domingo, outubro 12

outubro - dia 12


Toda a gente sabe que o tempo na política é um elemento decisivo. Certamente na democracia com a sua extrema exigência - por vezes desvalorizada - de mudança de protagonistas na chefia dos órgãos do Estado. O regime de partidos cuja representatividade não advém nem do direito divino, ou de dinastia familiar mas do voto livre dos cidadãos sem distinções de credo, raça, sexo ou condição económica  e social, permite, e exige, mudanças sucessivas e regulares de governo. É uma fórmula que os povos que vivem em democracia há muitos anos, o que não quer dizer que vivam em sociedades justas, podem ter tendência de desvalorizar. Por isso existe um pensamento estruturado e consolidado acerca da questão da democracia politica, escolas e cursos que se dedicam ao estudo e ensino da ciência politica, redes organizadas de cidadãos em modelos associativos de diversas naturezas que cuidam de manter a vitalidade da defesa em todas as circunstâncias e instâncias da democracia política. Quero dizer que o assunto da mudança e do tempo da mudança em politica é um assunto sério e que, na história, a hesitação na tomada de decisões, ou a escolha de caminhos errados, tem causado danos irreparáveis na vida das sociedades, atrasando o seu progresso, questionando ou pondo em perigo a sua independência, malbaratando suas riquezas e vantagens relativas no cotejo internacional. Lembro-me, a título de exemplo, do consulado de Marcelo Caetano, após a morte política de Salazar, que não cuidou, como deveria de cuidar, por razões que os historiadores já dissecaram, de uma transição para a democracia politica que teria conduzido a soluções diferentes. Estamos, no presente, a atravessar uma situação a qual, face ao tempo, a tomada de decisões políticas é muito importante para o futuro do país. E tenho fundados receios que aqueles a quem compete, e se exige, essa tomada de decisão se inibam, por boas ou más razões, perdendo-se uma oportunidade de forjar os consensos políticos necessários a uma aceleração da conjuração da crise em que o país está mergulhado.    

terça-feira, outubro 7

A REPÚBLICA


Por acaso, este ano, ouvi os discursos da cerimónia do 5 de outubro na íntegra. De viagem, em trabalho, a caminho do Algarve beneficiei dessa oportunidade. Este 5 de outubro, um domingo, foi muito curioso no plano da cenografia politica. A cerimónia oficial realizou-se, como sempre, na Câmara Municipal de Lisboa (Paços do Concelho) por ter sido à varanda do dito que foi proclamada a República nesse dia. O actual presidente da CML, António Costa, anfitrião habitual, havia sido escolhido no domingo anterior para liderar o PS, sob a capa de uma escolha para candidato a primeiro ministro. O outro protagonista da cerimónia foi, como sempre, o PR. Tudo decorreu conforme o protocolo e pelo menos através do som não deu para entender qualquer falha. Costa havia agendado para a tarde desse dia uma intervenção original no congresso do novo partido Livre. Dessa forma "tapou", no plano mediático, a apresentação agendada do novo partido de Marinho e Pinto. Marcação cerrada!  Dos discursos nada a assinalar de relevante a não ser o tom - como assinalou Marcelo na sua prédica dominical - pouco esperançoso do discurso do PR e o pré anúncio por Costa da reposição dos feriados de 5 de outubro e 1 de dezembro (subentende-se o resto!). Pela minha parte assinalo no discurso do PR as referências à República, cuja implantação se comemorava, exclusivamente assentes na sua faceta politica de instabilidade, sem uma referência à sua obra, em tantas áreas da maior relevância e que perdura até aos nossos dias. A combate ao analfabetismo brutal que herdou da Monarquia, a criação do registo civil, o impulso e generalização do ensino público, o apoio à criação de um forte movimento associativo (proliferaram a criação de associações, mutualidades, cooperativas de crédito, como o crédito agrícola, e tantas outras...), assinaláveis conquistas de direitos cívicos e políticos como, por exemplo, os direitos das mulheres ... Nem uma palavra para as conquistas esperançosas da 1ª República. Não é de admirar que a denúncia das fraquezas do nosso sistema democrático republicano, em risco de implosão,como disse o PR, (mais radical não poderia ser!) mais o desacredite quando se omitem, em absoluto, as suas virtudes no passado, relativizando-as no presente.

TO HELENA



Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais coerente
A via enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente

Ruy Belo

Transporte no Tempo
Editorial Presença (1997 - 4 ª edição)

sábado, outubro 4

O "REGRESSO DA POLITICA"


A politica está de regresso. Não só por efeito da aproximação de eleições legislativas ... e presidenciais. Iniciou-se uma nova fase da evolução da Europa na sua fórmula de União de que existem múltiplos sinais. O BCE toma posições e enceta medidas novas - comprar carteiras de crédito dos bancos? - face a uma situação em que a ameaça de deflação deixou de ser uma percepção de especialistas  para se tornar num perigo efectivo de um longo período de estagnação e consequente apagamento da projecção da Europa no mundo. Quando saudei o regresso de Ferro à "grande política" queria com esta metáfora assinalar um sinal do regresso da politica, ou seja, de uma disputa do poder a todos os níveis das instituições do Estado democrático com mais e mais aprofundado debate, melhor informado e realista, em suma, um regresso da vibração à disputa democrática que tem andado ausente em parte incerta. Nada ficará como dantes a partir do inicio do próximo ano no xadrez politico partidário em Portugal. Não só no espaço do que se convenciona chamar de esquerda. Mas também no seu avesso. Vai assistir-se a uma recomposição politico- partidária cuja amplitude é difícil de prever mas que terá efeitos significativos imediatos nas alianças e na composição, e programa, do governo pós eleições legislativas. E logo a seguir, na cronologia do tempo, mas em simultaneidade politica, nas eleições presidenciais. O "regresso da politica" em democracia, é uma coisa boa por combater a apatia, e o desinteresse, de cada vez mais cidadãos na partilha da responsabilidade pela definição do destino da vida de todos e de cada um.  

terça-feira, setembro 30

O REGRESSO DO FERRO


Uma escolha é uma escolha. No caso de Ferro Rodrigues é o regresso à "grande política" de quem nunca, na verdade, se afastou. Apenas se ausentou para recobrar forças. Sinto este ressurgimento como um ato de justiça. Vai ser duro para ele conjugar sentimento e razão. O seu regresso à ribalta não anuncia somente o regresso da política, que a vitória de Costa pronuncia, mas um sinal de abertura ao diálogo em todas as direcções. As soluções politicas de governo de futuro não se jogam na tradicional alternativa, pura e dura, esquerda/direita. Nem sequer num jogo de palavras em torno de alternativa versus alternância. É preciso ir mais longe. Fundar um novo modelo de alianças políticas em cuja matriz nem hajam excluídos à partida, nem escolhidos eternos. Um novo pacto social que viabilize uma verdadeira reforma do estado social. É difícil fazer POLITICA que nunca dispense a aceitação da diversidade, a superação das contradições e a busca dos consensos em torno de soluções que satisfaçam o maior número. A sociedade organizada - os cidadãos de todas as condições - espera por propostas nas quais acredite e lhes dêem alento para lutar por um futuro melhor para si e para a comunidade. Políticos são precisos. Por isso o regresso do Ferro Rodrigues é uma boa notícia para além da nossa velha e profunda amizade.  

segunda-feira, setembro 29

UMAS ELEIÇÕES DIFERENTES


Hoje é o dia seguinte ao das eleições primárias do PS. Nada de mais. Como aqui escrevi, apoiei António Costa. Nada de mais. Sou socialista, desde sempre, e militante do PS desde 1986. Desta vez fui votar. A última em que havia votado em eleições internas do PS foi quando Ferro Rodrigues ascendeu a líder do PS. Rememoro, e reparo como o meu voto em eleições internas do PS é raro e tão especial. Nada de mais. Ninguém leva a mal. Fui como sempre, nos últimos anos, votar em família. Anoto que o ambiente na assembleia de voto era próprio de uma multidão apaixonadamente contida. Acontece sentir este sentimento em momentos especiais. Esta eleição interna no PS como escrevi algures, faz algum tempo, tem muito mais significado do que muitos querem fazer crer. É um momento em que o partido cidadão toma o lugar do partido burocrático. Um momento em que se funde a vontade da participação cidadã com a vontade da representação política autêntica. O partido emerge como representação colectiva da vontade comum de uma comunidade que deseja, de forma autêntica, ver-se representada. Alguma coisa, de forma subtil, mudou. O tempo próximo nos dará testemunho dessa mudança.  

sábado, setembro 27

Noces à Tipasa



María Casares

“Je comprends ici ce qu´on appelle gloire: le droit d´aimer sans mesure. Il n´y a qu´un seul amour dans ce monde. Étreindre un corps de femme, c´est aussi retenir contre soi cette joie étrange qui descend du ciel vers la mer.»

Albert Camus, in “Noces à Tipasa”

sexta-feira, setembro 26

APOIO ANTÓNIO COSTA


A minha inscrição no PS (Partido Socialista Português) ocorreu em 1986, após a extinção festiva do MES, em 1981, seguida de um conjunto de iniciativas fracassadas para tentar manter viva a chama de uma participação politica activa independente dos partidos. A certa altura foi necessário fazer opções. Pela parte que me toca, decidi, em conjunto com um grupo que sempre se havia mantido unido, aderir ao PS. A minha militância nos anos mais recentes tem sido escassa mais por razões das funções públicas que tenho exercido do que pela falta de interesse pela politica que nunca me abandonou nem, certamente, abandonará. Não me sinto confortável misturando funções institucionais em organizações públicas, ou para públicas, e actividade política partidária. Mas sempre, nos momentos que considero relevantes, e decisivos, não me dispenso de tomar posição no terreno da disputa partidária. Sinto essa obrigação e não cedo a qualquer tipo de calculismo. Nas vésperas de uma eleição original no nosso regime democrático parlamentar - que defendo - as chamadas primárias, venho declarar o meu apoio a António Costa. Razões? Algumas que a razão desconhece! Outras que se fundamentam, no essencial, na percepção que Costa é o político profissional da área do centro esquerda mais capaz de buscar consensos em todas as direcções e, mais importante, de os concretizar. Na nossa sociedade contemporânea esta é para mim a faceta mais importante de um líder de um partido de poder, pois é disso que se trata quando se fala, no nosso país, do PS ou do PSD. Nada sei, nem me dou ao trabalho de adivinhar, acerca do futuro da governação pós eleitoral. Mas sei que convém a toda a gente, seja qual for o seu posicionamento politico/ideológico, que o PS seja capaz de dialogar, de forma séria e realista, à sua esquerda e direita. Parece uma banalidade mas é da essência da politica a capacidade de, aceitando as diferenças e refregas próprias da luta democrática, buscar o maior consenso possível sem abdicar nunca da defesa dos princípios da liberdade e da democracia. Penso que, no campo socialista, Costa é quem reúne as melhores condições para pacificar o seu próprio partido e lançar as sementes de uma reforma profunda do regime que o salvaguarde da voracidade  dos populismos que o ameaçam.    

quarta-feira, setembro 24

setembro - dia 24


Alguns avanços, mas sinto a passagem do tempo. Escrevo acerca de banalidades, sei disso. Mas a vida no seu curso normal o que é mais do que uma banalidade? Tenho muitas leituras em atraso. Compromissos adiados. A dificuldade da vida é mesmo passar ao lado da banalidade. Mas só em alguns momentos excepcionais isso é possível.

segunda-feira, setembro 22

setembro - dia 22


O que sabemos da vida é quase nada. O que sabemos da vida dos outros é um pedaço ridiculamente pequeno da verdadeira vida dos outros. O mar em que esbracejamos é povoado de um multidão de seres que desconhecemos em absoluto. Resta a nossa vida, a vidinha, e o que fazemos com ela. A nossa vidinha assume a máxima importância. As nossas opiniões, família, amigos, paixões, crenças, … Tudo o que está ao alcance da nossa mão e que nos permite coçar o corpo. Mas tudo isso não é nada. Uma mão vazia num corpo solitário.

sábado, setembro 20

PARTIDOS FUTUROS

                                                           Fotografia de Hélder Gonçalves

O partido anunciado por Marinho e Pinto, que  surgirá em breve sob uma chuva de criticas simples de populismo, não pode ser reduzido a um fenómeno fruto de uma época na qual os populismos florescem em toda a Europa. O novo partido, criado sob a égide de Marinho e Pinto, terá contornos ideológicos e, provavelmente, programáticos que o aproximará mais do ideário da esquerda socialista e social democrática. Um híbrido republicano, democrático e de esquerda que buscará captar a pulsão populista que povoa transversalmente as sociedades contemporâneas. Não se contentem pois as lideranças actuais, e futuras, dos partidos do nosso sistema partidário com uma simples catalogação crítica de partido populista ao que será o partido de Marinho e Pinto. Ele será mais do que isso, em qualidade e quantidade, em programa e promessas de acção reformista, anunciando ser uma peça relevante do xadrez politico no período pós eleições legislativas.      

SOFIA LOREN - 80 ANOS




quinta-feira, setembro 18

O TEXTO POLÍTICO

Faz muito tempo, talvez em 1980, criei um livro artesanal contendo um conjunto de citações de um livro cuja leitura muito me impressionou. Mais tarde, pouco tempo após ter criado este blogue, que tem a vetusta idade de quase 11 anos, publiquei-o aqui. É um dos posts mais procurados desde sempre vá lá saber-se a razão. Continua a ser do meu agrado e aqui vai tal qual consta do tal livrinho artesanal com uma nota de minha autoria que, aparentemente, nada tem a ver a ver com o teor da citação.  


"O texto político

O político é, subjectivamente, uma fonte permanente de aborrecimento e/ou de prazer; é, além disso e de facto (isto é, a despeito das arrogâncias do sujeito político), um espaço obtinadamente polissémico, a sede privilegiada duma interpretação perpétua (uma interpretação, se for suficientemente sistemática nunca será desmentida, até ao infinito). Poderíamos concluir a partir destas duas constatações que o Político é textual puro: uma forma exorbitante, exasperada, do Texto, uma forma inaudita que, pelos seus extravasamentos e pelas suas máscaras, talvez ultrapasse a nossa compreensão actual do Texto. E, tendo Sade produzido o mais puro dos textos, julgo compreender que o Político me agrada como texto sadiano e me desagrada como texto sádico."

Escrevi nesta pagina: "visitam-se lugares e acontecimentos mas, de facto, visitamo-nos a nós próprios apertando os contactos entre os "viajantes". Quando assim não sucede a viagem reduz-se à excursão."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 33
(pag. 13, 4 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

sábado, setembro 13

setembro - dia 13

A crise do capitalismo financeiro agudiza-se, a chamada economia de casino parece nas últimas, tudo isto nas vésperas das eleições presidenciais americanas. Qual a solução? Uma guerra? Uma entrada do Estado na economia? Um reforço drástico do seu papel regulador? Mas como alimentar de recursos financeiros uma economia que deixou de se alimentar, na sua maior fatia, dos chamados bens transaccionáveis?   

16/9/2008  

quinta-feira, setembro 11

Anna Netrebko - Verdi: Il Trovatore – Miserere... (Salzburg 2014)


SALVADOR ALLENDE - último discurso antes de ser assassinado

                                                            
                                               Fotografia de Hélder Gonçalves

Seguramente ésta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Postales y Radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura sino decepción Que sean ellas el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron: soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino, que se ha autodesignado comandante de la Armada, más el señor Mendoza, general rastrero que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al Gobierno, y que también se ha autodenominado Director General de carabineros. Ante estos hechos sólo me cabe decir a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar! Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que hemos entregado a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente. Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.

Trabajadores de mi Patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo. En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.

Me dirijo, sobre todo, a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la abuela que trabajó más, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clases para defender también las ventajas de una sociedad capitalista de unos pocos.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente; en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo lo oleoductos y los gaseoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder. Estaban comprometidos. La historia los juzgará.

Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la Patria.

El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.
Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.

¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!

Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.

terça-feira, setembro 9

setembro - dia 9


Debates há muitos como é próprio em democracia. Já poucos se lembram dos anos sem fim sem sombra de debates. Quanto muito "conversas em família", solilóquios, discursos para multidões arregimentadas. Debates no prime time entre dirigentes do mesmo partido? Raros! Quase uma novidade absoluta. Dirão: perda de tempo. Estão enganados. Aconteça o que acontecer, ganhe quem ganhar, mais ou menos contrariedade, incómodo ou afrontamento, ganha a democracia. Seja qual for o nosso lado, a predilecção, o medo que suscite  e o resultado da eleição, nesta democracia descrente de si própria, é sempre preferível ao silêncio ouvir as vozes construindo uma boa disputa.  

sexta-feira, setembro 5

setembro - dia 5


Em muitos dias, mais noites, quando quero escrever mudo-me para o meu velho computador, uma espécie de Cadillac dos anos 50, daqueles que circulam com abundância em Cuba, porque gosto do seu ronronar e do ruído do bater das teclas mais próximo do compasso do andar quotidiano. É uma deriva através da qual suponho que busco fazer coisa diferente, fazendo o mesmo que faço todo o dia. Escrever para mim próprio, alimentando um diálogo entre o trabalho do dia a dia e o outro lado, o lugar do dia a dia dos outros. Um regresso a uma utópica reconciliação com o lado desconhecido do mundo e o desespero dos homens que o habitam abandonados à sua sorte. Hoje é tanto o afastamento entre as imagens projectadas da realidade e a própria realidade que as pequenas extravagâncias me aquietam  o espírito. O meu velho computador sendo ainda uma máquina humaniza a minha relação com ela. E os ruídos que emite aproximam-me, sem que saiba explicar a razão, do mundo real onde não existem imagens mas a realidade que as imagens em regra distorcem.      

quinta-feira, setembro 4

DIA DE ANIVERSÁRIO

No dia do aniversário do meu pai, em sua homenagem, reproduzo um post antigo.

O meu pai Dimas à janela da casa onde nasci. Foi através dela que conheci um mundo banhado pela claridade da luz do sul. Vivi debruçado nesta janela até aos oito anos. Todo o tempo necessário para aprender a natureza.

Paredes brancas de cal. Ladrilhos coloridos. Ruas de terra batida. Vistas de campos espraiados até ao mar. Recantos floridos. Sombras de árvores de frutos. Mãos carinhosas. Telhas de barro quente. O azul transparente do mar.

A família sobreviveu a todas as adversidades próprias das épocas de guerra. Razão mais que suficiente para, apesar da tirania, se sentir feliz. O meu pai era uma pessoa honrada e ensinou-me a liberdade. Honra e liberdade. Foi essa a herança que dele recebi. Fica-lhe bem a moldura daquela janela na qual aprendi a sonhar.
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A casa permanece intacta e habitada e esta é uma das suas duas janelas térreas. O encanto que lhe encontrava estendia-se à vizinhança, aos corredores internos e às ruas circundantes.
[Fotografia anterior a 1955, colhida na Rua Coelho de Melo, em Faro.]

quarta-feira, setembro 3

Hannigan & GSO - Three Mozart Arias


setembro - dia 3


Regresso à barbárie. Abundam sinais alarmantes de ascensão de novas formas de totalitarismo. Não em forma de doutrina livresca ou de acções isoladas, e pontuais, levadas a cabo por tresloucados. O que está a acontecer sob os nossos olhos, desde a Ucrânia ao Iraque, um pouco por todo o mundo, com formas diversas de expressão, é o alastramento de fanatismos, novos fascismos, difíceis de caracterizar em toda a sua extensão e profundidade. Não nos deixemos ficar pelo horror das execuções mediáticas perpetradas por radicais islâmicos. Interroguemo-nos acerca da origem do apoio politico e militar, ou seja, que forças sustentam estas forças? Qual a origem dos recursos que as tornam tão letais? Ainda mais, será necessário chamar a atenção para as ideologias totalitárias que, sob as mais variadas capas ideológicas, e crenças religiosas, atraem jovens e intelectuais um pouco por todo o mundo ocidental. Notam-se esses sinais, além da indiferença que toma o lugar da condenação da barbárie, em tomadas de posição de cidadãos que connosco convivem no dia a dia e não se coíbem de acolher, expressamente, processos e medidas politicas limitativas da liberdade individual em todas as suas dimensões. Os princípios e valores nos quais assenta a nossa vida em sociedade, por mais banal que pareça a sua evocação e defesa, não podem ser menosprezados e, muito menos, espezinhados. "Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam ... " escreveu Jorge de Sena  a propósito, noutro contexto, deste mesmo perigo. Alerta, pois, para as posturas moles, complacentes, no combate a todas as formas de totalitarismo, seja qual for a sua matriz ideológica.  

segunda-feira, setembro 1

setembro - dia 1


Nasceu hoje Setembro, o mês nove, agora mais perto do fim do ano, o tempo é implacável, passa por nós sem aviso prévio, descobri nas vésperas do primeiro dia de Setembro um conjunto de cartas que a minha primeira namorada " a sério" me escreveu, e eu lhe escrevi outras, tinha 21 anos, era verão, neste mesmo mês de Setembro, tão belos os textos, escritos de primeira, apaixonados e directos como só as mulheres sabem expressar suas opiniões e sentimentos. Tantos anos passados a sensação de não ter correspondido... Por estes dias, naquele ano longínquo, deveria fazer calor, mas também chovia, e a comunicação era mais rápida do que podemos supor hoje ao teclado dos instantâneos comunicados, pois as datas das cartas, nalguns casos, marcam dias sucessivos... com uma estampilha de um escudo ... e fui buscar um poema do Ruy Belo, in "Boca Bilingue", que inicia assim:

Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
e brilhas como quem no próprio brilho se consome
(...)

sexta-feira, agosto 29

Dvořák - Symphony No. 9 in E Minor "From the New World" - IV. Allegro co...


agosto - dia 29


As notícias que nos são acessíveis do mundo, e do país que é o nosso, soltam-se no ar em turbilhão. Salvo nos regimes com supressão, ou limites apertados, da liberdade de informação, ou seja, nas ditaduras, a regra é a da disputa política sempre ganhar contornos agrestes na conquista da opinião pública. Sempre assim foi em regimes democráticos onde impera o primado da lei e da liberdade de imprensa. Nada de substancialmente novo se passa nos nossos dias a não ser a emergência das redes sociais através das quais cada um de nós se pode transformar, quase que instantaneamente, num "órgão de informação".  Resta continuar a manter o equilíbrio que, no caso, se resume, entre outros aspetos, em assumir a natureza micro da participação de cada um nesta torrente de informação, nem por isso dispensável no presente contexto, e a perceção de que existe um imenso mundo de informação que nunca fica acessível ao maior número de cidadãos mantendo-se no segredo dos deuses. E ainda, não menos importante, ter presente o imenso manancial de contrainformação que se dispensa de reserva para assumir a mentira em todo o seu esplendor.

terça-feira, agosto 26

agosto - dia 26


Frank Grisdale

As coisas com jeito demoram tempo. Os projectos sustentáveis carecem de maturação. Pensamento e acção. Conjugados. Capacidade de projecção para a frente, em direcção ao futuro, mesmo que não pertençamos já a esse futuro que anunciamos. Todo o tempo sonha e só quem sonha com o futuro merece ser tomado a sério. Mesmo que o passado molde o nosso tempo e o nosso tempo molde o futuro. O que fica depois do tempo nos ter reduzido a cinzas é o futuro. Disse o prelector face ao seu tempo. E calou-se prudente e desconfiado no efeito das suas palavras sobre os sentimentos dos famintos de presente.

segunda-feira, agosto 25

agosto - dia 25


Passam hoje 70 anos que Paris foi libertada da ocupação nazi. É uma data longínqua e simbólica mas apetece-me lembrá-la a traço grosso. Nesse dia (talvez noite) Albert Camus escreveu um notável editorial para o jornal Combat, órgão da Resistência, intitulado: LA NUIT DE LA VÉRITÉ que começa assim: 

Tandis que les balles de la liberté sifflent encore dans la ville, les canons de la libération franchissent les portes de Paris, au milieu des cris et des fleurs. Dans la plus belle et la plus chaude des nuits d’août, le ciel de Paris mêle aux étoiles de toujours les balles traçantes, la fumée des incendies et les fusées multicolores de la joie populaire. Dans cette nuit sans égale s’achèvent quatre ans d’une histoire monstrueuse et d’une lutte indicible où la France était aux prises avec sa honte et sa fureur. (...)

70 anos é muito tempo e são já uma minoria os contemporâneos desse acontecimento marcante da nossa história contemporânea. Mas nada é mais importante do que celebrar a liberdade e os acontecimentos que a evocam em toda a sua força telúrica. Desde esse dia, passaram 70 anos, a Europa tem vivido um longo período de paz que somente hoje, no tempo que é o nosso, está verdadeiramente em perigo.  

sexta-feira, agosto 22

agosto - dia 22

Uma tarde quente povoada pelos medos que as notícias acalentam. Além das heranças do nosso passado doméstico, e seu reflexo no presente, continua a alastrar a violência por esse mundo. Leio a notícia de execuções públicas em Gaza em retaliação pela eliminação física de dirigentes militares do Hamas levadas a cabo por Israel. Assinalo as mais cruéis manifestações da guerra fazendo lembrar, de forma impressiva, outras guerras de todos os tempos passados. Esta cavalgada da guerra a que assistimos tem que ser refreada sem ilusões de alcançar uma paz impoluta. As potências - sempre as potências! - com argumentos de força militar ou económica, ou ambos, têm que se entender globalmente forçadas por um movimento que somente os cidadãos podem impulsionar. O Papa Francisco apela, o Secretário Geral das Nações Unidas, apela, alguns lideres políticos apelam, à paz, mas não se vê luz ao fundo do túnel que acalente a esperança de um retrocesso dos movimentos extremistas/belicistas. Alastra mesmo entre a intelectualidade, como sempre aconteceu, nos períodos que antecedem as grandes guerras, um amolecimento do espírito crítico face ao alastramento de ideologias populistas e de nacionalismos exacerbados (caso da Hungria, país membro da UE!) que, sejam quais forem as suas raízes ou tendências, todas por igual, têm que ser combatidas, e confinadas, sob pena de virmos, enquanto cidadãos do mundo, a ser responsáveis por um  novo holocausto.          

quinta-feira, agosto 21



Uxia Martinez Botana- Double bass


agosto - dia 21


Escrevo hoje na hora de almoço, coisa rara, pois me deu uma vontade irreprimível de deixar uma palavra acerca da guerra. Chovem as notícias de assassinatos, tantas e tão frequentes, que se banalizam. A normalidade, no espaço mediático, o que vende e se torna omnipresente no imaginário da maioria dos cidadãos, é a violência, o crime, o assassinato, a retaliação, a conquista, a guerra. Na verdade mesmo aqueles que vivem em paz beneficiam, afinal, de uma ilusão. Não sei nada acerca dos meandros da guerra, a não ser a intuição de que medram os negócios de venda de armas, os negócios da morte, só sei, ao contrário de todas as ilusões que alimentávamos, que estamos em guerra.  

terça-feira, agosto 19

agosto - dia 19


De regresso ao trabalho penso coisas eventualmente com sabor antigo. Trabalhar. Fazer coisas com sentido. Partilhadas. Com esforço e vontade. Talvez criar. Não perder o gosto de trabalhar para o bem comum. Sem perder o sentido do prazer. Do amor-próprio. Respeitar e ser respeitado. Nada perder do sentido do dever. Usar o tempo sem sentir passar o tempo. Envelhecer devagar. Sentidamente.

domingo, agosto 17

agosto - dia 17


Último dia de férias de verão, sempre um regresso à terra, visitando toda a largura do sotavento junto ao mar, da fronteira a Vila Moura com epicentro em Faro - berço meu. Visitações familiares desde a minha tia Lucília, decana da família, nos seus 97 anos, um belo rosto que se mantém luminoso, até aos mais jovens sobrinhos netos, campeões nacionais de ténis nas respetivas categorias. Sucessivas gerações mantendo, no essencial, os mesmos traços físicos, bronzeados do sul e longilíneos porque sim, em suas tarefas e misteres, juntos à terra que os viu nascer. O futuro desenha-se, para todos e cada um, com uma enorme interrogação. Mas não foi sempre assim? Praticando a arte de sobreviver a toda procela.    

quarta-feira, agosto 13

agosto - dia 13


A nossa cidade é aquela que nos habita mais do que aquela que habitamos. E somos habitados por muitas cidades e lugares delas. Tal como pelas pessoas que ao longo da vida amamos. Nada pode mudar esta capacidade do homem incorporar a natureza, transformando-se e, por fim, a ela regressar. Finito na esplendorosa compreensão da sua existência e dos limites do seu papel individual na relação com ela. A vida irradia beleza pelas ruas da cidade banhada de luz e arrefecida pela misteriosa brisa que sopra suave. Desde que me conheço que reconheço a sua aura que atravessa os corpos elegantes dos carregadores de mercadorias que desfilam nos corredores das festas de verão ou a caminho do mercado. Por entre notícias de morte de ilustre, e notável, gente e do alastrar de guerras sempre injustas, raia, embora incipiente, a aurora de um novo humanismo. Basta estar atento aos sinais.

domingo, agosto 10

agosto - dia 10


É difícil encontrar trabalho por mais que o jargão populista insinue de todas as formas: "eles não querem é trabalhar"!. Se assim fosse a maioria dos que emigram em busca de trabalho quedar-se-iam em ameno repouso. Não me refiro ao tema do ócio, tempo de lazer, essa conquista recente das sociedades ocidentais. Refiro-me ao trabalho, em todas as áreas da actividade humana, que além de ser um "ganha pão" é um meio de realização humana e de afirmação da personalidade. É preciso saber conjugar o tempo de trabalho com o tempo de lazer. Mas os benefícios do lazer não se alcançam no desespero da escassez dos meios materiais e na desesperança de alcançar acesso a actividades de trabalho dignas e devidamente remuneradas. Esta é uma questão complexa que se não compadece com simplificações. Manter o realismo de acreditar no futuro de uma sociedade mais justa, igualitária e livre. Aceitar os desafios das mudanças mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis. Trabalhar sempre o melhor que estiver ao alcance de cada um. Abrir caminho para que o maior número encontre trabalho digno.

sexta-feira, agosto 8

agosto - dia 8


De férias a sul como sempre aconteceu desde que me conheço, nem que tenha sido por um só dia como, excepcionalmente, em 1975. Próximo das terras, e praias, (mais terras, que praias) frequentadas pelos meus antepassados do lado materno e paterno. Toda a minha ascendência nasceu a sotavento deste Algarve nome que incorporou até há bem pouco tempo a designação do Reino de Portugal (e dos Algarves). Não me espreguiço, pois, em simples veraneio envolvido que me sinto pelas ressonâncias de gerações nas quais correu, e corre, sangue do meu sangue. A paisagem está por dentro de mim como estão os odores, os rostos, as vozes, os dizeres, as manhas e tudo o que resiste às facetas perversas da globalização. Caminho de pé por entre memórias felizes o que reconstrói a minha vontade de continuar a percorrer esta vida povoada de enganos.

segunda-feira, agosto 4

agosto - dia 4


Banco Bom, Banco Mau, acabou mais um episódio da maior crise de uma instituição financeira nos últimos (muitos) anos em Portugal. Outros se seguirão. Não tenho conta no BES nem nunca tive. Nenhuma instituição que tenha estado sob minha gestão alguma vez teve conta no BES. Não tenho, pois, queixas nem experiência directa de lidar com o BES. Não deveria escrever nem uma palavra acerca deste assunto, além do mais, porque tendo obtido uma formação académica em finanças, não me imagino como administrador de falências... Somente a escala dos números envolvidos, a nível nacional, é muito grande. E passamos a vida, todos nós, a ouvir falar em números de uma escala muito inferior como salário mínimo, pensões de sobrevivência, tudo o que toca ao mundo do trabalho ou das pensões, quantas vezes, apresentados como excessivos. Exigem-se reformas e todos clamam por justiça no âmbito do Estado Social. Nesse mundo conhecem-se os esquemas para obter benefícios ilegítimos, desde os beneficiários, aos fornecedores de bens e serviços. Abundam as fugas, e lateralidades, que prejudicam os cidadãos e as entidades cumpridoras. Sabemos todos que tolerar o incumprimento das obrigações de uns significa o sacrifício da obtenção de legítimos benefícios sociais de outros. Mas o sector financeiro tem gozado de uma infinita tolerância e compreensão por parte da sociedade e de todos os responsáveis dos poderes públicos seja qual for a sua natureza e cor ideológica e politica. Pela sua escala o caso BES, que se desenrola debaixo dos nossos olhos, hoje, aqui e agora, produz um efeito de descredibilização do sector financeiro e, em particular, da banca comercial que impõe uma acção rápida, diria fulminante, na investigação das suspeitas de ilícitos e de crimes. O governador do BP não pode falar deles - e falou -  sem que hajam consequências imediatas. Sou contra a justiça popular ou mediática mas é preciso fazer funcionar o estado direito e, em consequência, proteger a democracia dos seus inimigos.

domingo, agosto 3

VIVER POR CIMA

A qualquer hora do dia, em mim próprio e entre os outros, eu subia às alturas, acendia aí fogueiras bem visíveis e alegres saudações subiam até mim. Era assim que eu tomava gosto à vida e à minha própria excelência.


A minha profissão satisfazia, felizmente, esta vocação das alturas. Ela livrava-me de toda a amargura em relação ao próximo, que eu sempre obsequiava, sem nunca lhe dever nada. Colocava-me acima do juiz, que, por minha vez, eu julgava, acima do réu que eu forçava ao reconhecimento. Pondere bem nisto, meu caro senhor: eu vivia impunemente. Nenhum julgamento me dizia respeito, não me encontrava no palco do tribunal, mas em qualquer outra parte, nos urdimentos, como esses deuses que, de tempos a tempos, são descidos por meio de um maquinismo, para transfigurar a acção e dar-lhe o seu sentido. No fim de contas, viver por cima é ainda a única maneira de ser visto e saudado pela maioria.

Albert Camus, in A Queda


sábado, agosto 2

agosto - dia 1


O BES, em menos de nada, afundou-se. Um banco de referência, com história e mercado, está a estrebuchar caído no chão dando a sensação, a quem assiste de fora, que afastada a família que lhe dá o nome, ninguém sabe o que fazer dele. Pode ser que esteja enganado, assim espero, mas o Estado vai socorrê-lo, em linguagem comum, "entrará com o dinheiro", "uma pipa de massa", diria o Dr. Barroso. Estou a ser simplista, está bem de ver, pois a fórmula para a entrada temporária do Estado será  engenhosa e sempre teria de o ser. Nada de novo. A tralha dos Espíritos Santos, diabolizados como é da praxe, dará lugar a quem? Para já, quer dizer, depois de amanhã, ao Estado, salvo qualquer milagre de última hora. Os jornalistas das economias surgiram hoje, pelo menos a meus olhos, nervosos e hesitantes como o verão que teima em não despontar. Nada de nacionalização do BES. De acordo, que não é solução. Resta explicar, bem explicado, como é que um banco privado, representando 20% do mercado nacional, uma grossa fatia do crédito concedido, milhões de depositantes, continuará a ser privado se a maioria do capital passar a ser público. E caso a explicação corresponda à operação de salvamento em curso, que desejo seja bem sucedida, como será apresentada a saída pós intervenção do Estado. A que prazo e em que condições. E qual a medida das consequências dessa intervenção na economia e na vida quotidiana dos cidadãos. O problema do BES, a partir de hoje, deixou, em definitivo, de ser privado, tornando-se público. Um problema de todos nós.

                                                           Fotografia de Hélder Gonçalves

quinta-feira, julho 31

julho - dia 31

                                                          Fotografia de Hélder Gonçalves

O absurdo do modelo neoliberal, ou da sua profunda degenerescência, está patente em todo o seu esplendor, no caso GES/BES. Não se trata desta feita da falência de um quiosque, de uma pequena oficina ou do café da esquina. Não podemos, neste caso, observar os olhos turvos de lágrimas do comerciante fechando de vez a porta, nem o olhar triste do funcionário despedindo-se de vez dos seus clientes habituais... Faz muito tempo que não se via nada assim. Talvez, para quem tenha vida longa, similitude  com os acontecimentos dos idos de 80, entre 1983/85, para não falar, noutro contexto, no período pós 25 de abril de 74. Mas nestas épocas de crise brava (1974 e 1983) sempre havia expectativas positivas de futuro, fossem ou não realizadas, a todos agradassem ou não agradassem. A liberdade em todas as suas vertigens, após 48 anos de ditadura, e a adesão à actual União Europeia com seu interminável cortejo de promessas de prosperidade. O que me dá que pensar, ainda com energia para questionar o que for que queira, é quais as expectativas que povoam a cabeça de cada um, e de todos nós, no olho do furacão da presente crise. Pode ser que hajam mas estão ao alcance de muito poucos.

quarta-feira, julho 30

julho - dia 30







Se todas as notícias a que o cidadão comum está exposto forem levadas a sério o cidadão comum, para sua sanidade mental, terá que se proteger delas. As notícias, como sabem os que sabem, quando são produzidas destinam-se a produzir efeitos sempre, ou quase, previamente conformados em função de interesses de poder sejam directamente de natureza politica, económica ou outros. Há académicos por esse mundo fora que se dedicam a estudar o tema nas suas diversas vertentes. Nada de novo. O que é novo nestes dias que passam, aqui e agora, é a confluência de tantas notícias que surgem, aos olhos de quem esteja minimamente atento, como sucessivas frentes de fogo e de contra fogo. Uma luta sem tréguas, ameaçando o vale tudo, pelo poder num país escasso, dependente, pobre, acabrunhado, deficitário em cultura do pleno exercício das liberdades e da democracia. Sem desprimor para os políticos, reformados e no activo, que os há sérios e empenhados, uma espécie de plutocracia*, na qual, paradoxalmente, os ricos são cada vez mais pobres.
   
* A plutocracia (do grego ploutos: riqueza; kratos: poder) é um sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico. Do ponto de vista social, esta concentração de poder nas mãos de uma classe é acompanhada de uma grande desigualdade e de uma pequena mobilidade. (In Wikipédia).

Fotografia de Hélder Gonçalves

domingo, julho 27

Amy Winehouse I love you more than you'll ever know LIVE (Inédit RARE)


Ne me quitte pas


julho - dia 27


Ao contrário do que é próprio da sua missão, mesmo considerando a presente época de férias, os jornais (refiro-me às suas edições online)  actualizam as notícias a passo de caracol. Num mundo repleto de acontecimentos preocupantes, quando não aterradores, que caem em catadupa no nosso conhecimento por outras vias, os jornais entraram numa espécie de estado vegetativo. A sua falta de vitalidade, e o decréscimo da sua influência no presente, noutros tempos tão marcante na vida pública, resulta de uma crise porventura irreversível (uma ou outra excepção confirmam a regra). Os chamados jornais tradicionais, mesmo quando vertidos para versões em formato virtual, estão em vias de extinção. Se não é assim, assim parece. O assunto está estudado e já muito se dissertou acerca da matéria. Faço simplesmente uma observação que resulta da minha experiência de leitor de jornais, em todas as formas e formatos, desde há muitos anos.  

sexta-feira, julho 25

julho - dia 25

Cansado. Por entre notícias de guerras, abertas e ocultas, disputas e enredos burocráticos. Na véspera de férias, com seu encanto, na busca do equilíbrio permanente, tenho na lembrança aquela frase de Camus, que nunca esqueço e cito de cor: "manter o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos". É cada dia mais forte o cheiro a pólvora e o ranger dos laços que unem os usurpadores do bem comum. Um dia, mais cedo que tarde, mais perto que longe, a maioria da comunidade, a todas as escalas, terá que se levantar para abrir portas a uma nova época. Uma época na qual os cidadãos, livres e autónomos, tomem de novo posse dos seus destinos. Pela paz, pela vida, pela liberdade.
                                                        Fotografia de Hélder Gonçalves
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terça-feira, julho 22

julho - dia 22

                                                          Fotografia de Hélder Gonçalves

Ao escrever, tomando posição, corremos riscos. Desde logo o de mais tarde verificarmos que estávamos errados (tantas vezes! ...). Mas preciso de escrever que não gosto do discurso de Rui Rio: as suas tiradas acerca do direito de voto, que o mutilam ou condicionam, são perigosas para a liberdade. Não gosto de sentir que me podem retirar o direito de voto se, por uma circunstância qualquer, decidir abster-me de votar o que nunca, até hoje, fiz. A faceta austera dos políticos pode ser suportável quando não à custa do sacrifício da liberdade, essa exacta liberdade, abstracta, que se sobrepõe à ordem mesmo quando a escassez a ameaça encostar à parede. Lembro-me de Lorca e de tantos outros - ontem, hoje e amanhã - encostados à parede não pela injustiça dos mundos mas pelas mãos dos homens que são capazes, sem piedade nem escrúpulos, de matar outros homens. Não gostei da CPLP ter admitido a Guiné Equatorial por todas as razões que tantos já apontaram: o regime politico vigente nesse país que não preza, mais uma vez, a liberdade; a língua portuguesa que deixa de ser a marca simbólica da Comunidade - mesmo quando sabemos que nalguns países de língua oficial portuguesa mal se fala o português. Podia a CPLP sobreviver contra a opinião do Brasil e de Angola? Talvez não! Podia Portugal sobreviver à CPLP? Com certeza que sim! Como hoje se diz a propósito de tanta coisa podíamos, nós portugueses, neste caso, ser austeros utilizando a palavra simples e clara: Não!

Aditamento: depois de ter lido e ouvido, ao longo deste dia, inúmeros opiniões acerca do assunto Guiné Equatorial/CPLP, mesmo relativizando a sua importância, mantenho a opinião "ingénua" acima afirmada. 

JULIO BALMACEDA Y CORINA DE LA ROSA en la Milonga del Moran (Milonga) "N...


domingo, julho 20

julho - dia 20


Volto ao tema da guerra. Os portugueses vêem a guerra como realidade distante. Assistimos às cenas de guerras localizadas que se multiplicam pelo mundo no sofá. Não há portugueses vivos que tenham sofrido os efeitos da guerra à porta de suas casas. Não conhecemos ao vivo os horrores da guerra. Não sofremos dos seus efeitos destruidores na nossa vida, de familiares e de amigos. Temos sido poupados e julgamos-nos imunes às suas terríveis consequências. Nem se conhecem manifestos que expressem posições colectivas de repúdio pelas guerras que, aparentemente, não nos dizem respeito. Assistimos resignados à devastação de comunidades, e à morte de inocentes, sem um gesto de solidariedade ou uma palavra de repulsa. Mal tomamos partido. Podemos dizer que sentimos, mas não expressamos, em sobressalto colectivo, a nossa indignação. Julgo não ser injusto se disser que nem os órgão de soberania assumem em plenitude o dever da condenação da guerra em solidariedade com as suas vitimas inocentes. Reina, entre os portugueses, perante uma real ameaça de generalização da guerra  um silêncio sepulcral. Estranha forma de vida!  

sexta-feira, julho 18

dia 18 - julho




                                                                          Fotografia de Hélder Gonçalves.

Pode acontecer, e espero que aconteça, não estarem reunidas as condições para a eclosão de uma guerra. Mas as fronteiras da Europa, as nacionalidades ( e correspondentes nacionalismos), as rotas comerciais e, no nosso tempo, os pipelines, o domínio de espaço, terra mar e ar, sempre foram, fonte de conflitos bélicos. A Rússia sente-se cercada pela consumação passo a passo da estratégia alemã de reconstruir o seu velho império enquanto potência continental. A Inglaterra, a outra verdadeira potência europeia (marítima) hesita, protesta, ameaça, mas não rompe com a estratégia alemã, ou seja, com a UE. Chegamos assim, por estes dias, a um enfrentamento entre as duas grandes potências continentais: Alemanha e Rússia. Não sabemos o que se passa no seio da diplomacia e qual a verdade dos fatos que, neste preciso momento, ameaçam a paz. Mas pelas aparências, à distância, somente por sensibilidade, nunca estivemos, nos últimos muitos anos, tão perto de uma confrontação militar. [No dia do aniversário do inicio da guerra civil de Espanha - 18 de julho de 1936.]

quarta-feira, julho 16

julho - dia 16


Uma breve nota de verão acerca do que Henrique Raposo escreveu hoje no Expresso, de que respigo a passagem que me despertou a atenção: "... a história do MES é idêntica à história do Bloco de Esquerda (BE)." Muito já se escreveu acerca do MES, embora talvez não o suficiente, mas para quem queira conhecer a sua história, ou eloquentes fragmentos dela, basta pesquisar um tudo nada na net. Num instante qualquer um entenderá que a única semelhança entre o MES e o BE é a palavra esquerda que as respectivas siglas ostentam.  Nada mais.



















 Mesa da sessão pública final do I Congresso do MES - Aula Magna da Cidade Universitária - Lisboa  (Dezembro de 1974)

segunda-feira, julho 14

julho - dia 14

                                                          Fotografia de Hélder Gonçalves

O verão desponta finalmente, sem mácula ou quase, desferindo, apesar de todos os revezes, aquele golpe que nos faz sentir mais soltos ao imaginar o não fazer, o lazer, um exercício que não há muito tempo só estava ao alcance dos ricos. Como sabem aqueles que sabem, e é preciso saber bastante, as férias pagas são uma aquisição recente da sociedade de "bem estar". Somente pelos idos do ano 1936, com o governo da frente popular em França, se inaugurou o instituto legal das chamadas férias pagas. Os trabalhadores de todas as qualidades por conta de outrem, o povo que depende do salário, e as classes de modestos rendimentos de propriedade, passaram a gozar de um período, em muitos casos, obrigatório de férias. São ténues as tentativas para questionar esta conquista do estado social, está bem de ver porque deu origem a uma poderosa indústria que dá pelo nome de turismo (de massas). Com todas as contingências oriundas de ideologias, e carências, será uma das conquistas do período do ante II grande guerra que se manterá para que os vindouros possam abençoar o tempo livre como um tempo de liberdade de fazer o que a cada um apetecer. Apesar da maioria não amealhar o suficiente para dar realidade ao direito conquistado ao menos que se preserve o direito de gozar de férias num futuro mais desafogado.        

quinta-feira, julho 10

julho - dia 10


A um jogo do fim, tantos sofrendo tanto, outros zombando, apaixonados e desinteressados, um mundo subjugado pela força da mediatização do jogo. Um dia, muitos anos atrás, tornei-me apreciador do futebol - que não verdadeiro apaixonado. Como em tudo na vida aprende-se a gostar e o tempo modera a cega paixão. O fluxo futebolístico é um fenómeno que vai além do espectáculo e ainda mais do puro negócio que o envolve. Os praticantes multiplicam-se por inúmeros campeonatos, profissionais, semi profissionais e amadores. É um fenómeno de uma dimensão física e humana difícil de abarcar, e compreender, através da simples mediatização. O negócio do futebol é só uma pequena parte da realidade do futebol. O verdadeiro futebol, o que se constitui escola de vida, como bem dizia o jovem praticante Camus, vai muito além dos suspeitosos bastidores do futebol profissional de alta competição. Argentina ou Alemanha? Não foi por acaso que chegaram à final. Nem sequer, desta vez, através de qualquer favorecimento espúrio. A Argentina é a minha dama!      

segunda-feira, julho 7

julho - dia 7

A politica, ao contrário do que alguns querem fazer crer, é uma actividade nobre. Mesmo nos tempos que correm em que proliferam os seus detractores sempre, pela sua parte, a praticando mesmo quando a denigrem. O ambiente de crise social, em todos os tempos, encosta o discurso político à tentação do messianismo. Nada a fazer pois dele emerge a própria natureza humana. Mas não confundo todos os políticos com a massa da qual emergem. Nem os seus discursos que sendo todos feitos de palavras advêm de diversas formações filosóficas e experiências de vida. Nem confundo politica com unanimidade no silêncio. Nem politica é a busca de consensos sem divergência nos programas e no choque de concepções antagónicas da vida em sociedade e do futuro da homem. Tudo na vida diverge e converge em uníssono e a exaltação da acção politica é a de encontrar o justo equilíbrio na diferença. E a de saber conviver com ela em liberdade.
Gal Costa

domingo, julho 6

Alicia Keys ft. Kathleen Battle - Ave María & Not Even The King


julho - dia 6


Viagem de trabalho ao norte que sempre parece breve. A tentação inevitável de intercalar, ou de misturar, contactos pessoais com obrigações profissionais. Resisto com a consciência que sacrifico o culto da amizade à improvável riqueza da tarefa profissional. Uma força e uma fraqueza. No imediato sinto-me mais só, como que sozinho no mundo, mas determinado a cumprir a minha tarefa. Com uma convicção secreta que a verdadeira amizade não sofre a usura do tempo. Que a verdadeira amizade resiste para todo o sempre enquanto sobreviver em nós um sopro de vida digna. Como não cultivar com mais intensidade as amizades? Porquê? Em qualquer caso uma fuga ao confronto connosco próprios à vista do rosto dos outros. Não serei nunca capaz de ultrapassar esta contradição que me acompanhará até ao fim. Desculpem.            

sexta-feira, julho 4

julho - dia 4


Aceito o repto da acção, consciente das limitações da acção. Sei muito bem, hoje melhor do que ontem, que as nossas acções são ínfimos pontos na profundidade temporal da história dos povos. Um quase nada apesar da, por vezes, infinita grandiloquência dos nossos actos no presente. Então porquê insistir na acção? Porventura porque há razões mais fundas que nos movem. Um impulso vital para partilhar o destino da colectividade que nos envolve. Subir a montanha para sentir o vento e apreciar a beleza do horizonte infinito.      

quinta-feira, julho 3

julho - dia 2


O grande artista afirma-se pela obra, sempre assim foi. Comenta-se, muitas vezes, o caso do artista, premiado, num dado ano, com o Nobel da literatura cuja obra o tempo tornou irrelevante. Lembrei-me da polémica em França quando Sarkozy, pelo cinquentenário da morte de Camus, propôs a sua entrada no Panteão. Sabendo o que sabemos hoje, exactamente hoje, abençoada parte de sua família que se opôs. Não é o caso de Sophia de Mello cuja personalidade, acção cívica e obra, suportam tudo incluindo as honrarias de Estado. Que se mantenha viva através da divulgação da sua palavra luminosa e da lembrança das suas corajosas tomadas de posição em prol da liberdade.