Neste vil mundo que nos coube em sorte
por culpa dos avós e de nós mesmos
tão ocupados em desculpas de salvá-lo,
há uma diferença de revoluções.
Alguns sofrem do estômago, escrevem versos,
outros reúnem-se à semana discutindo
o evangelho da semana; outros agitam-se
na paz da consciência que adquirem
como agitar-se em benefícios e protestos;
outros param com as costas na cadeia
para que haja protestos. Há também
revoluções, umas a sério, que se acabam
em compromissos, e outras a fingir,
que não acabam nem começam. Mas são raros
os que não morrem de úlcera ou de pancada a mais,
e contra quem agências e computadores
se mobilizam de sabê-los numa selva
tentando que os campónios se revoltem.
Mas os campónios não revoltam. E eles
são caçados, fusilados, retratados
em forma de cadáver semi-nu,
a quem cortam depois cabeça, mãos,
ou dedos só (numa ânsia de castrá-los
mesmo depois de mortos), e o comércio
transforma-os logo num cartaz romântico
para quarto de jovens que ainda sonhem
com rebeldias antes de empregarem-se
no assassinar pontual da sua humanidade
e da dos outros, dia a dia, ao mês,
com seguro social e descontando
para a reforma na velhice idiota.
Ó mundo pulha e pilha que de mortos vive!
24/11/1971
Jorge de Sena, In “Poesia III” – “Exorcismos” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba.
(A propósito do 50º aniversário do assassinato de Che Guavera. Jorge de Sena escreveu ainda, pouco antes de morrer, uma nota publicada na última edição de Poesia III: “Este poema, escrito nos fins de 1971, como vai indicado, havia sido solicitado contributo meu para uma plaquete de homenagem a Che Guevara, que se não estou em erro, a polícia então suprimiu e que Egito Gonçalves organizara. Como outros igualmente violentos, “passou” nestes Exorcismos de que, a mais de que um título, é parte." )
“Che Guevara” – Alberto Korda, Março/1960
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