segunda-feira, outubro 29

“Homenagem ao Papagaio Verde e outros contos de Jorge de Sena”


(...)
“Um dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe, aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado, resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: - Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.”

Jorge de Sena

domingo, outubro 28

Em homenagem a minha mãe


Em homenagem a minha mãe pelo 11º aniversário de sua morte. 

Era o tempo da natureza esplendorosa, a seiva assomando por todos os poros da vida. A terra e o mar beijavam-se num longo beijo sem fim sob o céu azul. A terra dava frutos que me pareciam divindades na perfeição da sua casca. As melancias fascinavam-me pela sua grandeza esférica e pela névoa dos seus açúcares. Era o vermelho do prazer contra o sangue, vermelho da dor. [20/1/2008]

domingo, outubro 21

POPULISMO À SOLTA

Jogos, como sempre, muitos jogos de sombras, em todos os tabuleiros. Na vida pública, ou política, em sentido amplo, na vivência de todos os dias, individual ou coletiva, na família, no trabalho, nas relações de amigas e amigos, conhecidas (os) e reconhecidas (os), em todas as plataformas e quadrantes de sensibilidade e ideologia, o mais dificil é sempre, ou quase, esconjurar o medo. E quanto maior o estado de carência mais o medo se intromete e condiciona a liberdade. Uma sociedade povoada pelo medo é presa fácil de toda a sorte de populismos, intolerâncias, violências e, no fim do caminho, do totalitarismo que sempre se reinventa em cada época, ressurgindo com novas vestes. Hoje de manhã, na mesa ao meu lado no café da esquina, um homem vociferava para a mulher, (não convencida), que qualquer político devia ser insultado em todo o lugar público que frequentasse: "Eles devem sentir na pele como fazem o povo sofrer." Os sentimentos de repulsa pela política, e pelos políticos, sempre existiram mas, neste tempo que é o nosso, tendem a tornar-se dominantes. Atenção que os políticos que hoje estão na mira desta pulsão populista foram eleitos pelos mesmos que hoje os hostilizam. O jogo de sombras começa a tornar-se perigoso para a própria democracia.

domingo, outubro 14

ELEIÇÕES NOS AÇORES

As eleições legislativas nos Açores (Região Autónoma), realizadas hoje, deram uma nova maioria absoluta ao Partido Socialista. Nas circunstâncias presentes poderá parecer um resultado normal. Mas é preciso lembrar que o PS está no governo dos Açores faz 16 anos, ousou mudar a liderança, passando-a para as mãos de um jovem politico - Vasco Cordeiro -, correndo riscos. A interpretação detalhada do resultado não interessa para aqui mas tão só assinalar a continuidade de uma maioria politica que estará em melhores condições para enfrentar as dificuldades da atual situação de crise. Berta Cabral, candidada e lider do PSD, é uma mulher corajosa, digna, decente e forte. A sua derrota é o resultado da conjugação de um conjunto de circunstâncias adversas que lhe tornaram impossível a tarefa, em particular, nos últimos tempos. Os Açores são demasiadamente importantes para a afirmação de Portugal no mundo para que se não valorize o resultado destas eleições. Este resultado é, no presente contexto político, um sinal para o futuro e uma garantia de uma gestão política equilibrada da autonomia regional o que não é de somenos.    

sábado, outubro 13

Anna Caterina Antonacci




Eu já sei que Portugal está ser apoiado - ou assistido - através de um empréstimo tendo subscrito um acordo com um consórcio de estimáveis organizações internacionais que é conhecido pelo nome de troika. O programa de apoio financeiro é conhecido por uma sigla dificil de pronunciar. Uma das entidades que integra o consórcio em apreço é o FMI. 
 
Recentemente, faz pouco (falo de tempo), o MFI, perdão, FMI, liderado por uma estimável senhora - antes liderado por um ex estimável senhor - reconheceu erros inimagináveis na aplicação dos seus modelos econométricos - também estudei pois é a minha formação de base - e ontem a estimável senhora francesa veio reconhecer que, afinal, as politicas de austeridade são "uma chatice", digo eu, e hoje o senhor PR veio lançar um aviso à navegação, leia-se ao governo, acerca da dimensão e profundidade da aplicação das tarapêuticas da dita austeridade.
 
Quem nunca tenha cometido erros que lançe a primeira pedra, quem nunca não se tenha amedrontado que se vanglorie, mas não se admirem das manifestações nem apontem o dedo aos seus mentores pois elas são, cada uma à sua medida e gosto, o minimo denominador comum de um descontentamento geral e democrático que aliás é, paradoxalmente, partilhado pelos próprios mentores e executores das medidas de austeridade. A situação é crítica pois de outra maneira não se explicaria que todos tenham dúvidas, todos se enganem e todos tenham razão. Puxa!

Elīna Garanča


Valentina Lisitsa

sexta-feira, outubro 12

LUZES DE ALERTA

 O que sabemos dos outros, da comunidade, do mundo é sempre pouco. Menos ainda sabemos dos seus sentimentos, vontades, gostos, além da superfície das conveniências de momento. Os portugueses, nós portugueses, estamos a passar um momento em que única certeza é a incerteza. O discurso público, a todos os níveis de responsabilidade, é vacilante, pessimista ou mesmo tremendista (salvo raras exceções). Há razões para temer uma confrontação social se não forem tomadas decisões politicas inovadoras. Os ares do tempo parecem-se com os periodos mais negros da nossa história. Será assim em todos os países do sul e nalguns países de leste. O populismo incendeia a opinião pública e se vencer a comiseração geral com a deriva populista não tarda teremos perseguições aos hereges, ou seja, a todos os que, em cada lugar e circunstância, tenham uma opinião diferente. Será de toda a conveniência, a quem de direito, e a todos nós, acender as luzes de alerta!

quarta-feira, outubro 3

Jean Sibelius - Valse Triste



A minha sentida homenagem ao Robin Fior cujas cerimónias fúnebres decorreram hoje no cemitério inglês de Lisboa. A urna desceu à terra à maneira tradicional como há muito não via. Somente aqueles que, como eu próprio, partilharam alguns momentos únicos da sua vida de criador entenderão o que senti. Honra à sua memória.

terça-feira, outubro 2

ROBIN FIOR


Cerimónias fúnebres - quarta feira, dia 3 de outubro: velório a partir das 12h;  cerimónia e funeral às 17h. - Cemitério Inglês (ao Jardim da Estrela - Lisboa)