domingo, dezembro 7

MÁRIO SOARES - 90º ANIVERSÁRIO


                                                                       Mário Soares, por Júlio Resende
Aqui deixo, no dia do 90º aniversário de Mário Soares o que escrevi, neste mesmo blogue (dando-me conta de quão antigo é), pelo seu 80º aniversário. Dez anos é muito ,ou pouco, tempo conforme os ângulos pelos que olhemos a vida. O tempo não para e o mais que tenho a acrescentar acerca do aniversariante é pouco. Somente replicar o que li, ou ouvi, um dia destes, acerca da personagem em questão: pode pensar-se o que se quiser, ser afável (ou feroz) adversário, admirador incondicional ou simpatizante  complacente, Mário Soares será dos raros nomes, senão o único, que ficará na memória coletiva na história do século XX português.  
Pensei não escrever nada acerca dele. Todos escrevem, nestas efemérides, mesmo que as personagens não lhes interessem para coisa nenhuma.

Um dia, só pode ter sido no ano de 1969, fui com o Xico Chaves e a Helena Moura e mais alguém, que já não me lembro quem, falar com o Soares à sede da CEUD. O Xico Chaves, que vive no Brasil e não sei que é feito, é que teve a ideia.
Ficamos à espera numa sala um tempo e apareceu-nos um Soares imponente com aquele ar triunfante mesmo quando está na mó de baixo. A conversa foi curta e inconclusiva pois, pelo menos eu, não estava virado, à época, para a social-democracia ou para o socialismo democrático.

O Soares impressionava mas era demasiado pouco estimulante para o nosso desejo de mudança. Sentia-me melhor na CDE. E assim foi.
No início dos anos 80 tudo mudou. Passei a apoiar todas as iniciativas do Soares e, desde o início, a sua “impensável” primeira candidatura presidencial que havia de sair vencedora.

Na sequência da extinção do MES, com um grupo de ex-militantes deste movimento, no qual se incluía o Ferro Rodrigues, ingressei, em 1986, no PS depois de ter sido candidato independente nas eleições legislativas de 1985 nas quais só faltou ser açoitado pelo povo nas ruas. Deve ter sido o pior resultado de sempre do PS.


A partir de 1985 Mário Soares, para mim, passou a ser fixe. Até hoje. Agora já não entro nestas festas de aniversário, mesmo de inscrição livre, porque me aborrecem a maior parte dos convivas e desconfio das palmadas nas costas.
O que me interessa é o hino à vida e à intervenção cívica de que Mário Soares é um exemplo. Parabéns.

MÁRIO SOARES - 90 ANOS

                                                      Mário Soares -  por Júlio Pomar

sábado, dezembro 6

RUY BELO - NADA CONSTA



Falta-me a folha cinco
E entretanto a barba foi crescendo
a minha barba veio crescendo ferozmente
indiferente à morte de um ou outro amigo
às letras protestadas aos desgostos domésticos
às viagens lunares às convenções às lutas
Quando as coisas se erguem contra o homem
se eriçam agressivas contra ele
nem ao poeta basta o parapeito das palavras
Eu por exemplo homem de pouco tempo
trazido pelos dias aqui estou
Continuo a dizer: se alguma coisa há
que podias perder e ainda não perdeste
de que já a perdeste podes estar certo
Falta-me a folha cinco
Estou com a barba feita
Ainda este ano talvez em marienbad
eu vi mulheres curtidas pelos lutos
Mal de morte é o meu
em plena posição de pé às três da tarde
em meio do movimento do rossio
sentado à tarde no cinema em dias de semana
Já caem carnes já se perdem pêlos
já quase só me resta a devoção
lisboa certos dias um amigo às vezes
Poucas coisas importantes pensei durante a vida
uma mesa de sol em pleno inverno
um mar incontroverso alguns papéis
- continua a faltar-me a folha cinco -
pois apesar de tudo nada consta 

Ruy Belo

"País Possível"
Editorial Presença

dezembro - dia 6


Passam hoje 15 dias que José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa de regresso de Paris. Julgo não me enganar no acontecimento, nem na data, e todas as notícias dizem que lhe foi aplicada, como medida de coação, "prisão preventiva", tendo sido conduzido para a prisão de Évora. Não tenho lido nada de notável, certamente por distração, acerca da história dos governos de Portugal, e dos respetivos chefes de governo. Na minha memória, raquítica de história, resta a lembrança de chefes de governo que duraram até à morte física, caso de Salazar /apesar da parte final ter sido uma ficção/, até chefes de governo que duraram poucos dias/fenómeno fértil na 1ª república/ mas frequente na presente/Nobre da Costa e Lurdes Pintassilgo/esta 100 dias/, casos de chefes de governo assassinados/António Granjo/, situações surtidas, gestos e ações desesperadas, decisões difíceis e, porventura pérfidas, como é próprio a mais das vezes da vida política. Mas casos de chefes de governo, ou ex chefes de governo, caídos em desgraça e, pior que presos, obrigados ao exílio na sua própria terra, só me lembro, nos tempos mais próximos, imagine-se, do Marquês de Pombal. Os acontecimentos contemporâneos não permitem o distanciamento necessário para emitir opinião razoável e despida de paixão ou de ódio. O recluso, sem dúvida, sofre e os comuns mortais interrogam-se acerca das razões da justiça. Fico a refletir acerca do curriculum de Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (Lisboa, 13 de Maio de 1699Pombal, 8 de Maio de 1782).

segunda-feira, dezembro 1

dezembro - dia 1


O PS realizou o seu XX Congresso no passado fim de semana. Não vou dissertar acerca da história dos partidos modernos - herdeiros do movimento associativo que irrompeu da revolução industrial com epicentro na Inglaterra - pois nos levaria por um caminho que, sendo muito interessante, não vem ao caso. O PS com este Congresso fechou um ciclo, ou deverá tê-lo fechado, sob pena de entrar num declínio irreversível.

Não é mais possível lutar pelo poder em regime democrático na base de programas políticos fundados em promessas irrealizável ou que as direcções politicas têm consciência que não têm condições para cumprir. Não cauciono, nem por um momento, que os partidos proclamem nos seus programas - e discursos - a morte das ideologias nem, muito menos, acentuem a desesperança que povoa o imaginário dos portugueses. O que quero dizer, simplesmente, é que não vale a pena prometer o "paraíso na terra" se quisermos ser fieis aos próprios princípios da honra republicana e da decência cívica.

Para vencer eleições, e alcançar o poder, o caminho mais seguro - apesar de mais difícil -  é o da elaboração, e apresentação clara, de propostas com viabilidade, que não carecem de aspirar a ir mais longe do que aconselha o bom senso e o bom gosto. Os protagonistas contam muito, ou sejam, as lideranças personalizadas e as equipas, mas também conta muito a credibilização das propostas não só pela percepção das suas diferenças, face a outras propostas concorrentes com as quais se confrontam - pois a democracia é o confronto em torno de propostas diferentes - mas também  pela coragem em assumir a continuidade e previsibilidade das politicas, anteriormente realizadas, reconhecendo os seus méritos e autores.

Para mim este XX Congresso representou a abertura de um novo ciclo da política em Portugal, em particular,1) pela decisão de abertura do PS à sociedade civil que deverá prosseguir com coerência, e resultados práticos, na elaboração da proposta de programa de governo a apresentar às eleições legislativas, e 2) na afirmação de uma nova liderança se for capaz de manter uma relação autêntica com o seu eleitorado natural, e a sociedade em geral, com respeito por todos os partidos democráticos, sem excepção, as forças sociais organizadas e, em geral, os cidadãos que anseiam, ao contrário do que muitos pensam, por oportunidades de participar na vida democrática, de forma livre, respeitada e com consequências.

Não só uma participação formal através do voto livre, conforme manda a lei, mas, ao mesmo tempo, através de uma autêntica participação nas escolhas de protagonistas e de orientações políticas consagradas nos programas partidários.    

sábado, novembro 29

ENQUANTO CRESCE A REVOLTA

No dia da abertura do XX Congresso do PS retomo um texto que escrevi, e aqui publiquei, em 3 de julho de 2007, dirigido ao então Ministro da Solidariedade, José António Vieira da Silva.
Passaram muitos anos e tendo tropeçado com esse texto, salvo algumas expressões datadas, vejo que mantém atualidade. No fundo este XX Congresso do PS marca, simbolicamente, a consagração de um novo líder - António Costa. O tempo dirá até onde a nova liderança será capaz de conceber, e realizar, politicas diferentes daquelas que têm sido levadas a cabo pela atual maioria politica. Entre todas as políticas, a meu ver, aquela de que PS é depositário por tradição de responsabilidades acrescidas é a que respeita à questão social. As politicas sociais, em toda a sua amplitude e complexidade, são as que  melhor permitem aferir na doutrina, e na prática, as diferenças, por vezes subtis, entre o centro direita e o centro esquerda. Qual a importância do papel atribuído pela nova liderança do PS às políticas orientadas para a valorização das pessoas, numa comunidade organizada, em regime democrático, no qual imperem os valores da justiça e da liberdade? A ver vamos!

Há pessoas que se entregam em plenitude a um projecto e depois a outro, e assim sucessivamente, uma vida inteira, ao serviço do público ou do privado, rentabilizando recursos materiais e imateriais, abarcando várias áreas do saber, exigindo muito mais que saberes formais, tornando-se depositários de experiências únicas e intransmissíveis, julgando-se úteis, assumindo a plenitude das suas capacidades e eis que, subitamente, surge o ditame de uma qualquer nomenclatura, um critério de selecção, uma norma imperceptível, um código de ética, uma teia de interesses, algo de ininteligível, e o sujeito é arrumado na penumbra, vê o tempo estreitar-se, adensar-se o silêncio, esfumar-se a auto estima, tornar-se um potencial “excedentário”, enquanto a esperança de vida aumenta e o discurso oficial é o de corrigir a retirada precoce da vida activa. Eu até estou de acordo com a filosofia minoritária, talvez utópica, herdada da tradição camponesa, do trabalho até ao fim da vida, ou seja, a aceitação natural do adiamento infinito da retirada da vida activa, mas desde que a sociedade honre essa inevitabilidade e os governos sejam consequentes no discurso e na prática pela salvaguarda da igualdade de tratamento de todos os cidadãos. Que a sociedade se não valoriza sem a experiência dos seus trabalhadores é discurso recorrente que carece de ser caucionado pela política dos governos e a prática das empresas. Mas não esqueçamos que o pensamento dominante é exactamente o contrário, ou seja, buscar todas as formas de antecipar a idade da reforma e lançar pela janela fora essa ideia da valorização da experiência individual. "As vítimas da fome", nas sociedades ditas desenvolvidas, são os novos deserdados que se auto excluem, ou são excluídos, da vida activa, na plenitude das suas capacidades, humanas e profissionais. Esses desocupados, a tempo inteiro, ou parcial, desempregados, despedidos, dispensados, sub empregados e reformados, sábios de experiência feita, novos e velhos, homens e mulheres, indígenas e imigrantes, são o rastilho de uma nova revolução. Não há estado que lhes valha nem mercado que os compreenda. Estão cercados e quando o seu número, e desespero, atingirem o ponto de ruptura teremos o confronto, não sabemos sob que forma, do qual surgirá um novo paradigma de estado social. Tantas perguntas para tão poucas respostas!

quinta-feira, novembro 27

novembro - dia 27


Nos últimos dias têm vindo a avolumar-se, ainda com contornos indefinidos, os sinais da construção de um muro que divide transversalmente a sociedade portuguesa. Não se tratam já das naturais divergências de opinião, com expressão na política partidária e no exercício de opiniões diversas, mas de um muro criado em torno de ódios e ressentimentos. Avolumam-se os sinais de apagamento das vozes autorizadas, e dos poderes empossados, que têm por missão, de direito e por tradição, exercer um papel de moderação na sociedade organizada sob as regras da democracia pluralista. À semelhança da maioria dos países da Europa acentuam-se as tendências para a diabolização dos políticos, e dos partidos, em que assenta a base da democracia representativa. São tímido os apelos, e não se sentem as ações, daqueles a quem cabe assumir a defesa do diálogo que permita que a justiça coabite com a liberdade. Um velho tema que sempre emerge com inusitada força em períodos de escassez.  

domingo, novembro 23

novembro - dia 23



Uma nota acerca de um fato relevante. Este fim de semana, goste-se ou não, está a ser ocupado, no plano mediático, social e político, pelo Eng.º Sócrates. Assinalo a extraordinária capacidade de José Sócrates de polarizar sentimentos, criando ódios e incendiando paixões. A nossa história, desde sempre, está cheia de políticos com mais ou menos carisma, alvo de processos dos quais resultaram exílios, degredos, enxovalhos, encarceramentos, e até assassinatos, no sentido literal, nas ruas e praças do nosso país. É recapitular a história. O "país dos brandos costumes" é uma ficção. A vantagem do nosso regime democrático actual, apesar de todos os seus defeitos, é a de ter instituído e feito vigorar o estado de direito, com separação de poderes, a liberdade de imprensa e, em geral, a liberdade de expressão de pensamento. O mais difícil é o modo do exercício dos poderes, todos sem exceção, assim como o da liberdade, a custo conquistada. Eis uma situação concreta para, por todas as razões que não cabem neste escrito, cada um de nós exercer o direito à liberdade, sem condicionar a liberdade alheia. E já agora prevenir-se da maledicência, ou seja, de falar do que não conhece. Assim enquanto é suposto o arguido José Sócrates estar a ser ouvido pelo juiz circulam, na esfera pública, abundantes peças jornalísticas, e de toda a natureza, descrevendo ao detalhe o suposto crime sem que se conheça, no presente, acusação alguma. As instâncias da justiça podiam, sem dificuldade, dar pública, e oficial notícia, em tempo oportuno, acerca dos mais significativos passos do processo em curso. Dessa forma salvaguardavam não só os cidadãos indiciados neste processo, e potencialmente indiciados em qualquer outro (o tema interessa a todos e a qualquer um de nós), assim como reforçavam o prestígio da justiça. Desprezando, ou desvalorizando, a informação à comunidade abrem caminho à sanha populista que empurra para a chamada "justiça de pelourinho", ou seja, "justiça pelas próprias mãos", e à infiltração subtil na sociedade da ideia da superioridade do justicialismo, ou seja, do totalitarismo. Existem abundantes experiências históricas, e literatura de qualidade, acerca deste hediondo fenómeno, e das causas da sua emergência, perante o qual os cidadãos honrados, que clamam pela verdadeira justiça, não podem capitular.

[Fotografia de Hélder Gonçalves.]    

quinta-feira, novembro 20

novembro - dia 20


Está a despontar o sabor a inverno, chove em Lisboa, o frio entra pelas dobras do corpo, nada afinal parece ter mudado na caminhada do tempo meteorológico. Nunca me interessou contestar o tempo em qualquer dos seus sentidos. O tempo faz o seu caminho sem contemplações. O futuro é uma construção do homem em debate com o tema da eternidade que, sabiamente, Camus dizia ser uma realidade sem futuro. Ficamos assim emparedados entre os desafios do presente, com seus rigores e alegrias, e os sonhos do futuro afinal uma incógnita sem solução. São difíceis todos os tempos mesmo quando sopram aparências de bonança. Nada de novo. Creio no valor da ideias, dos valores e dos princípios antes, e muito para além, do império do dinheiro. Os vencedores finais das guerras económicas e financeiras, afinal a motivação última de todas as guerras de destruição, com suas vicissitudes particulares, conforme as épocas, os opositores, as armas e os espaços geográficos, são sempre os povos, guiados por lideres que se orientam pelos princípios da liberdade e da fraternidade. Não pensemos contudo que tais lideres dispensam as elites, e suas organizações, que nutram profunda aderência a esses princípios e estejam dispostas a lutar por eles.

sexta-feira, novembro 14

MANOEL DE BARROS (II)



O menino que carregava água na peneira.

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos

Manoel de Barros

MANOEL DE BARROS

O ROCEIRO


No clarear do dia vou para o roçado
A capinar.
Até de tarde eu tiro o meu eito.
Arranco inços, tranqueiras, juás e bosta de macaco
que não serve nem pra esterco.
Abro a terra e boto as sementes.
Deixo as sementes para a chuva enternecer.
Dou um tempo.
Retiro de novo as pragas, dejetos de anta,
adjectivos.
Retiro os adjectivos porque eles enfraquecem
as plantas.
E deixo o texto a germinar sobre o papel: em
pura masturbação com as pedras e rãs.


Manoel de Barros

Campo Grande (Brasil)

quarta-feira, novembro 12

O MARQUÊS MORREU



















Faleceu hoje Fernando Mascarenhas, Marquês de Fronteira, como é conhecido. Não evoco aqui os títulos mas o cidadão de parte inteira,  democrata, homem amante das artes e da cultura. Cultor e divulgador da cultura deixa uma marca desde logo através dos seus esforços por conservar, com cuidada minúcia, e colocando-o ao serviço da comunidade o Palácio de Fronteira que fez questão de manter como sua habitação. Um Palácio vivo na cidade. A Fundação que criou, e que passa por dificuldades burocráticas, foi uma iniciativa ousada destinada, no essencial, a manter um património de elevado valor para a cidade e para o país. Fui por ele convidado, faz muitos anos, para integrar o Conselho Fiscal da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, a título gracioso, o que muito me honra. Fernando Mascarenhas é, e será sempre, uma referencia da cultura nacional - uma ponte luminosa entre a tradição e a modernidade. Honra à sua memória!  

sexta-feira, novembro 7

MES - 33º ANIVERSÁRIO DO JANTAR DE EXTINÇÃO
















No dia 7 de novembro de 1981, data encontrada pelas razões que descrevo num texto publicado algures, após uma longa caminhada desde a criação formal do MES no seu I Congresso, de dezembro de 1974, ocorreu um ato que, em abono da verdade, não foi unânime, mas foi original e politicamente definitivo. Passaram 33 anos sobre esse dia e não pretendo celebrar nada senão manter viva a memória de um partido político que foi porta voz dos ideais, e dos sonhos, de um punhado de cidadãos, na sua esmagadora maioria, generosos e honrados.    

60 CITAÇÕES DE ALBERT CAMUS


No dia 101º aniversário do nascimento de Albert Camus republico as 60 citações que eu próprio e a Prof ª Maria Luísa Malato seleccionamos para publicação no semanário Expresso faz um ano, pela celebração do centenário. 

ABSURDO/ ANTI-ABSURDO: “E assim nos tornamos profetas do absurdo! […] De que me servia depois afirmar que, na experiência que me interessava e sobre a qual aconteceu escrever, o absurdo não era senão um ponto de partida, ainda que a sua lembrança e emoção acompanhem os caminhos seguintes?” (O Verão)
 
 
AMIZADE: “Os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade.” (Cadernos)
 
 
ARTE/ FILOSOFIA: “Porque sou eu um artista e não um filósofo? É porque penso segundo as palavras e não segundo as ideias.” (Cadernos)
 
 
ARTE/ FINALIDADE: “A finalidade da arte não é de legislar ou reinar, mas em primeiro lugar, a de compreender. […] Por isso o artista, ao chegar ao fim do caminho, absolve em vez de condenar. Não é juiz, mas defensor. É o advogado perpétuo da criatura viva. Porque está viva. Exorta verdadeiramente ao amor ao próximo, que não é esse amor longínquo que degrada o humanismo contemporâneo do catecismo de tribunal.” (Discursos da Suécia)
 
 
ARTE: “A arte não é para mim um prazer solitário É uma maneira de comover o maior número possível de homens, oferecendo-lhes uma imagem privilegiada dos sofrimentos e alegrias comuns.” (Discursos da Suécia)
 
 
BOMBA ATÓMICA: “O mundo é o que é, isto é, pouca coisa é. Eis o que cada um pode concluir depois de ontem, depois de ouvir o formidável concerto que a rádio, os jornais e as agências de informação harmoniosamente acabam de difundir sobre a bomba atómica. Podemos concluir com efeito, entre os numerosos comentários entusiastas, que qualquer cidade de importância mediana pode ser totalmente destruída por uma bomba com o tamanho de uma bola de futebol. Vai ser preciso escolher, num futuro mais ou menos próximo, entre o suicídio coletivo e a utilização inteligente das conquistas científicas.” (Atuais)
 

CONHECIMENTO: “Não creio suficientemente na razão para subscrever o progresso. Nem em nenhuma filosofia da História. Creio, porém, que os homens não deixaram de aumentar a consciência que tinham do seu destino. Não ultrapassámos a nossa condição, e, no entanto, conhecemo-la melhor.” (O Verão)


CRISTIANISMO: “Se o Cristianismo é pessimista quanto ao homem e otimista quanto ao destino da humanidade, pois bem, eu direi que, embora pessimista quanto ao destino da humanidade, sou otimista quanto ao homem.” (Atuais)


DESESPERO: “A primeira coisa é não desesperar. Não prestemos ouvidos demasiadamente àqueles que gritam, anunciando o fim do mundo. As civilizações não morrem assim tão facilmente; e mesmo que o mundo estivesse a ponto de vir abaixo, isso só ocorreria depois de ruírem outros. É bem verdade que vivemos numa época trágica. Contudo, muita gente, confunde o trágico com o desespero. ‘O trágico’, dizia Lawrence, ‘deveria ser uma espécie de grande pontapé dado na infelicidade’. Eis um pensamento saudável e de aplicação imediata. Hoje em dia, há muitas coisas que merecem esse pontapé.” (Núpcias)


DETERMINISMO: “Vivemos no terror porque a persuasão já não é possível, porque o homem se entregou inteiro à História.” (Atuais)


DEUS: “O segredo do meu universo: imaginar Deus sem a imortalidade humana.” (Cadernos)


DIÁLOGO: “Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi, hoje, na maior parte do mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e do insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das disciplinas outrora desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao diálogo refletido. Dia e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu lado, num tumultuoso monólogo, lançam sobre os povos uma torrente de palavras mistificadoras, de ataques, de defesas, de exaltações. Mas qual é o mecanismo da polémica? Consiste em considerar o adversário como inimigo, por conseguinte a simplificá-lo e a recusar vê-lo. Aquele que insulto, já não sei de que cor são os seus olhos, ou se acaso sorri, e como o faz. Tornados quase cegos por obra e graça da polémica, já não vivemos entre os homens, mas num mundo de sombras.” (Atuais)


ENCANTAMENTO: “É nisso precisamente que reside um dos elementos de sedução da música: ela representa a perfeição de uma maneira suficientemente fluida e ligeira para podermos prescindir do esforço.” (Escritos de Juventude)


ESCREVER/ VIVER: “Viver, claro, é um pouco o contrário de exprimir.” (Núpcias)


ESCRITA: “É para brilhar depressa que não tentamos reescrever.” (Cadernos)


ESTILO: “Quando o grito mais dilacerante encontra a sua linguagem mais rigorosa, a revolta satisfaz a sua verdadeira exigência, e extrai dessa fidelidade a si mesma uma força de criação. Se bem que isso vá contra os preconceitos da época, o mais belo estilo em arte é a expressão da mais viva revolta.” (O Homem Revoltado)


EXISTENCIALISMO/ EXISTÊNCIA: “Onde descobrir a essência senão ao nível da existência? Mas nós não podemos dizer que o ser não é senão existência. […] O ser não pode manifestar-se senão no devir, o devir nada é sem o ser.” (O Homem Revoltado)


EXISTENCIALISMO/ SARTRE: “Não aceitamos a filosofia existencialista só porque afirmamos que o mundo é absurdo. Se assim fosse, 80% dos passageiros do metro, a acreditar nas conversas que ouço, seriam existencialistas. O existencialismo é uma visão completa, uma visão do mundo que pressupõe uma metafísica e uma moral. Se bem que me aperceba da importância histórica do movimento, não tenho suficiente confiança na razão para aderir a um sistema. Isto é tão verdade que o manifesto de Sartre, publicado no primeiro número dos Temps Modernes, me parece inaceitável.” (Carta à revista Le Nef, 1/ 1946)


EXISTENCIALISMO/ SARTRE: “Não, não sou existencialista. Sartre e eu surpreendemo-nos sempre quando vemos os nossos dois nomes associados. Pensamos mesmo um dia publicar um pequeno anúncio em que os abaixo assinados afirmarão nada ter em comum, e recusarão responder pelas dívidas contraídas pelo outro.” (Entrevista a Nouvelles Littéraires, 15/11/1945)


EXISTENCIALISMOS: “Se as premissas do existencialismo se encontram, como creio, em Pascal, Nietzsche, Kirkegaard ou Chestov, então estou de acordo com elas. Se as suas conclusões são as dos nossos existencialistas, não concordo com elas, pois são contrárias às premissas.” (Última entrevista de Albert Camus, 20/12/1959)


FORÇA: “Aprendemos à nossa custa que, contrariamente ao que por vezes pensamos, o espírito nada pode contra a espada, mas também que o espírito unido à espada sempre vence a espada que se ergue em prol de si mesma.” (Carta a um Amigo Alemão, I)


GÉNIO: “O génio é a inteligência que conhece as suas fronteiras” (O Mito de Sísifo)

 
GLOBALIZAÇÃO: “Sabemos hoje que não há ilhas, e que são vãs as fronteiras. Sabemos que, num mundo em constante aceleração, quando o Atlântico se atravessa em menos de um dia ou Moscovo contacta com Washington em poucas horas, estamos obrigados à solidariedade ou à cumplicidade, segundo os casos. O pão fabricado na Europa vende-se em Buenos Aires, e as máquinas que trabalham na Sibéria foram fabricadas em Detroit. Hoje, a tragédia é coletiva. Sabemos pois todos, sem sombra de dúvida, que a nova ordem que buscamos não pode ser somente nacional, ou sequer continental, e muito menos ocidental ou oriental. Ela só pode ser universal.” (Atuais)

 
HELENISMO: “O mundo em que mais á vontade me sinto: o mito grego.” (Cadernos)

 
HETERONÍMIA/ ROMANCE : «Com efeito, o romance exige o estilo mais complexo de todos : o que se submete por inteiro ao objeto descrito. Podemos pois conceber um autor que escrevesse cada um dos seus romances num estilo diferente.” (Cadernos)

 
HISTÓRIA/ POLÍTICA: “É por demais evidente que o pensamento político se encontra cada vez mais ultrapassado pelos acontecimentos. […] Bem entendido, o espírito segue arrastado pelo mundo. A História corre, enquanto o espírito medita. Mas esse atraso inevitável aumenta hoje na proporção da aceleração histórica. O mundo mudou mais nos últimos cinquenta anos do que tinha mudado nos duzentos anteriores. E vemos hoje o mundo empenhado em regulamentar problemas de fronteiras, quando todos sabemos que as fronteiras são hoje abstratas.” (Atuais)

 
HONRA: “De resto, como fazer compreender que uma criança pobre pode por vezes ter vergonha sem nunca invejar coisa alguma?” (O Primeiro Homem)


JORNALISMO: “É importante pensarmos no que é o jornalismo de opinião. A concepção que a impressa francesa tem de informação podia ser melhor, já o dissemos. Queremos informar depressa em vez de querer informar bem. A verdade não fica a ganhar. […] Como vemos, tal equivaleria a perguntar se os artigos de fundo têm algum fundamento, e que se evitasse publicar como verdadeiro o que é falso ou duvidoso. É a esse procedimento que eu chamo ‘jornalismo crítico’. Uma vez mais, nada disto se faz sem inflexão e sem o sacrifício de muitas outras coisas. Mas talvez bastasse começar a pensar nisto.” (Atuais)

 
JUSTIÇA: “ (...) amo os que vivem hoje na mesma terra que eu, e são esses que saúdo. É por eles que luto e é por eles que estou disposto a morrer. E por uma cidade longínqua, de que não tenho sequer a certeza, não irei contra os meus irmãos. Não aumentarei a injustiça viva em nome de uma justiça morta.” (Os Justos)

 
LIBERALISMO/ MARXISMO: “Estas ideologias, nascidas há um século, no tempo da máquina a vapor e do ingénuo otimismo científico, são hoje caducas, e incapazes, nas suas formas atuais, de resolver os problemas que se põem ao século do átomo e da relatividade.” (Atuais)

 
LIBERDADE E JUSTIÇA: “Não o devemos ignorar: é difícil conciliá-las. A crer na História, pelo menos, nunca foi possível. Como se houvesse nestes dois princípios uma intrínseca incompatibilidade. Como poderiam não a ter? A liberdade para cada um é também a liberdade do banqueiro, ou do ambicioso: depressa a injustiça se instala. A justiça para todos é a submissão da personalidade ao bem coletivo: como falar então de liberdade absoluta? […] Devemos pois renunciar a esse esforço inútil? Não, não devemos renunciar. É preciso simplesmente tomarmos consciência dessa imensa dificuldade em as conciliar e tornar essa dificuldade evidente para aqueles que, ainda que animados de boa-fé, tudo querem simplificar. Para o demais, saibamos somente que é esse o único esforço pelo qual, nos dias de hoje, vale a pena viver e lutar.” (Atuais)
 
 
LIBERDADE: “Esquecei os vossos mestres, aqueles que tanto vos mentiram, disso tendes vós a certeza agora, e também os outros, pois não souberam persuadir-vos. Esquecei todos os mestres, esquecei todas as ideologias moribundas, os conceitos gastos, os slogans vetustos de que vos querem ainda alimentar. Não vos deixeis intimidar por nenhuma chantagem, de direita ou de esquerda. E finalmente não aceitai lições senão daqueles jovens combatentes de Budapeste dispostos a morrer pela liberdade. Esses de certeza vos não mentiram ao gritar que o espírito livre e o trabalho livre, numa nação livre, no seio de uma Europa livre, são os únicos bens deste mundo por que vale a pena lutar e morrer.” (Atuais)

 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Não sou um romancista no sentido em que normalmente se entende. Mas antes um artista que cria mitos à medida da sua paixão e da sua angústia.” (Cadernos)

 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Os grandes romancistas são romancistas filósofos.” (O Mito de Sísifo)
 
 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Um romance não é senão uma filosofia em imagens.” (Recensão ao livro de Sartre, A Náusea, 10/ 1938)

 
LITERATURA/ VIDA: “[…] o erro de uma certa literatura é acreditar que a vida é trágica porque é miserável. Ela pode ser surpreendente e magnífica, eis toda a sua tragédia.” (Recensão ao livro de Sartre, A Náusea, 10/ 1938)


MAL: “Estancamos diante do mal. E para mim é bem verdade que me sinto um pouco como esse Santo Agostinho que, antes da sua conversão ao Cristianismo, dizia: ‘Procurava donde vinha o mal e não saía nunca dele’. Mas é também verdade que eu sei, como outros, o que é preciso fazer, se não para diminuir o mal, pelo menos a forma de o não aumentar.” (Atuais)

 
MARXISMO: “Contar-se-iam pelos dedos das mãos os comunistas que chegaram à revolução pelo estudo do marxismo. Convertem-se primeiro e só depois leem as Escrituras.” (O Homem Revoltado)

 
MEDO E POLÍTICA: “O século XVII foi o século das Matemáticas, o XVIII das Ciências Físicas, o XIX da Biologia. O nosso século XX é o século do Medo. Dir-me-ão que o medo não é uma ciência. Mas também a Ciência aqui se encontra implicada, já que os últimos progressos teóricos a levaram a negar-se a si própria, e os avanços práticos hoje ameaçam destruir toda a terra. Além do mais, se o medo não pode considerar-se em si uma ciência, não há dúvida que ele é, apesar de tudo, uma técnica. O que mais nos impressiona hoje, com efeito, é que no mundo atual, em geral (e à exceção dos crentes de todas as espécies), a maior parte dos homens se encontra privada da noção de futuro. Ora não há vida vivida sem projeção no tempo, sem esperança de amadurecimento e progresso.” (Atuais)
 
 
MEIOS/ FINS: “Quando um trabalhador, em qualquer ponto do mundo, ergue os seus punhos nus diante de um tanque e grita que não é um escravo, que somos nós se a isso ficarmos indiferentes?” (Atuais)

 
MITO/ ESTILO: A obra de um homem não é senão esse longo caminho para encontrar, pelos desvios da arte, as duas ou três imagens simples e grandes sobre as quais o coração pela primeira vez se abriu.” (Prefácio a O Avesso e o Direito)

 
MULHERES: “As rosas retardatárias de Santa Maria Novella e as mulheres, neste domingo de manhã em Florença. Os seios libertos, os olhos e os lábios que vos fazem bater o coração, a boca seca e um calor nos rins.” (Núpcias)

 
MUNDO: “Todas as gerações, sem dúvida, se julgam fadadas para refazer o mundo. A minha sabe, no entanto, que não poderá refazê-lo. A sua tarefa é talvez maior. Consiste em impedir que se desfaça, partindo unicamente das suas negações.” (Discursos da Suécia)

 
MÚSICA: “A música é a expressão perfeita de um mundo ideal que nos é comunicado através da harmonia. Esse mundo existe. Não a um nível superior ou inferior a ujm mundo real, mas paralelamente a ele. Mundo das ideias? Talvez. Ou então mundo dos números, pois nos é comunicado pela harmonia.” (Ensaio sobre a Música)

 
NIILISMO: “Perante o mais cerrado niilismo, não procurei senão as razões para ultrapassar esse niilismo. E isto não por virtude ou por uma rara elevação de alma, mas por uma fidelidade instintiva à luz em que nasci, e onde, desde há milhares de anos, os homens aprendem a saudar a vida, mesmo na dor.” (Discursos da Suécia)

 
NUANCES: “Lutamos por essa indelével nuance que distingue o sacrifício do misticismo, a energia da violência, a força da crueldade, por essa nuance ainda mais subtil que separa o falso do verdadeiro, e o homem em que nos esperamos tornar dos deuses cobardes com que vós sonhareis.” (Carta a um Amigo Alemão, I)

 
ORDEM SOCIAL: “Fala-se agora muito de ordem. Porque a ordem é uma coisa boa que bem falta nos fez. […] Evidentemente, a ordem de que se fala muito hoje é a ordem social. Mas a ordem social é somente a da tranquilidade nas ruas? Não é certo. […] Talvez ajude para saber o que é a ordem social a comparação com a conduta individual. Quando dizemos nós que um indivíduo pôs a sua vida em ordem? Quando ele vive de acordo com ela e conformou a sua conduta ao que julga verdadeiro. Um insurreto que, sob a desordem das paixões, morre por uma ideia que fez sua, é na verdade um homem de ordem, porque ordenou toda a sua conduta segundo um princípio que lhe parece evidente. Mas não podemos nunca dizer que tem a vida em ordem um privilegiado que faz regularmente, durante toda a sua vida, três refeições por dia, e baseia a sua fortuna em valores seguros, mas que se fecha em casa quando ouve barulho na rua. Trata-se somente de um homem com medo e poupado. E se a ordem francesa fosse a da prudência e a da secura do coração, estaríamos tentados a ver nela a pior das desordens, já que, por indiferença, se passariam a permitir todas as injustiças. De tudo isto se concluiria que não há ordem sem equilíbrio e sem acordo. Não basta exigir ordem para bem governar, porque bem governar é a única forma de atingir uma ordem que faça sentido. Não é a ordem que dá força à justiça, mas a justiça que dá a certeza da ordem.“ (Atuais)

 
POBREZA: “A miséria impediu-me de acreditar que tudo está bem sob a luz do sol da História; o sol ensinou-me que a História não é tudo.” (O Avesso e o Direito)

 
POLITICA: “Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.” (Cadernos)

 
REALISMO: “Todos somos realistas e ninguém o é. A arte não significa nem a recusa total nem o total assentimento daquilo que é. […] Sendo simultaneamente recusa e assentimento, […] o artista encontra-se sempre nesta ambiguidade, incapaz de negar o real e, no entanto, eternamente votado a contestá-lo no que ele tem de eternamente inacabado.” (O Homem Revoltado)


RESPONSABILIDADE: “Não podemos impedir que esta criação seja aquela em que são torturadas crianças. Mas podemos diminuir o número de crianças torturadas.” (Atuais)

 
RETRATO DO ESCRITOR: “[…] não possuindo títulos que não partilhe com os seus companheiros de luta, vulnerável mas persistente, injusto mas apaixonado pela justiça, construindo a sua obra, sem vergonha mas sem orgulho perante todos, sempre dividido entre a beleza e a dor, e votando por fim todo o seu esforço a gerar do seu ser duplo as criações que obstinadamente edifica no movimento destruidor da História.” (Discursos da Suécia)

 
ROMANCE DE TESE: “O romance de tese, a obra que pretende provar, a mais detestável de todas, é aquela que mais frequentemente é inspirada num espírito satisfeito.” (O Mito de Sísifo)

 
SANTA BÁRBARA DE ORÃO: “Sabeis que eu não sou muitas vezes religioso. Mas se acontecer eu sê-lo, sabei que não necessito de Deus e que não o posso ser senão quando quiser fingir que o sou, porque um comboio vai partir e a minha oração não tem amanhã.” (Cadernos)

 
SARTRE: “Não é por acaso que o filósofo que inspira hoje o pensamento europeu é aquele que escreveu que só a vida moderna permite que o espírito tome consciência de si mesmo, e que foi até ao ponto de afirmar que a natureza é abstrata, e que só a razão é concreta.” (Atuais)

 
SOFRIMENTO: “Sim, são as faltas que originam os nossos piores sofrimentos. Mas que importa, na verdade, o que nos falta, quando o que possuímos se não esgotou ainda? Tantas coisas são suscetíveis de ser amadas que nenhum desfalecimento pode ser definitivo. Saber sofrer é saber amar. E quando tudo rui tudo recomeçar, com simplicidade, enriquecidos pela dor, quase felizes com a sensação da nossa infelicidade.” (Escritos de Juventude)

 
SURREALISMO: “A verdadeira destruição da linguagem, que o surrealismo procurou com tanta obstinação, não se encontra na incoerência ou no automatismo. Antes se encontra na palavra de ordem.” (O Homem Revoltado)

 
TERRORISMO: “Se um terrorista lança uma granada no mercado de Belcourt frequentado pela minha mãe e ele a mata, serei responsável se, para defender a justiça, eu tiver igualmente de defender o terrorismo. Amo a justiça, mas amo também a minha mãe.” (Camus a Roblés, testemunho)

 
TRAGÉDIA/ MELODRAMA: “O que é afinal uma tragédia? […] Eis o que me parece distingui-la: as forças que se confrontam na tragédia são igualmente legítimas. No melodrama, ou no drama, pelo contrário, somente uma é legítima. […] Na primeira, cada força é, ao mesmo tempo, boa e má. Nos segundos, uma força representa o bem e outra o mal (por isso, na nossa época, o teatro de propaganda não é senão uma ressurreição do melodrama). Antígona tem razão, mas Creonte não tem menos. Também Prometeu é ao mesmo tempo justo e injusto. E Zeus, que o castiga sem piedade, está no seu direito.” (Sobre o Futuro da Tragédia)
 

 
UTOPIA: “O mundo deve hoje escolher entre o pensamento político anacrónico e o pensamento utópico. O pensamento anacrónico está em vias de nos matar. Por mais desconfiados que sejamos (e que eu seja), o espírito da realidade logo nos reconduz a esta utopia relativa. Quando essa utopia entrar na História, como sucedeu com muitas outras utopias do mesmo género, os homens lhe chamarão realidade. É assim que a História não é senão o esforço desesperado dos homens para dar forma aos seus sonhos mais clarividentes.” (Atuais)

Seleção de Maria Luísa Malato e Eduardo Graça

domingo, novembro 2

JORGE DE SENA - (Lisboa, 2 de Novembro de 1919 — Santa Barbara, Califórnia, 4 de Junho de 1978)


(...)

“Um dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe, aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado, resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: - Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.”

Jorge de Sena

In Homenagem ao Papagaio Verde