domingo, janeiro 12

VÍTOR WENGOROVIUS - 25 de abril - 40 anos, 9


Fotografia de António Pais
 
 
O mais brilhante tribuno do movimento estudantil durante a crise académica de 1961/62. Eu não tinha idade para o conhecer nessa época mas os testemunhos dos seus contemporâneos são eloquentes. Só o conheci como veterano no processo de criação do MES bastante antes do 25 de Abril.

Era uma figura pujante de energia e criatividade, prolixo, solidário e desprendido. Era a personificação do excesso para seu prejuízo pessoal e benefício da comunidade. Um socialista católico impoluto, crente e destemido, desprendido do poder e amante da partilha.

Privei com ele, nele confiava em pleno, com ele aprendi a confiar, talvez a confiar demais. Não me arrependo de ter acreditado na luz que emanava da sua dedicação às causas utópicas que as suas palavras nunca eram capazes de desenhar até ao fim. As suas palavras perseguiam a realidade que se escapava como um permanente exercício de criação.

Com ele fui a encontros clandestinos com o Pedro Ramos de Almeida, representante do PCP, buscando as alianças necessárias ao sucesso da luta anti fascista e nunca fomos apanhados pela polícia política.

Ouvi horas das suas conversas, intervenções e discursos, aprendi a ouvir, aprendi a faceta fascinante do excesso da palavra (não só com ele) e sofri, em silêncio, o lancinante drama do seu percurso pessoal perdido no labirinto das rupturas intelectuais e sentimentais.

Fiquei feliz no dia – próximo da sua morte – em que ajudei a que pudesse assistir ao musical “ O Navio dos Rebeldes”, levado à cena no Teatro da Trindade, em homenagem aos estudantes que em 61/62 se revoltaram contra a ditadura. No fim da representação um dos actores pediu licença para, à boca de cena, assinalar a sua presença e lhe prestar homenagem.

As lágrimas correram-me pela cara quando, frente ao palco, na cadeira de rodas, o Vítor pegou no microfone e, parcimonioso nas palavras, exacto e conciso, fazendo soar o timbre inconfundível da sua voz, agradeceu elogiando o trabalho teatral a que tinha acabado de assistir.

Morreu a 27 de Fevereiro de 2005 mas viverá para sempre no coração daqueles que, verdadeiramente, o conheceram.

(Ler ainda aqui)
 
PUBLICADO EM 17 DE MAIO DE 2006

sábado, janeiro 11

MÁRIO VIEGAS - 25 de abril - 40 anos, 8


Obrigado Tomás Vasques por me teres lembrado o dia de aniversário do Mário Viegas.

Fizemos parte da tropa juntos ali no quartel do Campo Grande. Por sorte calhou-nos na rifa o 25 de Abril. Contei, tempos atrás, um recital singular do qual não há outro registo senão a memória dos que nele participaram.

Morreu cedo porque não podia esperar o tempo suficiente para morrer. Quando nos víamos era uma festa. Um dia em pleno espectáculo no pequeno teatro, que leva o seu nome, no S. Luís, de cima do palco meteu-me ao barulho. Era, certamente, uma personalidade difícil, um perfeccionista da palavra e da expressão corporal.

Lembro a sua interpretação da personagem de D. João VI. A poesia dita na sua voz é um autêntico acto de criação. Viu-o, pela última vez, para as bandas do Chiado a descer de carro, no lugar do pendura, a caminho do Cais de Sodré. Esbracejou, como sempre, em larga e esfuziante saudação. Correspondi sem saber que esse seria o aceno final.

Foi um cometa luminoso, e raro, que atravessou a nossa vida cultural.

PUBLICADO EM 10 DE NOVEMBRO DE 2006.

sexta-feira, janeiro 10

25 de ABRIL - NA "PORTA DE ARMAS" - 25 de abril - 40 anos, 7


No interior da “porta de armas” do quartel do Campo Grande – João Mário Mascarenhas (à esquerda) e eu próprio – fotografia inédita do 25 de Abril

Outras imagens inesquecíveis destes dias:

Os soldados deitados nas camaratas do quartel, em posição defensiva, vigiando a rua ou o recital de poesia do alferes Mário Viegas no refeitório do quartel.

O popular, de bicicleta, levantando nas mãos a bandeira nacional aos gritos: Liberdade, Liberdade, Portugal, Portugal! 


PUBLICADO NO DIA 25 DE ABRIL DE 2006  

quinta-feira, janeiro 9

25 DE ABRIL - TRÊS AMIGOS DE BRANCO - 25 de abril - 40 anos, 6


Uma Fotografia Inédita - João Mário Anjos, Eduardo Ferro Rodrigues e eu próprio

Poema de geometria e de silêncio
Ângulos agudos e lisos
Entre duas linhas vive o branco
Sophia de Mello Breyner Andresen
In Coral - Editorial Caminho


O 25 de Abril foi vivido, e participado, por todos nós por entre “sinais de fumo”. Cada um cumpria a sua missão e esperava que o outro a cumprisse.

A comunicação seria feita a seu tempo. Não havia net nem sequer telemóveis (celulares como dizem os nossos amigos brasileiros). Naquelas horas da manhã do 25 de Abril devem ter sido batidos todos os recordes de telefonemas jamais realizados em Portugal.

Para mim o branco foi a cor desses dias. Angústia, espera, clausura desde a madrugada de 25 de Abril até depois do 1º de Maio. Não vivi o colorido da festa nas ruas nem participei nas manifestações …

Foram muitos os que tiveram que abdicar da festa, pá! Telefonemas, telegramas, umas olhadas ao movimento defronte do quartel, imagens na rtp, a preto e branco, e pouco mais. Mas o coração transbordava de contentamento.

Um dos convivas da fotografia estava comigo no quartel e foi protagonista, mais tarde, de uma das situações mais difíceis do período de brasa da revolução. O do meio adivinhe quem é? A republicar com legendagem!

PUBLICADO EM 24 DE ABRIL DE 2006

quarta-feira, janeiro 8

25 DE ABRIL - O GOSTO DA LIBERDADE - 25 de abril - 40 anos, 5


O meu irmão Dimas ao trabalho – finais dos anos 50.

No dia 25 de Abril de 1974 em que a história, o imaginário e o simbólico se fundiram, num magna único, as raízes falaram mais alto. Uma das recordações mais fortes do 25 de Abril, que persistem em mim, foi a preocupações em telefonar, naquela manhã, do quartel onde ficara enclausurado, para casa de meus pais.

Talvez seja incompreensível a persistência desta memória mas ela explica-se pelo facto de ter vivido, a maior parte da minha vida, longe da família, rodeado pela memória das paredes brancas, da luz do sul, dos cheiros da terra com vista para o mar. Das vozes e dos olhares que me viram crescer. Das ruas que conheço de cor e sou capaz de imaginar ao pormenor. Do rosto daqueles que são o rio no qual desagua o meu imaginário.

Naquele momento mágico, a madrugada do 25 de Abril de 1974, em que o sonho de gerações de portugueses se transformou em realidade veio ao cimo das minhas preocupações o que, em regra, nunca constituía preocupação: falar com a família para lhes dar a boa nova, trocar uma palavra de regozijo, ofertar um cravo imaginado, abraçar o futuro, verter uma lágrima, agradecer a liberdade que me tinham oferecido mesmo antes dos cravos brilharem nos canos das espingardas.

Reparei então como não somos nada sem as raízes que nos prendem ao chão das nossas origens.

O 25 de Abril foi uma vertigem de libertação que ainda mais despertou em mim o gosto da participação cívica. Ganhei esse gosto pela iniciativa do meu irmão Dimas à época em que todos os pais hesitam acerca do destino dos seus filhos. Os gostos não são inatos. Não nascem connosco. São uma construção na relação com o mundo que nos rodeia.

Sendo um filho tardio recebi dos meus pais a liberdade de escolher a minha vida e do meu irmão a discreta cumplicidade para que me afirmasse, no que quer que fosse, com respeito pelos princípios da liberdade e da democracia. O 25 de Abril foi a confluência de uma miríade de vontades libertadoras, um momento singular, que honraremos cultivando o gosto da liberdade.

POST PUBLICADO EM 23 DE ABRIL DE 2006

terça-feira, janeiro 7

UMA VISITA - 25 de abril - 40 anos, 4


                                                   Fotografia de Victor Valente

Visitei hoje, pela primeira vez, em Coimbra, o Centro de Documentação 25 de Abril. Concretizei, em trabalho, uma visita adiada anos a fio. É curioso que tenha sido realizada no primeiro dia após a entrada em funções do novo Presidente da República.

Não por ele mas pelo que acabou de cessar funções. Desde há muitos anos que tenho para lá depositar um conjunto de documentos do auto extinto MES. Nada de muito importante – que não privilegio as memórias do passado, antes prefiro as do futuro – mas é uma pena que se percam alguns daqueles documentos pois são originais.

Agora que as instituições de topo do estado estão quase a ficar “limpas” de ex-MES – por via do tempo e sabe-se lá mais do quê – talvez tenha chegado a hora de esvaziar o meu pequeno e modesto saco das memórias do MES entregando-as a quem delas possa cuidar.

Gostei do que vi e senti nesta visita. Algumas coisas inéditas e comoventes. Trouxe um livro – “A Fita do Tempo da Revolução – A noite que mudou Portugal” que consiste na reprodução do manuscrito do conjunto de registos de informação das chamadas telefónicas realizadas pelas duas partes em confronto na madrugada do 25 de Abril de 74.

Assim fiquei a saber a hora exacta de um acontecimento a que assisti – quase todo – ao vivo e o qual relatei, brevemente, nalguns posts antigos que podem ser lidos aqui aqui e aqui:

05H55/ Comunicação p[ara] o Ministro
- estavam a comunicar ao Ministro q[ue] a coluna da EPC estava a passar no Cartaxo há 20 min[utos].
- passou uma coluna em Almeirim às 05.35.
- Há uma coluna não blindada na Av. Da República

(Eu ia atrás dela com o António Dias e o João Mário Anjos)(…)
- M[ensagem] para passar ao sr. Cor. Romeiras p/.
O ministro está cercado no T.[erreiro] do Paço. EPC colocou uma automet[ralhadora] na Estação de Sul e Sueste e outra na Rua do Arsenal.
(Estávamos na Rua do Arsenal neste momento)(…)
06H00/Min Ex[ército]
- Romeiras já vai na 24 de Julho. Veja se pode salvar. Já estamos todos cercados.
(…)
06H14/Min[istro] cercado no Terreiro do Paço
Era o Ministro do Exército
(…)
06H21/Forças RC7 aderiram
Cmdt forças RC7 (Alf. David e Silva)
Esta era uma importante força militar que até este momento se encontrava ao lado das forças leais ao governo.

Eu pensei que esta força (temível), leal ao governo, era comandada pelo Brig. Junqueira dos Reis, mas o relato atribui o seu comando ao Alf. David e Silva, referenciando, no entanto, a presença do Brigadeiro Junqueira, aliás meu conterrâneo, tal o ministro do exército à época, Luz Cunha, somente mais tarde na fita do tempo:
07H20/ As forças in[imigas] estão a ser comandadas Brig. Reis que vai col[una] Romeiras. Vão ocupar embocaduras Terreiro [do] Paço com forças RI1.
O Brig. Junqueira dos Reis era o 2º Comandante do Governo Militar de Lisboa e comandava a força da ordem pública do GML.
(Já tínhamos encetada a viagem para ajudar na tomada do nosso objectivo que era o “2º GCAM”, no Campo Grande)
Por último tinha na memória a imagem difusa de que todos estes acontecimentos se tinham passado mais cedo. Afinal era mesmo muito tarde nessa madrugada do dia mais excitante da minha vida (e do António Dias+ João Anjos que me acompanhavam).

POST EDITADO EM 10 DE MARÇO DE 2006

segunda-feira, janeiro 6

PRESIDENTES, ELIS E OS EFEITOS COLATERIAS DA DITADURA - 25 de abril - 40 anos,3


Elis Regina

Em Portugal, com respeito a Presidentes da República, excluindo a 1ª República (1910/1926), ninguém se queixa de terem sido demais. É interessante observar o sublime e recolhido regozijo dos portugueses perante a durabilidade dos mandatos presidenciais.

Descontados Gomes da Costa, que “comandou” a “revolução nacional”, em 1926, e de António de Spínola, que “comandou” a de 1974, tendo sido rapidamente descartados, Portugal contou, no exercício da função presidencial, no Estado Novo, desde 1926 a 1974, com três Presidentes da República: Óscar Fragoso Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomás (chefes militares respectivamente das forças de “Terra, Ar e Mar”) e, depois do 25 de Abril, com quatro: Costa Gomes, Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio.

Verdadeiramente só os três últimos foram eleitos, pelo voto livre dos portugueses, preenchendo, em 2006, 30 anos de vivência democrática.

Curiosamente, desde o fim da 1ª República, até aos nossos dias, no decurso de oitenta anos (80) só dois Presidentes foram civis (Soares e Sampaio), ambos eleitos. Todos os outros foram altos chefes militares ou acabaram sendo altos chefes militares (caso de Eanes). Os seus mandatos, em média, foram longos.

Talvez se possa concluir que o progresso da Pátria não tem ganho grande coisa por estar associado ao autoritarismo que esses militares, em contextos diferentes, protagonizaram nem à durabilidade dos seus mandatos. Curioso, não é? Dá para pensar!

(A foto de Elis Regina, retirada do new york on time, nada tem a ver, aparentemente, com o assunto. É que me veio à memória uma cena que nunca mais esqueci e na qual participei. As ditaduras provocam estranhos fenómenos de cegueira, de distorção da realidade e de injustiça na apreciação do papel dos outros em cada momento. Então não é que um belo dia uma entidade ligada à ditadura se lembrou de promover um espectáculo, em Lisboa, com a Elis Regina e o Jair Rodrigues e o movimento estudantil, não sei porque carga de água, metido em brios de revolta, resolveu boicotá-lo. A Elis e o Jair não entendiam nada do que se estava a passar – via-se-lhes nos rostos espantados - mas o que é verdade é que não houve espectáculo. À Elis, lá onde se encontre, e ao Jair, pela parte que me toca, desculpem!)

POST DE 2005, SOB ETIQUETA 25 DE ABRIL

domingo, janeiro 5

LUIZ PACHECO (25 de abril - 40 anos,2)


Acabei de ler o “Diário Remendado (1971-1975)” de Luiz Pacheco, da D. Quixote. Uma diário autobiográfico, ou algo que se aproxima do género. Não se trata, certamente, de uma obra-prima mas é leitura muito interessante para aqueles que se interessam pelo percurso de alguns dos chamados escritores portugueses malditos do nosso tempo.

Ao que consta do posfácio de João Pedro George, “biógrafo improvável” de Pacheco, segundo as palavras do próprio, este texto “é um fragmento de um diário muito mais vasto”. O que supõe que outros diários possam vir a surgir no futuro.

Retenho duas curiosidades que me tocaram pessoalmente: a descrição dos acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974, por Pacheco, que termina com estas duas frases esplêndidas: “Foi bonito e foi rápido. Já posso morrer mais descansadinho.”

Ainda a revelação de que Aldina, uma “pintora com biografia”, mulher de António José Forte, segundo Pacheco, votou no MES nas eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975. Uma boa companhia.

Veja aqui uma parte da obra de Luiz Pacheco.

CHORO POR TI EUSÉBIO

 
Morreu Eusébio. Um herói e um símbolo para gerações de portugueses. O futebol é um jogo coletivo mas nele avultam alguns jogadores que o tornam mágico. Eusébio era um deles e desde criança me fez sonhar e acreditar que os mais fracos sempre podem vencer os mais fortes. Deixo em sua homenagem um texto que em tempos escrevi neste blogue em homenagem ao futebol. QUE VIVA! 

Uma multidão no estádio, em nossa casa, parece-nos sempre pequena. Amigável. Conhecemos muitos rostos. Mesmo as vozes nos são familiares. Os ditos, as recriminações, “seu isto, seu aquilo …”. Uma multidão que incentiva os ídolos de um tempo que é o nosso é como se fosse alguém da nossa família. Os momentos de glória exigem uma multidão que aclame os heróis. Vista de longe a multidão é anónima. Uma massa de gente que grita, aclama, protesta e gesticula. Vista de perto é um mundo de paixões e afectos que se partilham com fervor. As claques podem ser uma degenerescência das multidões que aplaudem por puro prazer apoiando os seus à vitória. O tumulto pode substituir a festa. Mas a essência do futebol é a festa. A partilha do prazer entre pobres, remediados e ricos; homens e mulheres; crianças, jovens e velhos, misturados na turba que ferve na crença na vitória que, tantas vezes, se transforma na melancolia da derrota. A multidão que se manifesta mostra a alma de um povo que aspira a libertar-se das rotinas do trabalho e das agruras da vida. A história das multidões, para o bem e para o mal, é uma parte da própria história das nações, cidades, associações e famílias. O futebol é o sol que ilumina a vida da maioria nas comunidades.


sábado, janeiro 4

Emídio Guerreiro (25 de abril - 40 anos,1)

Este é o ano do 40º aniversário do 25 de abril sobre o qual muito se falará (assim espero que seja) numa celebração de um acontecimento já longínquo daquelas que começam a ressoar a liturgia morta. É a realidade pois o tempo não perdoa. Mas a memória carece de ser avivada sempre que  estiver em causa a questão da liberdade. Coloquei neste blogue a etiqueta "25 de abril" em 160 posts sendo certo que só bastante  tarde comecei a utilizar etiquetas por assuntos. Vou voltar a postar diariamente, ou quase, uma seleção desses posts para lembrar o regresso à liberdade e à democracia, após 48 anos de ditadura.  

Na época de todas as mortes. Emídio Guerreiro um lutador pela democracia e pela liberdade. Morreu aos 105 anos. Bem haja.

Biografia Breve - Uma vida em três séculos


Ao longo da sua longa vida, que atravessou três séculos, Emídio Guerreiro assistiu à implantação da República, viu nascer e morrer a ditadura, de que foi um dos mais destacados combatentes, atravessou duas guerras mundiais e participou na construção do regime democrático em Portugal.

Emídio Guerreiro nasceu a 6 de Setembro de 1899, em Guimarães, numa família de ideais republicanos, que acolheria como seus durante toda a vida. Frequentou a Universidade do Porto, onde cursou Matemática, depois de ter lutado como voluntário na I Guerra Mundial - o seu primeiro encontro com a conturbada história do século XX.

Em 1926, um golpe de Estado impõe a ditadura em Portugal, mas a 3 de Fevereiro do ano seguinte Emídio Guerreiro junta-se aos revoltosos que, em vão, tentaram derrubar os golpistas.Em 1928, funda no Porto a loja maçónica "A Comuna", do Grande Oriente Lusitano Unido.

Em 1932, escreve um panfleto contra o então presidente Óscar Carmona, acabando por ser detido, mas um ano depois conseguiria evadir-se, iniciando um exílio que se prolongaria por mais de 40 anos. A primeira paragem é em Espanha, onde dá aulas, mas o início da guerra civil leva-o a combater ao lado das forças republicanas.

Em 1939, com a vitória dos franquistas, fixa-se em França, passando à clandestinidade quando os nazis invadem o país, durante a II Guerra Mundial, tendo sido membro activo da resistência à ocupação alemã. Findo o conflito, Emídio Guerreiro voltou ao ensino de Matemática, desta vez na Academia de Paris.

Na capital francesa, funda em 1967, juntamente com outros exilados políticos, a LUAR, Liga Unificada de Acção Revolucionária, para combater o regime salazarista.

De regresso a Portugal, depois do 25 de Abril, foi um dos fundadores do PPD. Em 1975 foi eleito secretário-geral, tendo liderando o partido durante o período de ausência de Sá Carneiro no estrangeiro, por doença. Deputado à Assembleia Constituinte, viria a afastar-se do PPD, descontente com o rumo que o partido estava a seguir, e nos últimos anos aproximou-se do PS.

Em entrevista ao "Expresso", por ocasião do centenário do seu nascimento, Emídio Guerreiro elegeu a dignidade humana como o ideal que norteou a sua vida.

"Como não pode haver dignidade se não houver liberdade, naturalmente que eu lutei pela liberdade. Lutei contra todos os regimes prepotentes, lutei contra todas as ditaduras", afirmou.

LUSA

PELO 54º ANIVERSÁRIO DA MORTE DE ALBERT CAMUS


No dia do 54º aniversário da morte de Albert Camus (7/11/1913-4/1/1960) evoco a sua memória deixando mais um fragmento da sua escrita sobre um dos temas mais relevantes que atravessam a sua obra: justiça e liberdade.     
 
“Antinomias políticas. Vivemos num mundo em que é preciso escolher sermos vítimas ou carrascos – e nada mais. Esta escolha não é fácil. Pareceu-me sempre que na realidade não há carrascos, há apenas vítimas. No fim de contas, bem entendido. Mas é uma verdade que está pouco espalhada.

Gosto imenso da liberdade. E para todo o intelectual, a liberdade acaba por confundir-se com a liberdade de expressão. Mas compreendo perfeitamente que esta preocupação não está em primeiro lugar para uma grande quantidade de Europeus, porque só a justiça lhes pode dar o mínimo material de que precisamos e que, com ou sem razão, sacrificariam de bom grado a liberdade a essa justiça elementar.

Sei estas coisas há muito tempo. Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que deveremos pensar, neste caso?”
 
Albert Camus, in Caderno n.º 5 (setembro 1945/abril 1948)

sexta-feira, janeiro 3

Beethoven - Symphony No. 9



Tão afastado da música! Regresso, neste início de 2014, com a Sinfonia nº 9 de  Beethoven. Vou intervalar as palavras, as imagens e a música ao ritmo da minha disposição, gosto e acaso. Para todas, e todos, os meus amigos que insistem em visitar-me com os desejos de Bom Ano de 2014.

quinta-feira, janeiro 2

DIA 2


Dia 2. Como romper o ciclo vicioso? Com um acontecimento novo.  Como romper o cerco? Com um novo intento, uma fuga, um salto, um movimento. Todos se olham e se interrogam mesmo julgando-se adversários ou inimigos. Não perder o equilíbrio, prezar os que nos amam, criar se nos propiciarem a oportunidade, resistir à injustiça dos homens e do mundo, reunir as forças que em nosso redor anseiam por romper a inação, não desistir de nada em que acreditemos, um pequeno gesto pode mudar uma vida, uma multidão de gestos pode mudar o mundo. Segurar com firmeza a vida e nunca abdicar de apreciar a beleza.

quarta-feira, janeiro 1

ANO NOVO

Fotografia de Hélder Gonçalves

Ainda à beira do atlântico, mar que desaba na praia longo e grosso, desfeito em espuma, com sua voz ecoando ressonâncias a descobertas, vos deixo os desejos de BOM ANO DE 2014. 

2014


Fotografia de Hélder Gonçalves
 
Dia um. Ano 2014. Dia de Ano Novo, como soe dizer-se, aqui assinalo o regresso a casa. Perto do ponto mais ocidental da Europa ouço o marulhar das ondas deste mar que sempre me acompanha nesta época. Os amigos são um espaço de pertença que se confunde com a natureza que me invade. Nada a lamentar. Reconstruindo os espaços, físicos e humanos, que nos permitem ganhar energias para enfrentar os desafios da vida em todas as suas dimensões. Aí vou, 2014 para te enfrentar como se foras o ano PRIMEIRO da minha vida.     

segunda-feira, dezembro 30

PORMENORES


Não sei se vale muito a pena preocuparmo-nos com pormenores, mas há pormenores que se preocupam connosco. A longevidade, noutros tempos, era um pormenor despiciendo, uma raridade em pessoa, que tendo sido levada à conta de pormenor despiciendo se transformou num pormenor tremendo. Os velhos tornaram-se um despertador que marca todas as estratégias de futuro. Muitos estudaram o fenómeno intitulado, academicamente, por "envelhecimento demográfico", a quebra da natalidade associada à explosão da longevidade. Poucos são capazes de encarar a morte de frente. Ainda menos as sociedades. Hoje numa reunião daquelas que se dedicam ao encerramento do ano, alguém não podia voltar ao conclave a 2 janeiro, por ser o dia do nascimento do seu primeiro filho. Há pormenores surpreendentes.            

domingo, dezembro 29

REVOLTA


"Revolta

Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.

A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito.

Dito isto, há também uma justiça, ainda que muito diferente, fundando o único valor constante na história dos homens que só morreram bem, quando o fizeram pela liberdade.

A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário."

Albert Camus, Caderno n.º 4 (janeiro 1942/setembro 1945)

(Mesmo perto do fim do Caderno nº 4, esta releitura, leva-me a retomar uma das citações que melhor explicita uma das preocupações dominantes em todo o pensamento e obra de Camus: a relação entre liberdade e justiça. Quando, nos nossos dias, na vida quotidiana e nos combates cívicos e políticos, se menospreza, ou subalterniza, o valor da liberdade sempre me vem à memória o primeiro parágrafo desta citação: “Finalmente, escolho a liberdade …”)

CONTINUAR (II)

No último domingo do ano de 2013, uma última palavra acerca deste blogue em actividade desde o mês de dezembro de 2003. Dez anos é muito tempo e nunca imaginei que este blogue pudesse durar tanto tempo. Não vale a pena tentar explicar a permanência desta janela de comunicação com os outros. O que para mim vale a pena, por razões e fidelidade, é dar-lhe continuidade desafiando-me a permanecer activo, lúcido e presente em todas as batalhas que sejam precisas travar para preservar esse precioso bem: a liberdade.  

sábado, dezembro 28

ALBERT CAMUS


Ainda neste ano do centenário de Albert Camus publico uma série de sublinhados de leitura com inevitáveis repetições e algumas novidades a partir de um trabalho que preparei e que, por uma qualquer razão, não foi publicado. Mas, ao mesmo tempo, prossigo nas releituras de onde surgirão, certamente, novos posts. 

Entre muitos modelos possíveis de testemunho acerca do centenário do nascimento de Albert Camus, nascido em 7/11/1913, escolho um entretecido de citações dos “Carnets”, a leitura inaugural da sua obra, pelos meus 20 anos, com breves notas. A biografia e bibliografia de Camus, pelo centenário, foram, de forma surpreendente para mim, razoavelmente divulgadas e o seu estilo de escrita, concisa, fragmentável, “excessivamente perfeita”, segundo os seus detractores, suporta a minha ousadia. As citações são retiradas da edição portuguesa dos Cadernos nº 1 (maio de 1935/setembro de 1937); nº2 (setembro de 1937/abril de 1939); nº3 (abril de 1939/fevereiro 1942); nº4 (janeiro 1942/setembro 1945) e nº 5 (setembro 1945/abril 1948) e não obedecem a ordem cronológica; as citações da edição francesa são acompanhadas pela indicação da fonte.

"O prazer que se encontra nas relações entre homens. Aquele, subtil, que consiste em dar ou pedir lume- uma cumplicidade, uma franco-maçonaria do cigarro."
Caderno n.º 2 (setembro de 1937/abril de 1939)

sexta-feira, dezembro 27

A PALAVRA LIVRE DE UM PAPA SEM MEDO


Fotografia de Hélder Gonçalves
 
É espantoso o alvoroço que vai nas hostes - da direita à esquerda - a propósito das palavras ditas, e escritas, pelo Papa Francisco. Não imagino o que se passará nos meandros da igreja de Roma, nem nos corredores dos paços Episcopais. Porventura um misto de incredulidade e medo pelo destemor das suas criticas à sociedade desigual e violenta em que vivemos, criamos e alimentamos, cada um à sua maneira, e com sua quota de responsabilidade, palavras que ressoam fundo pelos quatro cantos do mundo. Nada que já não tenha acontecido antes com outros Papas. Nada que não corresponda ao que se espera de uma voz que deve obediência a princípios que a Igreja proclama e aos quais se deve manter fiel.  Na EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM - um texto assumidamente programático - o Papa, no fundo, nada mais faz do que assumir os princípios da doutrina social da igreja (para simplificar), apontando um caminho que permita derramar nas nossas sociedade de consumo, amplamente desesperançadas, uma nova crença no Homem, na sua obra e futuro. Como escreve Adriano Moreira num recente artigo de opinião o Estado Social, que o Papa defende, não é mais do que uma criação da confluência do ideário e da ação da doutrina social da igreja e do socialismo democrático. Não admira que uma ampla frente de lideres políticos, da esquerda à direita democráticas, de lideres de opinião de todos os quadrantes ideológicos (salvo os extremistas, seja qual for a sua extração), e milhões de mulheres e homens de boa vontade, crentes e não crentes, sintam vibrar o seu coração com as palavras e ações deste Papa. Na minha modesta opinião nada mais natural num mundo e num tempo sedento de liberdade e de justiça verdadeiras.