quarta-feira, maio 24

ABDICAR

Posted by Picasa Fotografia daqui

Luandino Vieira recusou o prémio Camões por “razões pessoais” e “íntimas”.

Segundo a Lusa: “O Prémio Camões, o maior galardão literário da língua portuguesa, não tentou Luandino Vieira que, segundo o escultor José Rodrigues, seu grande amigo, vive "completamente despojado dos bens materiais" no Alto Minho.”

Um convite à reflexão!

SOBRE UM VERSO REENCONTRADO

Posted by Picasa Fotografia de Angèle

De vez em quando reencontro uns versos
Perdidos na soleira dos livros
Que começados não se perdem,
E recomeçam porque assim decidi.

De vez em quando largo as palavras a meio
Não lhes encontro o nexo
Nem me reencontro nelas e desejo perdê-las,
E recomeçam porque assim decidi.

De vez em quando mudo as palavras de lugar
Olho os livros neles procurando o desejo
De reencontrar os versos que não escrevi,
E recomeçam porque assim decidi.

De vez em quando desencontro-me
Com as palavras e deixo o tempo passar
Na espera que se faça silêncio na memória,
E recomeçam porque assim decidi.

Lisboa, 20 de Agosto de 2004

JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES - "TOLAS"

(Clique na fotografia para ampliar)

Da esquerda para a direita: João Mário Anjos, João Esteves (“Tolas”) e Afonso de Barros.

Esta série de fotografias reporta-se a um evento, tem autor identificado, cujo nome surge sob cada uma, e não pretende, assim como os textos que acompanham as fotografias, ser um exercício saudosista, nem reavivar ideias que, na sua essência, são datadas e associadas a uma circunstância histórica singular e irrepetível.

Mas tenho a convicção que os protagonistas retratados não esquecem o passado nem se esquecem mutuamente, não querem, e não podem, apagar as memórias, embora se assumam nas recusas, nas dúvidas e nos desafios do tempo presente.

Revemo-nos, assim, no simbolismo de um gesto de abdicação realizando, através desta poderosa rede de comunicação, um reencontro impossível de concretizar de outro modo.

Esta fotografia é um fragmento que tem a novidade de retratar, ao centro, o João Esteves (“Tolas”). Quando o António Pais me enviou esta fotografia, e a abri, foi como se tivesse visto o “Tolas” pela primeira vez, vivo, na amenidade de um convívio que se não interrompeu.

terça-feira, maio 23

PAISAGEM

Posted by Picasa Fotografia de Catherine

Vejamos:
Seis metros quadrados de janelas;
a árvore; verdes; cachos amarelos.
Telhados (um de madeira) e céu –
um céu desmaiado, azul aguado.
Aves não, nenhumas.
(Lagartos adivinham-se).
Gente inexistente.
Sons: um avião; cigarras.
E, de repente,
uma grande tristeza sem motivo.
(…)

In “ENÉADAS – 9 Novenas”
Imprensa Nacional – Casa da Moeda


15.1.57

JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
(Lisboa, 1914 – 2000, Lisboa)

MANUEL MARIA CARRILHO

Posted by Picasa A verdade é para ser dita: se não fosse o Carrilho isto era só bola!

JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES - "IR ATÉ AO FIM ..."

Posted by Picasa Fotografia de António Pais
(Clique na fotografia para ampliar)

Da esquerda para a direita: Luís Mergulhão, Pedro Pais, Albano, (?) e Nazaré.

Julgo que nesta fotografia está representado o pessoal do ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas).

É notável como, invariavelmente, os rostos ostentam um sorriso de serena felicidade e alegria. O encerramento de uma experiência fascinante poderia ser celebrado com melancolia ou crispação mas, no caso do jantar de extinção do MES, aconteceu o contrário.

Muitos anos passados, cada um de nós, ainda se revê, com prazer, nas imagens daquele momento simbólico de renúncia à continuidade de um projecto político. Porque nos libertamos? Porque fomos capazes de assumir o fracasso? Porque sabíamos que éramos, individualmente, capazes de prosseguir novos caminhos e abraçar novos desafios? Porque, afinal, nos reconciliávamos connosco próprios, reconstruindo os nossos sonhos utópicos?

Como disse Camus: “Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir.”

segunda-feira, maio 22

CARREIRISMO

Posted by Picasa Mário-Henrique Leiria

Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai admoestou-o.
Depois de ter roubado a caixa do senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.
Voltou passados vinte e dois anos, com chofér fardado.
Era Director Geral das Polícias. Seu pai teve o enfarte.

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Mário Henrique Leiria nasceu em Lisboa em 1923. Frequentou por pouco tempo a Escola de Belas Artes. Entre 1949 e 1951 participou nas actividades da movimentação surrealista em Portugal. Teve vários empregos: marinha mercante, caixeiro de praça, operário metalúrgico, construção civil. Viajou. Em 1961 foi para a América Latina onde desenvolveu várias actividades, entre as quais a de encenador de teatro e de director literário de uma editora. Voltou nove anos depois. Colaborou em várias revistas e jornais nacionais.

REMBRANDT

Posted by Picasa Rembrandt (1606 - 1669)
Self Portrait as a Young Man - 1634 Uffizi, Florence

« Rembrandt : la gloire jusqu´en 1642, à 36 ans. À partir de cette date, la marche à la solitude et à pauvreté. Expérience rare et plus significative que celle, banale, de l´artiste méconnu. Sur une telle expérience on n´a encore rien dit. »

Albert Camus

“Carnets – III” - Cahier nº VIII (Août 1954/Juillet 1958)
Gallimard

domingo, maio 21

JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES (DORL) - 7 DE NOVEMBRO DE 1981

(Clique na fotografia para ampliar)

Da esquerda para a direita. De pé: José Luís Ganhão, Margarida Guimarães, António Pinto Basto (posteriormente, enquanto jornalista, António Ribeiro Ferreira), Albano Machado, Pedro Pais, Manuel Pires, Luísa Ivo e Luís Castanheira Lopes; em baixo: Adelaide de Jesus, Miguel Teotónio Pereira, Constantino Ferreira, Rogério de Jesus, José António Vieira da Silva, Carlos Pratas e Isabel Cordovil.

Não me lembro se a data escolhida para o Jantar – 7 de Novembro – releva de um voluntário gesto simbólico ou se foi uma mera coincidência com o dia do aniversário da revolução bolchevique, na Rússia, em 1917.

A verdade é que, pelo calendário ocidental, a “Revolução de Outubro” ocorreu a 7 de Novembro de 1917 e o jantar de extinção do MES foi realizado no dia 7 de Novembro de 1981, coincidindo com o 64º aniversário daquela revolução.

Esta fotografia retrata os elementos da última DORL – Direcção da Organização Regional de Lisboa – do MES. Com mais rigor elementos que integraram sucessivas DORLs. Recordo, com saudade, a figura de José Luís Ganhão o único deste grupo que já nos deixou. Assinalo, ainda, uma significativa presença feminina que, no entanto, nunca esteve representada nas estruturas centrais da direcção do MES.

Curiosamente surge António Pinto Basto que haveria de ganhar notoriedade, como jornalista, assinando António Ribeiro Ferreira.
(Correcções, assinaladas a vermelho, enviadas pela Luísa Ivo - ver comentário.)

FRIDA KAHLO

Posted by Picasa O autocarro

Exposição “Vida e Obra” de Frida Kahlo [1907/1954]. CCB, Lisboa, penúltimo dia. As considerações que pode ler aqui – de onde retirei também a imagem – poupam-me as críticas.

O que vi. Cores fortes. Alguns retratos e auto retratos impressivos. O tema da infertilidade ou da maternidade frustrada. Sofrimento físico, doença e adversidade. Passado, família e amigos. Implicitamente a política.

Diego Rivera, Trotsky e mecenas. Uma vida que se sobrepõe à obra. Uma obra sub representada. É preciso visitar o México para ver a obra de Frida Kahlo.

Já tive a felicidade de apreciar, ao vivo, parte da obra de Diego Rivera. Impressionante. Mas não vi as obras mais importantes de Frida.

Camus - Cahier nº VIII

Posted by Picasa Fotografia de Angèle

« 17[8/1954]. Berl.*
Il est plus facile aux intellectuels de dire non que de dire oui. Le médecin Reclus qui avait pris partis pour Dreyfus, regardant les volumes de ses œuvres à la fin de sa vie s´aperçoit qu´il y a eu deux années où n´a rien produit. Ah! oui, Dreyfus : il avait consacré ces deux années à étudier les dossiers de l´affaire. Aujourd´hui on prend partis sur la lecture d´un article.
Après-midi perdue. »

*Emmanuel Berl (1892-1976) était devenu l´ami de Camus

Albert Camus

“Carnets – III” - Cahier nº VIII (Août 1954/Juillet 1958)
Gallimard

sem título XXX

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Fosse meu tudo o que não tem medida certa
seria feliz por possuir o mundo
Tomaria em mãos as diversas artes
sendo múltiplo fingir-me-ia uno
uno por dentro e por fora repartido em partes

19 de Maio de 2006

sábado, maio 20

FARENSE/BENFICA

Posted by Picasa (ver foto ampliada)

Em 15 de Março passado iniciei a minha colaboração no A Defesa de Faro com este post . A propósito de um comentário de hoje, em adenda, aqui fica o texto original. Poucos momentos depois de, por coincidência, ter sido anunciado Fernando Santos como novo treinador do Benfica.

Uma das maiores alegrias da minha vida foi sempre o Farense. Vivi desde 1955
à beira do estádio de S. Luís e aproveitava todas as oportunidades para ver mesmo os treinos. Lembro-me dos rostos dos jogadores mais antigos como se os estivesse aqui na minha frente. O Vinueza, o Reina, o Queimado, o Ventura, o Rato, (guarda redes) o Tarro e tantos outros que as imagens antigas me ajudarão a decifrar. Mas eram equipas que andavam pela 2ª divisão, na melhor das hipóteses, pois parece que, à época, "o sistema" não permitia, salvo o Olhanense num período determinado, que qualquer equipa do Algarve subisse à primeira divisão.
A equipa representada na foto foi, sem dúvida, uma das melhores de sempre. À época já não vivia em Faro mas acompanhava à distância a sua carreira vendo alguns jogos disputados em Lisboa. Mas lembro-me destes jogadores todos dos quais destaco o Benje, um guarda redes fabuloso, o Mirobaldo, um goleador tecnicista elegante, que se fora hoje faria carreira num grande clube, o Sério, "carregador de piano", o Farias um "ala" de categoria, faltando aqui o Adilson que com Mirobaldo e o Farias, formavam um esquadrão de ataque temível que, soube agora, era designado como MFA.
Destes jogadores o que atingiu maior notoriedade, como treinador, foi o Manuel José, rapaz de Vila Real, um falso lento que colocava a bola milimétricamente à distância. É hoje treinador campeão africano. Que será feito de cada um destes jogadores verdadeiras glórias do Farense. Um dia quando o Farense se reerguer para fazer orgulhar o meu filho, que fiz sócio logo quando nasceu, alguém se lembre de homenagear os vivos e celebrar a memória dos desaparecidos. Eles são parte da história de uma cidade e região.
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Comentario, tardio, deixado hoje, por J. Cabrita, na caixa de comentários de A Defesa de Faro:
Ah! Os jogos – e os treinos, concorridíssimos – do Farense no velho campo pelado de São Luís (mais tarde relvado, após a subida à 1ª divisão)! Que momentos inesquecíveis
viveu Faro por essas alturas! Uma mística autêntica envolvia a urbe e a sua equipa! Havia carinho autêntico, espontâneo, em redor desses jogadores, estimados como filhos da casa...!
Diz bem o Eduardo Graça – amigo e velho condiscípulo do Liceu de Faro, e vizinho de São Luís, e que muito gostaria de reencontrar (perguntava sempre por ti, a teu pai e a teu irmão Dimas, saudosos falecidos) –, naqueles tempos o sistema dificultava os voos mais altos das equipas sulinas... Mas tivemos equipas de grande gabarito, de raça e pundonor, que, hoje, pediriam meças às melhores equipas do nosso País.
Bons tempos para quem os viveu – e nós tivemos essa rara felicidade!Mas é preciso que a Fénix Farense renasça, com o mesmo espírito de sempre! Hoje, é mais complicado (o "deus" "mamon" manda e corrompe tudo...) mas... quem sabe...? Como dizia A. de Saint Éxupéry : "il y avaient des innocents qui savaient que les choses étaient impossibles... et pourtant ils les ont faites!"·
Abraços a todos os genuínos farenses – e um especial ao meu velho condiscípulo e amigo Eduardo Graça!

J. Cabrita
(Agradeço e retribuo com amizade.)

ACTUALIDADE POLÍTICA

Posted by Picasa Laetitia Casta

Utilizo o olhar deslumbrante desta moça para anunciar que deixei de comprar jornais. Um dia, muitos anos atrás, também deixei de fumar. É uma questão de saúde! Leio, no entanto, os jornais nas bancas, nos cafés, na casa dos amigos e na net e, porque não sou fundamentalista, também fumo, de vez em quando, uma cigarrilha.

Hoje, por acaso, num bar, reparei que o EPC* diz, no Público, que não lê blogues e que sempre que lhe mandam um email com endereço de blogue logo o lança ao lixo. Ando às avessas com o EPC o que deve ser muito bom sinal para mim.

Mas, paradoxalmente, a confissão do EPC servia para citar o blogue do JPP** – que o EPC deve ter lido no jornal – a propósito do “envelope 9”. O post do JPP tornou o envelope 9 em “micro causa”. E como tal vai ter uma resposta expedita hoje, pela manhã, no Expresso. Ou esperava ouvi-la, em primeira-mão, por outro órgão qualquer?

Pelo que vi no “Expresso da Meia-noite” a resposta é a mais previsível que se possa imaginar. É tudo culpa da comunicação social e, provavelmente, do funcionário nº 354 da PT (Deus queira que, por coincidência, não acerte no número do dito!).
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Para o pessoal do Brasil e alguns distraídos as legendas: * EPC – Eduardo Prado Coelho, para o efeito, colunista do “Público”, “Baixo Cê” em homenagem ao Althusser. ** JPP – José Pacheco Pereira, para o efeito, blogueiro.

(Desde o início de Abril que não publico um post acerca da actualidade política o que é bom sinal: é que deixou de haver actualidade política como vai ser, abundantemente, demonstrado pelo Congresso do PSD que deve estar a decorrer neste momento numa terra chamada Póvoa do Varzim.)

sexta-feira, maio 19

LUANDINO VIEIRA - PRÉMIO CAMÕES 2006

Posted by Picasa Luandino Vieira, em segundo plano, com José Rodrigues

Valham o que valham os prémios … uma justiça feita a tempo.

"O meu país ..."

Posted by Picasa Fotografia de Angèle

(…)
O meu país são todos os amigos
que conquisto e que perco a cada instante
(…)

Ruy Belo

PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA
Transporte no Tempo

COLECÇÃO DE CONCEIÇÃO NEUPARTH

Posted by Picasa MES – Amadora

Esta fotografia foi obtida, certamente, aquando da campanha para as eleições legislativas de 25 de Abril 1976. O MES, de forma autónoma, só participou nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas a 25 de Abril de 1975, e nas primeiras eleições legislativas realizadas exactamente um ano depois.

A sua extinção foi o resultado de uma dura luta entre duas correntes que se confrontaram no 4º Congresso e ocorreu, como tenho vindo a documentar, através de um jantar/festa, no dia 7 de Novembro de 1981. É esta a data exacta, confirmada pelo António Pais através da sua agenda e das fotografias, de sua autoria, que testemunham as presenças nesse evento.

A revista “Sábado”, na sua edição de 11 de Março, publicou a fotografia de grupo, que deu início a esta série, sem referir a fonte o que é lamentável e não abona acerca da deontologia profissional dos autores de uma reportagem acerca da carreira política de um dos fotografados, José António Vieira da Silva, actual Ministro da Trabalho.

Outras fotografias do jantar de extinção do MES se seguirão para surpresa de alguns dos próprios fotografados.

quarta-feira, maio 17

PALAVRA

Posted by Picasa Praia de Faro

Amor amizade lua
salto loucura morte
o gesto que não amua
uma palavra tão doce

Hoje pela primeira vez
me apeteceu dizer-te
aquela palavra mágica
que não esquece nunca

E de cor vou dizê-la
amo amor amores
em direcção ao norte
sobem rios de rumores

25 de Novembro de 1980

(Segundo poema antigo, inédito, dedicado à Guida ainda a propósito do seu aniversário. A fotografia e o poema são da mesma época sendo este um dos primeiros que escrevi, datei e guardei, com intencionalidade poética e dedicatória.)

"...sur la mer la plus vieille ..."

Posted by Picasa Fotografia de Jérôme Sevrette (Le désordre des masses noires)

«Sur tous les chemins du monde des millions d´hommes nous ont précédés et leurs traces sont visibles. Mais sur la mer la plus vieille, notre silence est toujours le premier.»

Albert Camus

“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard

VÍTOR WENGOROVIUS NO JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES

(Clicar na imagem para ampliar)
O mais brilhante tribuno do movimento estudantil durante a crise académica de 1961/62. Eu não tinha idade para o conhecer nessa época mas os testemunhos dos seus contemporâneos são eloquentes. Só o conheci como veterano no processo de criação do MES bastante antes do 25 de Abril.

Era uma figura pujante de energia e criatividade, prolixo, solidário e desprendido. Era a personificação do excesso para seu prejuízo pessoal e benefício da comunidade. Um socialista católico impoluto, crente e destemido, desprendido do poder e amante da partilha.

Privei com ele, nele confiava em pleno, com ele aprendi a confiar, talvez a confiar demais. Não me arrependo de ter acreditado na luz que emanava da sua dedicação às causas utópicas que as suas palavras nunca eram capazes de desenhar até ao fim. As suas palavras perseguiam a realidade que se escapava como um permanente exercício de criação.

Com ele fui a encontros clandestinos com o Pedro Ramos de Almeida, representante do PCP, buscando as alianças necessárias ao sucesso da luta anti fascista e nunca fomos apanhados pela polícia política.

Ouvi horas das suas conversas, intervenções e discursos, aprendi a ouvir, aprendi a faceta fascinante do excesso da palavra (não só com ele) e sofri, em silêncio, o lancinante drama do seu percurso pessoal perdido no labirinto das rupturas intelectuais e sentimentais.

Fiquei feliz no dia – próximo da sua morte – em que ajudei a que pudesse assistir ao musical “ O Navio dos Rebeldes”, levado à cena no Teatro da Trindade, em homenagem aos estudantes que em 61/62 se revoltaram contra a ditadura. No fim da representação um dos actores pediu licença para, à boca de cena, assinalar a sua presença e lhe prestar homenagem.

As lágrimas correram-me pela cara quando, frente ao palco, na cadeira de rodas, o Vítor pegou no microfone e, parcimonioso nas palavras, exacto e conciso, fazendo soar o timbre inconfundível da sua voz, agradeceu elogiando o trabalho teatral a que tinha acabado de assistir.

Morreu a 27 de Fevereiro de 2005 mas viverá para sempre no coração daqueles que, verdadeiramente, o conheceram.

(Ler ainda aqui)

terça-feira, maio 16

PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA

Posted by Picasa Almada Negreiros

Meu único país é sempre onde estou bem
(…)

Ruy Belo

PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA
Transporte no Tempo

PEDRO OOM

Posted by Picasa Fotografia daqui

O COELHINHO QUE NASCEU NUMA COUVE

Era uma vez um coelhinho que nasceu numa couve.
Como os pais do coelhinho nunca mais aparecessem a couve passou a cuidar dele como se do seu próprio filho se tratasse.Com ervinhas tenras que cresciam ao seu redor a couve foi criando o coelhinho dentro do seu seio até que este passou a procurar a sua própria alimentação.O coelhinho, que tinha um coração muito bondoso, retribuindo o afecto que a couve lhe dedicava considerava-a como sua verdadeira mãe.A mãe couve e o seu filhinho adoptivo foram vivendo muito felizes até que um dia uma praga de gafanhotos se abateu sobre aquelas terras.O coelhinho ao ver que aqueles insectos vorazes devoravam tudo o que era verde cobriu com o seu próprio corpo o corpo da mãe couve e assim conseguiu que os gafanhotos pouco dano lhe fizessem.Quando aqueles insectos daninhos levantaram voo os campos em volta passaram a ser um imenso deserto de areias e pedra.O pobre coelhinho, que sempre tinha vivido nas proximidades da sua mãe couve, teve de deslocar-se para muitos quilómetros de distância a fim de procurar comida.Mas já nada havia que se pudesse mastigar naquelas terras.Passaram muitos dias e o pobre coelhinho estava cada vez mais magro mais magro e faminto.Então a mãe couve disse-lhe assim: “Ouve meu filho: é a lei da vida que os velhos têm de dar o lugar aos novos, por isso só vejo uma solução: assim como tu viveste durante algum tempo no meu seio, passarei a ser eu agora a viver dentro do teu. Compreendes, meu filho, o que eu quero dizer?”O pobre coelhinho compreendeu e, embora com grande tristeza na alma não teve outro remédio, comeu a mãe.

Pedro Oom

IN “2 HISTÓRIAS PARA CRIANÇAS (EMANCIPADAS) QUE ILUSTRAM A DIFERENÇA ENTRE O AMOR FILIAL E O AMOR CONJUGAL” (Também magistralmente dito por Mário Viegas em Humores, 1980)

Actuação Escrita, edição & etc (1980)

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PEDRO OOM [Antecipo a efeméride do seu nascimento.]

Francisco Pedro dos Santos Oom do Vale nasceu em Santarém, a 24 de Junho de 1926.
Aos 2 anos acompanha a família para Setúbal e a partir dos 11 fixa-se em Lisboa. A aspiração do pai a que ingressasse no Colégio Militar nunca foi cumprida pois Pedro Oom se recusou.
Ingressa na Escola António Arroio onde conheceu Júlio Pomar, Vespeira, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros que viriam a aderir ao surrealismo.
Aos 24 anos, órfão de pais, ingressa no INE, como funcionário público, onde segue uma carreira desconcertante de disciplina em relação ao período anterior da sua vida e um “interregno”, afastando-se de toda a actividade artística e literária ligada ao surrealismo.
Dedicou-se, entretanto, com entusiasmo, ao xadrez modalidade na qual se distinguiu.
Em 1962 dá por finda a sua vida de funcionário público, sai do INE, reingressando, dois anos passados, desta vez, no Ministério da Educação onde se dedicou a estudos de estatística sobre o ensino.
A sua obra literária, poética e panfletária, ficou dispersa sendo impregnada de uma ironia que vai dos tons mais violentos da contestação à mordacidade pessoal.
Morreu no dia 26 de Abril de 1974, pelas duas e trinta da tarde, no Restaurante “13” quando, com alguns amigos, festejava os acontecimentos que então se viviam apaixonadamente.
A sua obra foi publicada em dois volumes sob o título “Actuação Escrita” pelas Edições & etc de cujas “notas biográficas” se respigou o presente texto.