terça-feira, abril 22

Memórias breves - 6

Não me lembro do nascer do dia. Andávamos na rua à procura de entender se era mesmo verdade. Com o António Cavalheiro Dias e o João Mário Anjos percorri a cidade, de lés a lés, atrás da coluna de Salgueiro Maia, olhando cada esquina e movimento, com uma atenção fulminante, não fosse falhar tudo outra vez. Não me lembro de ter visto nascer o dia. Naquela noite não houve madrugada. Os telefones devem ter começado a tocar a partir de determinada hora: “Olha parece que houve um golpe militar!”, “dizem que há tropa na rua!”. A minha preocupação era telefonar a meus pais. No quartel pude fazê-lo já a manhã tinha despontado. Que alegria. Afinal não era um golpe dos ultras! Era um golpe militar mesmo daqueles com que sonharam Humberto Delgado e tantos que morreram sem conhecerem a cor da liberdade. 48 anos de ditadura é muito tempo! Que pena não poder ver os sonhadores da liberdade nesse dia. Observar a comoção nos seus rostos e ouvir as suas primeiras palavras. Mas não me lembro do despontar daquela madrugada. Ouço os sons, cheiro os cheiros, vejo os camaradas de armas, o povo a passar defronte do quartel, bandeiras desfraldadas ao vento, as vozes enrouquecidas e as lágrimas a cair-lhes pelas faces, mas não me lembro do despontar do dia 25 de Abril de 1974. Mas o que interessa é que estava lá. E vencemos! (Fotografia de Alfredo Cunha).

segunda-feira, abril 21

Francisco - não tenhamos medo

Seria de esperar este festival de hipocrisia pela morte de Francisco, de todos os tipos, impressionando a pura hipocrisia, caldeada de ignorância, à hipocrisia politica mostrando os inimigos fidagais das ideias de Francisco, tecendo loas às suas virtudes. Os protofascistas, como sempre despodurados, mostram as suas garras através de votos de pesar. O expoente máximo é Trump mas podemos-lhe juntar Milei, Putin e um cortejo de aspirantes a ditadores, senão mesmo já ditadores, em exercício. O penúltimo livro que li foi "Esperança", uma autobiografia de Francisco, e dessa leitura confirmei a ideia que havia formado acerca do homem e do poltico que, afinal, no exercicio das funções eclesiásticas ele foi: um revolucionário, do lado do progresso, no nosso tempo. Como ele tanto gostava de dizer, não tenhamos medo, não tenhamos medo...

Francisco - dobram os sinos

"56. Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controlo dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respetivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a devorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa perante aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta." In EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO - 24 de novembro de 2013

domingo, abril 20

Memórias breves - 5

A fita do tempo da madrugada de 25 de abril: 07H20/ As forças in[imigas] estão a ser comandadas Brig. Reis que vai col[una] Romeiras. Vão ocupar embocaduras Terreiro [do] Paço com forças RI1. O Brig. Junqueira dos Reis era o 2º Comandante do Governo Militar de Lisboa e comandava a força da ordem pública do GML. A minha memória dizia-me que tudo se tinha passado mais cedo na madrugada. Assisti ao vivo, com António Dias, à marcha das duas colunas que se haviam de enfrentar. Uma extraordinária coincidência no tempo e no espaço. (Fotografia de Alfredo Cunha).

sábado, abril 19

Politica - 13

“A administração das coisas e a direcção dos homens haviam-lhe ensinado muito, mas sobretudo, aparentemente, que uma pessoa sabia pouco das coisas.” Albert Camus, in Primeiro Homem.

sexta-feira, abril 18

Memórias breves - 4

No dia 24 de Abril fomos contactados no quartel por um colega do curso de oficiais milicianos. As últimas dúvidas quase se tinham dissipado. A acção militar ia ser desencadeada na próxima madrugada. Fui a casa do Eduardo Ferro Rodrigues, meu amigo de juventude e de todas as militâncias, na Travessa do Ferreiro, para o avisar de que alguma coisa (o golpe) se iria passar nessa noite. Era fim da tarde. A RTP transmitia um jogo do Sporting, com um clube da Alemanha de Leste, para uma eliminatória das competições europeias de futebol. Deixei o recado e pus-me a caminho. Tudo era imprevisivel na hora de mais uma tentativa de derrubar a ditadura. (Fotografia de Alfredo Cunha).

quinta-feira, abril 17

Memórias breves - 3

Greve dos CTT s com manifestação. Estava no quartel. Lembro-me de nos terem reunido e de um oficial superior encetar a tarefa impossível de ordenar a um oficial miliciano (ou oficiais) que comandasse a força destinada a reprimir a manifestação. Começou por uma ponta na qual, por acaso, se haviam posicionado o João Mário Anjos e o Carlos Marvão. Não sei já qual foi o primeiro a recusar a ordem mas indagado o segundo, que também recusou, o oficial resolveu suspender a diligência. Logo a seguir, na terceira posição estava eu próprio. Nos dias 25 e 26 de Junho de 1974 foi concretizada a prisão dos dois oficiais rebeldes que seguiram para a prisão da Trafaria. Foi duro e penoso. O João Mário era intrépido e corajoso nos limites. (Cartaz de Robin Fior).

quarta-feira, abril 16

João Cravinho - RIP

Da esquerda para a direita: João Cravinho, Raul Pinheiro Henriques, Filomena Aguilar Ferro Rodrigues, Francisco Soares, José Manuel Galvão Teles, César Oliveira, Edilberto Moço. Atrás, à direita, Luísa Pedroso Lima e, à direita, no primeiro plano, Diomar Santos. (No almoço de extinção do MES)

terça-feira, abril 15

Memórias breves - II

Um episódio da tropa em Mafra que me ensinou como é preciso ter cuidado com as aparências. Um dia, pela manhã, na parada, o Major, Comandante da Companhia, que tinha na conta de um militarão, aproximou a sua boca ao meu ouvido e, em voz ciciada, avisou-me de que estava na lista dos «subversivos». Ouvi, estremeci e calei. Não o conhecia. Era, na verdade, um oficial discreto que cumpria com os seus deveres. Eu cumpria com os meus. Nada o obrigava a correr o risco de me avisar. A ficha da PIDE acompanhou-me sempre. Este episódio ajudou-me a aprender como é difícil, no mundo dos homens, ajuizar acerca da natureza do seu carácter e dos valores que os movem na sua relação com os outros. Nunca mais esqueci a nobreza do gesto do major que tomei à conta de generosidade.

segunda-feira, abril 14

Memórias breves - I

Nós não sabiamos o que iria acontecer, qual a solução para a queda da ditadura. Na verdade somente nos interessava soprar o lume da revolta. Pôr fim à guerra que arrastaria, quase inevitavemente, o fim do regime. Um dia em Mafra, a cumprir a instrução militar, soube que um jovem capitão do quadro que ali vira à pouco a instruir, morrera. Lembro-me do choque e ainda hoje recordo a sua figura. Uma galeria interminável de memórias da miséria da guerra com suas vitimas inocentes.

quinta-feira, abril 10

Politica - 12

Coisas simples: os revolucionários do nosso tempo, com Trump à cabeça, avançam contra a ordem estabelecida tendo em vista a sua destruição. Quem diria? O que está a acontecer não é um episódio fugaz, mas uma tendência em continuidade. "Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam". Jorge de Sena

terça-feira, abril 8

Gaza

"Gaza é hoje um "campo de extermínio" e civis estão num ciclo de morte sem fim", António Guterres in telegrama da Lusa. É dificil ler esta declaração/apelo sem sentir revolta.

domingo, abril 6

Politica - 11

Coisas simples: na politica contemporânea os únicos revolucionários são de extrema direita. São contra os regimes de democracia representativa e visam destruí-los por dentro ou, se falharem o seu propósito pela via pacifica, através da violência. Os sociais democratas (socialistas, liberais e outros) disputam o tempo, o modo e o grau de politicas conservadoras no sentido daquelas que visam conservar o regime democrático. Desta vez não posso estar do lado dos revolucionários, apesar de ser anticapitalista como sempre, desde o princípio do tempo. (Isto vem a propósito das reações ao programa do PS que, dentro do campo social democrático, mostram que existem fações vivas que se debatem).

quinta-feira, abril 3

Politica - 10

Coisas simples: como já identificado por muitos especialistas, o reforço do orçamento em defesa, e respectivas despesas, vai gerar crescimento da dívida, erosão do excedente, compressão da despesa com o "estado social" (um hibrido de todos estes efeitos). Não vale a pena a maçada dos malabalismos retóricos que a coisa é séria, instantânea e pesada. A insinuação de V. Ex.ª o emproado da abertura de corredor verde para a contratação destas despesas, a concretizar-se, abriria portas (portas, Deus nos cuide) à atividade do MP multiplicada por 100.

terça-feira, abril 1

Politica - 9

Coisas simples: Medina disse que não pretende integrar as listas de candidatos a deputados nas legislativas. Eu também não. Alguém o convidou? A mim também não! Ao PS não interessa ganhar estas eleições e alguns ganham distância. Vitórias de Pirro, são as piores.

domingo, março 30

Politica - 8

Coisas simples: “A extrema-esquerda está a destruir a esquerda democrática por dentro”, diz Barreto. Pensei que, nos nossos dias, o mais relevante fosse a extrema direita a destruir a democracia por dentro.

sexta-feira, março 28

Politica - 7

Coisas simples: algures pelo final do ano de 1975 Portugal tornou-se numa democracia pluralista. Em eleições livres elegem-se deputados apresentados à sociedade por partidos politicos. Assim se forma uma assembleia que foi batizada da República, de onde emana o governo. Não é a assembleia que emana do governo.

quinta-feira, março 27

Dia Mundial do Teatro

O dia 27 de março é consagrado como Dia Mundial do Teatro. Sempre assinalo esta data não por mera celebração de uma efeméride mas porque o teatro desempenhou um papel muito importante na minha vida. Na alta adolescência, por altura do meu 6ª ano do liceu, num tempo de trevas culturais, o meu irmão deve ter impulsionado a minha aproximação à atividade teatral. As relações com o Dr. Emílio Campos Coroa haviam sido estreitadas e daí resultou a minha integração no Grupo de Teatro do Circulo Cultural do Algarve - mais tarde "Teatro Lethes" - após ter já sido iniciado pelo Dr. Joaquim Magalhães nas atividades teatrais do liceu. Foi uma oportunidade de intensa sociabilização, aprendizagem da arte do teatro e exigente exercício de enfrentamento dos públicos. Muita entrada em cena, muito palco e fala e obrigatório conhecimento de dramaturgos de referência. Somente a minha saída da cidade de Faro para Lisboa me separou desta experiência que marcou a minha formação pessoal e cultural para sempre. Bem hajam aqueles que me impulsionaram e acompanharam nessa formalizável experiência teatral. (Na foto "Nuvens", de Teresa Dias Coelho)

quarta-feira, março 26

Ética

“Persistem ainda algumas dúvidas pessoais sobre a ética. Supomos que viver eticamente será uma tarefa difícil, desconfortável, de abnegação e, geralmente, sem qualquer recompensa. Concebemos a ética separada do interesse pessoal; supomos que aqueles que fazem fortunas com negócios baseados em informação privilegiada ignoram a ética, embora sigam eficazmente o interesse pessoal (desde que não sejam apanhados). Fazemos exactamente o mesmo quando preferimos um emprego mais bem pago, ainda que tal signifique que vamos ajudar a fabricar ou a promover um produto que não faz bem nenhum ou que provoca doenças nas pessoas. Por outro lado, pensa-se que aqueles que deixam escapar as oportunidades de progredir na sua carreira por causa de “escrúpulos” éticos acerca da natureza do trabalho, ou que desistem do seu bem-estar a favor de boas causas, estão a sacrificar os seus próprios interesses para obedecer aos ditames da ética. Pior ainda, podemos vê-los como papalvos, que deixam escapar todo o divertimento que podiam estar a ter, enquanto os outros tiram partido da sua vã generosidade.”

segunda-feira, março 24

Politica - 6

Coisas simples. Diz o cronista "a esquerda está a desaparecer", no tempo do prec dizia-se o mesmo da direita. As autocracias crescem em número e violência. O ditador turco (da Nato) mandou prender o seu opositor. O ditador americano (da Nato) mandou prender um palestiano com autorização de residência. O ditador israelita ... todos têm impetos imperiais de conquista à maneira do século XIX. As democracias prevertidas e os povos a sofrer com a guerra. Estamos em guerra.

sábado, março 22

Politica - 5

Coisas simples. A crise da habitação: o incentivo à procura sem aumento da oferta faz subir os preços. Aumentar a despesa na defesa faz com que aumente o deficit, ou mingue o estado social ou cresça a dívida (ou um hibrido de todas, é escolher). Dois mega problemas para qualquer governo nos próximos tempos, em modo explosivo no tempo e na dimensão.

sexta-feira, março 21

Dia Mundial da Poesia

Como as palavras as imagens, que tomamos como nossas, são um bocado do imaginário que sobrevive à decapitação dos sonhos. Caminhamos por entre escombros. Quando minha mãe morreu nos meus braços não chorei. Só chorei quando, velando o seu corpo, me surgiu pela frente uma vizinha que frequentava a minha infância. O imaginário, naquele breve momento, tomou de assalto as minhas defesas que ruíram com estrondo. Percebi a leveza insustentável dos corpos depois de mortos e a infinita fraqueza que se esconde por detrás da nossa aparente normalidade.

quarta-feira, março 19

Dia do pai

O meu pai Dimas à janela da casa onde nasci. Foi através dela que conheci um mundo banhado pela claridade da luz do sul. Vivi debruçado nesta janela até aos oito anos. Todo o tempo necessário para aprender a natureza. Paredes brancas de cal. Ladrilhos coloridos. Ruas de terra batida. Vistas de campos espraiados até ao mar. Recantos floridos. Sombras de árvores de frutos. Mãos carinhosas. Telhas de barro quente. O azul transparente do mar. A família sobreviveu a todas as adversidades próprias das épocas de guerra. Razão mais que suficiente para, apesar da tirania, se sentir feliz. O meu pai era uma pessoa honrada e ensinou-me a liberdade. Honra e liberdade. Foi essa a herança que dele recebi. Fica-lhe bem a moldura daquela janela na qual aprendi a sonhar. A casa permanece intacta e habitada e esta é uma das suas duas janelas térreas. O encanto que lhe encontrava estendia-se à vizinhança, aos corredores internos e às ruas circundantes.

terça-feira, março 18

MARÇO

“18 de Março de 41. Os montes por cima de Argel transbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples – e o absurdo de abandonar tudo isto.” - Albert Camus - Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

domingo, março 16

16 de março 1974

Cumpria, como Oficial Miliciano, o serviço militar obrigatório no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (2º GCAM), onde hoje está instalada, no Campo Grande, em Lisboa, a "Universidade Lusófona". Depois de conhecidas as notícias do avanço da coluna militar, a partir das Caldas da Rainha, instalou-se uma grande agitação no quartel. 16 de março era sábado e eu estava lá talvez porque estivesse de serviço. Finalmente surgia uma manifestação concreta de revolta militar mas pairavam no ar notórias dúvidas e incerteza acerca do destino do golpe. Pela manhã desse dia recebi ordem do Comandante para recolher ao quarto. Estive, de facto, preso por um breve periodo. Após o golpe ter fracassado, na manhã seguinte, mandaram-me sair. Fiquei aliviado. Iniciava-se, assim, a fase final do verdadeiro e decisivo golpe militar. Não o podíamos adivinhar mas o "Estado Novo" que, desde a ditadura militar, instaurada pelo golpe de 28 de Maio de 1926, iria perfazer 48 anos, estava a breves semanas do fim. Várias gerações de portugueses viveram toda, ou grande parte, das suas vidas sem conhecerem a cor da liberdade, pesando sobre as cabeças dos conspiradores a responsabilidade de pôr fim ao pesadelo.

sábado, março 15

Politica - 4

Desde 25 de abril até ao presente o cargo de 1º Ministro foi desempenhado por 17 personalidades. Passando em revista a lista pode dizer-se que em Portugal não existe a tradição do 1º Ministro rico, ao contrário de outros países, como é o caso, mais recentemente, dos USA, Alemanha e Canadá. Não conheço nada do património destas personalidades mas, por cá, são todos, com mais ou menos larguesa, remediados. Nos primeiros tempos não havia obrigação declarativa de património e pertenças (interesses). Com o tempo as coisas evoluiram e hoje nada pode ser omitido nas declarações obrigatórias. Falta, ao que parece, em alguns casos, cumprir com a ética republicana... que não se compadece com burocracia. Eis-los: Adelino da Palma Carlos, Vasco Gonçalves, Pinheiro de Azevedo, Mário Soares, Alfredo da Costa, Mota Pinto, Maria de Lurdes Pintasilgo, Francisco de Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, Aníbal Cavaco Silva, António Guterres, José Manuel Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, José Sócrates, Pedro Passos Coelho, António Costa, Luis Montenegro,

quinta-feira, março 13

Politica - 3

Já aconteceu outras vezes no passado. Lembro-mo da ascensão de Santana Lopes a 1º ministro, para ser simpático, um erro de casting de Sampaio. Todo esse episódio foi um momento de tragicomédia em que a política pura, a que eleva acima da defesa dos interesses particulares o interesse geral, ameaça ser submersa pela pura traficância de interesses, arremesso de ódios e promessas populistas.

segunda-feira, março 10

Politica -2

Chegados aqui vamos ter eleições. Um ano depois de outras que nos trouxeram aqui. Não confundo politica com unanimidade no silêncio. Nem politica é a busca de consensos sem divergência nos programas e no choque de concepções antagónicas da vida em sociedade e do futuro do homem. Tudo na vida diverge e converge em uníssono e a exaltação da acção politica é a de encontrar o justo equilíbrio na diferença. E a de saber conviver com ela em liberdade. Convém não diabolizar as eleições, como exercício dessa liberdade.

sábado, março 8

Politica

A minha juventude fui muito marcado pela leitura de Albert Camus. Não sei já identificar, com precisão, a origem desse interesse mas o certo é que me iniciei em Camus através da leitura dos Cadernos. O encanto estava, e está, na escrita fragmentada um misto de diário e reflexão filosófica. Uma das reflexões que sublinhei pelos meus 20 anos foi esta: “Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.” A violência na politica é algo terrível e daí o insucesso de muitas incursões daqueles que não são capazes de "matar o adversário". Há muitos exemplos entre nós que não vou referir mas que só dignificam os seus percursos pessoais. E agora aqui chegados? (Continua).

Mulheres

“As rosas retardatárias de Santa Maria Novella e as mulheres, neste domingo de manhã em Florença. Os seios libertos, os olhos e os lábios que vos fazem bater o coração, a boca seca e um calor nos rins.” Albert Camus, in Núpcias

sexta-feira, março 7

A corte chega ao destino final, Rio de Janeiro

Em 29 de Novembro de 1807, após um dia chuvoso, o príncipe d. João, d. Carlota, seus filhos, a rainha d. Maria I, vários outros parentes partiram em meio ao outono lisboeta. Do rio Tejo saíram as embarcações. Seguiram, além da família real, nobres, funcionários da Corte, ministros e políticos do Reino. Cerca de 15 mil pessoas. Os franceses ao chegarem à capital portuguesa em 30/11 ficaram a ver navios, frustrados com a não captura dos governantes lusos. Tudo o que era necessário para permanecer governando foi transportado. Insistia, entrementes, uma sensação dúbia: covardia ou esperteza? D. João estava angustiado. Seu país sendo atacado, o povo morrendo e ele seguindo viagem. Desconfortos psicológicos e físicos. Tormentas nos pensamentos e nos vagalhões dos mares que chegou a atrapalhar a travessia. Escassearam os víveres. Natal, Ano Novo e Dia de Reis se passaram. Então, a terra firme finalmente chegou. Em 22 de Janeiro de 1808 os barcos atracaram na antiga primeira capital do Brasil, a ensolarada Salvador. Porém, o abatido e cheio de dúvidas d. João após 54 dias no mar pisou o solo brasileiro apenas 24 hs depois. Foi o primeiro rei europeu a fazê-lo. Revisões nos navios, um pouco de descanso. Seguiram a viagem em 26 de Fevereiro. Dia 7 de Março a família real chegava ao destino final, a cidade do Rio de Janeiro.

quarta-feira, março 5

Crise politica

Crise politica. Uma má ideia. Não descortino a sua origem profunda. Sempre penso nos negócios de estado. Os grandes interesses escolhem ou influenciam a escolha dos governos. Hoje, aliás como sempre, em democracia, o povo escolhe e os grandes interesses acolhem, ou não. Nada sei das tramas de bastidores. Ninguém vai sair a ganhar com a presente crise politica. As lideranças partidárias são frágeis e hesitantes nas frentes interna e externa. Farão escolhas, desde programas a candidatos, limitadas às suas escassas competências e limitados circulos de aparelho. Sem golpe de asa. Espero estar enganado mas a tendência natural redundará num deslizamento para a direita.

sexta-feira, fevereiro 28

Zelensky

As notícias de hoje são alentadoras. Ainda há quem faça frente aos ditames da força com a força da dignidade. Ao contrário de um revés, a atitude de Zelensky na Casa Branca ao enfrentar Trump, é uma vitória para todos os homens de boa vontade. Aconteça o que acontecer, Que viva!

quinta-feira, fevereiro 27

Vitor Wengorovius -pelo vigésimo aniversário da sua morte

O mais brilhante tribuno do movimento estudantil durante a crise académica de 1961/62. Eu não tinha idade para o conhecer nessa época mas os testemunhos dos seus contemporâneos são eloquentes. Só o conheci como veterano no processo de criação do MES bastante antes do 25 de Abril. Era uma figura pujante de energia e criatividade, prolixo, solidário e desprendido. Era a personificação do excesso para seu prejuízo pessoal e benefício da comunidade. Um socialista católico puro e impoluto, crente e destemido, desprendido do poder e amante da partilha. Privei com ele, nele confiava em pleno, com ele aprendi a confiar, talvez a confiar demais. Não me arrependo de ter acreditado na luz que emanava da sua dedicação às causas utópicas que as suas palavras nunca eram capazes de desenhar até ao fim. As suas palavras perseguiam a realidade que se escapava como um permanente exercício de criação. Com ele fui a encontros clandestinos com o Pedro Ramos de Almeida, representante do PCP, buscando as alianças necessárias ao sucesso da luta anti fascista e nunca fomos apanhados pela polícia política. Ouvi horas das suas conversas, intervenções e discursos, aprendi a ouvir, aprendi a faceta fascinante do excesso da palavra (não só com ele) e sofri, em silêncio, o lancinante drama do seu percurso pessoal perdido no labirinto das rupturas intelectuais e sentimentais. Morreu a 27 de Fevereiro de 2005 mas viverá para sempre no coração daqueles que, verdadeiramente, o conheceram.

terça-feira, fevereiro 25

Francisco

Estou em fase de leitura da autobiografia Esperança de Francisco, o Papa. É um testemunho de vida muito forte de uma personalidade marcada pelos acontecimentos do seu tempo. Com ele a igreja mergulha na vida do seu povo com suas vitórias e derrotas, tristezas e alegrias, vícios e virtudes. Sempre do lado dos mais fracos, sem hesitações nem concessões. Um homem inteiro na sua fé. Um revolucionário. Que viva!

sexta-feira, fevereiro 21

Esperança

Francisco, o Papa, agora gravemente enfermo, é filho e neto de emigrantes, idos nos anos 20 de Itália para a Argentina, onde nasceu. A sua especial sensibilidade para a questão dos migrantes é fácil de entender, daí as suas intervenções incisivas acerca do tema por palavras e atos. As politicas de Trump têm nele um lúcido adversário e espero que recupere da doença que o levou ao hospital para que a sua palavra continue a iluminar de esperança o campo dos homens de boa vontade..

quarta-feira, fevereiro 19

Rapina

Muitos anos atrás a minha mulher, que trabalhava para uma empresa americana, frente às torres de Trump, em Nova York, virou-se para o patrão e perguntou-lhe o que aquilo era. Ele, de súbito, respondeu-lhe: é de um vigarista chamado Trump. O vigarista fez carrrreira de sucesso. Hoje por hoje, no que respeita à Ucrânia, já entendemos o seu plano. De uma forma simples e direta já acordou com Putin dividir a Ucrânia ficando com a melhor parte. A Europa paga a reconstrução. É pura rapina. Falta afastar a liderança ucraniana, a bem ou mal, e substitui-la por um diretório de sua confiança. Vamos ver se corre tudo a preceito no seu plano já que não pode eliminar a Europa do tabuleiro.

terça-feira, fevereiro 18

segunda-feira, fevereiro 17

O meu tio Ventura

Regressemos ao início. Na minha alta adolescência travei-me de razões, vezes sem conta, com o meu tio Ventura (irmão de minha mãe), no campo da politica. Ele foi regedor da freguesia e era um estrénuo defensor da ditadura, homem já feito, eu jovem, era defensor de tudo o seu contrário. E acabava tudo sempre em bem, as razões dos laços de família sobrepunham-se, invariávelmente, às desavenças politicas. O tempo fez o seu caminho, o 25 de abril o resto. Finalmente todos democratas, ainda bem. Mas... hoje regresso ao início, afinal parece que não. Os fascistas de antanho regressam sob novas vestes, em força. Não vou mais travar-me de razões com o meu tio Ventura que morreu com 99 anos, na espera paciente dos 100, com a vaca que tinha preparada para a matança celebrativa do centenário, a sobreviver, ainda bem. Os ventos da história vão perfilar os neofascistas, os ultraliberais e os democratas pífios na galeria dos açougueiros da ordem liberal democrata. Os campos do confronto estão a definir-se com uma rapidez alucinante. Entre nós adivinho que o primeiro defensor da nova ordem autoritária, a ser alçado ao poder deverá ser o Almirante. Tenho saudades do meu tio Ventura... e Almirantes nunca mais!

sábado, fevereiro 15

Os perigos para a liberdade - publicado faz 20 anos

«Rolão Preto, ao entrar no Palácio das Exposições, saudado romanamente pelos camisas azuis em guarda de honra». [18 de Fevereiro de 1933, fotografia a preto e branco - Revolução, n.º 292, Lisboa, Portugal - Fotografia publicada no Revolução - Diário Nacional-Sindicalista da Tarde (1932-1933), de segunda-feira, 20 de Fevereiro de 1933.] O banquete de homenagem a Rolão Preto, de 18 de Fevereiro de 1933, comemorava o primeiro aniversário da publicação do diário Revolução, no início subintitulado Diário Académico Nacionalista da Tarde, cujo primeiro número tinha saído em 15 de Fevereiro de 1932. In “O Portal da História” As corporações só conhecem a linguagem da força. Não vale a pena escrever lindas palavras em barras de sabão. É preciso esculpi-las no granito afrontando a dureza das pedras endurecidas pelo tempo. Os homens perdem a capacidade de se libertar da servidão quando nela nasceram e foram educados para obedecer. Ou quando já se esqueceram da servidão no que ela tem de mais abjecto. É o caso de Portugal e da maioria das democracias da Europa Ocidental. O exercício da liberdade não dispensa a inteligência e a emoção de escolher - aceitar ou contestar, falar ou calar - em cada momento e em todo o lugar. O exercício da liberdade é o mais difícil de todos aqueles a que o homem é chamado a responder. Por isso valeu bem o sacrifício de milhões de homens e mulheres em duas guerras sangrentas na Europa em pleno século XX. As vantagens da liberdade são incomensuráveis para a humanidade mas nunca estão definitivamente garantidas. É uma ilusão perigosa pensar o contrário. Falo a propósito das discussões acerca das medidas do governo socialista para fazer face ao deficit. Deficit, qual deficit? parecem perguntar muitos portugueses, comunistas e não só! Mas caso se não equilibrem as contas públicas ficam abertas as portas aos arautos da “ordem” (que ilustro, numa versão portuguesa de 1933), ou seja, da tirania que, na versão moderna, poderá assumir as mais surpreendentes fórmulas. Penso nos resultados do referendo em França. Europa, qual Europa? Parecem perguntar as extremas direita e esquerda, parte dos socialistas e parte da direita tradicional francesa! Mas se a Europa não se mantiver unida, no essencial, ficam abertas as portas à guerra. Tirania e guerra marcham sempre a par na história. As escolhas resultantes do voto popular são para respeitar. Quem, em Portugal, não percebeu que os socialistas são a única força capaz de realizar uma política de salvação nacional, não percebeu nada! Por isso lhe foi outorgada, em eleições livres, uma maioria absoluta. Quem, na Europa (em França e não só!) não percebeu que o que está em jogo é o enfrentamento com o poder dos EUA (e da China), a nível global, preservando a paz na Europa e o “modelo social europeu”, não percebeu nada! Podem discutir-se os métodos e os ritmos mas o essencial está aí. Portugal é uma ínfima parcela desta realidade. As corporações, em Portugal, por razões históricas, só conhecem a linguagem da força. Mas os democratas e os amantes da liberdade, dão privilégio à força da inteligência (razão) e da persuasão (diálogo). Será suficiente? Uma velha conversa porventura mais actual do que muitos pensam.

quinta-feira, fevereiro 13

General Humberto Delgado - no dia do 60º aniversário do seu assassinato pela PIDE

Foi no dia 3 de Junho de 1958, ao fim da tarde, que Humberto Delgado chegou a Faro: “Ao cair do dia, em Faro, esperava-o uma invulgar concentração de agentes da PIDE, por toda a cidade e no hotel onde ficou hospedado.” “ – Tive de me refrear para não me atirar a eles”, confessou. “O Café Aliança serviu de palco improvisado, numa grande barafunda de populares amontoados à entrada, a revezarem-se para ouvir e ver o candidato presidencial”. No dia seguinte (4 de Junho) Humberto Delgado rumou a Portimão, visita que o seu neto descreve a traços largos e da qual destaco um detalhe: “À porta do cemitério, também sobressaiu em arroubos de euforia uma operária conserveira, de seu nome Maria da Conceição Ramos Matias, que utilizou nesse dia as suas moedas de poupança para oferecer flores ao general. Gritou-lhe palavras de ordem de sabor comunista e, rebentando de emoção, impôs o seu desejo de lhe cantar sozinha o Hino nacional, até que, por estar tanto calor, lhe desmaiou nos braços.” De regresso a Faro é assinalado um almoço tardio e a arrancada para visitar Olhão. Lembro-me da aglomeração de povo à beira dos passeios nas ruas de Faro, acontecimento absolutamente inédito, só comparável com a passagem de algumas procissões e, muito mais tarde, em 1966, aquando da chegada a Faro do bispo Júlio Tavares Rebimbas. Ninguém sabia ao certo, nem os percursos, nem os horários do General em campanha, mas o meu pai encontrou o caminho, e o momento certo, para se integrar na comitiva que percorreu os nove quilómetros ente Faro e Olhão, que eu acompanhei, ainda criança, certamente, a bordo do Ford Prefect (LH-14-11) familiar. Lembro-me ainda de ter andado na rua, pela mão de meu pai, assistindo à calorosa recepção do povo de Olhão ao General. Que estranho influxo de coragem atravessou o coração das gentes para que ousassem mostrar, publicamente, a sua dissidência, desafiando um regime político temido pela repressão que exercia sobre os seus opositores? Nesse mesmo dia, 4 de Junho de 1958, a comitiva seguiu para Tavira, Vila Real de Santo António, subindo depois na direcção de Beja cidade na qual a campanha havia de terminar, em apoteose. (Transcrições de “Humberto Delgado – Biografia do General Sem Medo”.)

segunda-feira, fevereiro 10

"Justiça"

"Está tudo prescrito: Tribunal da Relação de Lisboa anula coimas de 225 milhões de euros a 11 bancos". (In Expresso). Como seria de esperar a atividade da banca não é censurável pela justiça. De recurso em recurso chegará ao Supremo mas o resultado será o mesmo. Como soe dizer-se a justiça só funciona para os pequenos...

domingo, fevereiro 9

Radicalidade democrática

Outra ironia do nosso tempo. Ser radical hoje é estar do lado da democracia representativa, que alguns intitulam de liberal. O melhor caminho para assumir a radicalidade democrática é não ceder à chantagem dos autocratas, vistam as cores que vestirem. Nem amolecer na oposição a todas as formas de autocracia que se manifestam e insinuam nos planos ideológico e politico. Não há autocratas bons. Notei que o socialista em funções de presidente da AR, face à denúncia da saudação nazi do homem das malas, clara e inequivoca, afirmou nada ter visto... é frouxo e com estes frouxos o mal vencerá.

sexta-feira, fevereiro 7

Radicais

Suprema ironia. O tempo da história é longo e hoje somos capazes de assumir posições fundadas em ideias que ontem rejeitavamos. Ou vice versa. Nos tempos da revolução do século XX português, de finais dos anos 60 a meio dos 70, tomámos posições radicais, diziamos revolucionárias, juvenis e imaturas e desembaraçamo-nos delas, com mais ou menos convição, mas não das memórias e de uma réstia de esperança num futuro de igualdade com justiça e liberdade. Parece que esse tempo de esperança acabou, melhor dito, está sendo enclausurado em ameaças de trevas. Fomos nós radicais? Naquele tempo sim! as revoluções são processos radicais de todos os lados. E hoje, como ser radical de novo? Todos procuram os termos certos para definir esse radicalismo. Desconfio que as gerações jovens vão ter de pegar em armas, sejam elas quais forem, para combater os novos totalitarismos. Não é necessário esperar muito mais tempo para o enfrentamento geral que, aliás, já está em curso na Europa de leste e no Médio Oriente.

sábado, fevereiro 1

NEVE A SUL

Uma memória antiga. Na madrugada do dia 1 para 2 de fevereiro de 1954 a meteorologia fez uma surpresa ao sul de Portugal. Para surpresa de todos - pois as previsões não seriam tão meticulosas e divulgadas - nevou a sul. Da janela da casa onde nasci, em Faro, na manhã de dia 2 de fevereiro de 1954, pude ver pela primeira vez neve ainda assim abundantes. Foi uma festa que nunca mais esqueci, nem se repetiu pelo menos com aquela intensidade. Vejam só como as surpresas do clima são coisa antiga.

terça-feira, janeiro 28

Gaza - A Grande Marcha

A impressionante marcha de retorno dos palestinianos às suas casas em Gaza. A atualidade mistura-se com a história. (Fotografias de Veja)