Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sexta-feira, abril 25
Memórias breves - 8
Como sempre acontece, ontem telefonou-me o António Dias. Aquela madrugada deixou-nos uma marca profunda. Diz ele que descendo com a coluna de Santarém, após muitas esperas e voltas, terá alguém da coluna, dando pela nossa presença, perguntado quem éramos. Somos da EPAM, respondemos. "Ah então os padeiros também estão metidos!" E terei concluido com um "vamos a isto!", e seguimos a coluna na direção da baixa da cidade. Estávamos fisicamente próximos do herói maior daquele dia: Salgueiro Maia e não sabiamos.
quinta-feira, abril 24
Memórias breves - 7
Na véspera do 51º aniversário do 25 de Abril tentei lembrar-me, uma vez mais, dos passos que terei dado nesse dia distante. Era uma 4ª feira. Basta consultar o calendário. Estava no tropa e devo ter frequentado, nesse dia, o quartel do Campo Grande. O chamado, na gíria, 2º Grupo (de Companhias de Administração Militar). Um dia mais tarde o Leite Pereira contou-me que, estando lá colocado, viu a minha ficha de suspeito quando ela lá chegou antecedendo o meu ingresso. Uma notícia nova acerca de uma rotina da época. Fervilhavam os boatos. Sabia que um golpe estava preparado para o dia seguinte. A fonte era credível. Acreditei. Fiz por acreditar. Temi um banho de sangue. Pensei nos meus pais. No meu irmão. Na minha namorada. Mas julgo que mantive a descrição. Como já contei, outras vezes, avisei os amigos civis mais íntimos. Organizei-me com os amigos militares que se haviam tornado conjurados. Não imaginava o que viria a passar-se após a arrancada da operação, um golpe militar, tornado revolução pela adesão popular. Um daqueles raros momentos de fusão que mudam o curso da história. Curto e fulminante.(Fotografia de Alfredo Cunha)
terça-feira, abril 22
Memórias breves - 6
Não me lembro do nascer do dia. Andávamos na rua à procura de entender se era mesmo verdade. Com o António Cavalheiro Dias e o João Mário Anjos percorri a cidade, de lés a lés, atrás da coluna de Salgueiro Maia, olhando cada esquina e movimento, com uma atenção fulminante, não fosse falhar tudo outra vez.
Não me lembro de ter visto nascer o dia. Naquela noite não houve madrugada. Os telefones devem ter começado a tocar a partir de determinada hora: “Olha parece que houve um golpe militar!”, “dizem que há tropa na rua!”.
A minha preocupação era telefonar a meus pais. No quartel pude fazê-lo já a manhã tinha despontado. Que alegria. Afinal não era um golpe dos ultras! Era um golpe militar mesmo daqueles com que sonharam Humberto Delgado e tantos que morreram sem conhecerem a cor da liberdade.
48 anos de ditadura é muito tempo! Que pena não poder ver os sonhadores da liberdade nesse dia. Observar a comoção nos seus rostos e ouvir as suas primeiras palavras. Mas não me lembro do despontar daquela madrugada.
Ouço os sons, cheiro os cheiros, vejo os camaradas de armas, o povo a passar defronte do quartel, bandeiras desfraldadas ao vento, as vozes enrouquecidas e as lágrimas a cair-lhes pelas faces, mas não me lembro do despontar do dia 25 de Abril de 1974.
Mas o que interessa é que estava lá. E vencemos! (Fotografia de Alfredo Cunha).
segunda-feira, abril 21
Francisco - não tenhamos medo
Seria de esperar este festival de hipocrisia pela morte de Francisco, de todos os tipos, impressionando a pura hipocrisia, caldeada de ignorância, à hipocrisia politica mostrando os inimigos fidagais das ideias de Francisco, tecendo loas às suas virtudes. Os protofascistas, como sempre despodurados, mostram as suas garras através de votos de pesar. O expoente máximo é Trump mas podemos-lhe juntar Milei, Putin e um cortejo de aspirantes a ditadores, senão mesmo já ditadores, em exercício. O penúltimo livro que li foi "Esperança", uma autobiografia de Francisco, e dessa leitura confirmei a ideia que havia formado acerca do homem e do poltico que, afinal, no exercicio das funções eclesiásticas ele foi: um revolucionário, do lado do progresso, no nosso tempo. Como ele tanto gostava de dizer, não tenhamos medo, não tenhamos medo...
Francisco - dobram os sinos
"56. Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controlo dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respetivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a devorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa perante aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta."
In EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO - 24 de novembro de 2013
domingo, abril 20
Memórias breves - 5
A fita do tempo da madrugada de 25 de abril: 07H20/ As forças in[imigas] estão a ser comandadas Brig. Reis que vai col[una] Romeiras. Vão ocupar embocaduras Terreiro [do] Paço com forças RI1.
O Brig. Junqueira dos Reis era o 2º Comandante do Governo Militar de Lisboa e comandava a força da ordem pública do GML. A minha memória dizia-me que tudo se tinha passado mais cedo na madrugada. Assisti ao vivo, com António Dias, à marcha das duas colunas que se haviam de enfrentar. Uma extraordinária coincidência no tempo e no espaço. (Fotografia de Alfredo Cunha).
sábado, abril 19
Politica - 13
“A administração das coisas e a direcção dos homens haviam-lhe ensinado muito, mas sobretudo, aparentemente, que uma pessoa sabia pouco das coisas.” Albert Camus, in Primeiro Homem.
sexta-feira, abril 18
Memórias breves - 4
No dia 24 de Abril fomos contactados no quartel por um colega do curso de oficiais milicianos. As últimas dúvidas quase se tinham dissipado. A acção militar ia ser desencadeada na próxima madrugada.
Fui a casa do Eduardo Ferro Rodrigues, meu amigo de juventude e de todas as militâncias, na Travessa do Ferreiro, para o avisar de que alguma coisa (o golpe) se iria passar nessa noite. Era fim da tarde. A RTP transmitia um jogo do Sporting, com um clube da Alemanha de Leste, para uma eliminatória das competições europeias de futebol. Deixei o recado e pus-me a caminho. Tudo era imprevisivel na hora de mais uma tentativa de derrubar a ditadura. (Fotografia de Alfredo Cunha).
quinta-feira, abril 17
Memórias breves - 3
Greve dos CTT s com manifestação. Estava no quartel. Lembro-me de nos terem reunido e de um oficial superior encetar a tarefa impossível de ordenar a um oficial miliciano (ou oficiais) que comandasse a força destinada a reprimir a manifestação. Começou por uma ponta na qual, por acaso, se haviam posicionado o João Mário Anjos e o Carlos Marvão. Não sei já qual foi o primeiro a recusar a ordem mas indagado o segundo, que também recusou, o oficial resolveu suspender a diligência. Logo a seguir, na terceira posição estava eu próprio. Nos dias 25 e 26 de Junho de 1974 foi concretizada a prisão dos dois oficiais rebeldes que seguiram para a prisão da Trafaria. Foi duro e penoso. O João Mário era intrépido e corajoso nos limites. (Cartaz de Robin Fior).
quarta-feira, abril 16
João Cravinho - RIP
Da esquerda para a direita: João Cravinho, Raul Pinheiro Henriques, Filomena Aguilar Ferro Rodrigues, Francisco Soares, José Manuel Galvão Teles, César Oliveira, Edilberto Moço. Atrás, à direita, Luísa Pedroso Lima e, à direita, no primeiro plano, Diomar Santos. (No almoço de extinção do MES)
terça-feira, abril 15
Memórias breves - II
Um episódio da tropa em Mafra que me ensinou como é preciso ter cuidado com as aparências. Um dia, pela manhã, na parada, o Major, Comandante da Companhia, que tinha na conta de um militarão, aproximou a sua boca ao meu ouvido e, em voz ciciada, avisou-me de que estava na lista dos «subversivos». Ouvi, estremeci e calei. Não o conhecia. Era, na verdade, um oficial discreto que cumpria com os seus deveres. Eu cumpria com os meus. Nada o obrigava a correr o risco de me avisar. A ficha da PIDE acompanhou-me sempre.
Este episódio ajudou-me a aprender como é difícil, no mundo dos homens, ajuizar acerca da natureza do seu carácter e dos valores que os movem na sua relação com os outros. Nunca mais esqueci a nobreza do gesto do major que tomei à conta de generosidade.
segunda-feira, abril 14
Memórias breves - I
Nós não sabiamos o que iria acontecer, qual a solução para a queda da ditadura. Na verdade somente nos interessava soprar o lume da revolta. Pôr fim à guerra que arrastaria, quase inevitavemente, o fim do regime. Um dia em Mafra, a cumprir a instrução militar, soube que um jovem capitão do quadro que ali vira à pouco a instruir, morrera. Lembro-me do choque e ainda hoje recordo a sua figura. Uma galeria interminável de memórias da miséria da guerra com suas vitimas inocentes.
quinta-feira, abril 10
Politica - 12
Coisas simples: os revolucionários do nosso tempo, com Trump à cabeça, avançam contra a ordem estabelecida tendo em vista a sua destruição. Quem diria? O que está a acontecer não é um episódio fugaz, mas uma tendência em continuidade. "Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam". Jorge de Sena
terça-feira, abril 8
Gaza
"Gaza é hoje um "campo de extermínio" e civis estão num ciclo de morte sem fim", António Guterres in telegrama da Lusa. É dificil ler esta declaração/apelo sem sentir revolta.
domingo, abril 6
Politica - 11
Coisas simples: na politica contemporânea os únicos revolucionários são de extrema direita. São contra os regimes de democracia representativa e visam destruí-los por dentro ou, se falharem o seu propósito pela via pacifica, através da violência. Os sociais democratas (socialistas, liberais e outros) disputam o tempo, o modo e o grau de politicas conservadoras no sentido daquelas que visam conservar o regime democrático. Desta vez não posso estar do lado dos revolucionários, apesar de ser anticapitalista como sempre, desde o princípio do tempo. (Isto vem a propósito das reações ao programa do PS que, dentro do campo social democrático, mostram que existem fações vivas que se debatem).
quinta-feira, abril 3
Politica - 10
Coisas simples: como já identificado por muitos especialistas, o reforço do orçamento em defesa, e respectivas despesas, vai gerar crescimento da dívida, erosão do excedente, compressão da despesa com o "estado social" (um hibrido de todos estes efeitos). Não vale a pena a maçada dos malabalismos retóricos que a coisa é séria, instantânea e pesada. A insinuação de V. Ex.ª o emproado da abertura de corredor verde para a contratação destas despesas, a concretizar-se, abriria portas (portas, Deus nos cuide) à atividade do MP multiplicada por 100.
terça-feira, abril 1
Politica - 9
Coisas simples: Medina disse que não pretende integrar as listas de candidatos a deputados nas legislativas. Eu também não. Alguém o convidou? A mim também não! Ao PS não interessa ganhar estas eleições e alguns ganham distância. Vitórias de Pirro, são as piores.
domingo, março 30
Politica - 8
Coisas simples: “A extrema-esquerda está a destruir a esquerda democrática por dentro”, diz Barreto. Pensei que, nos nossos dias, o mais relevante fosse a extrema direita a destruir a democracia por dentro.
sexta-feira, março 28
Politica - 7
Coisas simples: algures pelo final do ano de 1975 Portugal tornou-se numa democracia pluralista. Em eleições livres elegem-se deputados apresentados à sociedade por partidos politicos. Assim se forma uma assembleia que foi batizada da República, de onde emana o governo. Não é a assembleia que emana do governo.
quinta-feira, março 27
Dia Mundial do Teatro
O dia 27 de março é consagrado como Dia Mundial do Teatro. Sempre assinalo esta data não por mera celebração de uma efeméride mas porque o teatro desempenhou um papel muito importante na minha vida. Na alta adolescência, por altura do meu 6ª ano do liceu, num tempo de trevas culturais, o meu irmão deve ter impulsionado a minha aproximação à atividade teatral. As relações com o Dr. Emílio Campos Coroa haviam sido estreitadas e daí resultou a minha integração no Grupo de Teatro do Circulo Cultural do Algarve - mais tarde "Teatro Lethes" - após ter já sido iniciado pelo Dr. Joaquim Magalhães nas atividades teatrais do liceu. Foi uma oportunidade de intensa sociabilização, aprendizagem da arte do teatro e exigente exercício de enfrentamento dos públicos. Muita entrada em cena, muito palco e fala e obrigatório conhecimento de dramaturgos de referência. Somente a minha saída da cidade de Faro para Lisboa me separou desta experiência que marcou a minha formação pessoal e cultural para sempre. Bem hajam aqueles que me impulsionaram e acompanharam nessa formalizável experiência teatral. (Na foto "Nuvens", de Teresa Dias Coelho)
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