domingo, junho 5

Coragem

Publico um dos comentários que recebi a propósito do artigo "Os socialistas, o Deficit e a Reforma do Estado Providência" publicado, sexta-feira passada, no SE e disponível, assim como outro texto posterior, no IRAOFUNDOEVOLTAR.

Devo esclarecer, a propósito, que o artigo em questão foi enviado para o SE uma semana antes da sua publicação pelo que não podia incorporar uma reflexão acerca dos desenvolvimentos suscitados pelas notícias acerca da acumulação de remunerações e pensões auferidas por detentores de cargos políticos.

Mas esta polémica não acrescenta nada de essencial à questão de fundo, tratada no artigo, qual seja, a necessidade urgente de reformar o “Estado Social” na sua configuração actual.

“Li o artigo. Preocupam-me, sinceramente, as "peripécias" que estão, no entanto, a despontar; e, tanto quanto me quer parecer, a "procissão ainda vai no adro"... Ou há coragem politica e o Socrates leva TUDO até às ultimas consequências ou o Povo Português não irá, de certeza, compreender e aceitar os sacrificios que lhe são, mais uma vez, pedidos. Pela minha parte, não me chega não ser ÉTICAMENTE CORRECTO. As leis que dão corpo a estas "benesses" têm autores materiais. Importa, agora, saber se há Vontade e Autoridade para as "minorar".”
CS

O POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO


“Foto de António José Alegria, do amistad”

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

*

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

Alexandre O'Neill

In ”Tempo de Fantasmas”
“Cadernos de Poesia” – Fascículo Onze - Segunda Série
Novembro de 1951

sábado, junho 4

Miao Girl


Miao Girl - Foto seleccionada por Marg. Ramos

Há uma espécie de beleza que é imune à passagem do tempo. É o que, de forma abreviada, se poderá chamar de beleza clássica?

Há uma espécie de destino trágico dos impérios que os chineses caracterizam numa frase, citada por Camus: “os impérios que estão à beira da ruína têm numerosas leis.”

As lutas do nosso tempo

Pode ter acesso aqui ao “Programa de Estabilidade e Crescimento – 2005/2009”.

“As lutas do nosso tempo: a propósito do desabrochar de uma campanha violenta contra as medidas do governo socialista”. Novas notas de reflexão acerca das medidas do governo no IR AO FUNDO E VOLTAR.

sexta-feira, junho 3

Gente


Sardoal, uma tarde de primavera: andei pelas ruas do Sardoal uma tarde inteira. parei em tascas, meti conversa, entrei em casa de desconhecidos, sorrimos, falámos, brindámos: tentei captar mais almas

Para conhecer PELA LENTE

Vivam os Cabos!

A notícia veio a lume no “Público”, de hoje, e é espantosa. É um retrato impedioso, “á la minute”, da governação de direita à portuguesa (e não só!).

O título:
Comando da GNR processado por cabos que se sentem prejudicados na carreira

Como não tenho acesso à versão electrónica aqui vão dois excertos da notícia:

“O Comando geral da Guarda Nacional Republicana (GNR) foi processado por um grupo de cabos desta força militarizada que se sentem discriminados e prejudicados por um despacho do comandante-geral. A decisão, tomada em Outubro de 2002, fez com que 6000 soldados tivessem passado automaticamente à categoria de cabo” (…)

“As promoções “decretadas” geraram ainda uma situação classificada de “caricata”, já que a lógica da pirâmide hierárquica foi subvertida – passou-se de 4.711 para 10.711 cabos e de 18.664 para 12.664 soldados – fazendo com que os novos cabos continuassem a exercer as funções de soldados (“porque não há quem desempenhe as suas funções primitivas”), muitas vezes comandados por aqueles que agora auferem vencimentos inferiores” (Os sublinhados são meus).

Perceberam? A notícia não associa a data do despacho ao governo em funções à época. Mas para os mais esquecidos sempre se pode recordar que era 1º ministro Durão Barroso, ministra das finanças Manuela Ferreira Leite e ministro da administração interna Figueiredo Lopes.

Eram os tempos áureos da “tanga”, da austeridade, com congelamento de aumentos salariais e de admissões de pessoal na administração pública. Lembro-me bem dessa época! Lembram-se?

Um Testemunho

O “Semanário Económico” publica, hoje, o meu artigo sob o título “Os Socialistas, o Deficit e a Reforma do Estado Providência” do qual aqui deixo a epígrafe e os dois últimos parágrafos.

Trata-se de um testemunho claro de apoio ao governo socialista que resulta das minhas próprias convicções e que o momento político actual, no meu ponto de vista, reclama e exige.

"Desconfiai daqueles que vos dizem: nada de discussões políticas que são estéreis; ocupemo-nos só dos melhoramentos materiais do país".

Alexandre Herculano

(...)

“Por razões económicas e, primordialmente, como afirmava Herculano, atribuindo prioridade à política, mais vale que sejam os democratas e, em particular, os socialistas a promover, de uma vez por todas, a empresa de dobrar o “cabo bojador “ do saneamento das finanças públicas.

Aqui fica o meu apoio, no essencial, às primeiras medidas anunciadas pelo governo que espero se não deixe aprisionar pelos interesses particulares das corporações, à direita e à esquerda, que sempre proclamam a eminente falência do estado social, opondo-se à sua modernização, para que o possam usar à medida dos seus interesses particulares, abrindo caminho para a sua ilegítima apropriação.

Os exemplos do passado recente são muitos e estão à vista de todos.”

O mesmo pode ser lido, na íntegra, no IRAOFUNDOEVOLTAR ou no site daquele semanário.

quinta-feira, junho 2

APENAS O AMOR


E já agora a imagem de Aldina Duarte e o título do CD em lançamento - "apenas o amor".

Foto retirada do Apenas o Amor

ALDINA DUARTE


Aldina Duarte - entrevista (na TSF) com uma grande fadista portuguesa, em particular, para as amigas e amigos do Brasil. Com alguns fados à mistura. Aldina Durate é um caso à parte quer como mulher, quer como poeta, quer como intérprete - OUÇA AQUI.

EM PLENO AZUL


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Com horror mal disfarçado
sincero desgosto (sim!)
lágrima azul aflita
mão crispada de piedade
vêem-me passar cantando
calamidades desastres
impossíveis de evitar
as mães
as minhas a tua
as que estropiam ternamente os filhos
para monótono e prudente
avanço da família

E quando paro e faço a propaganda
dos lugares mais comuns da poesia
há um terror quase obsceno
nos seus olhos maternais

Então prometo congressos
em pleno azul

Prometo uma solução
em pleno azul

Prometo não fazer nada
em pleno azul

sem consultar o «bureau»
em pleno azul

Visìvelmente sossegadas
é a hora de não cumprir
de recomeçar cantando
calamidades desastres
ruínas por decifrar

*

Se eu não estivesse a dormir
perguntaria aos poetas
A que horas desejam que vos acorde

Vamos decifrar ruínas
identificar os mortos
dormir com mulheres reais
denunciar os traidores
e atraiçoar a poesia
envenenada nas palavras
que respiram ausência podre

vamos dizer sem maiúsculas
o amor a vida e a morte

*

E as mães
onde estão elas?

As mães rezam as mães
cosem farrapos de dor
as mães gritam
choram
uivam
no espesso rio de um sono
já quase só animal

Alexandre O´Neill

In “Tempo de Fantasmas”
“Cadernos de Poesia” – Fascículo Onze – Segunda Série
Novembro de 1951

quarta-feira, junho 1

BALANCE


Balance de Kuang Jian (Recolha de Marg. Ramos) - Uma imagem da China diferente do paradigma ocidental.

A economia chinesa cresce a uma velocidade estonteante. Em 4 anos (2000/2004) o índice médio anual de crescimento do PIB chinês foi de 8,6%.

A Europa cresce à velocidade do caracol . O Banco Central Europeu anunciou, recentemente, a revisão em baixa da sua previsão de crescimento para a Zona Euro, em 2005, para os 1,4% contra os previstos 1,6%.

O BCE reviu, de igual modo, as suas previsões de crescimento para 2006, de 2,1% para os 2% e para 2007, de 2,3% para os 2,2%.

Por outro lado os EUA rejubilam com os resultados do referendo em França e na Holanda. Dividir para reinar.

No Causa Nossa Ana Gomes analisa a situação acertando no alvo.

António Ramos Rosa


António Ramos Rosa

CHINA


Garantir a disciplina [Uma criança chinesa vestida com um uniforme militar espera a sua vez de entrar em cena numa cerimónia que comemora o Dia Mundial da Criança na Cidade Proibida, em Pequim.] As autoridades chinesas aproveitam as férias nesta altura do ano para mostrar às crianças os seus programas na esperança de garantir um “desenvolvimento correcto” da juventude. Foto: Elizabeth Dalziel/AP

Uma imagem, cuidada e tradicional, da China militarista de uniforme e pose militar. É a imagem que o Ocidente se habituou a consumir da China. Imagem perigosa pois esconde uma outra China, a da criação, iniciativa e produção que suga os investimentos do ocidente e invade os seus mercados.

Que ninguém pense que a regulação das relações da China com o ocidente possa ser realizada pela via da guerra. Nunca ninguém, algum dia, ganhará pela guerra, uma disputa com a China. Nunca ninguém ganhou.

Solução: compreender a realidade da China, em todas as suas vertentes; negociar pacientemente tudo o que houver para negociar e alcançar um acordo global e duradoiro.

Foto e legenda em destaque no “Publico” on line de hoje.

terça-feira, maio 31

POEMA DUM FUNCIONÁRIO CANSADO


Foto de Fabiola Narváez

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita

estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediàvelmente perdido no meu cansaço

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma só noite comprida
num quarto só.

António Ramos Rosa

Cadernos de Poesia – Fascículo Nove – Segunda Série
Setembro de 1951

(Curiosamente a edição fac-simile da qual foi retirado este celebrado poema de um dos maiores poetas contemporâneo portugueses, por sinal, nado na minha cidade de Faro, reproduz os exemplares dos “Cadernos de Poesia” pertencentes ao poeta Albano Martins autor do poema que, neste blog, antes dei à estampa.)

Frutos


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Quando a amada oferece
o seu corpo, ela sabe
que dos frutos apenas
se colhe o sabor.
É então
que os dedos
separam as películas,
que a lâmina desce e a água
e o fogo se misturam.
E é então que a vida
e a morte convivem
sob o mesmo tecto.

Albano Martins

Escrito a vermelho

segunda-feira, maio 30

Margarida Delgado (3)


v o u
m e r g u l h a r
n o
a z u l . . .

In Sabor a Sal

Deficit, qual deficit? Europa, qual Europa?


«Rolão Preto, ao entrar no Palácio das Exposições, saudado romanamente pelos camisas azuis em guarda de honra». [18 de Fevereiro de 1933, fotografia a preto e branco - Revolução, n.º 292, Lisboa, Portugal - Fotografia publicada no Revolução - Diário Nacional-Sindicalista da Tarde (1932-1933), de segunda-feira, 20 de Fevereiro de 1933.]

O banquete de homenagem a Rolão Preto, de 18 de Fevereiro de 1933, comemorava o primeiro aniversário da publicação do diário Revolução, no início subintitulado Diário Académico Nacionalista da Tarde, cujo primeiro número tinha saído em 15 de Fevereiro de 1932. In “O Portal da História”

As corporações só conhecem a linguagem da força. Não vale a pena escrever lindas palavras em barras de sabão. É preciso esculpi-las no granito afrontando a dureza das pedras endurecidas pelo tempo. Os homens perdem a capacidade de se libertar da servidão quando nela nasceram e foram educados para obedecer. Ou quando já se esqueceram da servidão no que ela tem de mais abjecto. É o caso de Portugal e da maioria das democracias da Europa Ocidental.
O exercício da liberdade não dispensa a inteligência e a emoção de escolher - aceitar ou contestar, falar ou calar - em cada momento e em todo o lugar. O exercício da liberdade é o mais difícil de todos aqueles a que o homem é chamado a responder. Por isso valeu bem o sacrifício de milhões de homens e mulheres em duas guerras sangrentas na Europa em pleno século XX. As vantagens da liberdade são incomensuráveis para a humanidade mas nunca estão definitivamente garantidas. É uma ilusão perigosa pensar o contrário.
Falo a propósito das discussões acerca das medidas do governo socialista para fazer face ao deficit. Deficit, qual deficit? parecem perguntar muitos portugueses, comunistas e não só! Mas caso se não equilibrem as contas públicas ficam abertas as portas aos arautos da “ordem” (que ilustro, numa versão portuguesa de 1933), ou seja, da tirania que, na versão moderna, poderá assumir as mais surpreendentes fórmulas.
Penso nos resultados do referendo em França. Europa, qual Europa? Parecem perguntar as extremas direita e esquerda, parte dos socialistas e parte da direita tradicional francesa! Mas se a Europa não se mantiver unida, no essencial, ficam abertas as portas à guerra. Tirania e guerra marcham sempre a par na história.
As escolhas resultantes do voto popular são para respeitar. Quem, em Portugal, não percebeu que os socialistas são a única força capaz de realizar uma política de salvação nacional, não percebeu nada! Por isso lhe foi outorgada, em eleições livres, uma maioria absoluta.
Quem, na Europa (em França e não só!) não percebeu que o que está em jogo é o enfrentamento com o poder dos EUA (e da China), a nível global, preservando a paz na Europa e o “modelo social europeu”, não percebeu nada! Podem discutir-se os métodos e os ritmos mas o essencial está aí.
Portugal é uma ínfima parcela desta realidade. As corporações, em Portugal, por razões históricas, só conhecem a linguagem da força. Mas os democratas e os amantes da liberdade, dão privilégio à força da inteligência (razão) e da persuasão (diálogo).
Será suficiente? Uma velha conversa porventura mais actual do que muitos possam pensar!

CEREJAS


Do Dias com Árvores

domingo, maio 29

França: Change? Não!


“Foto de António José Alegria, do amistad”

A propósito de uma pequena digressão/pesquisa que fiz, com outra finalidade, fixei a citação que adianto reproduzo.

As primeiras sondagens divulgadas apontam para a vitória do Não no referendo, realizado em França, à chamada “Constituição Europeia”.

Sejam quais forem as consequências políticas imediatas deste resultado é assinalável a participação estimada de 80% do eleitorado francês. Aí está, para os democratas, uma vitória. A vitória da liberdade.

Se o Não ganhou o medo venceu; o nacionalismo venceu; a memória das guerras na Europa perdeu; o proteccionismo venceu; o internacionalismo perdeu; a Europa na disputa com os EUA perdeu; o cepticismo e o pessimismo venceram. Que persista a democracia e a paz que tudo se há-de arranjar!

“O único problema contemporâneo: poderá transformar-se o mundo sem se acreditar no poder absoluto da razão? Apesar das ilusões racionalistas, mesmo marxistas, toda a história do mundo é a história da liberdade. Como poderiam ser determinados os caminhos da liberdade? É decerto falso dizer que o que é determinado, é o que já não vive. Mas só é determinado o que já se viveu. O próprio Deus, se existisse, não poderia modificar o passado. Mas o futuro não lhe pertence nem mais nem menos do que ao homem.”

Camus – Cadernos (Caderno nº5 – Setembro 1945/Abril 1948).

Não, Sim?

Agora mesmo a poucos minutos de se saberem – publicamente - as projecções dos resultados do referendo em França. Ontem o Margens de Erro deixava pairar a dúvida. Não, Sim?

Fifty fifty, finalmente