sábado, abril 21

UM MUNDO SEM DEUS MAS NÃO SEM SAGRADO

Posted by Picasa“Camus et l’homme sans Dieu”

Acabada a leitura de “Camus et l’homme sans Dieu”, de Arnaud Corbic, algumas notas tomadas a partir do seu último capítulo: “Conclusão” subtitulado, significativamente, “Um mundo sem Deus mas não sem sagrado”. *

A obra de Camus lança os fundamentos de uma filosofia do homem sem Deus numa tripla perspectiva: uma maneira de conceber o mundo (o absurdo); uma maneira de existir (a revolta); uma maneira de estar na vida (o amor).

O sentimento do absurdo orienta Camus para a descoberta dum valor – a revolta. Este valor não se situa nem na eternidade religiosa, nem na sua substituição laica, a história, mas, de forma muito cartesiana, no “provisório” que envolve toda a vida do homem e que, por esse facto, representa para ele o “definitivo”.

O projecto de Camus não é somente o de lançar os fundamentos de uma sabedoria de tipo existencial acerca da compreensão individual da revolta mas, de forma mais alargada, de uma sabedoria social e política a partir da compreensão histórica dessa revolta.

Esta passagem da revolta solitária contra o absurdo à revolta solidária contra o mal da história efectua-se pondo em evidência um novo cogito: “Revolto-me, logo somos”.

Em Camus a revolta, no início e no fim, está ligada ao amor. Não é pelo facto da existência ser um absurdo que o homem revoltado deve sucumbir à tentação de tudo negar. É preciso, incondicionalmente, preservar o valor da vida e do humano na sua tripla dimensão, ao mesmo tempo, existencial e individual, histórica e comunitária, mas também, cósmica, negando o que oprime o homem (o absurdo, o mal). Camus tem uma percepção física e metafísica da dignidade humana.

Identificar o inumano (o absurdo, o niilismo, o ressentimento, o mal), fundar o humano (a revolta, o amor), lançar os fundamentos de uma filosofia do homem sem Deus foi a tentativa filosófica e literária de Camus.

Propor uma sabedoria inédita, ao mesmo tempo, individual, colectiva e cósmica contra tudo o que nega o homem, o mutila e tende a destruí-lo é o fio condutor de toda a sua obra.

Os fundamentos desta filosofia do homem sem Deus são a revolta-e-o-amor. Ou ainda, com André Conte-Sponville, o absurdo-a revolta-o amor: 1) o não do mundo ao homem (o absurdo); 2) o não do homem ao mundo (a revolta); 3) o sim originário e último à vida, aos seres, à terra que os dois nãos, com o consentimento subjacente, assumem (o amor).

“Pessimista quanto ao destino humano – afirmava Camus – eu sou optimista quanto ao homem. E não em nome de um humanismo que sempre me pareceu limitado, mas em nome de uma ignorância que tenta não negar nada.”

Em 1957, nas vésperas de lhe ser atribuído o Nobel, ele declarou:

“ao descer de um comboio, um jornalista perguntou-me se me ia converter. Respondi: não. Nada mais que a palavra: não …Tenho consciência do sagrado, do mistério que há no homem e não vejo razões para não confessar a emoção que sinto perante Cristo e os seus ensinamentos. Receio, infelizmente, que em certos meios, em particular, na Europa, a confissão de uma ignorância ou a confissão de um limite ao conhecimento do homem, o respeito pelo sagrado, surjam como fraquezas. Mas se são fraquezas, assumo-as com força …”

[* A partir dos meus sublinhados no último capítulo da obra em referência traduzidos, livremente, do francês. Fiquei a saber, a propósito da nota biográfica que integra a obra que a biografia recomendada é aquela que me tem servido de referência – a de autoria de Olivier Todd: “Albert Camus, une vie”, Paris, Gallimard, 1996. ]
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BREVE OLÊNCIA

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Estão cerrados todos os jardins,
onde asas voaram e se romperam as pedras.
Como esquecer as estrelas pousadas no verão
e a ciência exacta das flores claras de ar?
Estão cerrados todos os jardins,
queimados da fome, escarlates de treva.
Que tempo esvoaça, lacuna ou máscara,
pelo lento longo suor das noites?
Estão cerrados todos os jardins,
hoje ervas sem pálpebras, gritos sem boca.
Cativeiros de estátuas, deixaram que o tempo
durasse muito tempo, em campo entardecido.
Estão cerrados todos os jardins,
Em palavras vendidas que esconderam o mundo.
Os olhos ruídos soam a sombra
nos risos sem riso, nos corações calados.
Estão cerrados todos os jardins.
A pele cresce, digerimos o vazio.
As palavras articulam-se de ossos.
Mudada em terra, toda água morrerá.
Estão cerrados todos os jardins
e seus lazeres felinos, seus salmos de pé.
É a hora surda de cicatrizes sem beijos,
de muros soterrados e pulsos incolores.
Estão cerrados todos os jardins
e vão nascendo dólmenes e corujas de ouro.
Porque se agita ainda a cauda dos peixes,
buscando fogos extintos no termo dos rios?
Estão cerrados todos os jardins.
A nada a alma se assemelha.
O mar perdeu-se contra as paredes.
Vivemos do que não pudemos viver.
Estão cerrados todos os jardins,
são antigas as novidades do mundo,
obedecemos a ordens, a norte do futuro.
Mas ainda estamos nus. E respiraremos.

Orlando Neves
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O "ESPALDÃO"

Posted by PicasaO “ESPALDÃO”

Ao cimo da rua onde nasci, do outro lado da estrada da circunvalação, ficava o “Espaldão”. Era pequena a distância e foi lá que vi pela primeira vez na minha vida rãs a coaxar nas poças e foi lá que tomei a noção de espaço livre. Aprendi o medo de me encontrar perdido, de regressar a casa tarde demais, de ser repreendido, de me esquecer do tempo, ser apanhado numa emboscada ou correr os perigos que afinal não existiam. As redondezas do “Espaldão”, até aos meus oito anos, compreendiam toda a minha vida: a casa onde nasci, as ruas e os becos, os vizinhos, o estabelecimento e o armazém, o ganha-pão da família, o barbeiro, a feira do Carmo, a igreja, a carroça dos cães, os vendedores ambulantes, a rua de terra, o cheiro das estações e, lá mais acima, um lugar de mistérios. O “Espaldão”, ali ao lado da minha cidade, foi a minha primeira natureza antes de conhecer o que era a natureza. Tudo tão perto e tão longe na cidade que era um lugar limitado pelo meu olhar mas sem limites para a minha liberdade.
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sexta-feira, abril 20

OS PERIGOS DO ESQUECIMENTO

München, 1933

“Não devemos (…) empolar aquilo que por si exprime o pensamento arquiminoritário de um sector que a sociedade isolou.”

José Magalhães, Secretário de Estado da Administração Interna, classificando a atenção mediática que as organizações nacionalista têm obtido de “peditório propagandístico”.·

Público, 20/04/2007 (citado pelo “Expresso” on line)

Penso tudo ao contrário do digníssimo arquimaioritário secretário de estado Magalhães. Relativizar as manifestações do pensamento arquiminoritário nazi fascista é um risco que a democracia não pode, nem deve, correr. Esse é um ensinamento da história.
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MÁRIO SOARES


Na sessão comemorativa do 34º aniversário do PS Mário Soares, o seu fundador, não podia ser mais incisivo quando, numa declaração escrita, fez questão de defender Sócrates não esquecendo Ferro Rodrigues.

Quem sabe nunca esquece e para bom ouvidor …
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TROCA DE PAPÉIS

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ABAIXO A GUERRA

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Pourquoi nous voterons Ségolène

Posted by PicasaSégolène Royal

O apelo/explicação final de Jean Daniel ao voto em Ségolène Royal na 1ª volta das eleições presidenciais francesas do próximo domingo:

(…) Elle (Ségolène Royal) suscite encore des réticences, en partie explicables par la rémanence d’un machisme à la française. Mais son parcours au milieu des embûches et des obstacles, sa résistance aux attaques et aux pièges, le progrès notable de ses interventions sur les plans européen et économique, la présence à ses côtés de certaines fortes personnalités, comme Dominique Strauss-Kahn, et des parrainages qui feront surprise, comme celui de Jacques Delors, tout nous fait espérer que cette candidate sera une grande dame et une vraie présidente. (…)

Espero que a esquerda possa, através de Ségolène Royal, disputar a segunda volta destas presidenciais. A não ser assim a escolha final dos franceses ficaria amputada de uma das suas componentes históricas fundamentais. Mas já não seria a primeira vez …

Se eu fosse francês votava Ségolène Royal.
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quinta-feira, abril 19

MANUEL BANDEIRA

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LUANDA COZETTI

Vi e ouvi, hoje, Luanda Cozetti. Sei que vinha de uma noitada de gravações. Mas deu para perceber uma excepcional capacidade interpretativa e a sua voz divinal.

Aqui numa gravação artesanal em homenagem a José Afonso.

PARA MEDITAR

IRAQUE A FERRO E FOGO

Todos os dias invariavelmente todos os dias sem parança as notícias do Iraque não se distinguem já umas das outras: um mar de mortos e mutilados.

O processo de paz vai no bom caminho e as portas para a retirada dos libertadores estão abertas de par em par dirá o porta-voz de Bush ganhando tempo para que a guerra civil declarada deslize para o regaço dos democratas.

As presidenciais nos USA serão em Janeiro de 2009 e um ano e 10 meses é demasiado tempo para retirar e pouco tempo para consolidar um novo regime que concilie todas as partes em guerra!

Como sempre disseram os mais excelsos estrategas começar uma guerra é fácil o pior é sair dela!

E é uma pena ver o José Manuel Fernandes do Público do qual ironicamente extraio esta notícia ter deixado de se preocupar com o apoio à estratégia americana para o Iraque para se dedicar às minudências do canudo de Sócrates.

A vida está difícil!
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quarta-feira, abril 18

ACERCA DE CRIMES

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Na política há pequenos detalhes que fazem toda a diferença e a injustiça, tal como a moral, não tem calibre. Na vida é igualmente assim.

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Lembro-me de um filme que vi no qual um inocente foi incriminado por um crime racista. O governador do estado, no último dia de funções, comutou-lhe a pena e fugiu. Antes de ser libertado o inocente foi morto pelos racistas amotinados. Havia um jornal de referência, à época, que atiçava os ânimos.

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Para justificar um assassinato político cria-se um facto, de preferência divulgado através de jornais de referência, acima de toda a suspeita, insiste-se no facto semanas a fio, desdobra-se o facto em sub factos, espera-se que a vítima, em lume brando, amoleça e se torne desprezível para a opinião pública.

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Mais perfeito ainda. Cria-se um facto político divulgando-o através de depoimentos de testemunhas avalizadas pela autoridade, insiste-se e injecta-se em doses massivas na opinião pública, depois faz-se desaparecer a testemunha, eterniza-se a suspeita e a vitima torna-se numa sombra que paira longe.

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Um dia um primo meu, a cumprir o serviço militar, foi colocado nos Açores. Casado com uma jovem, ao que contam as crónicas, linda de morrer. Um dia o sapateiro meteu-se com ela. O meu primo foi buscar explicações. O sapateiro anavalhou-o. Assassinou-o em Angra do Heroísmo. Um inocente morreu em defesa da honra. Aqui não houve dúvidas acerca de carrasco e vítima.

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Uns anos atrás pedi à minha cunhada, em viagem, que procurasse o meu primo no cemitério de Angra. Havia dois. Ela acertou no cemitério certo. Encontrou-o. Trouxe-me as fotografias. Apesar de terem passado tantos anos está bem. A campa.

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Todos os crimes deixam rastro, têm vítimas e carrascos. Basta procurá-los com persistência porque há crimes que não têm perdão.

[No dia em que pela primeira vez na minha vida entrei numa sala de audiências de um tribunal para depor - como testemunha.]
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Liviu Librescu

Posted by PicasaLiviu Librescu, profesor y héroe en Virginia Tech

Não me digam que no meio da tragédia humana na qual se transforma, por vezes, a vida das comunidades não há lições de grandeza e de heroísmo. No dia do aniversário do holocausto, segundo todos os testemunhos, o velho professor de matemática Liviu Librescu deu a vida pela vida dos seus alunos.

DEPOIS

Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves

Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração,
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.

Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.

Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança

se recolheram também sob
lembranças extenuadas?
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas
e de poços e de portas entreabertas
e sonham no escuro
as coisas acabadas.

Manuel António Pina
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segunda-feira, abril 16

DEFINIÇÃO DO CORPUS CAMUSIANO

Posted by PicasaFotografia, sem identificação da fonte, que me foi enviada pela Isabel Ramos e, vá lá saber-se porquê, inspirou este post.

Camus publicou em vida dezanove obras, de 1937 a 1959, entre as quais se destacam os romances (“L’Étranger” em 1942, “La Peste” em 1947), as novelas (“La Chute” em 1956, “L’Exil et le Royaume” em 1957) as peças de teatro (“Caligula” e “Le Malentendu" em 1944, “L’État de siège" em 1948, “Les Justes” em 1950), e os ensaios (“L’Envers et l’Endroit" em 1937, “Noces” em 1939, “Le Mythe de Sisyphe” em 1942, “Les lettres à un ami allemand” em 1945, “L´Homme révolté” em 1951 e”LÊté” em 1954). É necessário anda juntar três recolhas de ensaios políticos (“Les Actuelles”), “Les deux Discours de Suède” (pronunciados aquando da atribuição do Nobel) e a contribuição para a obra de Arthur Koestler intitulada “Réflexions sur la peine capitale”.

Outras obras foram editadas após a sua morte entre as quais se contam o “diário” dos seus pensamentos e leituras, assim como notas de trabalho, publicado sob o título “Carnets”; o diploma de estudos superiores de 1936: “Métaphysique chrétienne et néoplatonisme”, publicado pela “La Pléiade”; o romance inédito, “La Morte heureuse”, cuja redacção data de 1937; o manuscrito inacabado, encontrado na pasta de Camus depois do acidente de viação que o vitimou:“Le Premier Homme”, esboço do que viria a tornar-se o seu grande romance quasi autobiográfico e ainda a sua correspondência com o amigo Jean Grenier.

(Ao correr da leitura de “Camus et l’homme sans Diex”, de Arnaud Corbic, em vias de conclusão, aproveito para identificar o essencial da bibliografia da Camus. O campo das obras sobre as quais o autor do ensaio, em referência, concentrou a sua atenção circunscreveu-se, no entanto, aos dois ensaios mais explicitamente filosóficos de Camus, “Le Mythe de Sisyphe”, consagrado ao absurdo, e “L’Homme révolté”, consagrado à revolta, além das obras mais literárias tais como “Noces”, "La Peste”, “La Chute”, o importante prefácio à reedição de “L’envers et l’Endroit”, “Le Premier Homme" e “Les Carnets”).
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O "SEGREDO" DO INATEL DE RAMALDE

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