quarta-feira, maio 20

OS PROGRAMAS POLITICOS

Os programas políticos e, por maioria de razão dos partidos políticos, e ainda para mais em democracia, são necessários e importantes. Os programas enunciam, pelo menos, as grandes linhas de orientação que cada partido assume como suas. Criam expetativas e, nos mais crédulos, alimentam esperanças ou na mudança, ou na renovação, ou na continuidade, ou na “evolução na continuidade” (extraordinário slogan da “primavera marcelista”). O tempo, e a complexidade das sociedades contemporâneas, corroem, no entanto, o bom espirito clássico que deu fundamento aos programas. Falta, em regra, qualidade aos programas políticos, sólidos fundamentos, maturidade da experiência feita, mas, tal como a violência, essa fragilidade estrutural banalizou-se. Todos os programas políticos falam verdade, e são assertivos, exceto naquelas matérias que cada um de nós conhece a fundo. Haja saúde!

VIOLÊNCIA

A violência está presente, e aparenta ter crescido na nossa sociedade, não se expressando pelas formas tradicionais segundo os estereótipos. É uma violência contida, raiva surda, impotência de expressar as recusas de forma brutal. O Benfica e a sua vitória, paradoxalmente, destaparam uma faceta dessa violência, em regra, contida. Os festejos pelo triunfo num simples campeonato de futebol trouxeram consigo a exasperação pelo vazio de esperança, a ausência, ou a escassez, do espaço para a maioria do povo sonhar com suas próprias vitórias. E sem expetativa e esperança em vitórias não há futuro.

domingo, maio 17

maio, dia 17


É quase verão anoitece tarde, da janela aberta sopra uma brisa fresca, as árvores e os arbustos estão quase imóveis à minha frente, ao longe o mar azul rodeado de todas as cores da paleta do mundo. Perto da ponta mais ocidental da Europa aparenta viver-se em harmonia, ilusão que sempre esconde as injustiças e desigualdades. Não se quadra com a minha conceção de liberdade a afirmação de que não há liberdade de pensamento. Mesmo a olhar a natureza o homem é livre de pensar dela o que lhe aprouver.

Elīna Garanča - Mozart Aria


sábado, maio 16

ORDEM

“Fala-se agora muito de ordem. Porque a ordem é uma coisa boa que bem falta nos fez. […] Evidentemente, a ordem de que se fala muito hoje é a ordem social. Mas a ordem social é somente a da tranquilidade nas ruas? Não é certo. […] Talvez ajude para saber o que é a ordem social a comparação com a conduta individual. Quando dizemos nós que um indivíduo pôs a sua vida em ordem? Quando ele vive de acordo com ela e conformou a sua conduta ao que julga verdadeiro. Um insurreto que, sob a desordem das paixões, morre por uma ideia que fez sua, é na verdade um homem de ordem, porque ordenou toda a sua conduta segundo um princípio que lhe parece evidente. Mas não podemos nunca dizer que tem a vida em ordem um privilegiado que faz regularmente, durante toda a sua vida, três refeições por dia, e baseia a sua fortuna em valores seguros, mas que se fecha em casa quando ouve barulho na rua. Trata-se somente de um homem com medo e poupado. E se a ordem francesa fosse a da prudência e a da secura do coração, estaríamos tentados a ver nela a pior das desordens, já que, por indiferença, se passariam a permitir todas as injustiças. De tudo isto se concluiria que não há ordem sem equilíbrio e sem acordo. Não basta exigir ordem para bem governar, porque bem governar é a única forma de atingir uma ordem que faça sentido. Não é a ordem que dá força à justiça, mas a justiça que dá a certeza da ordem.“

Albert Camus, in "Atuais".

domingo, maio 10

Natalie Dessay," et incarnatus est " Mozart


TAVIRA 1989

No dia seguinte ao aniversário da Guida pelas terras do sul, no lugar do berço, com ameaços de verão, espalhado no ar o cheiro que me acompanha desde sempre,mais mediterrânico que continental, o Magreb aqui tão perto do outro lado do mar, e algumas das relíquias fotográficas do Hélder Gonçalves. (Tavira 1989)

sábado, maio 9

Agostinho Roseta- 20 anos


9 de maio de 1995-2015. Em Maio, o ar dos pobres diabos que deambulam pelos passeios. O pólen que se desprende das flores e árvores eretas quais bandeiras desfraldadas. A vista luminosa sobre a outra banda com o Tejo pelo meio. As efemérides tristes e empolgantes. A morte e a vida que ganham a cor clara dos longos fins de dia. Maio em Lisboa é uma sinfonia de sentimentos desencontrados. O que escrevem os poetas? Nunca se sabe o que escrevem os poetas mesmo que mostrem o que escrevem. Hoje passam vinte anos sobre a morte do Agostinho Roseta. No mesmo dia do aniversário de minha mulher. Maio, mês de todas as desilusões e promessas felizes.


quinta-feira, maio 7

OSCAR MASCARENHAS


José Pedro Castanheira, no Expresso, traça com precisão a biografia de Oscar Mascarenhas que ontem nos deixou. Vivo na minha memória e no meu coração. Coisas antigas que a razão não explica e deixam marcas dentro de nós. Com um abraço para a Natal Vaz.

Antigo presidente do Conselho Deontológico dos jornalistas portugueses, Oscar Mascarenhas faleceu na manhã de dia 6 de maio, vítima de um fulminante ataque cardíaco. Provedor do Leitor do “Diário de Notícias” até ao final do ano passado, tinha 65 anos. Casado com a também jornalista Natal Vaz, deixa uma filha.

Professor na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa, ainda deu aulas na segunda-feira, mas na terça, sentindo-se mal, preferiu ficar em casa. Membro do Conselho Deontológico dos jornalistas portugueses (para o qual fora eleito no ano passado), na noite de dia 5 trocou emails com a presidente do Sindicato dos Jornalistas, Sofia Branco, a propósito da legislação relativa à cobertura mediática das campanhas eleitorais.

Um email com uma lista de jornalistas imortais
Na manhã seguinte, como era seu hábito, sentou-se ao computador. Tinha aprazado um almoço com um grupo de pessoas ligadas ao jornalismo, destinado a discutir uma lista de nomes para um futuro panteão criado no âmbito do Museu das Notícias, a ser inaugurado no próximo ano em Sintra. Completavam o grupo os jornalistas Adelino Gomes e Alexandre Manuel, e Luís Paixão Martins, o proprietário da agência de comunicação com o seu nome e principal “motor” do referido museu. Foi para esse pequeno “comité” que Mascarenhas terá enviado o seu último email (eram 7h44 horas), com uma lista anexa de 32 nomes de jornalistas “imortais”, e que vão desde Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, a Manuel António Pina e Carlos Pinto Coelho.

Pouco depois, sentindo-se mal, foi chamada uma ambulância, para a qual subiu ainda pelo seu pé. Foi já no interior do veículo do INEM que teve um ataque cardíaco fulminante, que lhe provocou uma paragem cardiorrespiratória, de que não recuperou.

De Goa à Faculdade de Direito de Lisboa
Oscar José Mascarenhas nasceu a 9 de dezembro de 1949 na freguesia de Ribandar, em Goa, um dos territórios que faziam parte do então Estado Português da Índia. Veio para Portugal em 1957, antes ainda da invasão de Goa, Damão e Diu pela União Indiana.

Fez o ensino secundário na Externato Frei Luís de Sousa (em Almada) e no Liceu Gil Vicente (em Lisboa). Neste último estabelecimento, foi colega de Carlos Cáceres Monteiro, Luís Almeida Martins e João Vaz – um quarteto de futuros jornalistas que haveriam de trabalhar em conjunto no vespertino “A Capital”.

Frequentou depois, e durante três anos, a Faculdade de Direito de Lisboa, tendo sido colega, para além de Cáceres Monteiro, de Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, do franciscano Vítor Melícias e do também jornalista Luís Pinheiro de Almeida, bem como de Carlos Veiga, futuro primeiro-ministro de Cabo Verde. Na faculdade, fez parte da lista candidata à Associação de Estudantes que se apresentou sob o lema “Ousar Lutar, Ousar vencer”, liderada por Arnaldo de Matos, que viria a ser o secretário-geral do MRPP.

Interrompeu o curso de Direito e alistou-se como voluntário na Força Aérea Portuguesa, tendo sido colocado nos Açores.

De “A Capital” à Lusa, passando pelo “Diário de Notícias”
Entrou na profissão a 2 de janeiro de 1975, no vespertino “A Capital”, dia em que conheceu a sua futura mulher, Natal Vaz, que entrara para o jornal no verão anterior. Militante do Movimento de Esquerda Socialista (MES) – o único partido a que pertenceu -, colaborou no seu jornal, “Poder Popular”. Já em 1976, pertenceu à redação do semanário “Página Um”, que apoiou a candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho às eleições presidenciais. Era um jornal por onde passaram jornalistas como Fernando de Sousa, Henrique Garcia, Artur Albarran e João Vaz, o cartoonista Vasco, o pintor Leonel Moura e o jurista Francisco Teixeira da Mota.

Em 1982 trocou “A Capital” pelo "Diário de Notícias", onde trabalhou durante dois períodos: 1982-2002 (como repórter e redator principal) e 2012-2014 (como provedor do leitor). Trabalhou ainda no “Jornal do Fundão” e na agência Lusa (entre 2003 e 2009, altura em que passou à situação de pré-reforma, em que ainda se encontrava).

Dois livros na forja
Tirou o primeiro curso de pós-graduação em jornalismo, promovido pelo ISCTE e pela Escola Superior de Comunicação Social. Seguiu-se o mestrado e admitira recentemente avançar para o doutoramento, em Ciências da Comunicação, ainda pelo ISCTE.

Foi durante várias décadas dirigente do Sindicato dos Jornalistas, tendo presidido ao Conselho Deontológico durante oito anos. Fez parte igualmente da Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas.

Publicara dois livros: “O Poder Corporativo Contra a Informação” (2001, Minerva Coimbra) e “Nuvem de Chumbo. O Processo Casa Pia na Imprensa” (com Nuno Ivo, 2004, Dom Quixote). Deixou em fase de publicação a tese de mestrado, a que dera o título sugestivo de “O Detetive historiador. O jornalismo de investigação e a sua ética”, bem como um livro com uma vasta seleção de citações.

O corpo de Oscar Mascarenhas vai às 15h desta quinta-feira, 7, para a capela mortuária da Igreja de São João de Deus (à Praça de Londres). Será cremado às 12h de sexta-feira, no cemitério do Alto de São João.

32 nomes para o Panteão de Jornalistas
Segue-se a publicação da sua proposta de 32 nomes para o futuro Panteão de jornalistas, com algumas anotações que fez:

Adolfo Simões Müller – jornalismo didático
António Paulouro – jornalismo regional
Artur Agostinho
Augusto de Castro – direção e editorialismo
Camilo Castelo Branco – folhetinismo
Cândido de Oliveira – jornalismo desportivo^
Carlos Pinhão
Carlos Pinto Coelho – jornalismo cultural televisivo
Eça de Queiroz – crónica de viagem
Eduardo Coelho – pioneiro do noticiarismo e novas tecnologias
Fernando Assis Pacheco
Fernando Pessa – jornalismo radiofónico e televisivo
Fialho de Almeida – jornalismo de crítica de costumes
Joshua Benoliel – fotografia
Leitão de Barros – jornalismo da nota do dia, “Os Corvos”
Manuel António Pina
Maria Lamas – jornalismo no feminino
Mário Castrim – jornalismo para jovens e pioneiro da crítica de televisão
Mons. Moreira das Neves – jornalismo religioso
Norberto de Araújo – olisipógrafo
Norberto Lopes – repórter de guerra e entrevistador
Rafael Bordalo Pinheiro – caricaturista
Ramalho Ortigão – polemista
Raul Proença – fundador da “Seara Nova” e criador do “Guia de Portugal”
Raul Rego – jornalismo oposicionista
Reynaldo Ferreira – “Repórter X”
Roby Amorim – jornalismo enciclopédico
Rodrigues Sampaio – jornalismo político
Sousa Veloso – jornalismo televisivo de divulgação da agricultura
Stuart Carvalhais – cartoon
Vera Lagoa
Vítor Direito – jornalismo popular

domingo, maio 3

A minha mãe Tolentina

A minha mãe foi batizada de Tolentina, nascida na freguesia de S. Estêvão de Tavira, de família de camponezes remediados, vivendo dos proventos do cultivo de uma terra de sequeiro a que se juntou, mais tarde, uma horta que, no conjunto, produziam desde os frutos secos aos mimos tipicos das produções algarvias. Sempre conheci aquele campo, como lhe chamavamos, convivi com os meus avós maternos, Rosa e José, o meu tio Ventura, os meus primos Gervásio e Ezequiel, todos, sem exceção, dedicados à agricultura. Gente com mãos rugosas e faces marcadas pelas agruras do mister. A minha mãe, pelo casamento, saiu do campo para a cidade cedo, mantendo o espirito de camponeza e fortes os laços que a ligavam à família. Era uma mulher desabrida, obstinada, solidária e crente em que era sempre possível ir mais além. Morreu num dia de aniversário do meu filho Manuel, em minha casa, depois de uma divertida festa na qual animadamente participou. Foi assim cumprido, estou certo, o seu desejo. E vive no meu coração.

sexta-feira, maio 1

1º de maio (II)

Gerações e gerações de cidadãos do mundo lutaram, sofreram e morreram, pelas causas do direito à dignidade no trabalho. Esta luta não se circunscreveu nunca somente à questão material, em particular, consagrada pelas reivindicações salariais. Foi sempre, desde o início, mais além, centrando-se na reivindicação de direitos (reunião, associação, greve, cogestão…), de reconhecimento do valor do trabalho face ao capital, da consagração da dignidade do trabalho como fator decisivo para o desenvolvimento económico-social e integração social, da assunção do trabalhador como consumidor, com acesso a bens não há muito tempo reservados aos aristocratas e aos ricos, em suma, da afirmação do trabalhador como cidadão de parte inteira. Hoje, embora possa parecer estranho, continuam atuais reivindicações que pensaríamos desatualizadas: não ao trabalho escravo, não ao trabalho infantil, não à discriminação de género, pelo direito ao descanso (férias) e por um salário digno.
Viva o 1º de maio!

quinta-feira, abril 30

1º de maio

Amanhã é 1º de maio, dia do trabalhador, que no campo se festejava (e festeja) com um sentido diferente do movimento operário nascido da revolução industrial. Mas é por todo o mundo, com diferentes formas, um dia de festa (e de luta) tomando como certo que há dias que não são de luta. No nosso tempo, hoje, aqui e agora, é o arranque definitivo de um processo politico que vai durar 5 meses, até às eleições legislativas, ou um pouco mais de 8 meses até às eleições presidenciais. Campanha a toda a brisa... o que, afinal, é próprio da democracia. Tomemos, no entanto, os nossos cuidados, em particular,com as promessas que não trazem futuro dentro e com as não promessas que são todo um programa. Em qualquer caso festejemos ....

quarta-feira, abril 29

3 FOTOGRAFIAS

O Hélder Gonçalves, amigo, fotografo de mérito, ofertou-me pelo aniversário três fotografias recuperadas do baú da nossa história de vida. Pelos idos dos anos 80 em Tavira, e arredores, com a Xica Moura e a Guida Ramos, sendo o fotógrafo, certamente, o próprio Hélder.

terça-feira, abril 28

ANIVERSÁRIO

Aniversário, sempre igual, sempre diferente, um ano mais de caminhada, sempre com os olhos postos no futuro, a vida, o trabalho, o gesto comum que se aprecia, um olhar, uma palavra, nada mais simples do que festejar, o mais, o menos, o que se deseja, olhos abertos ao céu que ilumina o mundo, ao mar que reflete o sonho, ir mais além, de cabeça levantada sem temor de nada, a não ser nunca ter agradecido o suficiente aos que sempre nos amaram. Haja saúde!

segunda-feira, abril 27

Thomas Piketty (II)

Depois de assistir à conferência de Thomas Piketty, uma figura simpática de académico preocupado com a sua tarefa, na FCG, cheia de gente reunida em torno de uma sã expetativa em partilhar o debate aberto na descoberta de novos caminhos.
O exercício da democracia é complexo na sociedade e nas esferas dos poderes – todos os poderes – e no quotidiano das nossas vidas de cidadãos comuns. O que me sugeriu a conferência de Piketty: a defesa e o debate de ideias, exercício hoje tão depreciado, prevenir, antes de tudo prevenir, arriscando e persistindo no exercício paciente da pedagogia da liberdade, exercendo-a, ouvindo para que outros nos ouçam, podendo de nós discordar. É tudo uma questão de equilíbrio para não nos tornarmos assassinos.

Thomas Piketty

“Para que a democracia consiga um dia retomar o domínio do capitalismo, é preciso primeiro partir do princípio de que as formas concretas da democracia e do capital estão ainda e sempre por reinventar.”

Thomas Piketty, in “O Capital no Século XXI”

Thomas Piketty deverá hoje visitar Lisboa. Espero que os seus interlocutores privilegiados nesta visita tenham lido o livro que lhe deu notável notoriedade. E se quiserem ser seguidores de algumas das suas ideias não se esqueçam do que ele próprio afirma acerca do seu livro: “Todas as conclusões a que cheguei são, por natureza, frágeis e merecem ser questionadas e levadas a debate. A investigação em ciências sociais não tem por vocação produzir certezas matemáticas e inquestionáveis e substituir-se ao debate público, democrático e sujeito a contraditório.”


sábado, abril 25

25 de abril - 41 anos

A memória tem um lugar no presente mesmo que não sejamos saudosistas. Na história das Nações, além do ruminar dos dias,há datas marcantes. Neste dia faz 41 anos deu-se inicio a um novo regime. Que viva!

Na porta de armas com o meu amigo João Mario Mascarenhas

quinta-feira, abril 23

A politica tem que ser feita por políticos ...

A política tem que ser feita por políticos/cidadãos, insuspeitos de se deixarem capturar por interesses particulares, ou pelo seu próprio interesse de perpetuação no poder, sendo certo que se os titulares do poder tendem a perpetuar-se, os das oposições não lhes ficam atrás! Com a usura do tempo, à semelhança do capital financeiro, muitos políticos – de todos os quadrantes - descolam da realidade da vida em sociedade. Deixam de ser capazes de apreciar, com peso e medida, as necessidades da comunidade e de percecionar as expetativas dos cidadãos. O regime democrático, através de eleições livres, realizadas quando a lei, ou circunstâncias excecionais, o determinam, é o espaço para as escolhas políticas. A democracia é simples mas deu um trabalhão, à custa de muitas vidas, até ser reconhecida, e adotada, em Portugal. Sejamos capazes de cuidar dela, a par da liberdade, como um bem precioso.

quarta-feira, abril 22

A política em democracia ... (2)

A política em democracia é feita por mulheres e homens comuns, longe dos heróis que a história consagrou, pois vemo-los de perto, e nada ao escrutínio público escapa. São os políticos. Gosto da coisa politica e acho irónico quando os políticos recriminam, a mor das vezes sem nunca o revelar, os defeitos do homem comum que eles próprios encarnam. Envolvidos na disputa do poder resta saber se sabem o que fazer com ele. E quando sabem o que fazer com o poder que lhes cai nas mãos – traçando metas e objetivos – resta o mais importante: como lidar com os cidadãos comuns que somos todos e cada um de nós. Em democracia a disputa do poder não dispensa, antes exige, a consideração do mérito e a humildade na compaixão.

terça-feira, abril 21

A política em democracia ...

A política em democracia é feita de propostas, contrapropostas, debates e combates de ideias, confronto de estilos e de personalidades, afirmação das diferenças para que possam ser feitas escolhas, encontro de ideias para que possam ser feitos consensos; nunca nada, nem programa nem ação, na política, a não ser em tirania, é definitivo, fechado, imune à influência da opinião pública (e publicada). Nada se perde em que os programas políticos marquem as diferenças, mas ganha-se, apesar das diferenças, em manter a capacidade de conviver com elas. Como escreveu Camus: “A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário.”

segunda-feira, abril 20

Fenómeno curioso ....

Fenómeno curioso na nossa politica, e não só. Cansamo-nos dos “velhos políticos”, daqueles cujas vozes e rostos ocupam o palco anos a fio. Alguns são poupados a essa erosão da imagem, como é o caso de Mariano Gago, pois poucos o identificavam com o político que, na verdade, foi. Mas quando surgem “políticos novos” exige-se-lhes como que uma patine, misto de reconhecimento e notoriedade, que é próprio dos “velhos políticos” que se rejeitam. Procura-se o modelo de político que esteja no lugar da bissetriz entre a novidade aceitável (suportável) e a experiência suportável (aceitável). Difícil!

domingo, abril 19

25 de abril (VII)

A minha memória dos que viveram os acontecimentos: Com Eduardo Ferro Rodrigues e Diomar Santos.

25 de abril (VI)


A minha memória dos que viveram os acontecimentos: Robin Fior.

Um paradoxo interessante ...

Um paradoxo interessante este que o falecimento do Mariano Gago suscita. Num tempo em que meio mundo fala mal dos politicos, ou pensa mal deles mas não fala, súbito, surge a unanimidade na apreciação pública das virtudes de um politico morto. Pois Mariano Gago, além de cientista, exerceu funções politicas de topo - ministro de vários governos socialistas - durante muitos anos. Estranha polifonia de extremos: da diabolização dos politicos, de forma indiscriminada, à elevação ao altar das virtudes de um politico depois de morto. Não o conheci o suficiente enquanto politico, na ação governativa, mas antes disso, certamente, desde o Liceu de Faro, às direções das associações de estudantes, nos tempos de brasa dos finais dos anos 60, inicios dos de 70. Nada a apontar a não ser uma sensação de bem estar, de plenitude civica, no cumprimento de um dever sagrado de nos opormos à tirania. Desde os tempos da escola, discretamente, o Mariano Gago quebrou o conformismo que o seu estatuto de estudante e profissional de exceção lhe estava destinado. Honra à sua memória! 

quinta-feira, abril 16

25 de abril (IV)


     A minha memória dos que viveram os acontecimentos: Agostinho Roseta.  

16 de abril - 2015


Felizmente não sabemos tudo sobre todos e cada um dos que nos rodeiam e ainda menos sabemos acerca daqueles que adivinhamos viver longe do nosso estreito círculo; pior quando alguém se esforça mesmo que com sincero esforço por se convencer que entende o que determina cada opção daqueles que não conhece nem nunca conhecerá porque nunca de verdade seremos capazes de conhecer os outros; ainda pior quando nos convencemos que nos conhecemos a nós próprios dispensando o que os outros de nós pensam que conhecem; ainda pior, muito pior, quando todos se convencem que a verdade de alguém pode ser a nossa verdade e nos tornamos crentes numa verdade comum que nos transcende.

quarta-feira, abril 15

25 de abril (III)

                  A minha memória dos que viveram os acontecimentos:
                                       Nuno Teotónio Pereira.

25 de abril (II)

A minha memória dos que viveram os acontecimentos: Victor Wengorovius (no jantar de extinção do MES).

segunda-feira, abril 13

25 de abril (I)

A minha memória do 25 de abril de 1974 através de imagens: João Mário Anjos (à esquerda) .

sábado, abril 11

Não há vida sem diálogo ...


" Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi, hoje, na maior parte do mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e do insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das disciplinas outrora desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao diálogo reflectido. Dia e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu lado, num tumultuoso monólogo, lançam sobre os povos uma torrente de palavras mistificadoras, de ataques, de defesas, de exaltações. Mas qual é o mecanismo da polémica? Consiste em considerar o adversário como inimigo, por conseguinte a simplificá-lo e a recusar vê-lo. Aquele que insulto, já não sei de que cor são os seus olhos, ou se acaso sorri, e como o faz. Tornados quase cegos por obra e graça da polémica, já não vivemos entre os homens, mas num mundo de sombras." (…)


Albert Camus – alocução feita na sala Pleyel em Novembro de 1948, in Actualidades - Contexto 

quinta-feira, abril 9

dia 9 de abril - 2015


O romance das eleições presidenciais em Portugal - janeiro de 2016 - está no 1º capítulo, intróito ou prefácio que para alguns candidatos a candidatos será o último. Impressiona somente a voragem comunicacional em torno de algumas criaturas vagamanente irrelevantes. Mas é a lei da vida e a regra de uma sociedade livre em regime democrático. Se continuar a este ritmo a emergência pública de aspirantes a Belém lá para os idos do verão contar-se-ão por dezenas as irrelevâncias. Por mim não estando a pensar em anunciar candidatura, embora preencha os requisitos, espero pelo dia de reflexão para decidir o meu voto. Haja paciência!

sábado, abril 4

SALGUEIRO MAIA

Pelo 23º aniversário da morte de Salgueiro Maia

O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, “tinha-os no sítio”, estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com “eles no sítio” do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade. Mas, na verdade, todos os testemunhos confirmam que não era um conservador.

Quem fez triunfar a revolução não foi Ramalho Eanes, nem Spínola, nem Costa Gomes, não foi nenhum General estrelado pelo Antigo Regime, ou promovido administrativamente pelo novo, quem decidiu o triunfo da revolução foram os “capitães” e o povo, que alargaram à rua o posto de comando e que tomando a rua para si tudo decidiram.

E entre todos os heróis anónimos, foi a coragem serena de Salgueiro Maia naquele momento breve, na Rua do Arsenal, enfrentando o atirador do tanque da coluna de Junqueira dos Reis, fazendo-o desobedecer às ordens, que decidiu a sorte da revolução. É prudente que, para preservar a liberdade, a democracia - seguindo o exemplo de Salgueiro Maia - não vacile no combate aos seus inimigos.

quarta-feira, abril 1

ALOCUÇÃO AOS SOCIALISTAS


"Na política, como sabeis, o comportamento rectilíneo, sem argúcia alguma, - sincero, aberto, desartificioso, claro, - usa ser censurado, como sendo ingénuo: e, nessa sua qualidade de comportamento ingénuo, como prejudicial, ou pateta. Paciência. Seja. (…) Os essencialmente habilidosos (não faço empenho em negá-lo) alcançam a sua hora de simulacro e de vista. Mas é uma hora e nada mais; mas é simulacro, e só vista. Logo a seguir a esse instante, comunica-se-lhes o fogo da sua iluminação de artifício, e fica tudo em fumaça, que pouco depois não é nada."

"Aos nossos socialistas, quanto a mim, compete-lhes resistirem ao tradicional costume de se empregarem espertezas e competições de pessoas para apressar o momento em que há-de chegar ao poder…"

"Antes de tudo, buscai prestigiar-vos ante a nação inteira pelo timbre moral da vossa alma cívica; porque (como acreditais, creio eu) não é indispensável conquistar o poder para se influir de facto na orientação do estado."

"Não tenhais a ânsia de vos alcandorar no poleiro com prejuízo das qualidades a que se tem chamado "ingénuas". As habilidades dissipam-se; os caracteres mantêm-se."

"Não existam ciúmes e invejas recíprocas entre os vários componentes da vossa grei socialista: nem tampouco os ciúmes, nem tampouco as invejas, para com os homens que compõem as outras facções da esquerda. Seja vosso lema a unidade. Por mim, quero trabalhar pela unidade, pelo entendimento recíproco, pela existência de convivência amável entre os homens políticos de orientações discordes. Incorrigivelmente "ingénuo", fraterno, cordial."
António Sérgio, In "Alocução aos Socialistas", No Banquete do Primeiro de Maio de 1947.

Veja aqui

segunda-feira, março 30

30 de março - 2015


Voltando a um tema antigo: a polítca. Na Madeira (região autónoma - grande conquista do 25 de abril) tiveram lugar eleições. Os resultados deram expressão a uma mudança, com a peculariedade do protagonista que lidera pertencer ao mesmo Partido do antecessor. O que acontece na RA da Madeira é que não há espaço para mudanças senão pela rotação da liderança no Partido do poder. Simples. É um modelo de rotativismo de um só partido. Porquê? Os restantes partidos assumiram a subalternidade e não a alternativa. E, no caso particular do PS, uma subalternidade abdicando da  identidade própria, ao contrário do CDS.  

sexta-feira, março 27

27 de março - 2015

                                                                   Teresa Dias Coelho

Não se sabe ao certo o que aconteceu pois nunca nada que não se tenha vivido se sabe ao certo. Despenhou-se um avião de um modelo conhecido, dizem que em fim de vida, de uma companhia alemã - alemã - dessas "baratas", negócio de uma das "caras" - voando nos céus da Europa. As primeiras notícias, como quase sempre neste tipo de tragédias, eram confusas pois o que se sabia é que o avião se havia despenhado numa zona de difícil acesso nos Alpes franceses. Todos os mais altos dirigentes políticos dos países, mais directamente atingidos, apareceram à boca de cena declarando o seu pesar o que parece normal. A esta hora ainda decorrem as investigações mas correu mundo a notícia que o copiloto - um jovem alemão - alemão - havia feito despenhar o avião arrastando para a morte todos os que nele viajavam. Alerta geral. Pensava eu que face à ameaça terrorista que, muito compreensivelmente, a todos preocupa, tinham sido tomadas as mais rigorosas medidas de segurança que, aliás, os passageiros sentem na pele - mais nuns aeroportos que noutros - quase sendo despidos naqueles momentos que antecedem o acesso à zona do embarque. Mas não! As medidas de segurança, pelo menos algumas, são inimigas de si próprias. A porta que se fecha a sete chaves para impedir o assalto do inimigo externo pode ser uma arma letal nas mãos do "inimigo" interno. Finalmente torna-se necessário recorrer à mais humana das medidas de segurança: a garantia, e exigência, de uma permanente direcção colectiva, neste caso, na cabine de pilotagem da aeronave. Peritos e técnicas sofisticadas para quê?      

terça-feira, março 24

HERBERTO HELDER


ERA UMA VEZ UM PEQUENO INFERNO E UM PEQUENO PARAÍSO ...
"Era uma vez um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno a ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-l...as é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. A parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo - diziam. E depois amavam-se depressa, e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite. Isto era uma parte da vida delas, e era uma das regiões (comovedoras) da sua humanidade, e o que é humano é terrível e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza.”

Herberto Helder

sábado, março 21

JEAN SIBELIUS Kullervo Opus 7 (Introduction) SIR COLIN DAVIS (1992)

DIA MUNDIAL DA POESIA

Em memória do meu irmão Dimas

I
nas minhas mãos sinto
o que não tenho

10 de Fevereiro de 2006

II
o raio de luz estilhaça o espaço
do meu silêncio

11 de Fevereiro de 2006

III
no fim do tempo as cores belas do poente

12 de Fevereiro de 2006

IV
as cidades ocupam o lugar dos campos abandonados
mas é neles que me revejo

17 de Fevereiro de 2006

V
subindo a montanha do tempo descubro
as mãos vazias de nada

19 de Fevereiro de 2006

VI
o tempo corre desvairado e na poeira de seus passos
meu filho se fez homem

21 de Fevereiro de 2006




VII
não me digas não pois mesmo no teu silêncio alisado
eu descubro uma voz que sempre fala e me descobre

23 de Fevereiro de 2006

VIII
Sinto as ruas da infância as pedras gotas de água
ângulos gritos silêncios de dorida e surda mágoa

9 de Março de 2006

IX
Sulcava um ar lavrado de indefinível espessura
o prazer do jogo das palavras não ditas perdura

10 de Março de 2006

X
Pode ser este o último poema a que mais nenhum suceda
como antes do princípio: a palavra recortada no silêncio

10 de Março de 2006

XI
Numa manhã de um dia qualquer subi olhei
do ponto mais alto procurei não vi ninguém

15 de Março de 2006

XII
Sofre-se devagar lentamente as palavras malditas
dos lamentos ecoam nos vagos silêncios do destino

21 de Março de 2006

XIII
Enroscada ao côncavo do corpo a solidão
incendeia o desejo no alvor da primavera

21 de Março de 2006

XIV
Nada acontece de novo desde o tempo luminoso
esboço a sépia quente o teu corpo simplesmente

24 de Março de 2006

XV
Ouço o insuportável zumbido das mágoas
vozes do meu sangue que o tempo apagou

30 de Março de 2006

XVI
Vejo a criação como o lugar dos silêncios
templo vazio prenhe do tempo imaginado

1 de Abril de 2006

XVII
O sol quente irradia primavera à vista do mar
flores saúdam o vento a única força do mundo

3 de Abril de 2006

XVIII
A terra quente a meus pés o pó do carvão ardendo
o frio da manhã fumos soltos o vento sol nascente

4 de Abril de 2006

XIX
No calor da sombra a terra quente subiu
em fúria desordenada rompeu o silêncio

7 de Abril de 2006

XX
Inóspito caminho, o sangue quente latejou
na cavalgada o prazer no dorso da espada

8 de Abril de 2006

XXI
A noite alisando a pele dos sentidos os floria
soletrando silêncios a madrugada amanhecia

10 de Abril de 2006

XXII
Olhei as mãos de seus sulcos emergiam desenhos
inacabados preces sonhos regressos imaginados

12 de Abril de 2006

XXIII
O dia desce sobre a cidade as ruas fumegam
os passos ecoam como corpos vestidos de dor
16 de Abril de 2006
*
XXIV
Um brado difuso me percorre no fio do silêncio
desesperada ausência o rosto na voz esquecida

18 de Abril de 2006

XXV
Se fosse noite ver-te-ia correr em mim
longa carícia colorida, sonho sem fim

20 de Abril de 2006

XXVI
Sabemos de nós tudo através do olhar dos outros

21 de Abril de 2006

XXVII
No cimo a luz branca pontiaguda ilumina
as mãos que tendem o pão da minha vida

3 de Maio de 2006

XXVIII

Como as palavras as imagens, que tomamos como nossas, são um bocado do imaginário que sobrevive à decapitação dos sonhos. Caminhamos por entre escombros.
Quando minha mãe morreu nos meus braços não chorei. Só chorei quando, velando o seu corpo, me surgiu pela frente uma vizinha que frequentava a minha infância. O imaginário, naquele breve momento, tomou de assalto as minhas defesas que ruíram com estrondo.
Percebi a leveza insustentável dos corpos depois de mortos e a infinita fraqueza que se esconde por detrás da nossa aparente normalidade.

S/data

XXIX
Nas pedras irregulares do chão da infância
luminosas as sombras que acolhem os corpos

15 de Maio de 2006

XXX
Fosse meu tudo o que não tem medida certa
seria feliz por possuir o mundo
Tomaria em mãos as diversas artes
sendo múltiplo fingir-me-ia uno
uno por dentro e por fora repartido em partes

19 de Maio de 2006

XXXI
Gosto de iniciar o caminho pelo princípio
Onde não se encontra nada o que abraçar

Inventar tudo desde o começo mesmo sem
A ideia clara do caminho que hei-de rasgar

Buscar a luz que alumia a vida na revolta
Da palavra e na surpresa de afinal confiar

Gosto de sentir o frio na testa desabrigada
Cavar fendas na memória e nelas recordar

O meu mundo secreto único e indivisível
Separado de todos os mundos é outro mar

Gosto de ouvir ao longe sons esquecidos
E nos largos vazios o silêncio a esvoaçar

4 de Junho de 2006

XXXII
Passar o tempo ver passar o passado no presente
Sonhar com as longínquas memórias nas doridas
Noites anoitecidas a ver passar o tempo sedento
De nos devorar o corpo ainda quente dos afagos
Esquecidos de mãos que vagamente escorregam
Pelo esquecimento como todas as mãos milhões
De sinais passaram e deles já todos esqueceram
Os ensinamentos, o toque, a música, o desespero
Passar o tempo deixar em herança esquecimento
Sabendo que mais nada restará senão só o tempo

18 de Junho de 2006

XXXIII
Olhar ao longe por entre a neblina
O mar de verão que acalma a vida

15 de Julho de 2006

XXXIV
Este mar é a luz da minha memória

16 de Julho de 2006
  
XXXV
Sempre o som do mar ao fundo
No silêncio da noite se agiganta
Encosta acima mais nítido puro

21 de Julho de 2006

XXXVI
Branca como sombra reflectida no chão
terra mãe percorrida ao som do silêncio

S/data

XXXVII
Estendo a memória até onde a mão alcança
o tempo submerso resplandece de sabedoria

23 de Novembro de 2006


21 de março - ano de 2015


Tempos conturbados - todos os tempos, afinal, o são cada um a seu modo - mas neste assoma o cheiro acre a fim de regime. Deverei estar enganado pelo menos na medida em que as afirmações de fé radicais quase sempre são desmentidas. Digo quase, pois nos períodos anteriores ao advento dos totalitarismos poucos são os que se atrevem a vaticiná-los. E mesmo, para não ir mais longe, já no pleno exercício dos crimes de regimes totalitários a maioria se acobarda, e os aceita, pois de outra forma não medrariam. Assim ao alcance da nossa memória aconteceu com o nazi fascismo, de várias estirpes, e o estalinismo que duraram muitos anos, produziram guerras de uma crueldade inimaginável e praticaram crimes inomináveis. Venho preencher o espaço branco do ecran porque por essa Europa fora ganham adeptos os lideres de extrema direita, ameaçando ganhar pelo voto, senão o poder, pelo menos o direito a partilhá-lo. E não tenhamos ilusões que se tal acontecer teremos o toque de finados da União Europeia e o advento de uma guerra. E quais serão os efeitos de uma guerra no nosso tempo?    

quarta-feira, março 18

AS EVIDÊNCIAS


XVIII

Deixai que a vida sobre nós repouse
qual como só de vós é consentida
enquanto em vós o que não sois não ouse

erguê-la ao nada a que regressa a vida.
Que única seja, e uma vez mais aquela
que nunca veio e nunca foi perdida.

Deixai-a ser a que se não revela
senão no ardor de não supor iguais
seus olhos de pensá-la outra mais bela.

Deixai-a ser a que não volta mais,
a ansiosa, inadiável, insegura,
a que se esquece dos sinais fatais,

a que é do tempo a ideia da formosura,
a que se encontra se se não procura.

26-3-1954

Jorge de Sena


domingo, março 15

HÉLDER GONÇALVES - uma prenda


As primeiras fotografias que postei neste blogue são de autoria do meu amigo Hélder Gonçalves. É um grande fotógrafo amador, pois a sua profissão é outra na qual, aliás, são elevados os seus méritos. Ontem enviou-me uma fotografia captada no dia 1 de março passado que aqui deixo com os desejos de melhoras e um abraço.  

sexta-feira, março 13

FERRO RODRIGUES


Em 30 de setembro de 2014 publiquei neste espaço pessoal um texto raro a respeito do regresso à "grande política" do Eduardo Ferro Rodrigues. Não tenho como regra fazer a louvaminha dos amigos e, ainda menos, dos amigos de longa data. Mas senti necessidade de escrever o que escrevi e sinto hoje necessidade de reeditar as palavras de saudação que aqui trouxe. Elas, para quem souber entender o seu sentido profundo, explicam as críticas, a meu ver injustas, de que tem sido alvo por estes dias. Multidões de virgens ofendidas clamam pela necessidade urgente de trazer para a política gente honrada, competente e com sentido de serviço público. Cidadãos que, sem prejuízo dos seus naturais defeitos, assumindo funções politicas de relevo, constituam uma barreira às derivas populistas e demagógicas que tanto têm desprestigiado, aos olhos dos cidadãos, a politica, os partidos e a democracia. Mas quando os cidadãos honrados assumem os pesados riscos de uma ativa e empenhada intervenção política aqui del rei que o bom senso é erigido em fraqueza, a competência em maçada e o sentido de serviço público, afinal, numa banalidade.   

Uma escolha é uma escolha. No caso de Ferro Rodrigues é o regresso à "grande política" de quem nunca, na verdade, se afastou. Apenas se ausentou para recobrar forças. Sinto este ressurgimento como um ato de justiça. Vai ser duro para ele conjugar sentimento e razão. O seu regresso à ribalta não anuncia somente o regresso da política, que a vitória de Costa pronuncia, mas um sinal de abertura ao diálogo em todas as direcções. As soluções politicas de governo de futuro não se jogam na tradicional alternativa, pura e dura, esquerda/direita. Nem sequer num jogo de palavras em torno de alternativa versus alternância. É preciso ir mais longe. Fundar um novo modelo de alianças políticas em cuja matriz nem hajam excluídos à partida, nem escolhidos eternos. Um novo pacto social que viabilize uma verdadeira reforma do estado social. É difícil fazer POLITICA que nunca dispense a aceitação da diversidade, a superação das contradições e a busca dos consensos em torno de soluções que satisfaçam o maior número. A sociedade organizada - os cidadãos de todas as condições - espera por propostas nas quais acredite e lhes dêem alento para lutar por um futuro melhor para si e para a comunidade. Políticos são precisos. Por isso o regresso do Ferro Rodrigues é uma boa notícia para além da nossa velha e profunda amizade.  

Wagner - Der Augen leuchtendes Paar. V. Kowaljow; Barenboim, Scala Dece...


quinta-feira, março 12

Dia 12 de março - 2015


Voltando ao tema do nosso tempo político que é um tempo no qual o debate público é uma coisa banal. Um resultado da liberdade de expressão do pensamento. Sempre que acontece, e acontece muitas vezes, que nos sentimos constrangidos no uso da liberdade algo vai mal. Na questão da liberdade o excesso é sempre preferível à escassez. Em qualquer caso o mundo move-se a diversos níveis e na política as forças posicionam-se em permanência para a disputa do poder. É da própria natureza das coisas, com o carácter dos protagonistas pelo meio marcando o tom e o ritmo dos acontecimentos que podem influenciar e, na maior parte dos casos, podem influenciar pouco. Mas voltando ao tema do nosso tempo político questiono-me acerca da viabilidade de conduzir, governo e oposição, cada qual com seus objectivos, mais de seis (6) meses de disputa eleitoral aberta ( para não usar a expressão campanha). É a realidade com a qual cada um em seu mister tem de lidar. Só há uma postura séria neste contexto para quem tem responsabilidade, seja a que nível for, na vida pública: minimizar os erros e não se deixar enredar em enganos.  

sábado, março 7

7 de março - ano de 2015

                                                           
As próximas eleições legislativas - regresso ao assunto - serão realizadas, salvo qualquer solavanco imprevisível no calendário, num dos dias, a escolher pelo senhor PR, 27 de setembro, 4 ou 11 de outubro de 2015, a uma distância de sete (7) meses, desde o presente dia. Nada obsta a que, em democracia, se realizem debates e discussões, se acalorem as polémicas e se avolumem os casos, pois é o mais próprio da democracia liberal. Mas ... acontece que o calendário politico eleitoral tem, neste ano de 2015, uma peculiaridade: à eleição legislativa sucede-se a eleição presidencial (sem intervalo para descanso!), imbricadas uma na outra, condicionando-se mutuamente. E, ainda mais, acontece que nos seis meses antes e após a eleição presidencial (a realizar em janeiro de 2016) o PR não pode dissolver a AR (Artº 172 - 1. A Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência.). Ora, no caso desta conjuntura eleitoral, atenta a sequência dos atos eleitorais, o PR, em funções, não poderá dissolver a AR a partir de um dia de finais do presente mês de março/meados do próximo mês de abril, e o próximo PR, eleito em janeiro de 2016, não a poderá dissolver até abril de 2016. Ou há condições para formar governo com o resultado das legislativas ou .... Tudo se resolverá nos termos da lei e dos bons costumes!   

quinta-feira, março 5

5 de março - ano de 2015


É difícil conceber uma campanha eleitoral tão longa no tempo como a que já está em marcha. Mas, ao contrário, mais difícil era entender o tempo em que não havia verdadeiras campanhas eleitorais. Para quem não se lembra esse tempo já existiu - e existe - em muitas partes do mundo e em Portugal estão vivos muitos daqueles que o viveram. Sempre é preferível o confronto aberto das opiniões divergentes, com mais ou menos ruído, ou golpe baixo, do que o silêncio conformista da tirania. Preocupante é o perigo do seu regresso muito bem assinalado hoje pelo 1º ministro francês a propósito do avanço da extrema direita no seu país. Com todos os sobressaltos os países do sul da Europa têm vindo a ser portadores de novos movimentos sociais que, nalguns casos, se transformam em partidos, longe de se fundarem em ideologias fascistas, nazis, ou populistas radicais de direita, mas o mesmo se não pode dizer de França.França é o centro do problema político da Europa no próximo futuro. Não só por fazer parte, com a Alemanha, do núcleo central da ideia da construção da União Europeia - uma ideia destinada à preservação da paz na Europa antes de tudo o mais - como pelo seu peso na economia, história e geopolítica da Europa moderna. Com a eventual emergência de um poder político dominado por um partido de extrema-direita - seja qual for o seu disfarce - a União Europeia estará condenada ao fracasso. E surgirão, em todo o seu terrível esplendor, os sinais de guerra. Estamos cada vez mais perto de um tempo de grandes decisões.      

quarta-feira, março 4

4 de março, ano de 2015


Pelo calendário político previsível deveremos estar exactamente, no dia de hoje, a 7 (sete) meses das eleições legislativas. (uma mera ante visão sem qualquer bússola!) Sem descontos das férias de verão (como será o mês de agosto?) pela amostras dos dias que passam, sete meses de campanha eleitoral. A que se sobreporá outra campanha - a presidencial - que se estende até janeiro. A que se sobreporá o processo de formação do governo, saído do resultado das legislativas, em plena pré campanha presidencial. Só falo, está bem de ver do calendário.  Nem de conteúdos políticos, nem dos tons dos debates, nem dos protagonistas, nem dos acontecimentos políticos inesperados, nem das surpresas de conjuntura da economia nacional e internacional, nem de eventuais conflitos bélicos, nada de nada, somente de calendário, ou seja, de tempo.  

segunda-feira, março 2

2015 - dia 2 de março


Houve um tempo em que acreditei na bondade intrínseca do homem, a velha crença na superioridade da filosofia de Rousseau, misturada com uma longa vivência, enquanto jovem adulto, por razões históricas, no período dos chamados 40 anos gloriosos, do crescimento económico que se julgava iria perdurar para todo o sempre. Deveria saber por uma miríade de outras razões, oriundas da religião na qual fui educado, nos livros que li e nas experiências que vivi, que não é assim. O homem não é naturalmente bom. Mas sou obrigado a fazer um esforço para assumir esta negação da bondade intrínseca do homem. Mas não posso mais deixar-me iludir. Vamos caminhando.

domingo, março 1

2015 - dia 1 de março


Este espaço existe há mais de um decénio porque o seu autor, identificado, assim o quer. É uma janela entre milhões de janelas através da qual eu olho a rua – o espaço público – e comunico, em liberdade, com aqueles que por vontade própria, ou por mero acaso, decidem visitá-lo. Hoje por hoje é uma banalidade dispor de um espaço desta natureza, talvez mesmo um pouco antiquado, face a outros meios que entretanto surgiram e que, no conjunto, criaram uma rede cujos densidade e propósitos vão muito além, suponho, do que a mais hilariante imaginação pode supor. Nada busco com esta presença continuada senão manter aberta essa ínfima janela com o exterior, no fundo, comunicar dando expressão a uma vontade própria de reunir a minha voz a outras vozes que, por uma qualquer razão, estejam disponíveis para ouvir. Hoje o meu filho chegou da Áustria, onde regressará mais tarde, e tudo correu bem. O gato ficou feliz. Hoje, dia 1 de março do qual, por razões que desconheço, sempre gostei muito.