e crescem muitas vezes nalgum pátio assustadoras vozes
e descem das montanhas elefantes brancos todos os rebanhos
e partem por nós dentro todos os caminhos
e a noite enfuna as árvores de vento
e unge em suas assombrosas mãos o corpo da cidade
esmaga-lhe a boca arquiva-lhe os cabelos
mata-lhe os olhos dá-lhe nas esquinas cotovelos
precisamente porque há um caminho para o mar
e em certos gestos nascem coisas muito grandes
e é dia lá onde o olhar dos loucos abre
Levanto-me dos olhos para o meu poema
regulo o vento evito-lhe as esquinas
e levemente o levo pela mão à noite
e dou-lhe a calculada dose em minha provisória morte
Levantam-se nas casas todas as mulheres
as menos belas olham as mais belas
as da Jónia passeiam levemente nuas
as de Tarso veladas e Paulo morto há pouco
E a esperança, quando o sol afasta as nuvens
com róseos dedos sobre Esparta ou a arenosa Pilos,
que o tempo para sempre haja mudado
E houve uma tarde e uma manhã primeiro último dia
Ó homens há séculos erguidos e caídos
magnanimi heroes nati melioribus annis
vindos no lombo dos meses menos habitáveis
de hirtas mãos abertas entre a vida
talvez vos não receba o coração
de uma grande cidade em construção
Ruy Belo
In “O problema da Habitação” – Alguns Aspectos
“Todos os Poemas –I” – Assírio & Alvim
[Na sequência de um comentário e sugestão da Helena, da
Linha de Cabotagem, em sua homenagem, transcrevo aqui os versos finais do poema de Ruy Belo, “Rua do Sol a Sant´ana”, disponível, na íntegra, no
IR AO FUNDO E VOLTAR, o que deve constituir uma estreia absoluta na blogosfera pois o não encontrei, senão na versão publicada em livro, após afanosas pesquisas]