Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, março 15
O METRO DO PORTO VAI SER A DESCOBERTO - 25 de abril - 40 anos, 51
Fotografia de Hélder Gonçalves
À entrada do metro de Lisboa está o cobridor
de damas e cavalheiros
de pé e perna cruzada a coçar os testículos
e a fumar para o chão em escarros
pouco límpidos.
O metro pede que chova em cima
do cobridor
que encena a sua rábula cinéfila
e leva aos tomates uma estranha fome
de afecto
melancólica.
Já viajei de metro cobridor um ror de vezes
e eu próprio já supus
que nos meus testículos
o mundo vinha adormecer
com mãos suadas.
Às vezes trocávamos de papel,
cobertos éramos todos
por uma tristeza
severa
que o metro transporta no ar
irrespirável.
Hoje, tomates são de importação ou virtuais
e os cobridores
uma espécie em vias de extinção
na esquina fluorescente do dia descaído
na cabeça da noite que já nem dá para nada.
E sei que no Porto o metro vai ser a descoberto.
Armando Silva Carvalho
PALAVRAS DE ORDEM - 25 de abril . 40 anos, 50
Às voltas com uma pesquisa dei de caras com uma listagem de palavras de ordem retiradas da colecção de Murais Artísticos de Abril, de Conceição Neuparth, depositada e tratada pelo Centro de Documentação 25 de Abril. Algumas delas pertencem inexoravelmente ao passado mas outras, à falta de ideias, ainda podem servir de inspiração a algumas lideranças partidárias.
A revolução triunfará
A terra a quem a trabalha
A vitória é difícil mas é nossa
Abaixo a exploração capitalista
Casas sim! Barracas não!
Dá mais força à liberdade
Democracia em Portugal só com Freitas do Amaral
Em frente com a Reforma Agrária
Fora com a canalha o Poder a quem trabalha
GNR fora das cooperativas
Greve ao papel higiénico. Compremos os jornais
Independência Nacional
Já não há eleições. D. Sebastião volta para a semana
Junta a tua à nossa voz
Morte ao fascismo
Não ao aumento do custo de vida
Nato fora de Portugal, Portugal fora da Nato
Nem Deus nem Chefe
Nem mais um faroleiro para as Berlengas
Nem Nato nem Pacto de Varsóvia
Ninguém há-de calar a voz da classe operária
O Chile vencerá
O sol brilhará para todos nós
Operários, camponeses, soldados, marinheiros, unidos vencerão!
Otelo para Presidente
Pão Paz Terra Liberdade, Independência Nacional
Por uma vida melhor
Quem tem medo do comunismo?
Rumo ao Socialismo
Sem cultura não há liberdade
Todos unidos com o MFA
Unir – Organizar – Armar (PRP)
Unir Organizar Vencer (MDP)
Viva o 25 de Abril
Viva Staline eternamente na Sibéria
Voto do povo para a vitória do povo
PUBLICADO EM 3 DE JULHO DE 2008
quinta-feira, março 13
MORREU D. JOSÉ POLICARPO
As obras públicas devem-se fazer, se for possível. Tenho uma atracção pela modernidade, tudo o que são maravilhas da tecnologia sempre me fascinaram, por isso, ter um TGV a passar pelo nosso país fascina-me. Não vejo porque não. O problema é se é possível, necessário e há dúvidas sérias sobre isso. A minha tese em relação a estes grandes empreendimentos é que foram muito bem estudados e não há razão para serem abandonados de uma maneira fácil. Mas há-de haver a coragem para os retardar se houver razões sérias para isso. [Também aqui].
[Sempre nutri uma espontânea simpatia por D. José Policarpo. Lembrando um seu testemunho. Salvé!]
terça-feira, março 11
JANTAR DE EXTINÇÃO DO MES (DORL) - 7 DE NOVEMBRO DE 1981 - 25 de abril - 40 anos, 49
Fotografia de António Pais
Da esquerda para a direita. De pé: José Luís Ganhão, Margarida Guimarães, António Pinto Basto (posteriormente, enquanto jornalista, António Ribeiro Ferreira), Albano Machado, Pedro Pais, Manuel Pires, Luísa Ivo e Luís Castanheira Lopes; em baixo: Adelaide de Jesus, Miguel Teotónio Pereira, Constantino Ferreira, Rogério de Jesus, José António Vieira da Silva, Carlos Pratas e Isabel Cordovil.
Não me lembro se a data escolhida para o Jantar – 7 de Novembro – releva de um voluntário gesto simbólico ou se foi uma mera coincidência com o dia do aniversário da revolução bolchevique, na Rússia, em 1917.
A verdade é que, pelo calendário ocidental, a “Revolução de Outubro” ocorreu a 7 de Novembro de 1917 e o jantar de extinção do MES foi realizado no dia 7 de Novembro de 1981, coincidindo com o 64º aniversário daquela revolução.
Esta fotografia retrata os elementos da última DORL – Direcção da Organização Regional de Lisboa – do MES. Com mais rigor elementos que integraram sucessivas DORL s. Recordo, com saudade, a figura de José Luís Ganhão o único deste grupo que já nos deixou. Assinalo, ainda, uma significativa presença feminina que, no entanto, nunca esteve representada nas estruturas centrais da direcção do MES.
Curiosamente surge António Pinto Basto que haveria de ganhar notoriedade, como jornalista, assinando António Ribeiro Ferreira.
PUBLICADO EM 21 DE MAIO DE 2006 COM CORREÇÕES ENVIADAS PELA LUISA IVO
segunda-feira, março 10
A MULTIPLICAÇÃO DO CEDRO
Vista de Arcos de Valdevez
(muitos anos atrás)
O senhor deus é espectador desse homem
Encheu-lhe o regaço de dias e soprou-lhe
nos olhos o tempo suave das árvores
Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma
cada uma das quatro estações
A primavera veio e ele árvore singular
à beira do tempo plantada
vestiu-se de palavras
E foi a folha verde que deus passou
pela terra desolada e ressequida
Quando as palavras o deixaram de cobrir
ficaram-lhe dois dos olhos por onde
o senhor olha finitamente a sua obra
Até que as chuvas lhe molharam os olhos
e deles saíram os rios que foram desaguar
ao grande mar do princípio
Ruy Belo
Aquele Grande Rio Eufrates
O senhor deus é espectador desse homem
Encheu-lhe o regaço de dias e soprou-lhe
nos olhos o tempo suave das árvores
Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma
cada uma das quatro estações
A primavera veio e ele árvore singular
à beira do tempo plantada
vestiu-se de palavras
E foi a folha verde que deus passou
pela terra desolada e ressequida
Quando as palavras o deixaram de cobrir
ficaram-lhe dois dos olhos por onde
o senhor olha finitamente a sua obra
Até que as chuvas lhe molharam os olhos
e deles saíram os rios que foram desaguar
ao grande mar do princípio
Ruy Belo
Aquele Grande Rio Eufrates
[Um dia publiquei esta fotografia, imaginem, de minha autoria para ilustrar este belo poema.]
sábado, março 8
Finalmente sinais de acção - 25 de abril - 40 anos, 48
Retenho muito viva na memória a imagem do carro do combate que encabeçava a coluna a irromper diante de nós. Tinha surgido na escuridão da noite uma coluna militar que tomaria a direcção do centro da cidade. Vislumbramos um carro "nívea" da polícia na penumbra que não esboçou qualquer movimento.
O Campo Grande não era como hoje. Havia um desnível e o carro de combate que vinha na nossa direcção deu um salto rápido para tomar contacto de novo com o chão. Foi uma espécie de salto mágico que desde esse momento, com frequência, me assalta a memória.
As emoções que sentimos são indescritíveis. Era um sonho que se tornara realidade. Fomos, certamente, os únicos que assistimos e registamos, ao vivo, esse momento. Esta é a primeira vez que ele é relatado. Soubemos, mais tarde, que aquela era a coluna, oriunda de Santarém, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia.
Naquele momento colocava-se a opção de cumprir o nosso objectivo e entrar no quartel do Campo Grande ou seguir atrás daquela surpresa entusiasmante.
quinta-feira, março 6
O último aviso - 25 de abril - 40 anos, 47
No dia 24 de Abril fomos contactados no quartel por um colega do curso de
oficiais milicianos. As últimas dúvidas quase se tinham dissipado. A acção
militar ia ser desencadeada na próxima madrugada.
Fui a casa do Eduardo Ferro Rodrigues, meu amigo de juventude e de todas as militâncias, na Travessa do Ferreiro, a mesma casa onde ainda hoje habita, para o avisar de que alguma coisa (o golpe) se iria passar nessa noite. Era fim da tarde. A RTP transmitia um jogo do Sporting, com um clube da Alemanha de Leste, para uma eliminatória das competições europeias de futebol. Deixei o recado e pus-me a caminho.
O combinado era reunir um pequeno grupo de que faziam parte o João Mário Anjos, o António Milhomens (já falecido) e o António Dias, na casa deste, em Benfica, aguardando o sinal musical ("E depois do Adeus") que anunciaria o desencadear da operação, a nível nacional.
Era perto de minha casa e lá fui preparado para o que desse e viesse. Mas o sinal nunca mais surgia e adormeci deitado no chão.
quarta-feira, março 5
SIMULACRO - 25 de abril - 40 anos, 46
Fotografia de Hélder Gonçalves
Um gesto pode ser
um simulacro apenas.
Como quando arrefece
e acendes a lareira
para dar sangue às brasas.
No halo
da chama há sempre
uma voz que cintila
e te agradece.
É isso que se chama
dar voz ao silêncio.
Albano Martins
(Da série A poesia está na Rua.)
terça-feira, março 4
OBRA E GRAÇA DE ABRIL - 25 de abril - 40 anos, 45
Fotografia de Hélder Gonçalves
Algo semelhante
e de repente um empurrão
da ponte abaixo.
Ou uma bala que voa
ao teu encontro, vinda
de nenhures, assobiando.
Ou tu algemado e
no gume de baionetas.
Ou seres nomeado
da forma mais vil.
Ou conheceres o cárcere
na vastidão das ruas.
Vícios, défices,
ultrajes
que já só de memória.
já só nos alforges
da memória. Por
obra e graça de Abril.
A. M. Pires Cabral
(Da série "a poesia está na rua".)
segunda-feira, março 3
MES - IV CONGRESSO - 25 de abril - 40 anos, 45
Fotografia de António Pais
Esta fotografia, da colecção de António Pais, retrata um momento de descanso do IV Congresso do MES (1979). Eu próprio surjo nela, ao centro, com o Diomar Santos e o Eduardo Ferro Rodrigues. Tinha deixado de fumar cigarros dois anos antes e dedicava-me ao cachimbo arte que, entretanto, abandonei.
Este foi o derradeiro Congresso do MES e aquele que, de facto, abriu o caminho para a sua extinção. No I Congresso era inevitável a vitória da linha “esquerdista” e no último era previsível a vitória da linha “moderada” ou “liquidacionista”.
Pensando bem no MES todas as decisões políticas decisivas foram tardias. Tardio foi o I Congresso, realizado só oito meses após o 25 de Abril, e ainda mais tardio foi o jantar de extinção realizado mais de dois anos após o IV, e último, Congresso.
Mas, apesar de todas as hesitações e derivas, fomos capazes, de forma mais ou menos consciente, mais ou menos determinada, de tomar uma decisão historicamente relevante no universo partidário da III República: assumir, aberta e frontalmente, o esgotamento político de um projecto partidário. Vamos ver quanto tempo passará até que aconteça algo de semelhante na política portuguesa.
Esta fotografia, da colecção de António Pais, retrata um momento de descanso do IV Congresso do MES (1979). Eu próprio surjo nela, ao centro, com o Diomar Santos e o Eduardo Ferro Rodrigues. Tinha deixado de fumar cigarros dois anos antes e dedicava-me ao cachimbo arte que, entretanto, abandonei.
Este foi o derradeiro Congresso do MES e aquele que, de facto, abriu o caminho para a sua extinção. No I Congresso era inevitável a vitória da linha “esquerdista” e no último era previsível a vitória da linha “moderada” ou “liquidacionista”.
Pensando bem no MES todas as decisões políticas decisivas foram tardias. Tardio foi o I Congresso, realizado só oito meses após o 25 de Abril, e ainda mais tardio foi o jantar de extinção realizado mais de dois anos após o IV, e último, Congresso.
Mas, apesar de todas as hesitações e derivas, fomos capazes, de forma mais ou menos consciente, mais ou menos determinada, de tomar uma decisão historicamente relevante no universo partidário da III República: assumir, aberta e frontalmente, o esgotamento político de um projecto partidário. Vamos ver quanto tempo passará até que aconteça algo de semelhante na política portuguesa.
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O IV Congresso do MES realizou-se em 8 de Julho de 1979.
sábado, março 1
Os camaradas de armas - 25 de abril - 40 anos, 44
Os militares, oficiais do quadro, que preparavam a revolta tinham a consciência da inevitabilidade do confronto militar. E os milicianos também. Era um confronto que havia que preparar com todo o cuidado. Fiz uns contactos discretos com os amigos que colaboravam no que havia de vir a ser o MES.
Deixei mensagens e recados mais ou menos enigmáticos. Muitos dos avisados fizeram vigília no dia errado ou foram surpreendidos no dia certo. Nada disse à família.
Mas alguém tinha de ser avisado para que na minha unidade militar, o 2º GCAM, se pudesse apoiar, com eficácia, a tomada do poder. Avisei o João Mário Anjos e o António Dias, meus camaradas de armas. Acertamos, entre nós, os passos a dar naqueles dias.
sexta-feira, fevereiro 28
TO HELENA
Fotografia de Margarida Delgado
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais coerente
A via enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente
Ruy Belo
Transporte no Tempo
Editorial Presença (1997 - 4 ª edição)
quarta-feira, fevereiro 26
Na expectativa do combate - 25 de abril - 40 anos, 43
Os dias de finais de Março e princípios de Abril de 1974 foram de expectativa e tensão crescentes. Sabia que alguma coisa iria acontecer. Os contactos multiplicavam-se e os boatos inundavam as conversas....
Soube, em meados de Abril, após o contacto do Capitão Teófilo Bento, mas não por ele, que o golpe seria para os finais de Abril. A informação havia chegado pela via política e não pela via militar.
Teriam que ser tomados os cuidados próprios de uma situação de confronto armado em que poderia correr sangue. Ninguém acreditava que o regime cairia sem oferecer resistência feroz. Seria mais que provável o confronto militar pelo que o mais prudente era estarmos preparados para essa situação.
terça-feira, fevereiro 25
O MEU IRMÃO DIMAS MORREU FAZ NOVE ANOS
O meu irmão Dimas era um “self-made-man”. Pertencia aquela rara plêiade de portugueses que triunfou na vida pelas suas próprias mãos. Com o seu trabalho. Sem golpes nem favorecimentos espúrios. Um artista de fina sensibilidade e operário na sua arte, perfeccionista, preocupado com os detalhes, homem de honra e de palavra.
Sofreu, certamente, em silêncio, os males do nosso tempo e a doença súbita que, em poucos dias, o ceifou para a vida. Eu fui um filho tardio. A sua adolescência coincidiu com a minha meninice. Sempre fui para ele “o meu menino”. O meu irmão Dimas raramente dizia palavras de circunstância. Nem era homem de grandes manifestações públicas de afecto. Mas eu sempre senti o halo da sua secreta afeição e solidariedade.
A imagem que dele guardo, para sempre, está neste retrato a preto e branco. A família completa posa para a Kodak de meu pai. No Jardim da Alameda, em Faro. Respira-se um ar de felicidade e o meu irmão, adolescente, deixa perceber a sua elegância. Eu empoleiro-me no banco na hora do disparo. A máquina, suspensa num tripé, accionada por meu pai, deixa passar aqueles segundos que ainda lhe permitem tomar o lugar no retrato.
Reparo nas roupas domingueiras que todos envergávamos. O meu olhar e o de minha mãe pousam, certeiros, na objectiva. Os olhares de meu pai e de meu irmão pousam em algo, ou alguém, ligeiramente ao lado. Simétricos dois a dois. Reparo na expressão feliz do seu rosto e na sua esguia mão.
Que dia terá sido aquele? Um aniversário? Um dia de festa? Um momento para todo o sempre.
[Publicado em 1 de março de 2005. Um dos mais sofridos textos que escrevi nos dez anos deste blogue.]
[Republico com mudança de fotografia em homenagem ao meu irmão Dimas pelo nono aniversário da sua morte.]
segunda-feira, fevereiro 24
Capitão Teófilo Bento - 25 de abril - 40 anos, 42
Foi o Capitão Teófilo Bento que me contactou no início de 1974. Não sei já através de quem chegou até mim. Talvez tenha sido depois da tentativa frustrada do golpe das Caldas da Rainha, e...m 16 de Março.
Falamos num carro estacionado próximo do 2º GCAM, no Campo Grande, onde cumpria o serviço militar como oficial miliciano. Ele queria saber se havia algum oficial miliciano de confiança no Quartel-General em Lisboa.
Tratava-se de um ponto fraco na rede de oficiais que preparavam o golpe. Não havia ninguém que eu conhecesse. Mas, após este encontro, fiquei com a certeza acerca da inevitabilidade do golpe o que, até esse dia, era uma mera convicção.
Estava, de facto, em marcha uma acção de envergadura para derrubar o regime. Desta vez era mesmo a sério.
Mantive a maior descrição. Não falei a ninguém acerca desse encontro. Mas tomei as minhas providências. O ambiente era de medir forças dentro dos quartéis.
Após o fracassado "Golpe das Caldas" todos os movimentos eram observados e o ar que se respirava estava povoado de ameaças.
domingo, fevereiro 23
Breve resenha histórica da imprensa do MES - O jornal «Poder Popular» (III) - 25 de abril - 40 anos, 41
A aventura do jornal Esquerda Socialista decorreu entre 12 de Setembro de 1974, data da edição do nº 0, e 16 de Julho de 1975, com a saída do nº 38. Considerando o nº 0, e a edição especial de 13 de Março de 1975, foram publicados 40 números do Esquerda Socialista. Desde a edição do nº 1, a 16 de Outubro de 1974, o jornal saiu, sem interrupções, com uma periodicidade semanal, durante dez meses.
O outro órgão de imprensa do MES - o Poder Popular - foi criado no âmbito da campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte. O seu título corresponde plenamente à deriva esquerdista do MES, dando eco a uma das palavras de ordem adoptadas: «Lutar, Criar, Poder Popular».
A 1ª série consistiu em 7 números, editados entre 3 e 23 de Abril de 1975, formato grande, semelhante ao do DN da época, com uma tiragem de 10 000 exemplares, em edição bissemanal - às quintas-feiras e domingos. O seu director foi o Paulo Bárcia, tendo sido impresso na ADFA (Associação dos Deficientes das Forças Armadas) e, ao que consta, não deixou dívidas.
A 2ª série do Poder Popular tem início em 23 de Julho de 1975, com o fim do Esquerda Socialista, anunciando que este jornal se havia de transformar na revista teórica do MES, da qual em breve sairia o primeiro número. Tal nunca viria a acontecer não passando de uma ideia que, embora sempre estivesse presente, nunca foi concretizada.
Esta série do PP atravessa todo o período mais conturbado da revolução, desde o «Verão Quente» de 1975 até à campanha presidencial de Otelo, sendo no nº 48, publicado em 21 de Julho de 1976, divulgados os resultados das eleições presidenciais. Até ao nº 29 o director foi Fernando Ribeiro Mendes sendo tal tarefa, na sequência do II Congresso, atribuída a Eduardo Ferro Rodrigues, que dirigiu o PP do nº 30 ao nº 48.
A 3ª série do PP foi dada à estampa entre Julho de 1976 e Fevereiro de 1978, com a edição de 16 números, a partir do nº 49, no qual se comemorava o 2º aniversário do jornal. O seu director, neste período, foi o subscritor destas linhas (até ao nº 61) que se viu a braços com uma situação política brevemente caracterizada, num relatório interno, nos seguintes termos:
«- o desânimo e o desencanto, pós-presidenciais, de largos sectores revolucionários, …; - o fracasso progressivo dos GDUPs/MUP; - a existência de fortes divergências internas que, pela 1ª vez na nossa história, se põem duma forma aberta e atravessam o Partido, a sua direcção e os quadros mais activos; são as tomadas de posição polémicas face ao MUP, e a saída (no nº 54) da famosa Resolução da 8ª Reunião do CC …».
A 4ª série do PP é publicada entre 1 de Fevereiro de 1978, (nº 65) e 13 Julho (nº 76) do mesmo ano, desde o nº 62, sob a direcção de Augusto Mateus, tendo sido o canto de cisne da imprensa do MES. No seu conjunto foram editados, entre 2 de Abril de 1975 e 13 de Julho de 1978, 83 números do Poder Popular.
O que estava em discussão, nesta última fase do MES, politicamente activo, era a urgente necessidade de romper com as ilusões revolucionárias, reconhecendo a legitimidade da democracia representativa, ou burguesa, na linguagem da época, orientação que, embora de forma mitigada, a Resolução da 8ª Reunião consagra, abandonando, ao mesmo tempo, a politica de alianças com os pequenos partidos da esquerda.
Só aquando das eleições legislativas intercalares de 1979, o MES assumiu publicamente esta nova política, com o anúncio de que não concorreria a essas eleições apelando, através de uma declaração de Vitor Wengorovius, ao voto no PS ou na APU.
PUBLICADO A 13 DE JANEIRO DE2009
.
sábado, fevereiro 22
PIDE - "A INFORMAÇÃO E OS INFORMADORES" - 25 de abril - 40 anos, 40
Ainda a propósito da PIDE e do livro “a história da PIDE”, de Irene Flunser Pimentel, interessou-me, particularmente, o Capítulo XI: “A Informação e os Informadores”. Trata a autora, neste capítulo, da“realidade desse mundo de denúncias que manchou o século XX e faz hoje parte da história portuguesa.”
O número de informadores não é apresentado pois “a DGS destruiu um ficheiro onde era feita a correspondência entre os pseudónimos usados pelos informadores e a sua identificação real”. No entanto tudo parece apontar, segundo diversas fontes, para um número nunca inferior a 20 000. Não vou entrar na pungente similitude entre muitos dos comportamentos do sub mundo da denúncia anónima durante a ditadura e em plena democracia.
Quero simplesmente referir o facto de ter encontrado, neste capítulo, duas situações curiosas às quais me encontro, indirectamente, associado . A primeira vem ao caso a propósito da infiltração, nos anos 70, de um tal Viseu em organizações da extrema esquerda, entre elas a União Revolucionária Marxista Leninista (URML), tendo aquele Viseu prestado informações “acerca do militante Joaquim Luciano, também denunciado por Francisco Cabedal (…)” [pag. 331]. Ora eu próprio acompanhei muito de perto, num determinado período, o referido Luciano em inúmeras e continuadas “actividades subversivas”, em particular, na área cultural. Deveria ser o resultado de uma espécie de aliança entre o embrionário MES e a URML . Mas nunca supus que o Luciano tivesse tanta importância para que a PIDE exercesse sobre ele tão apertada vigilância.
A outra referência, a pag. 336, surge nos parágrafos que a autora dedica aos informadores do meio estudantil. Não me espanta que se refira nestes termos à sua actividade na faculdade que, por acaso, eu próprio frequentava: “Mas os informadores mais prolixos no meio estudantil foram os do ISCEF, que assinavam por “Glória e Vera Cruz”, eram dois irmãos de Aveiro , estudantes finalistas em 1973, que recebiam, cada um , 1 000$00 pelos serviços prestados. Em 12 de Janeiro de 1968, enviaram à PIDE um relatório acerca de uma reunião de alunos no decorrer da qual um deles apanhara “discretamente” um papel que tinha sido trocado entre os estudantes Serras Gago, Alberto Costa [o actual Ministro da Justiça] e Júlio Dias. Em Abril de 1969, “Glória e Vera Cruz” informaram que os representantes da Academia de Lisboa na Comissão Nacional dos Estudantes Portugueses eram Alberto Costa, Arnaldo de Matos e Carlos Pimenta ”. [Digo eu: uma verdadeira aliança PCP/MRPP].
Neste passo, numa nota de rodapé, são referidos outros nomes referenciados na pasta 212, ISCEF 1968/69:“Horácio Faustino, Cordovil [qual deles, Xico ou João?], João Isidro, Horácio, António Manso, Jofre Justino, Quim Zé, Gavião, Emanuel [o actual Secretário de Estado Orçamento?], Coelho e Pratas.” Parece que estou a vê-los!
In “ a história da PIDE”, Irene Flunser Pimentel – Circulo de Leitores/Temas e Debates
PUBLICADO EM 14 DE NOVEMBRO DE 2007
IR PELA SUA MÃO
Em memória de meu pai
Ir pela sua mão era caminhar
para um paraíso sem nome,
sonhar uma aventura terna
sabendo de cor o caminho
de regresso a casa a pé
sem guia nem vertigens
Ir pela sua mão aberta
à ternura de mão solitária
era saborear um engano
sem mácula, sobreviver
e nada dever aos outros
que se não pudesse devolver
Ir pela sua mão desarmada
não deixava rasto no chão
e a minha cabeça voava à roda
do meu coração que batia
como agora quando me escapo
à rotina do bater do dia
Ir pela sua mão lembra-me
sempre o dobrar dos dias,
homens tristes de ombros
postos nas esquinas luzidias
esperando taciturnos perder
o sentido do seu próprio corpo
Ir pela sua mão seria partir
do nada ao especial feito,
rasgar um caminho incerto
de mágoas, uma alegria banal,
sagradas confidências guardadas
entre nós que se não confiam
Ir pela sua mão dava acesso
ao mundo, mas ninguém soube
das suas amantes que eu vi,
nem dos gritos do seu olhar
que se abria dolente para mim
pedindo em silêncio aceitação
Eu tudo lhe dei sempre sem pedir
nada em troca, somente por vezes
a sua mão para ir nela confiante
em busca de um caminho qualquer
que não sabia onde levava nem
isso de verdade nada interessava.
(In "Ir pela sua mão" - Maio 2003 - Editora Ausência)
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Ir pela sua mão era caminhar
para um paraíso sem nome,
sonhar uma aventura terna
sabendo de cor o caminho
de regresso a casa a pé
sem guia nem vertigens
Ir pela sua mão aberta
à ternura de mão solitária
era saborear um engano
sem mácula, sobreviver
e nada dever aos outros
que se não pudesse devolver
Ir pela sua mão desarmada
não deixava rasto no chão
e a minha cabeça voava à roda
do meu coração que batia
como agora quando me escapo
à rotina do bater do dia
Ir pela sua mão lembra-me
sempre o dobrar dos dias,
homens tristes de ombros
postos nas esquinas luzidias
esperando taciturnos perder
o sentido do seu próprio corpo
Ir pela sua mão seria partir
do nada ao especial feito,
rasgar um caminho incerto
de mágoas, uma alegria banal,
sagradas confidências guardadas
entre nós que se não confiam
Ir pela sua mão dava acesso
ao mundo, mas ninguém soube
das suas amantes que eu vi,
nem dos gritos do seu olhar
que se abria dolente para mim
pedindo em silêncio aceitação
Eu tudo lhe dei sempre sem pedir
nada em troca, somente por vezes
a sua mão para ir nela confiante
em busca de um caminho qualquer
que não sabia onde levava nem
isso de verdade nada interessava.
(In "Ir pela sua mão" - Maio 2003 - Editora Ausência)
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sexta-feira, fevereiro 21
O TRIUNFO DOS PORCOS
É sempre bom saber destas coisas, mesmo 70 anos depois, para se aquilatar do que sempre se oculta acerca da censura. A censura, ou a rasura do pensamento, por motivos políticos, é só a ponta do iceberg. Os detentores do poder, seja de que natureza for, são tentados a fazer censura, suprimindo, ou limitando, as liberdades. Não se pode publicar tudo! Não se pode dizer tudo! O próximo alvo dos censores institucionais é a internet: uma verdadeira dor de cabeça para todos os que toleram mal o regime democrático liberal. Uma arma letal contra as ditaduras. A defesa da liberdade de acesso, e utilização, da internet é uma das principais bandeiras, nos nossos dias, na luta contra a tirania. Uma batalha que vai endurecer nos próximos tempos.
PUBLICADO EM 2 DE ABRIL DE 2009
quinta-feira, fevereiro 20
MES - Resolução da 8ª reunião plenária do Comité Central - 25 de abril - 40 anos, 39
Nos onze meses posteriores ao II Congresso do MES, desde 15 de Fevereiro de 1976 até ao final desse ano, decorreram três batalhas políticas nas quais o MES foi estrondosamente derrotado: as eleições legislativas de Abril de 1976, as eleições presidenciais, nas quais apoiámos a candidatura de Otelo e, finalmente, as eleições autárquicas de Dezembro.
Apesar da retórica revolucionária, ainda presente nas conclusões do II Congresso, que se destinavam a sustentar, persistindo na «linha revolucionária», o empenhamento nas batalhas eleitorais de 1976, o desastre político que os seus resultados representaram impuseram o início de um volte face, em particular, no plano programático que começou a desenhar-se com a Resolução adoptada na 8ª Reunião Plenária da Comité Central.
Esta reunião realizou-se nos dias 15 e 16 de Dezembro de 1976 e a Resolução aí aprovada ostenta, como epígrafe, uma citação de Lenin que, no dia do encerramento do XXVIII Congresso do PCP, em que escrevo, se revela particularmente interessante:
«Ocorre frequentemente que quando se dá uma reviravolta brusca na história, até os Partidos mais avançados deixam passar um tempo mais ou menos longo, antes de se orientarem na nova situação criada, repetindo palavras de ordem que, se ontem eram acertadas, hoje perderam toda a razão de ser tão “subitamente” como «súbita» é a brusca viragem da história.»
O teor da frase escolhida para epígrafe da 8ª Resolução, assim como o seu autor, foram uma espécie de «almofada» que ajudaria os mais recalcitrantes «revolucionários» do MES a aceitar a democracia parlamentar, nunca antes reconhecida, mas que os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 haviam tornado numa realidade irreversível.
Na verdade a questão política central que se colocava ao MES, desde há muito, mas nunca assumida, era reconhecer a democracia parlamentar como o regime político consagrado pelos portugueses nas eleições, livres e democráticas, para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975. Foi esse mesmo reconhecimento tardio que esta Resolução, a muito custo, consagrou.
Lembro-me de ter sido eu próprio que redigiu o seu segundo parágrafo, aliás sublinhado, a bold, no qual se pode ler: «É necessário tomar como certo que na actual fase a democracia-burguesa vai prevalecer no nosso País sobre qualquer outro tipo de regime».
Poucos acreditavam que tal posição pudesse ser aprovada pelo Comité Central mas, na verdade, acabou por sê-lo, ao mesmo tempo, que uma outra posição que, à época, era crucial para a clarificação do posicionamento do MES e que, em conjunto com aquela, abria caminho para uma aproximação política aos partidos do campo democrático, em particular o PS.
Esta segunda posição é resumida na seguinte frase também sublinhada no corpo daquela Resolução: «O CC considera que a actual correlação de forças no terreno militar não favorece nem o golpismo militar de direita nem dá viabilidade a qualquer “solução militar de esquerda”.»
As orientações desta 8ª Resolução, aprovadas em Dezembro de 1976 e publicadas em Janeiro de 1977, haviam de originar uma intensa disputa interna durante os anos seguintes, atravessando o III Congresso e desembocando no IV Congresso do MES, realizado em 8 de Julho de 1979, que abriria, de uma vez por todas, as portas ao acto original da sua extinção que haveria de ocorrer a 7 de Novembro de 1981. O mais que me apetece dizer, de cada vez que pego em qualquer ponta da história do MES é que, tal como na vida, também na política, o tempo tem um valor incalculável.
PUBLICADO EM 5 DE DEZEMBRO DE 2008
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