Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
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NO DIA DE UMA QUASE CERTA MUDANÇA POLÍTICA EM FRANÇA
Fotografia de Albert Lemoine
A Europa e o mundo vivem sob o espectro de uma crise financeira, energética e alimentar. Três choques, em simultâneo, que põem em risco o equilíbrio em que assenta o mundo do pós guerra. Os chamados países emergentes, com a China à cabeça, estão no centro da crise. Esses países passaram de sociedades miseráveis a sociedades de consumo. A China é como uma fogueira gigante que consome crescentes recursos que afluem de todo o mundo e, ao mesmo tempo, alimenta outras fogueiras que, de igual modo, consomem mais do que a humanidade é capaz de produzir. Entramos numa nova fase da vida das nações que exigirá mudanças profundas também nas estruturas das instituições internacionais. A questão: como gerir essas mudanças sem guerra?
[7/5/2008]
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ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico) 9
Aniversário (um dia após)
Reconheço o amor nos olhos que me olham com desmedida atenção enquanto durmo. Os olhos de minha mãe adoravam ter esperança no futuro no qual jogava a sua crença de ir mais longe. A primeira mulher da minha vida. A mais ousada na sua imprevisível arte de romper barreiras e chegar mais além. A fonte da força que me mantém de pé contra todas as adversidades. Uma mulher de um só homem que não era homem de uma só mulher. A fidelidade nascida da tradição que não na fraqueza ou na futilidade. A irreverência herdada da rudeza do campo, das agruras da natureza à força de puxar a besta e de encaminhar a água à raiz certa não fosse perder-se uma gota. A escola da escassez sonhando a fartura que havia de vir fruto do trabalho honrado. Não perder tempo chorando o tempo perdido. Fazer do tempo um passeio para espairecer e voltar ao arado da vida com sonhos lá dentro. A mulher que se fez a si própria descobrindo os outros e o que se pode e se não pode fazer com eles. Aceitar mudar e escolher o caminho da mudança. Tactear o caminho levando ao colo os seus amores. A primeira mulher que acreditou no caminho hesitante que me havia de fazer homem. Sem saber para onde ia ao certo. Nem ninguém sabia, ninguém nunca sabe, mas não duvidou que havia de chegar a um lugar onde brilharia o sol e sou capaz de a lembrar como a minha primeira mulher. Aquela que mais me amou, sempre me amou além do que a vida pode conter de riqueza material. Um dia ao fim de uma longa caminhada sem sequer saber dos meus males escolheu morrer nos meus braços. A mais sublime homenagem que alguém pode prestar a alguém. De súbito suavemente, na alegria da celebração da juventude, deixou para sempre a esfusiante tradição de me abraçar como se fosse a criança que para ela nunca deixara de ser. [21/1/2008]
[Fotografia de família retratando minha mãe, um dia após o meu aniversário, em homenagem às famílias de sangue e alargada nas quais encontro apoio e alento para prosseguir em frente.]
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ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico) 8
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ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico) 7
quarta-feira, abril 25
25 DE ABRIL
No 38º aniversário do 25 de Abril lembro-me dos passos que dei nesse dia distante. Era uma 4ª feira. Basta consultar o calendário. Estava no tropa e devo ter frequentado, nesse dia, o quartel do Campo Grande. O chamado, na gíria, 2º Grupo (de Companhias de Administração Militar).
Há dois anos atrás o Leite Pereira contou-me que, estando lá colocado, viu a minha ficha de suspeito quando ela lá chegou antecedendo o meu ingresso. Uma notícia que me surpreendeu apesar de tudo mas que fazia parte da rotina da época. Fervilhavam os boatos. Sabia que um golpe estava preparado para a madrugada de 24 para 25. A fonte era credível. Acreditei. Fiz por acreditar. Temi um banho de sangue. Pensei nos meus pais. No meu irmão. Na minha namorada. Mas julgo que mantive a descrição.
Como já contei, outras vezes, avisei os amigos civis mais íntimos. Organizei-me com os amigos militares que se haviam tornado conjurados. Não imaginava o que viria a passar-se após a arrancada da operação, um golpe militar, tornado revolução pela adesão popular. Um daqueles raros momentos de fusão que mudam o curso da história. Curto e fulminante.
[Versão adaptada de um post anterior.]
Há dois anos atrás o Leite Pereira contou-me que, estando lá colocado, viu a minha ficha de suspeito quando ela lá chegou antecedendo o meu ingresso. Uma notícia que me surpreendeu apesar de tudo mas que fazia parte da rotina da época. Fervilhavam os boatos. Sabia que um golpe estava preparado para a madrugada de 24 para 25. A fonte era credível. Acreditei. Fiz por acreditar. Temi um banho de sangue. Pensei nos meus pais. No meu irmão. Na minha namorada. Mas julgo que mantive a descrição.
Como já contei, outras vezes, avisei os amigos civis mais íntimos. Organizei-me com os amigos militares que se haviam tornado conjurados. Não imaginava o que viria a passar-se após a arrancada da operação, um golpe militar, tornado revolução pela adesão popular. Um daqueles raros momentos de fusão que mudam o curso da história. Curto e fulminante.
[Versão adaptada de um post anterior.]
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ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico) 6
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ALBERT CAMUS (apontamento fotográfico) 3
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Albert Camus (apontamento fotográfico) 2
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ALBERT CAMUS (apontamento fotográfico)
O meu amigo Carlos Pratas, conhecedor do meu gosto pela obra de Albert Camus, deixou-me um dia destes, sem aviso, um exemplar da Revista Le Figaro dedicada, exclusivamente, ao cinquentenário da sua morte. Melhor forma de expressar a sua amizade não poderia ter encontrado e retribuo o seu gesto com a publicação de algumas das fotografias que ilustram aquela magnifica edição. Não conhecia uma parte delas e interrompo a longa série de postes musicais - um silêncio da palavra que não do espírito - para dar à estampa algumas, ou fragmentos delas, como é caso desta (na Grécia, 1958) com um excerto do texto que a acompanha: "J´ai grandi dans la mer et la pauvreté m´a été fastueuse, puis j´ai perdu la mer, tous les luxes m´ont alors paru gris, la misère intolérable." (É a luz da sua Argélia que irradia do seu olhar e da sua obra.)
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Dia Mundial da Poesia
Aniversário
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos
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Dimas, meu irmão
No dia do 8º aniversário da morte do meu irmão Dimas que da sua vida fez um hino ao trabalho decente, buscando satisfazer sempre os outros antes que a si próprio. Não o esqueço nunca ainda menos nos tempos difíceis que são os nossos. Ainda na plenitude da sua actividade profissional o ouvi queixar-se, tantas vezes, dos bancos com os quais trabalhava e que reinavam deslumbrados manipulando as poupanças alheias.A sua presença serena e solidária faz-me sentir saudade!
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