acabadas de sair triunfantes do 25 de Abril, contra uma acção reivindicativa de trabalhadores. Foi uma decisão surpreendente, ainda para mais, quando nos demos conta que o comando da força repressiva seria cometido a oficiais milicianos.
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Lembro-me de nos terem reunido e de um oficial superior encetar a tarefa impossível de ordenar a um oficial miliciano (ou oficiais) que comandasse a força. Começou por uma ponta na qual, por acaso, se haviam posicionado o João Mário Anjos e o Carlos Marvão. Não sei já qual foi o primeiro a recusar a ordem mas indagado o segundo, que também recusou, o oficial resolveu suspender a diligência. Logo a seguir, na terceira posição, se não me falha a memória, estava eu próprio. Nos dias 25 e 26 de Junho foi concretizada a prisão dos oficiais rebeldes que seguiram para a prisão da Trafaria.
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A greve dos trabalhadores dos CTT terminou no dia 20 de Junho mas a posterior prisão daqueles oficiais despertou a mais profunda indignação dando origem a diversas manifestações, com significativa participação popular, de que possuo registo de duas: a primeira convocada para 28 de Junho no Campo Grande, junto à Churrasqueira, e a segunda realizada no dia 9 de Julho na Praça Marquês de Pombal proibida, aliás, pelas autoridades. Segundo uma cronologia do Centro de Documentação 25 de Abril Os manifestantes recusam-se a obedecer e desfilam até ao Marquês de Pombal.

O MES convocou as manifestações, pelo menos, através de três comunicados: o primeiro subscrito pela Comissão Política, com data de 27 de Junho (dois meses após o 25 de Abril), com o título Dois Milicianos Presos na Trafaria Por Não Quererem Reprimir os Trabalhadores, o segundo e terceiro, ambos subscritos pelos Grupos Socio-Profissionais Mistos, sem data, com os títulos Exijamos a Libertação dos Milicianos Presos e Libertemos Anjos e Marvão! A Luta Continua!

O Robin Fior, designer inglês, apanhado em Lisboa pela revolução, que foi o autor do símbolo e dos primeiros materiais de propaganda do MES, concebeu um inesquecível cartaz, com a palavra de ordem Anjos e Marvão Libertação. O cartaz de que não possuo qualquer exemplar, nem encontrei disponível na internet, ostenta um design gráfico invulgar para a época sendo, certamente, uma das peças de propaganda mais notáveis daquele período. [Quem o puder enviar, agradeço.]

Um dos oficiais milicianos presos era, nem mais nem menos, o João Mário Anjos que havia, comigo e o António Dias, bastante antes do 25 de Abril, constituído uma das «células» do MES que, por essa altura, «marinava» entre a semi-clandestinidade, que nós pensávamos que o serviço militar exigia, e a legalidade que o 1º de Maio, ainda fresco na memória de todos, reclamava. Conviveríamos com esta ambiguidade durante os meses seguintes pois, na verdade, vivíamos, com ou sem razão, na incerteza dos destinos da revolução que aquelas inopinadas prisões parecia confirmar.

Hoje, passados 35 anos sobre esses acontecimentos, por dever de consciência, presto homenagem pública aqueles dois camaradas de armas e, em especial, ao João Mário Anjos, cuja coragem física e clarividência política, de que possuo evidências, nunca foram, pelos seus próprios companheiros, suficientemente reconhecidas. Onde quer que se encontre quero dizer-lhe que o não esqueci, nem esquecerei.

PUBLICADO EM 1 DE JUNHO DE 2009

quinta-feira, fevereiro 6

BIOGRAFIA DE HUMBERTO DELGADO - UMA LEITURA NECESSÁRIA - 25 de abril - 40 anos, 30


Terminada a leitura da Biografia de Humberto Delgado, de autoria de seu neto Frederico Delgado Rosa, não resisto a deixar algumas notas. Na minha meninice – como já antes assinalei – senti pessoalmente o frémito da campanha presidencial de 1958 e nunca mais se apagaram da minha memória as imagens do empolgamento popular que a figura de Humberto Delgado suscitou.

Esta obra promissora de desenvolvimentos, e aprofundamentos, que se aguardam para o próximo futuro, mereceria, além do mais, uma verdadeira divulgação popular que contribuísse para desmitificar o branqueamento do fascismo português e da figura do seu líder e mentor – Salazar – que amiúde se quer fazer passar como um político brando na repressão, tolerante nos costumes e eficaz na política.

A leitura das 1225 páginas de texto deste livro sugere uma meditação acerca do "fenómeno Humberto Delgado", após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, até aos nossos dias, mesmo que não nos aventuremos pelos caminhos da crítica e nos limitemos – como é o caso – ao simples papel de leitores atentos e interessados. Eis algumas breves, e despretensiosas, dessas possíveis reflexões:

(1) É do mais elementar bom senso desconfiar das ideias feitas acerca da história, em particular, da “história oficial”, quando envolve personagens carismáticos e acontecimentos com forte carga política e emotiva;

(2) Os protagonistas que marcam, pelo seu pensamento e acção, a história das nações são homens com suas virtudes e defeitos transformando-se a si próprios a par das transformações que suscitam;

(3) O General Humberto Delgado foi um distinto militar de carreira, apoiante do golpe militar do 28 de Maio, e da ditadura entre 1926 e o dealbar dos anos 50, tendo acabado por sacrificar a carreira, e a própria vida, no combate sem tréguas ao regime fascista, após a ruptura política com Salazar, a partir das eleições presidenciais de 1958, às quais se candidatou, como independente, por vontade própria;

(4) Foi ele o verdadeiro precursor do 25 de Abril de 1974 pois defendeu (quase sempre) que a ditadura só cairia através da acção militar, que haveria de ser protagonizada pelas forças armadas, apoiadas pelo povo, o que viria, de facto, a acontecer pouco menos de nove anos após o seu assassinato que ocorreu em 13 de Fevereiro de 1965;

(5) Delgado foi, politicamente, um liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona, e pela sociedade americana (o que lhe valeu o magnífico epíteto de “General Coca Cola”) influências assumidas ao longo de várias missões profissionais – em representação do estado português - na Inglaterra, Estados Unidos e também no Canadá;

(6) Delgado foi um político que nunca deixou de ser General e de cuja áurea anti-salazarista a esquerda, do seu tempo, se quis apropriar sem, na verdade, partilhar das suas ideias e acções, que desprezava apodando-as, pelo menos, de aventureiras;

(7) O General Humberto Delgado foi atraído a uma cilada e assassinado pela PIDE, por espancamento, e não a tiro, com conhecimento de Salazar, que sempre encobriu este hediondo crime, sob as mais variadas artimanhas, no plano interno e da diplomacia, entrando, inclusive, em rota de colisão com Franco;

(8) O julgamento dos autores materiais do crime – que não dos seus autores morais que sempre foram poupados pela democracia – em Tribunal Militar – foi uma triste farsa que não permitiu apurar a verdade e muito menos punir os criminosos;

(9) Todo o processo desde o assassinato de Delgado, passando pelo encobrimento do crime, à descoberta dos corpos, à investigação judicial e perícias forenses, realizadas pelas autoridades espanholas, até à condução do processo judicial em Portugal, julgamento e recursos judiciais, constitui um caso exemplar que permite, nos planos político e judicial, entender muitos aspectos da realidade contemporânea portuguesa e as peripécias de processos que ainda correm os seus trâmites;

(10) Este livro deveria ser de leitura obrigatória para todos os políticos, militares, juízes, magistrados, jornalistas e decisores de todos os escalões da hierarquia do estado a começar pelo Senhor Presidente da República;

(11) Espero que o autor, cuja coragem não pode ser só uma herança de sangue, prossiga as suas investigações para que os portugueses possam conhecer todos os meandros do assassinato de Humberto Delgado, para que sejam identificados os seus autores, materiais e morais, assim como os encobridores, localizados os que ainda possam estar vivos, reabrindo, eventualmente, o processo, levando a que os criminosos paguem pelos seus actos e contribuindo, dessa forma, para que os portugueses se reconciliem com a justiça do seu país.

(12) Nunca nenhum processo-crime está definitivamente encerrado enquanto subsistirem fundadas suspeitas de que se não fez justiça. É o caso.

PUBLICADO EM 18 DE AGOSTO DE 2008
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terça-feira, fevereiro 4

MES - CARTAZES (1) -25 de abril - 40 anos, 28

Imagem cedida por Margarida Boto
Cartaz do MES – Almada, Ano: 1975, Arquivo: CNE

Recentemente fui contactado pela Margarida Boto que, no âmbito de um trabalho académico, aborda a questão do grafismo dos cartazes político-partidários, abarcando o período 1969/80. Eu próprio gostaria de possuir mais informação acerca da génese dos cartazes do MES. Aqueles que Margarida Boto recolheu e que me disponibilizou, em suporte digital, são do período posterior à colaboração de Robin Fior. O cartaz que agora se publica é, como um outro desta série, de concepção e produção local e apresenta um grafismo singular no universo dos cartazes do MES.

Alguns cartazes do MES [Movimento de Esquerda Socialista] estão também disponíveis no site do Centro de Documentação 25 de Abril que mostra um conjunto, com uma marcada concepção artesanal, certamente, de iniciativa das estruturas de base, com excepção do último que é, se não erro, o primeiro verdadeiro cartaz do MES. Este mostra um desenvolvimento da linha gráfica concebida por Robin Fior que foi o autor do símbolo do MES e da sua linha gráfica inaugural, em particular, a partir da concepção do seu órgão de imprensa: “Esquerda Socialista”.

Com os meus agradecimentos à Margarida Boto, não vou alongar-me em comentários, na expectativa de que me possam ser enviadas mais informações acerca de cada um dos exemplares desta série cuja publicação agora inicio.

PUBLICADO EM 14 DE AGOSTO DE 2006

segunda-feira, fevereiro 3

25 de Abril de 1974 - Os Verdadeiros Comandantes da Revolução - 25 de abril - 40 anos, 27


Entre a madrugada do dia 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974 vivi enclausurado no Quartel do Campo Grande, em Lisboa, onde hoje funciona uma universidade privada e naquela época estava sedeado o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar. Lá entrei já a madrugada ia alta, tal conjurado, com o António Dias, após termos perseguido, de carro, a coluna do Salgueiro Maia desde a sua entrada no Campo Grande até ao Terreiro do Passo.

Já contei essa história. De todas as imagens que guardo na memória a mais impressiva é a da fragilidade da coluna revoltosa. Não sabia quem a comandava mas o impensável viria a tornar-se realidade. E a vitória dos mais fracos deveu-se, tão-somente, à justeza das suas razões e à coragem do seu líder. Aos leitores mais ortodoxos do colectivismo assinalo que falo num símbolo. Também sei que, desde sempre, reinou a desconfiança, entre os “donos” da mudança, a respeito de Salgueiro Maia, como hoje reina a desconfiança a respeito de tantos que ousam tomar toda e qualquer iniciativa de mudança (o que é a mudança, hoje?).

Para os “donos” da revolução nem todos devem desfilar na Avenida da Liberdade mas quis o destino – ou a ordem de operações – que quem primeiro nela desfilou fosse Salgueiro Maia que, oferecendo o peito às balas, fez estalar o click que mudou o rumo da história. Olhem com atenção para as imagens que, por vezes, passam na TV. Esse comandante, Salgueiro Maia, era um entre muitos e quem dirigia as operações era um comando com a seguinte constituição: Amadeu Garcia dos Santos, Hugo dos Santos, José Eduardo Sanches Osório, Nuno Fisher Lopes Pires, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Crespo. O coordenador era Otelo por decisão do Movimento das Forças Armadas. [Ver a “Fita do Tempo da Revolução - A noite que mudou Portugal”.]

O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, “tinha-os no sítio”, estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com “eles no sítio” do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade.

Quem fez triunfar a revolução não foi Ramalho Eanes, nem Spínola, nem Costa Gomes, não foi nenhum General estrelado pelo Antigo Regime, ou promovido administrativamente pelo novo, quem decidiu o triunfo da revolução foram os “capitães” e o povo, que alargaram à rua o posto de comando e que tomando a rua para si tudo decidiram. Não cito mais nomes, pois todos sabem os nomes, e em nome do povo sempre, à distância de tantos anos, podem caber todos os nomes.

A revolução foi branda para com os seus inimigos, perdoou-lhes os crimes, ofereceu o seu sangue em troca da liberdade, ganhou a admiração do mundo e isso é o seu legado histórico mais valioso. Os antigos carrascos da liberdade: os PIDES, os censores, os legionários, todos os esbirros da ditadura, seus ajudantes e admiradores, ganharam o direito a viver em liberdade, ainda hoje se cruzam connosco nas ruas e nos locais de trabalho, emitem opinião, sendo detentores de todos os direitos cívicos e políticos.

Mas se a nossa revolução foi branda para com os carrascos da liberdade pode orgulhar-se da grandeza de lhes oferecer o bem mais precioso que eles sempre negavam aos seus benfeitores. Os verdadeiros comandantes da Revolução foram generosos. Mas que ninguém, verdadeiro amante da liberdade, espere que os aspirantes a tiranos lhes retribua tanta generosidade. Por isso é prudente que, para preservar a liberdade, a democracia não vacile no combate aos seus inimigos.

Comentários deixados nos Caminhos da Memória (somente fiz ligeiras alterações para facilitar a leitura):
Não acredito que ele fosse conservador. Provavelmente Salgueiro Maia era de tal forma apartidário, que os elementos com ligações partidárias (quase todos...) desconfiavam dele. Ainda hoje é assim. Raramente se acredita nas pessoas que dizem não sentir afinidades por qualquer força política (com os clubes de futebol ainda é pior...)

luis eme

Posso confirmar que não era conservador. Conhecíamo-nos de Santarém ele e o major bernardo, marido da felisbela, minha antiga colega de liceu, há muitos anos. Durante a campanha de 1969 , fui eleito membro da comissão executiva da cde de Santarém e por essa altura tive imensos contactos com militares da escola prática. Em 1971 é preso José Jaime Fernandes no quartel de Santarém e depois houve uma grande explosão ainda hoje não explicada. O José Jaime correu Caxias, Peniche e passou pelo presídio militar de Santarém, onde através do apoio de diversos militares amigos fizemos chegar diversos materiais. Em 1972 ele e outros amigos fizeram um relatório sobre o presídio militar de Santarém que publicámos no boletim da comissão de socorro aos presos políticos. Para isso contribuíram vários amigos militares. Antes de Abril desertaram seis capitães de Santarém, entre eles o capitão Vítor Pires, meu antigo colega de liceu, para a Suécia e eu e José Jaime fizemos os contactos para os ajudar a desertar No congresso de Aveiro de 1973 eu era um dos responsáveis do gabinete de imprensa, tendo trabalhado em estreito contacto com a comissão organizadora do congresso. Eu a helena Neves, João Paulo Guerra e Vareda pelo secretariado do MOD. Eu na altura pertenci também ao secretariado do Mod, representandoSantarém, com Tengarrinha . Cardia, Hélder Madeira, Vareda e outros. Nessa qualidade tive contactos com vários militares em Santarém que se queriam informar sobre o congresso de Oposição Democrática, em particular sobre a nossa posição sobre a guerra colonial.Diziam não ter posição política mas queriam compreender a nossa posição. Antes de 25 de Abril fui ainda contactado por um antigo colega de liceu, militar, que me quis informar da amplitude do movimento militar e das suas esperanças. Durante a madrugada do 25 de Abril, fui o primeiro a chegar à redacção do meu jornal ,pelas quatro horas da madrugada e já sabia por um telefonema que me acordou que devia ir para o jornal. Pelas cinco da manhã fui ao rádio clube português por ordem do meu chefe de redacção e lá encontrei alem do meu amigo Filipe costa o capitão da força aérea Vítor Cunha, meu antigo colega de liceu e meu amigo, mais tarde conselheiro da revolução. Ficaram eufóricos quando me viram. Precisamos do apoiodas forças democráticas. Em 28 de Abril levei ao rcp o primeiro comunicado da uec que me foi entregue pelo Edgar Valles. O Vítor Cunha e o sobral Costa cansadíssimos pediram-me um comunicado dos "maioreszinhos". No Carmo durante a manhã de 25 Abril tive todo o apoio de salgueiro maia que falou várias vezes comigo, mas quando Marcelo estava para sair no tanque, pediu-me explicitamente para eu falar à população como representante da oposição democrática. Expliquei-lhe que estava como jornalista e sugeri-lhe o "tareco" da oposição católica progressista que eu vira falar na manifestação que tínhamos feito no patriarcado contra a guerra colonial. Durante a noite de 26, passei a noite junto de Caxias com Helena Pato, minha antiga colega de Coimbra e subi de manhã com os marinheiros para o pátio de Caxias, onde cumprimentei os meus amigos presos e continuei contactos com militares. À tarde abri celas a presos e presidi com um militar de Spínola e outro representando o MFA, por sugestão de advogados democratas presentes, em particular Wengorovius e Galvão Teles à libertação dos presos políticos. Estou a escrever um livro sobre este período histórico mas gostaria de contribuir para mudar a imagem conservadora de Salgueiro Maia.
José João Louro

PUBLICADO EM 14 DE ABRIL DE 2009

sábado, fevereiro 1

25 de Abril de 1974 - três momentos fascinantes - 25 de abril - 40 anos, 25

Foto de Bruno Barbey


A rendição de um PIDE

Num post anterior, publicado em 16 de Março, aniversário do «Golpe da Caldas» descrevi, de forma mais sucinta possível, a minha insólita participação na coluna de Salgueiro Maia na madrugada do 25 de Abril.

Nessa madrugada já após termos ultrapassado a coluna de Salgueiro Maia não sei já se na Rua do Arsenal, ou na Av. Ribeira das Naus, entrámos, ia alta a noite, no Quartel do Campo Grande e desde essa madrugada, até depois do dia 1º de Maio de 1974, não saí do quartel senão uma única vez.

Não vivi na rua a verdadeira festa do 25 de Abril após a consumação da vitória da revolução. Não assisti à enxurrada de manifestações populares nem participei, com muita pena minha, na manifestação do 1º de Maio de 1974. Os soldados ficaram, horas a fio, alinhados nas casernas, por detrás das janelas de armas apontadas para a rua, preparados para o que desse e viesse. Alguém tinha que cuidar desses detalhes da «cozinha» da revolução.

Num desses dias, estava de oficial de dia o António Dias, quando foi procurado por alguém que da rua pretendia falar. Era um agente da PIDE que se queria entregar. Foi recebido com deferência. Identificou-se e fez a entrega da arma. Uma bela pistola que, devo confessar, me suscitou cobiça e nunca mais esqueci.

De seguida coube-me a tarefa de o escoltar a caminho da Ajuda onde o entreguei em «Cavalaria 7» ou «Lanceiros 2». Foi a minha única saída do quartel em todos aqueles dias de brasa.

No percurso, realizado em jipe, nem uma palavra se trocou. Lembro-me de ter cumprido a missão, com rapidez, respeitando e defendendo, do primeiro ao último momento, a dignidade de um homem aterrorizado que tinha passado, de um dia para o outro, de agente do poder a prisioneiro do poder.
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O passo em frente

Os dias que se seguiram ao 25 de Abril foram de ansiedade e expectativa. Nas ruas a euforia disfarçava o nervosismo mas nos quartéis o ambiente não era de certezas definitivas. O Oficial que assumiu o Comando da minha unidade, certamente o Major Azevedo, mandou reunir os oficiais milicianos.

Formámos um semi-círculo e o comandante perguntou se alguém estava contra, ou tinha reservas, face ao Movimento das Forças Armadas. Quem estivesse contra daria um passo em frente. Gerou-se um ambiente de silêncio e passividade total.

Eis senão quando o Graça (Mário), o de Moçambique, deu um passo em frente. Ficámos sem saber o que pensar. Mas ele explicou. Não tinha a certeza se os militares levariam até ao fim o processo de libertação do povo português e a descolonização.

Ficamos mais descansados e destroçamos com sorrisos. Na prática todos os oficiais milicianos do quartel estavam com o MFA.

Mário Viegas

Mas o oficial miliciano mais fascinante do meu Quartel era o Mário Viegas. O seu estatuto no serviço militar era apropriado ao seu talento de actor.

Vivemos em comum aqueles momentos inesquecíveis em que a liberdade foi devolvida aos portugueses. Tinha por ele um natural fascínio que sempre me retribuiu até à sua morte prematura.

Por um daqueles dias entre o 25 de Abril e o 1 de Maio de 1974, se não erro, no Quartel do Campo Grande, assisti ao espectáculo mais extraordinário de toda a minha vida. Havia que festejar o que agora comemoramos com nostalgia. O refeitório foi transformado numa sala de espectáculos. Nele se reuniu toda a gente de serviço no quartel.

Imaginem o elenco daquela festa improvisada: Carlos Paredes, Zeca Afonso e Mário Viegas. Todos mestres geniais na sua arte. A certa altura o Mário Viegas subiu para o tampo de uma mesa e a poesia brotou, em palavras ditas, como se diante de nós se revelasse um novo mundo ou tivéssemos da vida renascido.

[A partir de um conjunto de posts publicados no Absorto em Março/Abril de 2004.]

PUBLICADO EM 30 DE MARÇO DE 2009
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