quarta-feira, agosto 31

MÁRIO SOARES A PRESIDENTE


Fotografia de Om Namah Shivaya

Acabei de ver e ouvir a declaração de candidatura de Mário Soares à Presidência da República. A sua idade física (80 anos) não corresponde à sua idade política. O futuro demonstrará que tenho razão. O mais que certo opositor de Soares, Cavaco Silva, apesar de mais novo em idade (66 anos) é muito mais velho como político. Olhem que sei do que falo. O tempo se encarregará de esclarecer toda a gente acerca deste pequeno detalhe.

Portugal precisa de políticos com coragem nos lugares de topo do Estado. O povo precisa de ser capaz de olhar o céu e sonhar com um futuro melhor. O meu apoio a Mário Soares é um acto de coerência e de fidelidade às minhas ideias socialistas. Sempre votei no PS, desde 1977, e em Mário Soares desde a dramática primeira volta das presidenciais de 1985. É uma decisão simples, aconteça o que acontecer.

terça-feira, agosto 30

Margarida Marques


Uma boa notícia do dia. Margarida Marques será a nova Chefe da Representação da Comissão Europeia em Portugal. Entrará em funções no dia 1 de Setembro. As conquistas difíceis têm outro sabor.

"Os três absurdos"


Sob protecção divina - Nicósia _ Fotografia de Hélder Gonçalves

“21 de Fevereiro de 1941.

Terminado Sisyphe. Os três Absurdos estão acabados.
Começos de liberdade.”

Albert Camus

Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Camus refere-se à primeira trilogia constituída pelas obras reunidas em torno do conceito do absurdo: o romance “O Estrangeiro”, o ensaio “O Mito de Sísifo” e o drama “Calígula”; ver bibliografia completa de Camus aqui.)

segunda-feira, agosto 29

Não pude e não posso


Fotografia de Margarida Delgado

- Meu corpo, que mais receias ?
- receio quem não escolhi.


Jorge de Sena


corpos
desejados
ansiosos de posse
e de tomada
não pude
e não posso
tocá-los
de uma só vez
de estocada

receio
abandonar a vida
antes de a viver
toda inteira
e pelos dedos
se escaparem
os corpos
antes de tocados
à minha maneira

não terei
nunca os corpos
todos amados ao alcance
de minhas mãos
e não receio
nada a não ser
quem não escolhi

meu corpo,
que mais receias?

In "Ir Pela Sua Mão"
Editora Ausência - Maio 2003

CLAUDIA CARDINALE


Aquela actriz que sempre nos faltava nas conversas de verão acerca das belezas italianas. Até que o J.R. se lembrou.

MÁRIO SOARES


Mário Soares por Júlio Pomar

Mário Soares – não é preciso dizer mais nada. É essa a sua vantagem. Boa sorte.

domingo, agosto 28

MANOEL DE BARROS


O menino que carregava água na peneira.

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos

Manoel de Barros

Imagem e poema in there's only 1 alice (vale a pena conhecer)

sábado, agosto 27

Fim do Dia em Lisboa


Fim do dia em Lisboa – Fotografia de José Frade
In Olhares

Descobri a galeria de fotografias do José Frade que só pode ser aquele em quem estou a pensar. Se tenho razão foi ele que me fez o maior número de fotografias que se possa imaginar. Sem nenhuma preparação especial e, apesar disso, algumas delas muito boas.

Esta foi “surripiada” para alguém a quem um dia falei da Lisboa, à beira Tejo, no fim do dia. É divinal.

"O Mito de Sísifo"


“Setembro (1940)

Terminada a 1ª parte Absurdo (*)

O homem que destrói a sua casa, queima os seus campos e os cobre de sal para os não ceder.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(*) Trata-se da primeira parte de “Le Mythe de Sisyphe”. (“O Mito de Sísifo” foi publicado em Outubro de 1942).

sexta-feira, agosto 26

CAMÕES


Vale a pena ler, olhar, ver, sentir Camões no New York on Time

“Há exatamente 410 anos, em 1595, foram publicados os sonetos de Camões, 15 anos depois da morte do poeta. (…)”

Céu


“Nos céus do Monte Branco” – Fotografia de Hélder Gonçalves

Céu

O céu não existe.
Simples distância nua
onde o rumor da terra se reflecte
como o eco dum grito,
deves chamar angústia à lua
e a cada estrela um coração aflito.

Se acaso for o rastro
dalgum cometa errando
no esplendor de tanta solidão,
é o meu desespero,
Lembra-te de tudo o que mais quero
e não lhe chames astro.

Carlos de Oliveira

In “Trabalho Poético” - “Viagem Entre Velhos Papéis”
Círculo de Leitores

quinta-feira, agosto 25

CORRUPÇÃO


Paulo Morais faz afirmações à VISÃO que deveriam dar origem a um terramoto político. Mas, estejam descansados, vai ficar tudo na mesma. Nada conheço das razões do seu afastamento das listas do PSD à Câmara do Porto mas o tema abordado, na entrevista, por Paulo Morais está na origem do meu recente post “O Centro Está Cheio de Vazio”

L´Étranger


“Maio (1940)

L´Étranger está terminado.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Em Março Camus tinha ido para Paris, como secretário de redacção do “Paris-Soir”. Em Maio o exército de Hitler invade a França. “O Estrangeiro” é publicado em Junho de 1942)

GAL


Do FOTOGRAFICAMENTE

'MEU NOME É GAL, TENHO 24 ANOS...'

Gal Costa era tudo de bom nessa época: linda, sensual, livre, jovem... e cantava muuuito. Estava gravando aqueles seus primeiros long plays, umas obras-primas... Ai, ai... Por que o tempo cisma em passar assim tão depressa?

(Um encantamento …)

quarta-feira, agosto 24

Floresta sem Gestor = Abandonada


Ler no Naturlink: "Um avião europeu de combate aos incêndios florestais"

«Um avião europeu? Toda a floresta portuguesa tem dono, mas só uma fracção dela tem gestor. É bom não confundir as duas coisas. A floresta que não tem gestor está abandonada e é essa floresta abandonada que está na origem do problema dos incêndios.

Carlos Rio Carvalho, Engº Silvicultor ? ERENA (24-08-2005)»

No Dias com árvores

Os Fumos dos Incêndios Florestais


Imagem MERIS obtida a 21 de Agosto

"Rastos de fumos provenientes de devastantes e incontroláveis fogos florestais de Portugal Continental espalham-se ao longo do oceano Atlântico nesta imagem do satélite Envisat obtida a 21 de Agosto."

Imagem obtida através do instrumento MERIS, o Medium Resolution Imaging Spectrometer, que se encontra a bordo do Envisat, o maior satélite de Observação da Terra europeu, a operar numa resolução espacial de 1200 metros.

CÉU


Sob o céu de Lisboa - Fotografia de Hélder Gonçalves

Céu

O céu é igual em toda a parte
os olhos de cada um o faz diferente.


In “Ir Pela Sua Mão”
Editora Ausência – 2003

terça-feira, agosto 23

SERVIR


Fotografia de PELA LENTE

“É sempre vão pretender quebrar um laço de solidariedade, apesar da estupidez e da crueldade dos outros. Não se pode dizer: “Ignoro-o”. Colabora-se ou combate-se. Nada é menos perdoável que a guerra e o apelo aos ódios nacionais. Mas uma vez surgida a guerra, é vão e cobarde querer afastar-se a pretexto de que se não é responsável. As torres de marfim acabaram. A benevolência é interdita. Por si própria e para os outros.

Julgar um acontecimento é impossível e imoral se se está de fora. É no seio dessa absurda desgraça que se mantém o direito de a desprezar.

A reacção de um indivíduo não tem qualquer importância. Pode servir para qualquer coisa mas nada a justifica. Pretender, por diletantismo, afastar-se e separar-se do seu ambiente, é dar prova da mais absurda das liberdades. Eis porque motivo era necessário que eu tentasse servir. E se não me quiserem, é igualmente necessário que eu aceite a posição do civil desprezado. Em ambos os casos estou no centro da guerra e tenho o direito de a julgar. De a julgar e de agir.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Para que se compreenda a problemática deste fragmento que muito me influenciou. Em Setembro de 1939, Camus está pronto para partir para a Grécia quando eclode a 2ª guerra mundial. Camus não quer escapar à guerra e apresenta-se como voluntário mas não é aceite devido à sua tuberculose.)

CARTA A MEUS FILHOS


Goya - 3 de Maio

CARTA A MEUS FILHOS
Os Fuzilamentos de Goya

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muitos apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre só tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

Jorge de Sena

segunda-feira, agosto 22

UM CRIME COM AUDIÊNCIA


Imagem de Conta Natura

Toda a gente sabia, desde há muito, que 2005 seria um ano forte de incêndios florestais. Basta saber somar 2+2. Eu próprio escrevi um artigo acerca da questão da água e da seca severa, ou extrema, que tem assolado o país e toda a Europa meridional. Nada do que está acontecer é surpresa para ninguém.

O governo entrou em funções no tempo errado para a abordagem estruturada desta questão. Não esquecer que as eleições decorreram em finais de Fevereiro e o governo iniciou funções em pleno período em que já deveria estar executado todo o programa de prevenção e em estado operacional o programa de combate aos incêndios florestais. São as questões de calendário.

Mas não são essas que me preocupam agora. O que me preocupa é, como tem sido aflorado por muita gente, o papel dos órgãos de comunicação social, em particular os canais de televisão, na informação acerca dos incêndios florestais.

Estamos a assistir, semanas a fio, a um verdadeiro crime a que ninguém tem coragem de por fim. A acção de todos os canais de televisão na transformação dos incêndios num espectáculo mediático é, pura e simplesmente, um crime.

As reportagens, sistemáticas e repetitivas, em directo, à boca da fornalha, as entrevistas com populares em pânico, a exploração das imagens dantescas do fogo a galopar a floresta, são um chamamento à faceta animalesca que o homem trás dentro de si. Geram incendiários que anseiam por produzir o seu próprio espectáculo. Degradam a auto estima das populações. Revelam o lado negro do negócio da comunicação, dominado, em exclusivo, pelas audiências, sem sentido de ética quanto mais de patriotismo.

Os juristas que façam o enquadramento legal do crime em apreço e o Estado, através dos legítimos representantes do povo, que ponha termo a este escândalo. A não ser assim um dia vamos ter um clamor em favor de uma nova censura.