Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quinta-feira, janeiro 4
PALPITES XXV
Este ano, politicamente falando, vai ser insuportável. Mas que remédio, suportá-lo! Eleições, eleições, eleições! As eleições livres são uma conquista fundamental do 25 de abril. A fonte de Belém hoje no Expresso, no qual espreitei, começa a preparar a opinião pública para a instabilidade provável à saída das eleições de 10 de março. Com novas eleições, após a provável derrota de Montenegro (sem maioria), sua queda e posterior substituição. Belém fica de mãos atadas a partir do meio de 2025, pelo que terá de jogar todo o jogo até lá, ou seja, colocar uma maioria de direita no poder. Belém perdeu o norte por mais que se queira contemporizar. Ou seja perdeu o apoio dos portugueses de bom gosto e bom senso. Adiante.
quarta-feira, janeiro 3
PELO ANIVERSÁRIO DA MORTE DE ALBERT CAMUS
1960 – No dia 3 de Janeiro, Camus parte da sua casa de Lourmarin, onde havia passado o fim de ano, de regresso a Paris, no Facel Vega conduzido por Michel Gallimard. Francine Camus fizera a viagem de comboio na qual deveria ter sido acompanhada por Camus; no dia seguinte, no prosseguimento da viagem, o carro despista-se, numa longa recta, em Villeblevin, perto de Montereau, embatendo num plátano, provocando a morte imediata de Camus e, cinco dias mais tarde, a de Michel Gallimard. Na pasta de couro de Camus, encontrava-se, além de diversos objectos pessoais, o manuscrito de Le Premier Homme, cento e quarenta e quatro páginas que sua mulher Francine haveria de dactilografar e sua filha, Catherine, fixaria em texto, publicado pela Gallimard, na primavera de 1994.
Albert Camus está sepultado em Lourmarin.
terça-feira, janeiro 2
PALPITES XXIV
Neste tempo que é o nosso é imperioso defender o modelo onde impere a liberdade e a democracia representativa. O adquirido das lutas de antanho dirá pouco às novas gerações. Sempre será assim pelo que é necessário criar novos desafios e encontrar novos caminhos para corresponder às aspirações razoáveis de todas e todos. Nestes desafios do presente, eleições várias incluidas, o mais, e melhor, que temos de fazer é sermos fiéis aos nosso valores cumprindo nosso ideal. Por mim vou continuar a trabalhar um tempo mais e guardar outro tempo do meu futuro para escrever, dando testemunho. Veremos. Votos de Bom Ano de 2024!
segunda-feira, janeiro 1
PALPITES XXIII
Hoje é dia de Ano Novo que sempre foi importante na minha relação com o tempo. Surge-me na memória o "Golpe de Beja", tentativa de sublevação militar, destinada a derrubar a ditadura, realizado de 31 de dezembro para 1 de janeiro de 1962. Nessa madrugada regressava de casa de meus avós maternos, de Santo Estêvão, Tavira, para Faro, e era visivel a atividade policial, fora do vulgar, pois alguns dos sublevados do golpe frustado fugiram para sul. Hoje por hoje, dentro das fronteiras, decorrem exercícios politicos cujos contornos são dificeis de entender. Julgo que só muito mais tarde se fará luz sobre as razões das manobras politicas que levaram à antecipação de eleições legislativas. Certamente os lobbys ligados aos negócios de Estado terão tido forte influência. A ver!
sábado, dezembro 30
MEMÓRIA DE UMA DITADURA
“Ano Terrível: designação dada ao ano de 1937. Correspondeu à fase mais sinistra do Grande Terror estaliniano: execução de Riutine, segundo Grande Processo de Moscovo (Piatakov, Radek, Serebryakov, Muralov e Sokolnikov – exceptuando Radek, todos foram executados), suicídio de Serguei Ordjonikidze, prisão de Bukharine (que será executado no ano seguinte), execução (sem julgamento) do economista e teórico do comunismo Preobrajensky, assim como a execução do Marechal Tukhatchevsky (e de outros sete notáveis chefes militares, todos eles generais).
Por outro lado prosseguiu a “vingança” de Estaline contra Trotsky: o assassínio de Serguei Sedov (filho mais novo) e da execução de Aleksandra Sokolvskaia ( a sua primeira esposa) também ocorreram, neste mesmo ano. No entanto não se pode ignorar o facto de o ano de 1938 não ter sido melhor: execução de Bukharine, Rykov e Krestinsky; e assassínio de Lev Sedov, filho mais velho de Trotsky, em Fevereiro.”
In “Bukharine, Minha Paixão” de Anna Larina Bukharina, tradução do notável comunista Ludgero Pinto Basto - “Glossário” - página 419 - (organizado e escrito por Alberto Freire), Edições Terramar
quinta-feira, dezembro 28
IR À RUA
A rua é uma instituição urbana. Os meus antepassados próximos, de origem rural, conheciam mal este conceito. O advento da sociedade urbana atribuiu um estatuto especial a “ir ao campo”. Mas, durante séculos, para os rurais o grande dia era o da feira que os levava a “ir à cidade”. A geração dos “babby-boomers”, de que faço parte, experimentou a fase final desta contradição. Lembro-me da impressão que me causou o filme de Renoir, “Passeio ao Campo”. Lembro-me dos meus passeios ao monte dos meus avós maternos que, ainda nos anos 70, não tinham energia eléctrica em casa tendo assistido, impotentes, à instalação, mesmo ao pé da porta, de dois postes que suportavam a linha que fornecia a energia a Tavira mas não os alimentava a eles. Senti o encanto da grande urbe de Lisboa ainda mal tinha resolvido a contradição “cidade/campo”. Nos primeiros dias, após a minha chegada definitiva a Lisboa, caminhei a pé pela Baixa, calcorreei as ruas dos bairros da Estrela, Campo de Ourique e da Lapa. Até que os pés aguentassem. Só. Fiz a carreira do eléctrico 28 dos Prazeres à Graça e da Graça aos Prazeres. Lindas as palavras que identificam estes dois bairros de Lisboa. Caminhar pelas ruas da cidade de Lisboa era uma alegria. A partir de certo momento tornou-se uma aventura e um risco. Não pelo trânsito nem sequer pela delinquência que, em Lisboa, sempre foi uma brincadeira de crianças se comparada com outras urbes da Europa ou das Américas. Mas porque em certas esquinas, à noite, nas saídas tardias das tertúlias ou das actividades associativas (subversivas?), surgiam vozes cavas e anónimas que pronunciavam o nosso nome em tom ameaçador. Porque ao caminhar pela rua surgiam interpelações ameaçadoras de desconhecidos que nos acotovelavam. Porque o regresso a casa, à noite, tinha de ser cuidadosamente preparado prevendo a arremetida que nos levaria ao hospital ou à prisão. Muitas destas caminhadas fi-las acompanhado pelo Eduardo Ferro Rodrigues. Nunca nos deixamos intimidar mas estávamos longe de prever como seria possível que, nos tempos da democracia, pela qual lutamos a vida toda, ressurgirem as mesmas ameaças à liberdade revestidas de novas e mais subtis formas. Ir à rua, para mim, sempre foi um verdadeiro exercício de liberdade. Como sabemos “ir à rua” pode ser até uma manifestação espontânea, ou organizada, de protesto. Mas há quanto tempo não vamos à rua? Em tempo: ir às urnas, em democracia, também é um salutar exercício de liberdade!
quarta-feira, dezembro 27
terça-feira, dezembro 26
PALPITES XXII
O PR está fragilizado. O assunto que despatou essa fragilidade tem ressonâncias à revolução cultural de Mao. Os pais denunciavam os filhos, os filhos denunciavam os pais. O assunto é mais grave do que a correria das notícias do momento permitem, vai ao fundo das relações da vida em sociedade, conforme os nossos padrões. Ao mesmo tempo entrámos em campanha eleitoral. O socialismo moderno em Portugal criou e deu corpo a duas utopias convencionais: o acesso universal e gratuito à educação e à saúde. Digam o que disserem são projetos concebidos, criados e concretizados por governos socialistas. Não é coisa pouca antes pelo contrário. No dia 10 de março é só escolher...
domingo, dezembro 24
NATAL
Da esquerda para a direita: o meu irmão Dimas de flor na lapela. O meu pai Dimas, vestido a rigor, de fato e gravata. Minha mãe, Tolentina, de fina camisa branca. A avó, Maria da Conceição, já doente, austera no seu vestido preto. A tia Lucília, uma beleza cinéfila, brilha à luz quente que envolve o Algarve de todas as estações. O mais pequeno, eu próprio, circunspecto, talvez, pela contrariedade do traje.//
Natal. A minha tia Lucília. Irmã mais nova de meu pai. Nascida em 1917. Os fragmentos de suas memórias sempre me surpreenderam. A primeira mulher que me beijou chamada às pressas para ajudar no meu nascimento. Uma mulher linda que se desprendia ao encontro dos outros. Nesta fotografia sou o sobrevivente do grupo que mostra uma família feliz.
sexta-feira, dezembro 22
POLÍTICA
Em vésperas de Natal a direita política está com uma fome desvairada, a direita económica nem tanto. Para mim a direita política são todas as forças, organizadas em partidos, à direita do PS. Não sou capaz de afastar de mim o interesse acerca da política, esse interesse vem de muito longe, quando adolescente, discutia com o meu tio Ventura, homem do Estado Novo, coisas da política, sempre de candeias às avessas. Hoje por hoje, tanto tempo passado, espero não ter que vir a discutir coisas da política com algum familiar adepto dos ideais neo-fascistas (o termo é mesmo este, mais tarde voltarei ao assunto). Em qualquer caso a política, ao contrário de todas as aparências, é uma atividade nobre.
I CONGRESSO DO MES (49 ANOS) - 4
O meu interesse por esta fotografia vem de longe e reside no facto do pano de fundo ter sido desenhado, em parte, com os pés. Queríamos fazer transbordar o símbolo do seu círculo fechado, subvertê-lo, criar uma imagem de movimento, mostrar um partido como lugar de caminhada e de encontro, o lugar de todas as utopias.
quinta-feira, dezembro 21
I CONGRESSO DO MES (49 ANOS) - 3
O MES foi, no seu âmago, um partido da esquerda radical, mais do que um partido esquerdista, lidando mal com alinhamentos ideológicos mesmo aquando da sua deriva marxista-leninista, reconheçamo-lo, uma mera proclamação artificial e dolorosamente patética. O MES foi um esboço de casa comum na qual se acolheram cidadãos desalinhados – livres de compromissos com o antigo regime - que aspiravam combater as brutais desigualdades e iniquas misérias herdadas do “Estado Novo”.
I CONGRESSO DO MES (49 ANOS) - 2
Foi longo o período de gestação do MES, ainda mais se medido à velocidade vertiginosa dos acontecimentos pós 25 de abril de 1974, sendo o seu I Congresso realizado somente cerca de oito meses após o dia 25 de abril. Naquele contexto oito meses era uma eternidade … Este processo, trespassado por lutas e debates, teve muitos e ilustres protagonistas oriundos de diversos sectores da oposição à ditadura. Muito já foi escrito, estudado e debatido acerca da ditadura, seus protagonistas e processos (apesar de alguns, nos quais me incluo, acharem que foi pouco).
I CONGRESSO DO MES (49 ANOS)
Por estes dias de solstício de inverno (21 de dezembro) passa mais um aniversário do I Congresso do MES, realizado a 21 e 22 de dezembro de 1974. Para quem não saiba, por razões da usura do tempo, trata-se de um pequeno partido político criado, de facto, imediatamente antes do 25 de abril de 1974. Foi, no entanto, formalizado somente após a restauração das liberdades, em data imprecisa no plano burocrático, mas precisa no plano político, a meu ver, na manifestação do 1º de maio de 1974, em Lisboa, através da inscrição da sua sigla – ainda sem símbolo - num pano que muitas generosas mãos arvoraram. (A imagem neste caso é a do pano de fundo das sessões do Congresso realizado na Aula Magna da Cidade Universitária, em Lisboa.)
terça-feira, dezembro 19
20 ANOS
No dia 19 dezembro de 2003, pelas 16,20h, foi criado este blog com a seguinte frase: "Estreia absoluta. Um lugar de comunicação. Experiência para a primeira impressão dos outros. Uma primeira audição para inicio de trabalho." Eram tempos em que a chamada blogosfera usufruia de grandes audiências, ao contrário do que acontece hoje.
domingo, dezembro 17
PALPITES XXI
De ontem para hoje, 16 e 17 dezembro de 2023, mudou a liderança do PS. Acontece através de escolhas eleitorais, neste caso internas a um partido, o que é um acontecimento próprio da democracia politica. A defesa da democracia faz-se exercendo a democracia. No caso tendo em vista a escolha de um lider partidário. Não conheço pessoalmente o lider eleito. Mas a minha filiação no PS é antiga e imune a estados de alma acerca da personalidade dos lideres. Esta eleição sublinha um aspeto muito interessante da vida politica nacional. Um partido é apeado do governo após a queda do seu lider. Promove a eleição de um novo. De súbito, no pleito eleitoral nacional, o partido do governo apeado surge com um lider novo, a novidade, invertendo os papéis na relação com o lider do partido incumbente. Ainda para mais o lider novo do partido "velho" denota uma personalidade disruptiva pelo menos no discurso. Aconteceu assim quase sempre, se bem me lembro, como nos casos de Sampaio, Ferro, Sá Carneiro ...
sexta-feira, dezembro 15
15 dezembro 74
Uma efeméride respeitante ao MES: Em vésperas do I Congresso, numa longa carta, de 15 de Dezembro de 1974, que me enviou de Moçambique, Luís Salgado de Matos adverte: "...rezo aos meus santinhos para que não façam cisões - sobretudo a cisão na confusão. Corre-se mais o risco da grupuscularização sem dogma que da social democratização derrapante: não defendo a síntese da carne e do peixe (...) mas julgo que é um risco grave cortar o pano sem ver o tecido. Cisão, a haver - pelo que se pode desenhar - afastará o social democratismo (...) mas reduzirá o MES ao nível do grupinho necessariamente sectário mas sem um conjunto rígido de princípios (que costuma ser a safa destes grupinhos)."
Sábias palavras...
quarta-feira, dezembro 13
PALPITES XX
O Estado Social é uma grande conquista das sociedades ocidentais (e não só) impulsionado pelo movimento socialista e sindical, com forte salto e expressão no pós guerra (1945). Pelas razões históricas conhecidas, Portugal não acompanhou esse movimento senão após 1974. O acesso generalizado à educação, aos cuidados de saúde e à segurança social, são as pedras angulares do Estado Social, conquistas do movimento socialista e sindical, após o 25 de abril. Não é uma pequena coisa mas o cerne do modelo social dominante no nosso país. Quem melhor o defende? Os próprios beneficiários que aceitam o papel do Estado, o imposto progressivo, o voto livre, o modelo político da democracia representativa. Não há Estado social sem democracia, ou seja, liberdade de escolha a todos os níveis da sociedade. Qualquer cedência a derivas autoritárias, mesmo quando aparentam a defesa de um Estado forte, é um risco de queda na desordem da arbitrariedade dos vendedores de ilusões.
segunda-feira, dezembro 11
PALPITES XIX
As elites económicas têm muita influência na formação da opinião pública e na conformação das politicas. A falta de vigor dos movimentos sociais reivindicativos, que transparece da presente acalmia, favorece a influência das elites económicas. Não parece plausivel uma evolução gradualista na presente vida politica nacional. Se assim não for será surpreendente. O próprio calendário eleitoral foi subvertido por iniciativa presidencial que antevê uma fragmentação partidária. Mesmo agora se antecipam as eleições regionais nos Açores para uma sucessão de eleições - 4 janeiro, 10 março e 8 junho (1 semestre/três eleições). Um dia mais tarde se fará a história das razões profundas desta inversão de calendário.
domingo, dezembro 10
CAMUS, 10 DEZEMBRO 1957
Quando soube da atribuição do Prémio Nobel “pela sua importante obra literária, que foca com penetrante seriedade os problemas que se colocam nos nossos dias à consciência dos homems”, Albert Camus escrevu nos Cadernos: “Prémio Nobel: estranho sentimento de desânimo e melancolia. Aos vinte anos, pobre e nu, conheci a verdadeira fama”.
Camus afirmou então que o Prémio deveria ter sido atribuido a André Malraux e manifestou dúvidas acerca da sua própria capacidade e força criadora que sempre o atormentaram. Após o anúncio da atribuição do Nobel sujeitou-se a ataques odiosos, que o não deixaram indiferente e comentou: “Assustado com aquilo que me acontece e que não pedi. E, para cúmulo, ataques tão infames que o coração se me aperta.”(Cadernos).
Mas Camus, segundo todos os testemunhos, não podia, nem queria, recusar o Prémio. Telefonou, de imediato, à mãe, que sempre viveu na Argélia, como que a agradecer à sua origem a honra que lhe tinha batido à porta. Escreveu a Jean Grenier, o seu professor e mentor intelectual : “(…) quando recebi a notícia, o meu primeiro pensamento foi, depois de minha mãe, dirigido ao senhor. Sem o senhor, sem essa mão efectuosa que estendeu à criança pobre que eu era, sem a sua instrução e o seu exemplo nada disto tinha acontecido.” (citado a partir de Roger Quilliot).
René Char, um amigo de todas as horas, não cabia em si de contente e manifesta esse contentamento de várias formas incluindo um artigo publicado, logo em 26 de Outubro de 1957, no Figaro littéraire, intitulado “Je veux parler d’ un ami”.
No ínicio de Dezembro de 1957 Camus partiu com a mulher, Francine, para Estocolmo e, em todas as suas aparições em público, tinha a consciência que devia estar preparado para ser atacado a propósito da sua discrição a respeito do conflicto na Argélia que estava no auge.
Albert Camus, a 10 de Dezembro de 1957, recebeu das mãos do Rei Gustavo VI da Suécia o diploma e, no banquete que se seguiu, proferiu o seu discurso de agradecimento. Logo num dos dias seguintes escreveu a Jean Grenier descrevendo, de forma sintética, o que sentia: “A corrida acaba, o touro está morto, ou quase.”
Subscrever:
Mensagens (Atom)