Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
terça-feira, março 21
DIA INTERNACIONAL DA POESIA
Quando escrevi os primeiros poemas com jeito de escrever tinha 33 anos e uma dor no corpo tal como Gullar quando em Maio de 1964 escreveu: “Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo a vida, que é cheia de crianças, de flores e mulheres, a vida, esse direito de estar no mundo, ter dois pés e mãos, uma cara e a fome de tudo, a esperança.” Hoje tenho muitos mais anos e escrevo na página do livro onde está impresso o poema Maio 1964 e digo que nada me demove de estar aqui e amar a vida mesmo quando ela se ri de mim.
segunda-feira, março 20
PRIMAVERA
Naquele tempo de primícias sobrevoei o mundo cão que devorava a carne do povo sem liberdade nem pão. As mulheres assomavam à janela de casas térreas sem água nem pia a ver o tempo passar. A cidade crescera para fora das muralhas antigas subindo até junto das hortas. As ruas novas eram rectilíneas e os largos mais largos já não para dar passagem às carroças puxadas a cavalos mas às novas máquinas puxadas a motores de explosão. A casa era pequena e a janela principal era alta demais para mim. Um dia cheguei sem ajuda ao cimo dela e avistei a rua. O meu desejo foi tomar o meu lugar nela, correr ao pó, alisar as paredes com as mãos e sentir o cheiro da cal branca. O calor do sol diluía os odores das flores pela primavera quando ainda chovia e o ar subia às narinas com o perfume da vida eterna. O tempo era de silêncios entrecortados por palavras que sublinhavam as penas do quotidiano, alegrias breves, máscaras e enigmas, vidas com amor, mortes prematuras, caminhar, caminhar … ao encontro do futuro que sempre existe mesmo no seio da noite escura com a morte na alma. Havia o arco-íris tracejando o céu ou a caixa de cartão, as meias enroladas ou os girinos na poça do espaldão, sorrisos largos e mãos quentes, passeios nos quintais e as árvores frondosas ensombrando os animais com os frutos escorrendo seiva e colhidos à mão. Sou essa atmosfera feita de terra e de gente. [17/1/2008]
domingo, março 19
DIA DO PAI
Por aqueles dias da primavera de 1958 o meu pai perdeu o medo. Pegou-me pela mão e levou-me a ver a passagem por Faro de Humberto Delgado. Estávamos em plena campanha presidencial. Pela primeira vez, desde o imediato pós guerra, o poder de Salazar tremia. Delgado era destemido, até à beira da loucura, segundo os seus detractores. A sua candidatura forçou à desistência de Arlindo Vicente, candidato apoiado pelo Partido Comunista. Humberto Delgado fez-se ao caminho e arrastou multidões até às urnas. Eu também lá estive pela mão do meu pai. Seguimos de Faro para Olhão onde a recepção foi apoteótica. Nunca hei-de esquecer a mão quente de meu pai apertando a minha. Eu não sabia ainda o significado da palavra fascismo. Mais tarde Humberto Delgado foi assassinado pelos esbirros da PIDE. Os assassinos morreram na cama. É revoltante. Tenho medo de sentir esta sensação de revolta perante a tolerância da democracia. Mas a tolerância, afinal, nunca é excessiva. Aprendi isso com o meu pai. Era um comerciante honrado. Morreu no dia 9 de Janeiro de 1992.
sábado, março 18
A LEVEZA INSUSTEMTÁVEL DOS CORPOS
Como as palavras as imagens, que tomamos como nossas, são um bocado do imaginário que sobrevive à decapitação dos sonhos. Caminhamos por entre escombros.
Quando minha mãe morreu nos meus braços não chorei. Só chorei quando, velando o seu corpo, me surgiu pela frente uma vizinha que frequentava a minha infância. O imaginário, naquele breve momento, tomou de assalto as minhas defesas que ruíram com estrondo.
Percebi a leveza insustentável dos corpos depois de mortos e a infinita fraqueza que se esconde por detrás da nossa aparente normalidade.
1941, Março - dia 18
Neste dia Albert Camus escreveu, em plena 2ª Guerra Mundial, no seu Caderno: "Os montes por cima de Argel trasbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples - e o absurdo de abandonar tudo isto."
"Santa Cruz e a subida através dos pinheiros. O alargamento contínuo do golfo até ao alto de onde a vista se perde sobre uma imensidade. Indiferença - e eu também tenho as minhas peregrinações."
Albert Camus, In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942
quarta-feira, março 15
CRISES JUSTAPOSTAS
A Europa e o mundo vivem sob o espectro de uma crise financeira, energética e alimentar. Três choques, em simultâneo, que põem em risco o equilíbrio em que assenta o mundo do pós guerra. Os chamados países emergentes, com a China à cabeça, estão no centro da crise. Esses países passaram de sociedades miseráveis a sociedades de consumo. A China é como uma fogueira gigante que consome crescentes recursos que afluem de todo o mundo e, ao mesmo tempo, alimenta outras fogueiras que, de igual modo, consomem mais do que a humanidade é capaz de produzir. Entramos numa nova fase da vida das nações que exigirá mudanças profundas também nas estruturas das instituições internacionais. A questão: como gerir essas mudanças sem guerra?
[Do meu diário - 7/5/2008]
A GUERRA E NÓS
“É sempre vão pretender quebrar um laço de solidariedade, apesar da estupidez e da crueldade dos outros. Não se pode dizer: “Ignoro-o”. Colabora-se ou combate-se. Nada é menos perdoável que a guerra e o apelo aos ódios nacionais. Mas uma vez surgida a guerra, é vão e cobarde querer afastar-se a pretexto de que se não é responsável. As torres de marfim acabaram. A benevolência é interdita. Por si própria e para os outros. Julgar um acontecimento é impossível e imoral se se está de fora. É no seio dessa absurda desgraça que se mantém o direito de a desprezar. A reacção de um indivíduo não tem qualquer importância. Pode servir para qualquer coisa mas nada a justifica. Pretender, por diletantismo, afastar-se e separar-se do seu ambiente, é dar prova da mais absurda das liberdades. Eis porque motivo era necessário que eu tentasse servir. E se não me quiserem, é igualmente necessário que eu aceite a posição do civil desprezado. Em ambos os casos estou no centro da guerra e tenho o direito de a julgar. De a julgar e de agir.” Albert Camus, in Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942).
Para que se compreenda a problemática deste fragmento que muito me influenciou. Em Setembro de 1939, Camus está pronto para partir para a Grécia quando eclode a 2ª guerra mundial. Camus não quer escapar à guerra e apresenta-se como voluntário mas não é aceite devido à sua tuberculose.
segunda-feira, março 13
DEMOCRACIA E GUERRA
Em democracia os sacrifícios que se pedem aos cidadãos, para serem exequíveis, carecem de ser assumidos pela maioria como necessários e inevitáveis. Todos os que conhecem um pouco de história sabem que é assim.
O Presidente Roosevelt, por exemplo, demorou anos a preparar a opinião pública americana antes de tomar a decisão, que sabia inevitável, de fazer os Estados Unidos entrar na Segunda Guerra Mundial.
Aliás a história da liderança da América por Roosevelt, após 1932 até à sua morte, imagine-se (!) em 1945, é notável.
As decisões que exigem sacrifícios aos povos, e a guerra em primeiro lugar, têm que ser assumidas colectivamente, serem concentradas no tempo, comunicadas de forma determinada e convincente, não perderem de vista a equidade e tocarem a corda sensível de um valor, um pouco em desuso, que se chama patriotismo.
domingo, março 12
FRANCISCO - 10 ANOS
204. Não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado. O crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha; requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo. Longe de mim propor um populismo irresponsável, mas a economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos. In EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO.
24 de novembro de 2013
IRREALIDADE
"Com o dobro da dimensão da Caixa Geral de Depósitos, o norte-americano Silicon Valley Bank fez soar as sirenes entre as startups. A portuguesa Indico Capital Partners admite que algumas suas participadas podem estar expostas ao SVB. E a Anchorage Digital assume uma exposição residual". In "Expresso".
Todo o cuidado é pouco com a irrealidade dos trabalhos terrenos!
sábado, março 11
MANOBRAS
"Montenegro aconselhado a convidar Passos para n.º1 às europeias", In Expresso". Isto é tão básico que até faz impressão. "Exportar" Passos para Europa, evitar uma derrota nas europeias, logo inviabilizar a sucessão na liderança do PSD pós europeias em que Passos pode suceder a Montenegro...
sexta-feira, março 10
AFLIÇÃO
A hierarquia da igreja católica portuguesa entrou em negação. É curioso como a parte conservadora da nossa sociedade, e os seus representantes politicos, tentam através do silêncio, ou da fuga para a frente, aplacar os efeitos da condenação popular. Não há purificação possível. Em aflição esperam que o tempo faça o seu trabalho - o esquecimento.
terça-feira, março 7
8 MARÇO - DIA INTERNACIONAL DA MULHER
A terra e o corpo eram o mundo possível; a terra penetrava os poros, tisnava a pele, sujava as feridas; a terra cantava sob a correria dos pés descalços; a terra e os corpos entoavam as canções de embalar e de trabalho, da eira ao arado, do varejo ao rabisco; olhava as mulheres como se fossem rainhas que um dia haviam de dançar mil danças rodopiando nos braços do seu par; via-as sempre a dançar em seus sorrisos e suas gritas; as mulheres do tempo de as ver somente com uma admiração que me vinha de dentro. Não sabia nada delas mas via-as e amava-as como se fossem a terra que segurava as minhas raízes ao chão da vida. [4/2/2008]
segunda-feira, março 6
7 março 1808 - a família real chega ao Rio de Janeiro
Em 29 de Novembro de 1807, após um dia chuvoso, o príncipe d. João, d. Carlota, seus filhos, a rainha d. Maria I, vários outros parentes partiram em meio ao outono lisboeta. Do rio Tejo saíram as embarcações. Seguiram, além da família real, nobres, funcionários da Corte, ministros e políticos do Reino. Cerca de 15 mil pessoas. Os franceses ao chegarem à capital portuguesa em 30/11 ficaram a ver navios, frustrados com a não captura dos governantes lusos. Tudo o que era necessário para permanecer governando foi transportado. Insistia, entrementes, uma sensação dúbia: covardia ou esperteza? D. João estava angustiado. Seu país sendo atacado, o povo morrendo e ele seguindo viagem. Desconfortos psicológicos e físicos. Tormentas nos pensamentos e nos vagalhões dos mares que chegou a atrapalhar a travessia. Escassearam os víveres. Natal, Ano Novo e Dia de Reis se passaram. Então, a terra firme finalmente chegou. Em 22 de Janeiro de 1808 os barcos atracaram na antiga primeira capital do Brasil, a ensolarada Salvador. Porém, o abatido e cheio de dúvidas d. João após 54 dias no mar pisou o solo brasileiro apenas 24 hs depois. Foi o primeiro rei europeu a fazê-lo. Revisões nos navios, um pouco de descanso. Seguiram a viagem em 26 de Fevereiro. Dia 7 de Março a família real chegava ao destino final, a cidade do Rio de Janeiro.
domingo, março 5
sábado, março 4
quinta-feira, março 2
JOSÉ MANUEL GALVÃO TELES - RIP!
Foi ele que permitiu por sua iniciativa, e influência, criar as infraestruturas mínimas da aventura do MES no imediato pós 25 de abril.
Foi um dos subscritores da primeira Declaração politica do MES (com Manuel Lopes, António Rosas, António Santos Júnior, Rogério de Jesus, António Machado, Francisco Farrica, Edilberto Moço, Luís Filipe Fazendeiro, Luís Manuel Espadaneiro, Carlos Pratas, José Galamba de Oliveira, Víctor Wengorovius, Joaquim Mestre, Eduardo Ferro Rodrigues, Nuno Teotónio Pereira e César Oliveira.)
Rompeu com o MES no I Congresso, de dezembro de 74, subscrevendo um documento/moção, datado de 30 novembro de 1974, intitulado (imaginem!): “O MES E A ACTUAL FASE DA LUTA REVOLUCIONÁRIA – AS TAREFAS IMEDIATAS DO MOVIMENTO”, também subscrito por Armando Trigo e Abreu, César Oliveira, Francisco Soares, Joaquim Mestre, João Bénard da Costa, João Cravinho, Jorge Sampaio e Nuno Brederode Santos.
Marcou presença no jantar de extinção do MES, realizado em 7 de outubro de 1981, surgindo na fotografia, de autoria de António Pais, com Francisco Soares, César de Oliveira e João Cravinho.
quarta-feira, março 1
terça-feira, fevereiro 28
"Como um lábio húmido"
“13 de Fevereiro de 36 - Eu peço às pessoas mais o que elas me podem dar. Vaidade de pretender o contrário. Mas que horror e que desesperança. E eu próprio talvez ..." ... "Procurar os contactos. Todos os contactos Se pretendo escrever a respeito dos homens, como afastar-me da paisagem? E se o céu ou a luz me atrai, esquecerei eu os olhos ou a voz daqueles que amo? Dão-me, de cada vez, os elementos de uma amizade, os fragmentos de uma emoção, nunca a emoção, nunca a amizade.” (...) “Março- Dia atravessado por nuvens e pelo sol. Um frio salpicado de amarelo. Eu devia fazer um caderno do tempo de cada dia. Aquele belo sol transparente de ontem. A baía trémula de luz – como um lábio húmido. E trabalhei todo o dia.” Albert Camus, in “Caderno” n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
segunda-feira, fevereiro 27
VÍCTOR WENGOROVIUS
Víctor Wengorovius morreu a 27 de Fevereiro de 2005 mas viverá para sempre no coração daqueles que, verdadeiramente, o conheceram.
domingo, fevereiro 26
Fernando Tordo
Faz este domingo exactamente meio século que a canção Tourada saiu vencedora do Festival da Canção, que à data, em 1973, ainda se chamava Grande Prémio TV da Canção. Era a décima edição, havia 10 canções a concurso e a Tourada ganhou, para espanto de muitos e gáudio de tantos mais. Porque na metáfora tauromáquica, com letra do poeta José Carlos Ary dos Santos e música de Fernando Tordo (que ali a cantou) era impossível não ver retratada a ditadura. Depois da vitória, ainda houve tentativas de que não fosse à Eurovisão, mas acabou por ir e ficou em décimo lugar num total de 17, no Luxemburgo. (In Público)
sábado, fevereiro 25
MULHERES
MARIA VELEDA - notável combatente republicana dos primórdios da luta pelos direitos das mulheres. Nascida na minha cidade e freguesia - Faro, São Pedro, 26 de fevereiro de 1871.
sexta-feira, fevereiro 24
FUTURO II
Pelos caminhos da vida por entre perigos e desafios, enfrentando-os ou torneando-os conforme as circunstâncias, em mim repousa e vive o outro, suas alegrias e dores, tanto tempo e tão pouco, sempre o olhar erguido em frente, prontos a aceitar para ser aceites, sei que a eternidade é uma ideia sem futuro, mas creio sempre no valor sagrado da vida em liberdade e nos valores nos quais nos revemos.
quinta-feira, fevereiro 23
FUTURO
Uma vez mais se joga a vida no corpo que se quer erguido do chão. Sabemos como as disputas dos homens em sociedade são de pequena monta face à luta pela saúde e pela vida. Hoje, amanhã e sempre ergo os olhos na espera paciente de um novo futuro sempre presente.
quarta-feira, fevereiro 22
JOSÉ AFONSO - QUE VIVA !
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos nasceu a 2 de Agosto de 1929, em Aveiro. Morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal.
terça-feira, fevereiro 21
Uma efeméride pessoal
Foi a 21 de Fevereiro de 1996 que tomei posse como Presidente da Direcção do INATEL. Para quem quiser saber o significado da sigla basta fazer uma pesquisa. A efeméride não é nada estimulante para mim pois a sete anos de gestão muito realizadora seguiram-se cinco anos de processos. De todos saí vencedor. Ainda não é hoje que reatarei as peripécias deste processo que poderá ter alguma utilidade na sociabilização do conhecimento dos meandros da administração e de como os gestores honestos dificilmente escapam aos cantos de sereia e, finalmente, quando se não deixam comprar, à sanha persecutória dos guardiões do “sistema”. adiante.
segunda-feira, fevereiro 20
No sul o sol impõe as suas regras
A natureza despe-se sem pudor apesar do olhar dos homens. Nasci com a escassez da água por entre os medos da seca e da fome. Mas a natureza não detém a sua marcha perante os receios do homem.
*
No sul o frio é suave e temperado pelo mar e pela vizinhança de África. A minha terra fica mais próxima de África do que de Lisboa. Sempre nos esquecemos disso quando pensamos nos espanhóis.
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A sul a neve caiu de 1 para 2 de Fevereiro de 1954. Vi-a cair pela primeira vez debruçado de espanto da janela com vista para o meu mundo. A rua ficou branca e fiz bolas de jogar. Mas a neve na minha memória é quente.
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A nespereira familiar da minha infância prepara-se para dar frutos. Imagino o seu lugar no quintal de onde nunca saiu e se apresenta sempre viçosa às gerações que passam. Ela renova-se e parece imortal.
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A figueira do caminho do campo despida de folhas olha-me curiosa. O frio fê-la ficar nua e reparei que não se mexia nem tiritava nem sequer temia a sua morte anunciada. Ela sabe que no próximo verão ainda vai dar frutos suculentos.
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As árvores são um mundo de vida e de afectos para os artistas. Poetas, pintores, músicos, cineastas, fotógrafos ... muitos dos grandes artistas cantaram a natureza através das árvores.
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A sombra de cada árvore é diferente conforme a sua natureza. Cada sombra projectada por uma árvore tem vida própria e uma personalidade diferente conforme as espécies. As sombras das árvores são todas diferentes.
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Ir para a sombra era uma obsessão da minha infância. No sul o sol impõe as suas regras. As árvores no verão eram o lugar da sombra antes de serem o lugar dos frutos e da subsistência.
Fotografia de amistad
domingo, fevereiro 19
SUL
uns breves dias de regresso à cidade natal, ao sul respira-se o mesmo ar de sempre, os lugares estão diferentes mas a meus olhos iguais, no tempo da alegria convencional,
sábado, fevereiro 18
HABITAÇÃO
"Pacote do Governo para habitação recebido com críticas por economistas, fiscalistas, arquitetos, investidores e proprietários", (In Expresso).
Chovem as críticas à direita e à esquerda mas, sem prejuízo dos méritos das medidas anunciadas, a questão politica é simples de enunciar: o governo retomou a inicitiva e a oposição passou à defensiva. A ver vamos...
sexta-feira, fevereiro 17
ELES ANDAM POR AÍ
«Rolão Preto, ao entrar no Palácio das Exposições, saudado romanamente pelos camisas azuis em guarda de honra». [18 de Fevereiro de 1933, fotografia a preto e branco - Revolução, n.º 292, Lisboa, Portugal - Fotografia publicada no Revolução - Diário Nacional-Sindicalista da Tarde (1932-1933), de segunda-feira, 20 de Fevereiro de 1933.]
O banquete de homenagem a Rolão Preto, de 18 de Fevereiro de 1933, comemorava o primeiro aniversário da publicação do diário Revolução, no início subintitulado Diário Académico Nacionalista da Tarde, cujo primeiro número tinha saído em 15 de Fevereiro de 1932. In “O Portal da História”
As corporações só conhecem a linguagem da força. Não vale a pena escrever lindas palavras em barras de sabão. É preciso esculpi-las no granito afrontando a dureza das pedras endurecidas pelo tempo. Os homens perdem a capacidade de se libertar da servidão quando nela nasceram e foram educados para obedecer. Ou quando já se esqueceram da servidão no que ela tem de mais abjecto. É o caso de Portugal e da maioria das democracias da Europa Ocidental.
quinta-feira, fevereiro 16
terça-feira, fevereiro 14
ESPALDÃO
Ao cimo da rua onde nasci, do outro lado da estrada da circunvalação, ficava o “Espaldão”. Era pequena a distância e foi lá que vi pela primeira vez na minha vida rãs a coaxar nas poças e foi lá que tomei a noção de espaço livre. Aprendi o medo de me encontrar perdido, de regressar a casa tarde demais, de ser repreendido, de me esquecer do tempo, ser apanhado numa emboscada ou correr os perigos que afinal não existiam. As redondezas do “Espaldão”, até aos meus oito anos, compreendiam toda a minha vida: a casa onde nasci, as ruas e os becos, os vizinhos, o estabelecimento e o armazém, o ganha-pão da família, o barbeiro, a feira do Carmo, a igreja, a carroça dos cães, os vendedores ambulantes, a rua de terra, o cheiro das estações e, lá mais acima, um lugar de mistérios. O “Espaldão”, ali ao lado da minha cidade, foi a minha primeira natureza antes de conhecer o que era a natureza. Tudo tão perto e tão longe na cidade que era um lugar limitado pelo meu olhar mas sem limites para a minha liberdade.
segunda-feira, fevereiro 13
MEMÓRIA
O II Congresso do MES realizou-se na FIL, à Junqueira, em Lisboa, nos dias 13, 14 e 15 de Fevereiro de 1976, no rescaldo dos acontecimentos do 25 de Novembro de 1975.
domingo, fevereiro 12
IMIGRAÇÃO
Tema muito interessante e importante no mundo contemporâneo que me tem interessado. Este interesse nasceu a partir de um trabalho empenhado que me obrigou a abordar, com frequência, a questão do designado "envelhecimento demográfico". Trata-se, pois, de uma abordagem que me levou à questão económica. As economias ditas desenvolvidas do ocidente são atingidas pelo fenómeno do envelhecimento das populações. Carecem de importar mão de obra. Não de forma pontual, localizada ou temporal, mas de forma continuada e massiva. É um processo irreversível. Nas sociedades ocidentais já não há capacidade de reposição das gerações. Por isso a nossa sociedade só pode rejuvenescer através da imigração. A nossa sociedade já é, e será cada vez mais, composta de diversas cores, religiões, ritos e culturas. Em Portugal existe uma forte tradição de emigração. Hoje, ao contrário, os portugueses são confrontados com um número crescente de estrangeiros com os quais têm de conviver. É sem dúvida um tema que tenderá a tornar-se central na disputa política. No debate dos direitos humanos e de cidadadia. Nas abordagens sociológicas. Sei que tem sido um tema debatido com intensidade na blogofera. Ninguém pense que existe uma qualquer saída radical para a questão da imigração. Tema a revisitar em breve. (Janeiro de 2004).
sábado, fevereiro 11
KANT - um chumbo humilhante!
Kant, "o filósofo dos direitos humanos", morreu a 12 de fevereiro de 1804. Pelo aniversário da sua morte vou voltar a contar uma "pequena história" pessoal na qual Kant tem o lugar de protagonista.
"Foi uma das maiores humilhações da minha vida. Explico em duas palavras. No meu 7º ano de liceu, à época, ano terminal do secundário, faziam-se exames finais em algumas disciplinas incluindo filosofia. A nota da prova escrita necessária para dispensar da oral era 16. Obtive, na escrita, 15. Estranho! Na realidade ninguém obtinha, na escrita, 15. Ou se obtinha 14 ou então 16. Fui, assim, "condenado" a ir à oral com 15.
Na oral fui confrontado com a primeira (e única) pergunta: fale-me do "imperativo categórico" de Kant. Iniciei uma dissertação acerca do tema! A examinadora considerou a resposta insuficiente. Insistiu no tema. Eu titubeie. Não era (nem sou) um especialista em Kant mas - que diabo - tinha estudado a matéria. Mas a examinadora é que não mudava de tema! Fale-me do "imperativo categórico" de Kant! Se bem me lembro tentei de novo satisfazer a exigência. Em vão! Percebi, então, que nada iria resultar. Estava condenado a chumbar fosse qual fosse o meu desempenho!
Levantei-me e saí da sala perante o espanto dos meus colegas que assistiam à cena. Desci a avenida e fui tomar um café na esplanada da Gardy, que ainda lá está apesar dos factos se terem passado à quase 40 anos, na baixa de Faro. O chumbo era certo! Não valia a pena ir ver a pauta. Eu era um pouco irreverente (talvez mesmo bastante irreverente) é verdade! Não dominava de cor as matérias todas! É verdade! Mas na segunda época de exames obtive na escrita a nota de 18 na mesmíssima disciplina de filosofia! Assunto arrumado.
A professora que me sujeitou aquela humilhação oral já faleceu. Nunca cheguei a saber, nem saberei, das verdadeiras razões daquele inusitado chumbo! Mas hoje ao ler o trabalho, limpo e clarividente, do Público, acerca de Kant, a minha memória retomou o caminho da explicação para o chumbo: "Com o seu "Imperativo Categórico" Kant estabeleceu um novo princípio ético: introduziu a ideia de que a moral é algo inerente à estrutura da razão, não decorrendo portanto, por exemplo, de imperativos religiosos. Segundo ele, cada homem deverá actuar de forma a que cada um dos seus actos possa ser tomado como princípio universal. Cada um desses gestos é um objectivo e um fim em si mesmo, não um meio para um outro fim (como o "Bem" praticado na religião católica que surge como uma forma de atingir a salvação). Para Kant, o gesto imoral acontece quando alguém tenta estabelecer para os outros um padrão de comportamento diferente daquele que ele próprio adopta."
Hoje estou convicto (não me atrevo a dizer: estou certo!) que a razão do chumbo naquela oral está sintetizado neste texto, de Vanessa Rato, no Público, acerca do "imperativo categórico". Hoje, como ontem, o mundo está repleto de "gestos imorais", ou seja, de gente que julga o comportamento do outros por critérios que se dispensam de aplicar a si próprios."
sexta-feira, fevereiro 10
PORQUE ESCREVO I (Vinte Poemas de Cuba XII)
Escrever para quê?
É como o pó que piso
Areia fina mármore liso
Escrever para quê?
É como supor que existo
E para alguém sobrevivo
Escrever para quê?
Minto. É como acreditar
Que a eternidade existe
25/7/2007
[“Vinte Poemas de Cuba” (12). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]
HUMBERTO DELGADO - HONRA À SUA MEMÓRIA
Na próxima segunda feira, dia 13 de fevereiro, passam 58 anos sobre o dia em que o General Humberto Delgado foi, cobardemente, assassinado pela PIDE.
O General Humberto Delgado foi um distinto militar de carreira, apoiante do golpe militar do 28 de Maio, e da ditadura entre 1926 e o dealbar dos anos 50, tendo acabado por sacrificar a carreira, e a própria vida, no combate sem tréguas ao regime fascista, após a rutura política com Salazar, a partir das eleições presidenciais de 1958, às quais se candidatou, como independente, por vontade própria. Foi ele o verdadeiro precursor do 25 de Abril de 1974 pois defendeu (quase sempre) que a ditadura só cairia através da ação militar, que haveria de ser protagonizada pelas forças armadas, apoiadas pelo povo, o que viria, de facto, a acontecer pouco menos de nove anos após o seu assassinato que ocorreu em 13 de Fevereiro de 1965. Delgado foi, politicamente, um liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona, e pela sociedade americana (o que lhe valeu o magnífico epíteto de “General Coca Cola”) influências assumidas ao longo de várias missões profissionais – em representação do estado português - na Inglaterra, Estados Unidos e também no Canadá. Delgado foi um político que nunca deixou de ser General e de cuja áurea antissalazarista a esquerda, do seu tempo, se quis apropriar sem, na verdade, partilhar das suas ideias e ações, que desprezava apodando-as, pelo menos, de aventureiras. O General Humberto Delgado foi atraído a uma cilada e assassinado pela PIDE, por espancamento, e não a tiro, com conhecimento de Salazar, que sempre encobriu este hediondo crime, sob as mais variadas artimanhas, no plano interno e da diplomacia, entrando, inclusive, em rota de colisão com Franco. O julgamento dos autores materiais do crime – que não dos seus autores morais que sempre foram poupados pela democracia – em Tribunal Militar – foi uma triste farsa que não permitiu apurar a verdade e muito menos punir os criminosos. Todo o processo desde o assassinato de Delgado, passando pelo encobrimento do crime, à descoberta dos corpos, à investigação judicial e perícias forenses, realizadas pelas autoridades espanholas, até à condução do processo judicial em Portugal, julgamento e recursos judiciais, constitui um caso exemplar que permite, nos planos político e judicial, entender muitos aspetos da realidade contemporânea portuguesa e as peripécias de processos que ainda correm os seus trâmites.quarta-feira, fevereiro 8
À Beira do Atlântico (Vinte poemas de Cuba XI)
À beira do Atlântico o mar do sul
abrasa a carne mais que a vida.
À beira do Atlântico fala-se outra
língua, acre, ora livre ora tolhida,
entre sorrisos de dentes brancos.
À beira do Atlântico o ar ardente,
carregado de salmoira, marulhar
reluzente lembra-me outro mar.
25/7/2007
[“Vinte Poemas de Cuba” (11). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]
UCRÂNIA/EUROPA
"Zelenski pide desde Londres al Parlamento británico que respalde el envío de cazas de combate a Ucrania", in El Pais
Receção ao mais alto nível de Zelenski no Reino Unido, segue-se a UE, o que quer dizer o mais alto empenho da Europa no apoio à Ucrânia no seu caminho para um regime democrático e integração económico politica na UE. No fim deste caminho se vier a ter sucesso terá ocorrido uma profunda transformação da Europa. A ver vamos!
terça-feira, fevereiro 7
EPIGRAMA II (Vinte poemas de Cuba X)
Uma boa notícia chegou de longe,
num dia qualquer e tarde demais
far-se-á justiça; e regresso a casa.
24/7/2007
[“Vinte Poemas de Cuba” (10). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]
domingo, fevereiro 5
Epigrama I (Vinte poemas de Cuba IX)
Gostava de ser exacto, preciso e conciso.
E a vida? Onde encontrar lugar para a vida?
24/7/2007
[“Vinte Poemas de Cuba” (9). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]
sábado, fevereiro 4
4 fevereiro 1927 - Revolta no Algarve
Leia-se no Almanaque Republicano o relato breve da revolta de Fevereiro de 1927 no Algarve. Da lista dos revoltosos presos, após o fracasso, ressoam na minha cabeça alguns apelidos conhecidos.
No dia 4 de Fevereiro de 1927, rebenta a revolta no Algarve. Ao largo de Faro, a canhoneira Bengo, comandada pelo 1º tenente Sebastião José da Costa e tendo a bordo o comité revolucionário constituído ainda pelo Dr. Manuel Pedro Guerreiro e o Dr. Victor Castro da Fonseca, começa a bombardear a cidade de Faro. Estes seriam os principais elementos revoltosos que comandavam alguns militares da marinha, da GNR, elementos do regimento de caçadores nº 4, de Tavira e algumas dezenas de civis.
No dia 4 de Fevereiro de 1927, rebenta a revolta no Algarve. Ao largo de Faro, a canhoneira Bengo, comandada pelo 1º tenente Sebastião José da Costa e tendo a bordo o comité revolucionário constituído ainda pelo Dr. Manuel Pedro Guerreiro e o Dr. Victor Castro da Fonseca, começa a bombardear a cidade de Faro. Estes seriam os principais elementos revoltosos que comandavam alguns militares da marinha, da GNR, elementos do regimento de caçadores nº 4, de Tavira e algumas dezenas de civis.
sexta-feira, fevereiro 3
Tão tarde (Vinte poemas de Cuba VIII)
Escrevo tão tarde sem antes
me ter dado conta de quão tardia
era a minha vontade de dar forma
de versos ao que do passado havia
feito o labirinto que me habita.
me ter dado conta de quão tardia
era a minha vontade de dar forma
de versos ao que do passado havia
feito o labirinto que me habita.
24/7/2007
[“Vinte Poemas de Cuba” (8). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]
CONTRADIÇÕES
Um Olhar da Inês – Fotografia de Hélder Gonçalves
“”Antisthène : “É verdadeiramente real fazer o bem e ouvir dizer mal de nós.”
“Cf. Marco Aurélio: “Seja onde for que se possa viver, pode viver-se bem.”
“Aquilo que detém uma obra projectada transforma-se na própria obra”
Aquilo que barra o caminho faz avançar.
Terminado em Fevereiro de 1942.””
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Camus assinala que o “Caderno" n.º 3 termina aqui. No início de 1942 tem uma recaída da tuberculose e viaja de Orão, acompanhado da mulher, para o sul de França – Le Panelier, próximo de Saint-Etiénne.)
quinta-feira, fevereiro 2
Dez versos - (Vinte poemas de Cuba VII)
O que nos mata é solidão povoada.
É estarmos juntos e separados
É sermos sós, mesmo ajuntados
É nada dizer de olhos lavados
É ouvir outros na voz dos amados
É sentir solidão sendo povoados.
O que nos mata
é tanta gente enchendo a solidão.
Assim envoltos de gente em revolta
Ausente do presente que lhe falta
Sermos crentes no porvir a perfeição
O que é afinal o que que nos mata?
Solidão povoada é o que nos mata.
24/7/2007
[“Vinte Poemas de Cuba” (7). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba. Neste caso tomando, como epígrafe, dois versos do poema “For whom the bell tolls, com incidências do “cogito” cartesiano”, de 23/8/1965].
RÚSSIA/ EUROPA - UE
Von der Leyen leva equipa a Kiev para aprofundar a cooperação com o Governo do país (Imagem e título de "Público").
Ainda mais, a partir de hoje, uma vitória da Rússia será uma derrota da Europa e vice versa.
quarta-feira, fevereiro 1
À vista do mar (Vinte poemas de Cuba VI)
À vista do mar, ao longe
ecoam os sons antigos
À vista do mar, as águas
desenham os sons amigos
À vista do mar, ao perto
da miséria sobram sorrisos
À vista do mar, os tons
azuis reluzentes postigos
24/7/2007
[“Vinte Poemas de Cuba” (6). Escritos a lápis nas páginas do livro “Poesia III”, de Jorge de Sena, nos dias de uma visita a Cuba.]
NEVE A SUL
No extremo sul de Portugal, à beira mar, terra de temperatura moderada, o surgimento da neve foi um acontecimento inusitado que perdurou na memória de todos.
Eis o excerto de "O Aprendiz de Feiticeiro", belo livro do grande poeta português Carlos de Oliveira, nascido no Brasil, a propósito daquele acontecimento memorável:
“Contudo, relato a seguir o que me aconteceu na noite de 1 para 2 de Fevereiro de 1954, quando venci por fim a proibição interior e alinhei sem emendas ou hesitações os sessenta e três versos da primeira fala de “O Inquilino”….”
(…)“E entramos por fim no que mais interessa: acabado o impulso das primeiras palavras, afastei a cadeira distraidamente e levantei-me, tentando delinear o seguimento da peça, cuja ideia me surgira só no acto de escrever. Nenhum plano anterior, nenhum esboço. Levantei-me e andei para a janela, metido na pele do inquilino, perguntando a mim mesmo (ou a ele) se não haveria outras perguntas a fazer antes duma decisão que podia ferir o equilíbrio do mundo ou coisa parecida. Foi quando a madrugada explodiu numa féerie mais ou menos nórdica, como se tivesse realmente bastado mexer na cadeira, na ordem pré-estabelecida do quarto, para desencadear o imprevisto: uma tempestade de neve em Lisboa.” (…)
Eis o excerto de "O Aprendiz de Feiticeiro", belo livro do grande poeta português Carlos de Oliveira, nascido no Brasil, a propósito daquele acontecimento memorável:
“Contudo, relato a seguir o que me aconteceu na noite de 1 para 2 de Fevereiro de 1954, quando venci por fim a proibição interior e alinhei sem emendas ou hesitações os sessenta e três versos da primeira fala de “O Inquilino”….”
(…)“E entramos por fim no que mais interessa: acabado o impulso das primeiras palavras, afastei a cadeira distraidamente e levantei-me, tentando delinear o seguimento da peça, cuja ideia me surgira só no acto de escrever. Nenhum plano anterior, nenhum esboço. Levantei-me e andei para a janela, metido na pele do inquilino, perguntando a mim mesmo (ou a ele) se não haveria outras perguntas a fazer antes duma decisão que podia ferir o equilíbrio do mundo ou coisa parecida. Foi quando a madrugada explodiu numa féerie mais ou menos nórdica, como se tivesse realmente bastado mexer na cadeira, na ordem pré-estabelecida do quarto, para desencadear o imprevisto: uma tempestade de neve em Lisboa.” (…)
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