quinta-feira, abril 6

"... sans amis."

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

«Selon Montherlant, tout créateur véritable rêve d´une vie sans amis.»

Albert Camus

“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard

ORLA MARÍTIMA


O tempo das suaves raparigas

é junto ao mar ao longo da avenida

ao sol dos solitários dias de dezembro

Tudo ali pára como nas fotografias

É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto

alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar

És tu surges de branco pela rua antigamente

noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher

(E nos alpes o cansado humanista canta alegremente)

«Mudança possui tudo»? Nada muda

nem sequer o cultor dos sistemáticos cuidados

levanta a dobra da tragédia nestas brancas horas

Deus anda à beira de água calça arregaçada

como um homem se deita como um homem se levanta

Somos crianças feitas para grandes férias

pássaros pedradas de calor

atiradas ao frio em redor

pássaros compêndios de vida

e morte resumida agasalhada em asas

Ali fica o retrato destes dias

gestos e pensamentos tudo fixo

Manhã dos outros não nossa manhã

pagão solar de uma alegria calma

De terra vem a água e da água a alma

o tempo é a maré que leva e traz

o mar às praias onde eternamente somos

Sabemos agora em que medida merecemos a vida

Ruy Belo
Homem de Palavra[s]
[Este poema, que vem na sequência dos que tenho vindo a publicar, quase sempre excertos, a partir do livro “Ruy Belo - Coisas do Silêncio” de Duarte Belo e Rute Figueiredo, abarcando toda a sua obra, encontrei-o, por acaso numa pesquisa, “ilustrando” a fotografia de Veríssimo Dias que desta vez, invertendo os papéis, tomo a liberdade de publicar “ilustrando” o poema.]

quarta-feira, abril 5

SABER PERDER

Prometi que voltava no fim do jogo de hoje. O Barcelona ganhou. O Benfica perdeu. O mais forte venceu. Sem surpresas nem ousadias. Mesmo assim deu para entender que o Benfica sabia o que queria. Marcar um golo. Esteve perto mas falhou. Se marcasse Koeman teria sido o herói da noite. No fim todos saíram de cabeça erguida. Ponto final.

HERBERTO HÉLDER

Posted by Picasa Henri Matisse - Harmony in Red C. 1908

“Até quando pode a memória, e quanto pode, sou o actor e o espectador cúmplice de uma vida perturbada, dramática e irónica. O pouco que percebo dessa massa teatral caótica pode inscrever-se na pauta de uma interpretação menor. Não compreendo nada.”

Herberto Hélder in “Photomaton & Vox”
Assírio & Alvim (1979)

JUSTIÇA (?)

Posted by Picasa Ron Mueck

As questões, debates, práticas, opiniões, comentários, reacções acerca do tema da justiça são uma realidade aterradora.

No outro dia perdi a conta ao número de notícias de crimes que passaram, de seguida, no telejornal da 20,00H, da TVI.

Em Portugal – e não só – a questão da justiça transformou-se num ajuste de contas permanente com a questão da liberdade. A lógica é de condicionar e paralisar, pelo medo, a liberdade dos cidadãos em todos os domínios da sua vida.

Nada de novo que não esteja presente nas reflexões dos mais ilustres pensadores de todos os tempos. Mas a liberdade ganha sempre mesmo que seja à custa de muitos sacrifícios de quem a defende!

BENFICA NA CATALUNHA

Posted by Picasa Scarlett Johansson

O grande acontecimento do dia de hoje, em Portugal, passa-se na Catalunha - Barcelona. Queiram ou não os indiferentes ao fenómeno do futebol é o Barcelona-Benfica. O gigante contra o pigmeu. O vencedor antecipado e o perdedor certo. Mas nunca esquecendo que no meio está o jogo. Para passar o Benfica tem que atingir a perfeição.

Lembro-me de um jogo antigo entre os mesmos protagonistas. Foi equilibrado e deu 3-2 para um dos lados não me lembro qual. São estes desafios impossíveis que fazem sonhar e viver os povos. Neste caso 90 minutos de vez em quando. No fim do dia voltamos ao assunto.

terça-feira, abril 4

sem título (XVIII)

Posted by Picasa Fotografia de Jérôme Sevrette (Le désordre des masses noires)

A terra quente a meus pés o pó do carvão ardendo
o frio da manhã fumos soltos o vento sol nascente

4 de Abril de 2006

TOMAZ KIM

“RETRATO CONVENCIONAL DO POETA”
Além, longe e sempre
Onde o sol e a lua e o céu
Vagos são
Como perfume pairando
Da flor desfolhada
Ou asa riscando
O azul que o céu prende
Rendido ao que o sonho ordena
E o sangue implora
Além, longe e sempre,
Lá,
Frio, lento, exangue,
Ei-lo:
Intérprete do que a flor
Nada promete
Sempre.


“Cadernos de Poesia”, 2ª Série, Lisboa, 1951,
In “Cadernos de Poesia”, Colecção Obras Clássicas da Literatura Portuguesa (118),
Campo das Letras, Porto, Novembro, 2004

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Tomaz Kim
(Angola, 1915 - 1967-Lisboa)

Pseudónimo literário de Joaquim Fernandes Tomaz Monteiro-Grillo, professor universitário de profissão, poeta, tradutor e ensaísta.

O início de um curso de engenharia na Universidade de Londres apetrechou-o com um profundo conhecimento da língua inglesa, de largas repercussões para a sua futura carreira literária. Mas foi na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que se licenciou em Filologia Germânica, sendo posteriormente convidado para leccionar na mesma instituição.

Jovem colaborador ainda nos últimos números da Presença, Tomaz Kim fundou, em 1940, com os seus amigos Ruy Cinatti e José Blanc de Portugal a primeira série da revista Cadernos de Poesia. No ano anterior estreara-se com um primeiro livro de poesia “Em Cada Dia Se Morre”, 1939 e escreveu ainda “Para a Nossa Iniciação”, 1940, “Os Quatro Cavaleiros”, 1943, “Dia da Promissão”, 1945, “Flora e Fauna”, 1958 e “Exercícios Temporais”, 1966.

Publicou ainda vários estudos e ensaios literários, além de ter traduzido diversos poetas e ficcionistas anglo-saxónicos, entre os quais T. S. Elliot.

segunda-feira, abril 3

LULA NA FRENTE

FADO NEGRO

Posted by Picasa Fotografia de Jérôme Sevrette (Le désordre des masses noires)

"Freitas, na Canadá, tentou mostrar que era invencível. O resultado é um desastre completo. Freitas quis provar que era um tenor. Mostrou que é um cantor constipado."

Fernando Sobral, "Jornal de Negócios", 03-04-2006


Dar a cara, ir ao terreno, correr riscos, enfrentar a realidade são, para os comentadores, actos falhados, defeitos insanáveis de uma política errada levada a cabo por um político menor. Os portugueses emigrantes no Canadá, que parece regressarem à sua pátria como se viajassem do paraíso para o inferno, são verdadeiras vitimas da nossa pobreza e heróis para os nossos comentadores.

Se Freitas do Amaral fosse um político acomodado, indiferente, alheado das realidades, ausente em parte incerta, face aos dramas que envolvem os portugueses por esse mundo, como seria apelidado pelos mesmos comentadores?

LUIZ DE MONTALVOR

Posted by Picasa Fotografia de Angèle

Os “Cadernos de Poesia” começam com um poema de um poeta de quem ninguém se lembra – Luiz de Montalvor – “Sala Morta”:

(…)
“Cerradas as portas de ouro, acabada a hora,
Sonhemos a hora calma da bela aurora!”

1916.

sem título (XVII)

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

O sol quente irradia primavera à vista do mar
flores saúdam o vento a única força do mundo

3 de Abril de 2006

TOCQUEVILLE

Posted by Picasa Alexis de Tocqueville

Tocqueville (De la démocratie en Amérique) : «On dirait que les souverains de notre temps ne cherchent qu´à faire avec les hommes des choses grandes. Je voudrais qu´ils songeassent un peu plus à faire de grands hommes.»

«La Russie est la pierre angulaire du despotisme dans le monde (Correspondance)»

Napoléon qui accouche la révolution de son enfant naturel: le despotisme. Le frein naturel au despotisme, selon T., c´est l´aristocratie.

Ces esprits «que semblent faire le goût de la servitude une sort d´ingrédient de la vertu». S´applique à Sartre et aux progressistes.

«Que manque-t-il à ceux-là pour rester libres ? Quoi ? le goût même de l´être.»

Albert Camus

“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard


(A polémica entre Camus e Sartre tinha atingido o auge e a ruptura estava consumada.)

domingo, abril 2

PORTUGAL SACRO-PROFANO - LUGAR ONDE

hábito dos rios castanheiros costumados
país palavra húmida e translúcida
palavra tensa e densa com certa espessura
(pátria de palavra apenas tem a superfície)
os comboios são mansos têm dorsos alvos
engolem povoados limpamente
tiram gente de aqui põem-na ali
retalham os campos congregam-se
dividem-se nas várias direcções
e os homens dão-lhes boas digestões:
cordeiros de metal ou talvez grilos
que mãe aperta ao peito os filhos ao ouvi-los?
Neste país do espaço raso do silêncio e solidão
solidão da vidraça solidão da chuva
país natal dos barcos e do mar
do preto como cor profissional
dos templos onde a devoção se multiplica em luzes
do natal que há no mar da póvoa de varzim
país do sino objecto inútil
única coisa a mais sobre estes dias
Aqui é que eu coisa feita de dias única razão
vou polindo o poema sensação de segurança
com saúde de um grito ao sol
combalido tirito imito a dor
de se poder estar só e haver casas
cuidados mastigados coisas sérias
o bafo sobre o aço como o vento na água
País poema homem
matéria para mais esquecimento
do fundo deste dia solitário e triste
após as sucessivas quebras de calor
antes da morte pequenina celular e muito pessoal
natural como descer da camioneta ao fim da rua
neste país sem olhos e sem boca

Ruy Belo

Homem de Palavra[s]

sábado, abril 1

O CRIMINOSO TOMA A PALAVRA

Posted by Picasa Humberto Delgado saúda a multidão (Praça Carlos Alberto - Porto, 14 de Maio de 1958)

Não leio o “Independente” porque é necessário racionalizar o uso do tempo que é tanto mais escasso quanto mais se diversificam os interesses e se apura o gosto.

Mas vi num site este título de uma notícia do “Independente”:

Rosa Casaco: inspector da PIDE envolvido na morte de Humberto Delgado lança novo livro.”

A democracia portuguesa deve a ser a mais generosa do mundo face aos criminosos de todas as estirpes e a mais injusta face aos seus heróis e “homens de bem”.

sem título (XVI)

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Vejo a criação como o lugar dos silêncios
templo vazio prenhe do tempo imaginado

1 de Abril de 2006

INATEL - UMA REFORMA TARDIA

Posted by Picasa Scarlett Johansson

O organograma representando a reforma da administração pública surgiu hoje à luz do dia. Deixando de lado considerações mais profundas acerca do significado desta reforma, que conjuga uma espécie de “limpeza do sótão” do estado, sem relevância especial, com mudanças de real impacto na modernização da administração pública, lá encontrei a “casinha” do INATEL.

O que se entende, a respeito do INATEL, é um processo designado por “externalizar para fundação” o que, neste contexto, deverá representar a sua transformação em fundação de natureza privada. Tudo aquilo que já estava desenhado, ao pormenor, desde 1998 e que tenho vindo a revelar nestas crónicas de arqueologia institucional mas que, para mim, assumem uma especial importância.

Ler, na integra, no
IR AO FUNDO E VOLTAR“A Verdade de Uma Reforma” – 5 de 10)

quinta-feira, março 30

sem título (XV)

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Ouço o insuportável zumbido das mágoas
vozes do meu sangue que o tempo apagou

30 de Março de 2006

VAN GOGH

Posted by Picasa Zelfportretten, 1887

Van Gogh nasceu a 3o de Março de 1853 em Zundert, Holanda, morreu a 29 de Julho de 1890 em Auvers-sur-Oise, (Paris).

A minha admiração ultrapassa todos os limites. Inexplicável. Acho que é a luz das suas telas, os tons exaltantes e desesperados, as figuras, incluindo a sua própria, depuradas, a sua vida como peregrinação pelos caminhos do absurdo da existência.

A DEFESA DE FARO

Posted by Picasa Fotografia de "sissi"

Em apoio à A Defesa de Faro, pela prosseguimento dos objectivos que o seu título sintetiza, na perfeição, com pluralismo, cosmopolitismo, abertura ao conhecimento e divulgação da realidade de outras cidades e regiões.

Os blogues regionais têm o seu lugar e importância desde que se não deixem contaminar por querelas, bisbilhotices e instrumentalizações políticas estéreis.

quarta-feira, março 29

LUCAS, 21, 28

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Quando o último pássaro morrer
na última oliveira a ocidente
opõe o peito ao que acontecer
e levanta a cabeça dignamente
(…)
Ruy Belo

LUCAS, 21, 28
Homem de Palavra[s]

INATEL- A VERDADE É SEMPRE O MELHOR CAMINHO PARA A FELICIDADE

Posted by PicasaScarlett Johansson

A actividade do INATEL, em particular, a do “turismo social” carecia de um modelo de gestão mais próximo do paradigma da gestão privada, diverso do modelo actual de Instituto Público, o qual, apesar de consagrar a autonomia administrativa, financeira e patrimonial da instituição, se vinha revelando claramente desajustado.

O projecto de reforma organizacional e estatutária foi alicerçado num estudo prévio encomendado, após realização dos adequados procedimentos de contratação pública, à “Price Waterhouse”, designado ”Plano de Desenvolvimento Organizacional para o INATEL”.

O estudo foi entregue à direcção a que presidi, na sua versão definitiva, em 22 de Julho de 1998 assim como um outro designado de “Caracterização Jurídico-Fiscal do INATEL”.

A primeira versão do projecto de reforma estatutária foi entretanto elaborada tendo sido entregue ao governo, no Gabinete do Ministro da tutela, em data anterior a 28 de Outubro de 1998.

Em 24 de Março de 1999 a Direcção do INATEL aprovou, formalmente, uma proposta contendo “a versão final dos Estatutos e do projecto do Decreto-Lei” que foi enviada ao Gabinete do Ministro da tutela nesse mesmo dia.

Para que não restem dúvidas transcrevo o Art. 1.º do referido projecto de Decreto-Lei contido na proposta:

“1. É criada a INATEL – Fundação para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores, designado abreviadamente INATEL, pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, cujos estatutos são aprovados em anexo ao presente diploma.

2. A INATEL rege-se pelo disposto nos estatutos e respectivos regulamentos, pelas normas que lhe sejam especialmente aplicáveis e, subsidiariamente, pelo regime das fundações de direito privado, quando este não contrarie o disposto nos Estatutos.”

O mais interessante é verificar que o aspecto central das mudanças preconizadas assentava na transformação da natureza jurídica de INATEL em “pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública”, a exacta designação que tem vindo, nos últimos tempos, a ser referida na comunicação social.

Estão a ver o sorriso e as cores da protagonista que escolhi para ilustrar esta matéria árida, mais ou menos arqueológica, e podem imaginar como é difícil transformar a realidade sombria e triste numa realidade atraente e responsavelmente divertida.

E, desta forma, entender porque razão o Dr. Bagão Félix não entendeu nada, ou melhor, fingiu que não entendeu nada, do que se passou no decurso da minha gestão do INATEL para melhor a poder destruir. Ele há cristãos com uma tendência irreprimível para a infelicidade.

(“A Verdade de Uma Reforma” – 4 de 10)

terça-feira, março 28

FRANÇA - HOJE

Posted by Picasa Fotografia de El Pais

As leituras redutoras são perigosas, neste caso, e em todos os casos de manifestações da crise do estado social europeu.

O envelhecimento demográfico não vai dar tréguas à crise da segurança social, a crise económica não vai dar tréguas à crise da filosofia do emprego para toda a vida, a necessidade de mão-de-obra imigrante vai atiçar o lume da xenofobia e do racismo, a coesão social vai brigar com o alargamento das fronteiras e com a afirmação do princípio da livre circulação dos cidadãos.

A crise da Europa, seja qual for a solução política para a questão do tratado constitucional, é profunda. E se precisássemos de lhe medir a dimensão e profundidade bastava reparar que à sua frente está um pigmeu político: José Manuel Barroso.

RUY CINATTI

Posted by Picasa Fastio

Quem me faz descer desta mansarda já,
onde me icei?

Farto estou já de estar sozinho
a caçar moscas,
como se minha fosse a voz irada
que assim me mantém
divinizado.

In "Casa"
"Tempo de Cidade", Editorial Presença

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RUY CINATTI

(Londres, 1915 – 1986, Lisboa)

Agrónomo de formação, nasceu em Londres e viveu em Lisboa, desde os dois anos de idade, cidade onde se licenciou (1941) tendo estudado Etnologia e Antropologia em Oxford. Desenvolveu actividade nessas áreas por todo o então império colonial português que percorreu e tratou poeticamente de forma singular.

Foi, nos anos 40, com Tomaz Kim e José Blanc de Portugal, um dos fundadores dos Cadernos de Poesia (1940-1953), que co-dirigiu nas suas três séries, sendo também o fundador da revista Aventura (1942-1944). Os seus dois livros mais emblemáticos são “O Livro do Nómada Meu Amigo”, de 1958 (1966, Prémio Antero de Quental) e “Sete Septetos”, de 1967.

A componente mais interessante da sua extensa obra poética reflecte os contactos com as experiências coloniais, desde “Crónica Cabo-Verdeana” (1967), prolongando-se nos livros de temática timorense (“Uma Sequência Timorense”, 1970; “Timor-Amor”, 1974; “Paisagens Timorenses com Vultos”, 1974) e, ainda, em “Os Poemas do Itinerário Angolano” (1974) ou em “Lembranças para S. Tomé e Príncipe”, 1972 (1979).