segunda-feira, janeiro 30

Nuno Teotónio Pereira - 90 anos


No dia do nonagésimo aniversário do Nuno Teotónio Pereira, em sua homenagem, reproduzo uma peça que escrevi para o blogue Os Caminhos da Memória que melhor não seria capaz de escrever neste preciso dia:

Nuno Teotónio Pereira foi, recentemente, evocado numa cerimónia comemorativa do 85º aniversário da Associação de Inquilinos Lisbonenses. Um dia, pelos idos de 2004, numa série de postas, fiz-lhe uma breve, e escassa, referência considerando que é uma das personalidades mais marcantes da história do MES (Movimento de Esquerda Socialista). Fiquei com uma dívida por pagar.

O Arquitecto Nuno Teotónio Pereira é uma daquelas personalidades raras na qual se juntam um notável curriculum profissional e uma postura de intervenção cívica, persistente e pertinente, assumida desde os tempos da oposição à ditadura. Ele é, na verdade, um dos arquitectos portugueses contemporâneos que foi capaz, como poucos, de integrar, sem cedências à facilidade, as preocupações sociais e a arte de «arquitectar». Há por esse país muitas obras de sua autoria, ou co-autoria, que testemunham esta simbiose.

Nos tempos de brasa do 25 de Abril foi um dos mais proeminentes dirigentes do MES, posição que saiu reforçada aquando da ruptura do grupo de Jorge Sampaio, ocorrida no 1º Congresso de Dezembro de 1974. O MES, na sua curta existência, só participou, de parte inteira, nas duas primeiras eleições da nossa III República: as eleições para a Assembleia Constituinte, disputadas em 25 de Abril de 1975, e as primeiras eleições para a Assembleia da República disputadas em 25 de Abril de 1976.

As nossas esperanças iniciais eram muitas elevadas. A lista do MES, pelo círculo de Lisboa, às eleições para a Assembleia Constituinte, foi encabeçada pelo Afonso de Barros a que se seguiram o Eduardo Ferro Rodrigues, o Augusto Mateus e o Luís Martins (padre, ainda a exercer…). A lista candidata às primeiras eleições legislativas, realizadas em 25 de Abril de 1976, foi encabeçada pelo Nuno Teotónio Pereira, seguido do subscritor destas linhas.

Poder-se-ia pensar que o MES havia encontrado o seu líder. Puro engano. Ao contrário dos restantes partidos, sem excepção, a personalidade que encabeçava a lista por Lisboa nunca foi, no caso do MES, o líder do partido pela simples razão de que no MES nunca existiu um líder. O que hoje penso é que, por incrível que pareça, sempre assumimos, do princípio ao fim, o que poderia designar-se como uma obsessão pelo colectivo.

Estávamos perante as primeiras eleições, verdadeiramente, livres e democráticas, após quase 50 anos de ditadura. Ainda hoje me interrogo como foi possível que tenhamos, no MES, encarado essas eleições, cuja transcendência política era inegável, como meros actos de pedagogia, mais do que actos destinados à disputa do poder. Ainda hoje me questiono acerca das raízes da concepção que permitiram à UDP (com o BE ainda tão longe!) ter obtido, nas eleições para a Assembleia Constituinte, menos votos do que o MES, a nível nacional, e feito eleger um deputado.

Existem muitas evidências dessa atitude de participação «não interesseira» do MES, desde o discurso anti-eleitoralista, que emanava de uma desconfiança, de raiz ideológica, acerca da verdadeira natureza da democracia representativa que, na verdade, aceitávamos como um mal menor, até à ausência de sinais de personalização nas campanhas eleitorais nas quais nunca foram utilizadas sequer fotografias dos cabeças de lista pelo círculo de Lisboa. A participação nas campanhas, embora tenha utilizado todos os meios, à época disponíveis, nunca cedeu um milímetro à personalização.

Após o fracasso da candidatura do MES à constituinte, ainda mais me parece estranho, à distância de 35 anos, a abdicação de personalizar na figura do Nuno Teotónio Pereira a campanha para as eleições destinadas a eleger a 1ª Assembleia da República. A sua participação como cabeça de lista pode ser interpretada, não me lembrando dos detalhes do processo decisório, como uma tentativa de credibilizar o MES jogando na refrega eleitoral a figura do seu mais proeminente dirigente.

Mas, ao contrário do que aconselharia a mais elementar lógica eleitoral, a campanha não valorizou a figura do Nuno Teotónio Pereira o que acabou por constituir o haraquiri político eleitoral do MES. Lembro-me de ter ocupado o segundo lugar nessa lista e do desconforto que senti quando, chegada a hora de votar, numa secção de Benfica, no meio da multidão, comovido até às lágrimas, sozinho, pressenti a derrota inevitável. E essa derrota foi ainda mais pesada do que aquela que averbámos nas eleições para a Assembleia Constituinte.

Se há uma personalidade que não merecia sair derrotada da aventura política do MES é o Nuno Teotónio Pereira a quem, como escrevi, em 2004 , devemos todos, os jovens quadros dos anos 60 e 70, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida solidariedade e humanidade que jamais poderemos retribuir com a mesma intensidade e sentido de dádiva.

Que viva!





quarta-feira, janeiro 4

Albert Camus - 52º aniversário da sua morte



1960 – No dia 3 de Janeiro, Camus parte da sua casa de Lourmarin, onde havia passado o fim de ano, de regresso a Paris, no Facel Vega conduzido por Michel Gallimard. Francine Camus fizera a viagem de comboio na qual deveria ter sido acompanhada por Camus; no dia seguinte, no prosseguimento da viagem, o carro despista-se, numa longa recta, em Villeblevin, perto de Montereau, embatendo num plátano, provocando a morte imediata de Camus e, cinco dias mais tarde, a de Michel Gallimard. Na pasta de couro de Camus, encontrava-se, além de diversos objectos pessoais, o manuscrito de Le Premier Homme, cento e quarenta e quatro páginas que sua mulher Francine haveria de dactilografar e sua filha, Catherine, fixaria em texto, publicado pela Gallimard, na primavera de 1994.

Albert Camus está sepultado em Lourmarin.

segunda-feira, dezembro 19

8 ANOS



2003-2011 – O ABSORTO que hoje faz 8 (oito) anos de existência, em laboração ininterrupta, tem sido para mim uma janela para o mundo dos afectos, memórias, amizades e conhecimentos. Flutuei, ao longo do tempo, entre a pura diversão, a reflexão fugaz, a partilha de paixões, incensando temas e autores, sem nunca, até hoje, me ter sentido incendiado pelo desprazer. O ABSORTO é um lugar de estar em paz comigo próprio, e com os outros, através de um exercício solitário de apaziguamento. Nada mais. Escreverei mais tarde o que hoje não tenho tempo para escrever. Agradeço a todas, e todos, que me têm dado uma atenção constante que pressinto por entre os silêncios cúmplices. A eternidade é uma ideia sem futuro, escreveu Camus, e subscrevo. Somos natureza com suas virtudes e defeitos. Somos mundo por entre os rumores e as dores do mundo. Somos Portugal mesmo quando a desesperança se intromete nos nossos sonhos. Prossigamos.

domingo, novembro 27

Amor Electro

BOLO DE AMÊNDOA E DE GILA (5501 POST)

 
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No dia em que a UNESCO declarou o Fado Património Imaterial da Humanidade deixo, em homenagem a minha mãe, que tanto gostava de fado, um dos posts mais visitados deste blogue.

No outro dia num pequeno café/restaurante aqui para os lados de Campolide serviram-me um doce de sobremesa. Senti o sabor da gila e da amêndoa, uma textura que me reenviou para o “bolo de gila” da minha mãe. Uma especialidade. São os momentos em que nos reencontramos, de verdade, com a vida.

Lembrei-me de uma história que ela contava. Já tarde, decidiu tirar a carta de condução. Fez o que tinha que fazer. Código, lições de condução, exames. Em todos passou. Aprovada. Carta na mão.

Alegria. Era mais um passo na afirmação da sua autonomia. O examinador, segundo ela, era muito simpático. Vai daí minha mãe, como sempre fazia, sem falsos pudores, preparou, com esmero, um bolo de gila para lhe oferecer. Dirigiu-se a ele e o Eng.º não quis receber a prenda. A minha mãe tomou-se de uma indignação sem limites. Insistiu.

Voltou a insistir. Não compreendia os problemas do homem que, finalmente, se deu por vencido e aceitou o bolo. Cedência a uma manifestação de regozijo? Ou aceitação do pagamento de um favor? O que a minha mãe queria era festejar!

terça-feira, novembro 15

AGRADECIMENTO


A todas e todos, que marcaram presença no almoço/convívio de celebração dos 30 anos da extinção do MES, os nossos agradecimentos. Foi muito agradável rever os rostos que, com mais ou menos nitidez, nos ficaram na memória de um tempo que marcou as nossas vidas.

Não quisemos mais do que ser fiéis ao espírito do puro encontro, sem pompa, mas com dignidade, sem discursos, mas com abraços, sem vénias, mas com sorrisos, nostálgicos por vezes, mas autênticos, reavivando memórias que, por um momento, se fizeram presentes.

Aos que puderam vir de longe, da África à Ásia, do Norte ao Sul de Portugal, da Europa às Américas, de muitos lugares distantes, antecipando regressos ou adiando compromissos, deixamos uma saudação especial em nome de todas e todos, que responderam presente aceitando confrontar a resignação do esquecimento, partilhando, de forma subtil, o reencontro, apesar dos desencontros do passado.

Este foi um encontro em que estiveram representadas todas as gerações e sensibilidades, que construíram e partilharam a curta, mas intensa, experiência do MES. Um encontro irrepetível de discreta reconciliação entre todas e todos, que antes, ou depois, da formalização do MES algum dia cumpriram uma tarefa, participaram num debate, formularam uma proposta, rejeitaram uma decisão, suportaram uma injustiça, entrando ou batendo com a porta.

Lembramos os ausentes, que tendo partido para sempre, estão presentes na memória e no coração de cada um de nós, cujos nomes não citamos para não cometermos a injustiça do esquecimento de alguns. Saudamos os que não puderam estar presentes, contra a sua vontade, entre os quais ousamos referir os nomes do Nuno Teotónio Pereira, do Jerónimo Franco, do Marcelo Ribeiro e do João Mário Anjos. Que vivam !

Os agradecimentos finais são para os jovens e, na pessoa, do Raul Pinheiro Henriques, para todos os voluntários que nos ajudaram na organização do evento, extensivos ao pessoal do INATEL.

Vamos fazer o inevitável e necessário balanço, distribuir-vos, a propósito do almoço fotografias e textos que nos pareçam interessantes, convictos de que, através deste simples encontro, demos um contributo para uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.


Lisboa, 14 de Novembro de 2011


A Comissão de Recepção

António Pais
Eduardo Graça
Filomena Aguilar
Helena Caniço
Inês Cordovil

domingo, novembro 13

UMA LEITURA (POLÍTICA?) DO ALMOÇO DOS EX-MES

 
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Um belo texto político acerca do almoço/convívio dos ex-MES de autoria de Rui Namorado.

Algumas centenas de antigos militantes do MES comemoraram, ontem, na Costa da Caparica, os trinta anos da sua extinção. Estiveram presentes protagonistas das principais cisões e vários rostos da vida completa do MES. Estiveram presentes cidadãos que usaram a sua vida sem protagonismo na esfera pública, militantes de diversas causas generosas, militantes políticos sem exposição mediática, detentores de prestígios exteriores à política, deputados e ex-deputados, ex-Ministros, ex-Secretários de Estado, ex-Secretários Gerais do Partido Socialista, um ex-Presidente da República. Sem mesas de honra, sem primeiras filas, sem vénias, mas com um grande calor humano, com uma fraternidade subtil mas patente, bem dispostos. Gente com uma auto-imagem suficientemente afirmativa para pensar que o que fez, em conjunto, sob aquela bandeira, por pouco que tivesse sido, foi importante; mas com a auto-ironia bastante para saber que essa importância não justifica a empáfia da grandiloquência.

Se um voo rápido da imaginação nos levasse a ver toda aquela gente, apostando numa iniciativa política comum, é realista pensar-se que a paisagem política portuguesa seria outra. E mesmo que, num assomo de modéstia, a imaginação se limitasse ao espaço de um único partido (pensando naquele a que pertenço, penso no PS), é realista pensar-se que, se aqueles que ali estavam e são militantes do PS, traduzissem o sentido que atribuíram aos sonhos ali comemorados numa imaginação política actual, em que todos se reconhecessem, rapidamente nos afastaríamos de qualquer cinzentismo abafado. Mas todos sabemos que essa imaginação não é realizável, embora a devamos deixar pairar como sombra orientadora ou como amável e virtuosa ameaça, ainda que frágil e suave.

O tempo deixou, no que cada um de nós viu no rosto dos outros, a sua implacável marca e uma discreta melancolia. A memória foi-nos reconduzindo aos rostos dos nossos passados, num intercâmbio de recordações dispersas e calorosas, por vezes simplesmente intuídas, às vezes passageiras, sempre luminosas. As diferenças antigas tornaram-se pequenas e amigáveis. O essencial ficou de pé, como uma saudade da razão.

Vivemos um tempo em que algumas narrativas das grandes esquerdas já foram encerradas nos atalhos da história, enquanto outras parecem ter perdido o futuro, quando se deixaram extraviar demasiadas vezes nos seus presentes. Mas o tempo cruel do capitalismo agonizante não conseguiu fechar, na arca dos impossíveis e do esquecimento, as desamparadas narrativas das pequenas esquerdas. Elas que nasceram frágeis e minoritárias (quando eram enormes as narrativas dum realmente existente, que afinal não existia), questionando-se ao mesmo tempo que questionavam, subsistem com simplicidade, abertas a novos sonhos e a novas maneiras de sonhar um futuro.

Cientes da diversidade de opiniões ali presente, mas que a ninguém embaraçou, aquelas centenas de cidadãos, sob a superfície emocionada de uma simples efeméride, penso eu, que homenagearam a semente de utopia que há trinta e quarenta anos os animou. Uma utopia feita de palavras simples, virtuosamente indissociáveis, sedentas de uma sinergia insubstituível: liberdade e democracia; igualdade e justiça; fraternidade e solidariedade. Ou seja, sair do capitalismo pela mão do povo, através da sua vida e da sua força, através de mutações sociais politicamente sustentadas, com a ajuda (apenas ajuda, ainda que importante) de um Estado que seja democraticamente seu. Numa palavra, levar a democracia ao extremo de si própria.

UM ALMOÇO SINGULAR


A Comissão de Recepção do almoço/convívio dos ex-MES que se realizou ontem. António Pais, eu próprio, Filomena Aguilar, Helena Caniço e Inês Cordovil.

Durante a tarde foi exibido um filminho (amador), mas com alguma imagens históricas marcantes, e revelada uma novidade (para muitos), qual seja a origem da linha gráfica inaugural do MES, concebida por um designer inglês, residente em Portugal desde 1973, chamado Robin Fior. Um exercício difícil mas versando uma das facetas mais originais do MES, a começar pelo seu símbolo feminil, tendo sido mostradas as alternativas de símbolo a adpotar pelo MES que, no verão de 1974, estiveram em cima da mesa. Algo muito especial!

quinta-feira, novembro 10

NUNO BREDERODE SANTOS

 
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Dos Caminhos da Memória

Nas vésperas do almoço de celebração do 30º aniversário da extinção do MES

Julgo não cometer nenhuma inconfidência grave se revelar que, um dia destes, almocei com o Nuno Brederode Santos. Os anos passaram e as minhas incursões pelas memórias do MES fizeram despertar nele, no meu entendimento, a necessidade de uma reflexão acerca de algumas reservas mentais que apimentaram a batalha do I Congresso do MES nos finais do ano da graça de 1974.

Curiosamente ficámos a saber, no decurso do repasto, que o nosso regresso às lides políticas, ocorreu em Outubro desse ano pelas mesmíssimas razões. Ele «guerreava» em Moçambique, no curso de uma longa comissão na guerra que combatíamos, eu «guerreava» na magna tarefa de instruir levas de milicianos – alguns deles ilustres intelectuais da nossa praça – habilitando-os para a deserção ou para o combate numa das frentes dessa guerra, para nós, desditosa.

Além de agradável, no plano pessoal, como haveria sempre de ser, a conversa revelou-me algumas facetas do primeiro conclave do MES que se me haviam varrido da memória e que, como consequência, levaram a omissões involuntárias nas anteriores deambulações que empreendi acerca do tema. Não é que a coisa tenha uma importância por aí além mas, na verdade, nunca me tinha apercebido de que o Nuno, ele próprio, fora um dos principais, senão o principal, tenor da tese da ruptura.

Se tivesse sido alcançada uma conciliação de posições permitindo manter a unidade, que acabou por se quebrar com estrondo no I Congresso do MES, seria uma derrota para a sua tese que, pelo que entendi, preconizava a criação de uma espécie de federação, inorgânica, de grupos convergentes que, sem um compromisso demasiado vincado com as forças partidárias emergentes, permitiria ganhar tempo, congregando vontades, para a formulação de um programa político à margem da inevitável opção entre um «compromisso histórico entre famílias socialistas» ou uma deriva esquerdista.

O Nuno revelou-me ainda algo que se me tinha varrido da memória e que, na sua opinião, foi um factor decisivo, pelo seu efeito psicológico, na consumação da ruptura com o MES daquele que seria conhecido como o grupo de Jorge Sampaio: uma intervenção radical, em pleno Congresso, de Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que, por razões geracionais era tido como elemento próximo do grupo com o qual, naquele momento, romperia de forma brutal.

Com essa intervenção de Afonso de Barros, da qual não me lembro uma palavra, NBS deu, de imediato, como adquirida a vitória da sua tese, fundada numa confessada reserva mental, ou seja, a da inevitabilidade da ruptura ainda antes da formalização do MES como partido político. Pois sendo a ruptura consumada num momento anterior ao acto final do I Congresso, não seria a reserva mental que presidiu à estratégia dos dissidentes revelada nem estes jamais seriam dissidentes de um partido ao qual, afinal, nunca haviam aderido.

Com esta revelação mais se vincou a ideia, que sempre tenho acalentado, de que teria sido possível celebrar um acordo entre as partes desavindas, com o empenho de meia dúzia daqueles a que NBS sempre designou por «zulus», derrotando a sua tese que, acabou por sair vencedora aproveitando a imaturidade, pessoal e política, da maioria desses «zulus» entre os quais eu me incluía.

Assim andámos todos, de um e outro lado, anos a fio, na dúvida acerca do lugar exacto, e do papel de cada um, nos acontecimentos dos primórdios do MES como se fosse importante manter reservas e distâncias quando a ruptura, provavelmente, nunca se chegou a concretizar pelo simples facto de nunca se ter criado o «corpus partidário» que poderia ter sido alvo dela.

O MES foi, porventura, um mal entendido extinto por quase todos os que se haviam confrontado no I Congresso, através do celebrado, e inédito, convívio de 7 de Novembro de 1981. Só faltam esclarecer uns pormenores que, com a passagem do tempo, se refinaram ganhando a patine das preciosidades inúteis que todas as famílias rejubilam em poder contar como património comum.



terça-feira, novembro 8

JOÃO MÁRIO ANJOS

 
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João Mário Anjos (à esquerda), Eduardo Ferro Rodrigues (ao centro) e o subscritor (à direita).

Publicado nos Caminhos da Memória

Nas vésperas do almoço de celebração do 30º aniversário da extinção do MES dedico a reedição deste post ao João Mário Anjos levando-o comigo no coração e pensamento ao convívio do próximo dia 12 atendendo à sua ausência por motivos de saúde.

Um dos acontecimentos mais marcantes a que assisti no período imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 foi o da recusa dos oficiais milicianos (João) Anjos e (Carlos) Marvão em comandar uma acção destinada a reprimir uma greve dos trabalhadores dos CTT. Na verdade a unidade militar na qual, no dia 17 de Junho de 1974 (?), ocorreu esse acontecimento era aquela onde eu prestava serviço militar: o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (ao Campo Grande).

Alguém dos poderes provisórios, saídos da revolução, não sei quem, decidiu que caberia àquela unidade militar estrear um tipo de intervenção que colocaria as forças armadas, acabadas de sair triunfantes do 25 de Abril, contra uma acção reivindicativa de trabalhadores. Foi uma decisão surpreendente, ainda para mais, quando nos demos conta que o comando da força repressiva seria cometido a oficiais milicianos.

Lembro-me de nos terem reunido e de um oficial superior encetar a tarefa impossível de ordenar a um oficial miliciano (ou oficiais) que comandasse a força. Começou por uma ponta na qual, por acaso, se haviam posicionado o João Mário Anjos e o Carlos Marvão. Não sei já qual foi o primeiro a recusar a ordem mas indagado o segundo, que também recusou, o oficial resolveu suspender a diligência. Logo a seguir, na terceira posição, se não me falha a memória, estava eu próprio. Nos dias 25 e 26 de Junho foi concretizada a prisão dos oficiais rebeldes que seguiram para a prisão da Trafaria.

A greve dos trabalhadores dos CTT terminou no dia 20 de Junho mas a posterior prisão daqueles oficiais despertou a mais profunda indignação dando origem a diversas manifestações, com significativa participação popular, de que possuo registo de duas: a primeira convocada para 28 de Junho no Campo Grande, junto à Churrasqueira, e a segunda realizada no dia 9 de Julho na Praça Marquês de Pombal proibida, aliás, pelas autoridades. Segundo uma cronologia do Centro de Documentação 25 de Abril Os manifestantes recusam-se a obedecer e desfilam até ao Marquês de Pombal.

O MES convocou as manifestações, pelo menos, através de três comunicados: o primeiro subscrito pela Comissão Política, com data de 27 de Junho (dois meses após o 25 de Abril), com o título Dois Milicianos Presos na Trafaria Por Não Quererem Reprimir os Trabalhadores, o segundo e terceiro, ambos subscritos pelos Grupos Socio-Profissionais Mistos, sem data, com os títulos Exijamos a Libertação dos Milicianos Presos e Libertemos Anjos e Marvão! A Luta Continua!

O Robin Fior, designer inglês, apanhado em Lisboa pela revolução, que foi o autor do símbolo e dos primeiros materiais de propaganda do MES, concebeu um inesquecível cartaz, com a palavra de ordem Anjos e Marvão Libertação. O cartaz de que não possuo qualquer exemplar, nem encontrei disponível na internet, ostenta um design gráfico invulgar para a época sendo, certamente, uma das peças de propaganda mais notáveis daquele período. [Quem o puder enviar, agradeço.]

Um dos oficiais milicianos presos era, nem mais nem menos, o João Mário Anjos que havia, comigo e o António Dias, bastante antes do 25 de Abril, constituído uma das «células» do MES que, por essa altura, «marinava» entre a semi-clandestinidade, que nós pensávamos que o serviço militar exigia, e a legalidade que o 1º de Maio, ainda fresco na memória de todos, reclamava. Conviveríamos com esta ambiguidade durante os meses seguintes pois, na verdade, vivíamos, com ou sem razão, na incerteza dos destinos da revolução que aquelas inopinadas prisões pareciam confirmar.

Hoje, passados 35 anos sobre esses acontecimentos, por dever de consciência, presto homenagem pública aqueles dois camaradas de armas e, em especial, ao João Mário Anjos, cuja coragem física e clarividência política, de que possuo evidências, nunca foram, pelos seus próprios companheiros, suficientemente reconhecidas. Onde quer que se encontre quero dizer-lhe que o não esqueci, nem esquecerei.

segunda-feira, novembro 7

Albert Camus

Albert Camus nasceu em Mondovi, Argélia, em 7 de Novembro de 1913. Não esmoreceu o meu interesse pela sua biografia e obra. Espero daqui a algum tempo, quando os afazeres profissionais abrandarem de ritmo, voltar à sua leitura, comentário e, porventura, algo mais arriscado. A ver vamos mas não me falta a vontade nem a energia.

Jean Sibelius - M. Al-Ashhab

quinta-feira, outubro 13

UM ENCONTRO



Hoje, no Porto, no final de uma actividade profissional na Faculdades de Letras fui surpreendido por uma surpresa desejada. Conheci pessoalmente a única mulher portuguesa, Maria Luisa Borralho, autora de um dos dois livros, publicados em Portugal, acerca de Albert Camus (1984). Fiquei feliz. Pode ser que deste conhecimento que, finalmente, foi além do virtual  possa surgir alguma  iniciativa interessante. Tenho o seu livro, já muito sublinhado a lápis, após a primeira leitura, aqui perto de mim.

segunda-feira, outubro 10

Silvio Berlusconi desafiado por Giuseppe Verdi.



No último dia 12 de março a Itália festejava os 150 anos de sua criação, ocasião em que a Ópera de Roma apresentou a ópera Nabuco de Verdi, símbolo da unificação do país, que invoca a escravidão dos Judeus na Babilónia, uma obra não só musical, mas também política, à época em que a Itália estava sujeita ao império dos Habsburgos (1840).

Sylvio Berlusconi assistia, pessoalmente, à apresentação, que era dirigida pelo maestro Ricardo Mutti. Antes da apresentação o prefeito de Roma, Gianni Alemanno - ex-ministro do governo Berlusconi, discursou, protestando contra os cortes nas verbas da cultura, o que contribuiu para politizar o evento.

Como Mutti declararia ao TIME, houve, já de início, uma incomum ovação, clima que se transformou numa verdadeira «noite de revolução» quando se sentiu uma atmosfera de tensão ao iniciarem-se os acordes do coral «Va pensiero», o famoso hino contra a dominação. «Há situações que não se podem descrever, mas apenas sentir; o silêncio absoluto do público, na expecativa do hino, clima que se transforma em fervor aos primeiros acordes do mesmo. A reação visceral do público quando o côro entoa - 'Ó minha pátria, tão bela e perdida'».

Ao terminar o hino, os aplausos da plateia interrompem a ópera e o público manifesta-se com gritos de «bis», «viva Itália», «viva Verdi». Das galerias são lançados papéis com mensagens políticas.

Não sendo usual dar bis durante uma ópera, e embora Mutti já o tenha feito uma vez em 1986, no teatro La Sacala de Milão, o maestro hesitou, pois, como ele depois disse: «não cabia um simples bis; havia de ter um propósito particular». Dado que o público já havia revelado o seu sentimento patriótico fez com que o maestro se voltasse no púlpito e encarasse o público e, com ele, o próprio Berlusconi.

Fazendo-se silêncio, pronunciou-se da seguinte forma, e reagindo a um grito de «longa vida à Itália» disse:

- «Sim, longa vida à Itália mas... [aplausos] não tenho mais 30 anos e já vivi a minha vida, mas como um italiano que percorreu o mundo, tenho vergonha do que se passa no meu país. Portanto concordo com o vosso pedido de bis para Va Pensiero. Isto não se deve apenas à alegria patriótica que senti em todos, mas porque nesta noite, enquanto eu dirigia o côro que cantava 'Ó meu pais, belo e perdido', eu pensava que a continuarmos assim mataremos a cultura sobre a qual assenta a história da Itália. Neste caso, nós, nossa pátria, será verdadeiramente 'bela e perdida' [aplausos retumbantes, incluindo dos artistas da peça].

Reina aqui um 'clima italiano'; eu, Mutti, me calei por longos anos. Gostaria agora... nós deveriamos dar sentido a este canto; como estamos em nossa casa, o teatro da capital, e com um côro que cantou magnificamente, e que é magnificamente acompanhado, se for de vosso agrado, proponho que todos se juntem a nós para cantarmos juntos.»

Foi assim que Mutti convidou o público a cantar.Toda a ópera de Roma se levantou... O coro também. Foi um momento magnífico na ópera! Vê-se, também, o pranto dos artistas.

Aquela noite não foi apenas uma apresentação do Nabuco mas, sobretudo, uma declaração do teatro da capital dirigida aos políticos.

Obrigada à Luisa Alegre

sábado, outubro 8

Wall Street Protest Spurs Online Dialogue on Inequity
















Este movimento ao qual, deste lado de cá, como de costume, poucos estão atentos, vai dar uma grande volta à situação. Pode ser, e será, a meu ver, o princípio de uma nova era. O futuro do mundo passa por aqui.