domingo, setembro 18

Comment te dire adieu


Na foto Françoise Hardy in La Vie en blues

Comment te dire adieu

além de ontem
- azul de ladrilhos -
espectra a manhã
num relance:
página em branco,
grito de galo, fogo perpétuo
- despertar é áspero,
poroso
golpe de luz
a frio – alarde de cristais.

Língua dos Versos


E Viva o Porto – Fotografia de Hélder Gonçalves

Língua;
língua da fala;
língua recebida lábio
a lábio; beijo
ou sílaba;
clara, leve, limpa;
língua
da água, da terra, da cal;
materna casa da alegria
e da mágoa;
dança do sol e do sal;
língua em que escrevo;
ou antes: falo.

Eugénio de Andrade


Lengua de los versos

Lengua;
lengua del habla;
lengua recibida labio
a labio; beso
o sílaba;
clara, leve, limpia;
lengua
del agua, de la tierra, de la cal;
materna casa de la alegria
y la amargura;
danza del sol y de la sal;
lengua en que escribo;
o antes: hablo.

Rente ao Dizer/Próximo al Decir
Tradução de José Luís Puerto
Amarú Ediciones

sexta-feira, setembro 16

UM CORPO


Fotografia de Margarida Delgado, in Sabor a Sal

Um corpo desejável envolto em pose despojada
Ser tocado e fazer-se mais desejado entreaberto
Na espera do inesperado sem horas nem tempo
O corpo somente o corpo pontiagudo se derrete
E escorre ao longo dos meus lábios lentamente.


21 de Dezembro de 2004

"Panorama da Educação Nos Países da OCDE"


Serralves – Fotografia de Hélder Gonçalves

Foi divulgada a edição de 2005 do “Panorama da Educação nos países da OCDE”. Este “panorama” consiste, em síntese, num conjunto de indicadores, comparáveis e actualizados, acerca do desempenho do sistemas educativo em 30 países.

Comecemos por assinalar, por via dos equívocos, que os progressos realizados nos últimos anos em muitos países, incluindo Portugal, são assinaláveis. O interesse do relatório concentra-se, no entanto, na apreciação da posição relativa de cada país no que respeita ao desempenho da respectiva política educativa.

E, naturalmente, no enunciado dos indicadores nos quais Portugal surge, em termos comparativos, numa posição desvantajosa.

Eis um enunciado sintético de três desses indicadores que podem ser consultados, na íntegra, através do link que surge no final deste post.

- Portugal surge no último lugar no indicador de frequência do ensino formal, com 8,2 anos, considerando os cidadãos dos 25 aos 64 anos. Quer dizer que cada português adulto frequentou a escola, em média, 8,2 anos.

Nos últimos lugares, neste indicador, surgem também a Itália (10 anos), Turquia e México (menos de 10, mas mais de 8,2 anos). Os primeiros lugares são ocupados pelos EUA, Noruega, Dinamarca e Luxemburgo, com cerca de 14 anos.

Este indicador é, certamente, um dos mais objectivos e o reverso de outro tipo de indicadores, conhecidos, como o que se refere ao “abandono escolar precoce” em que Portugal ocupa o último lugar entre os países da UE.

- Nalguns países os professores (“a meio da carreira”) têm salários mais do que duas vezes superiores ao PIB per capita do respectivo país, casos da Coreia e do México, ocupando Portugal o lugar imediatamente a seguir, usufruindo os professores portugueses de salários semelhantes aos da Alemanha e da Suíça.

Mesmo considerando que os professores trabalham em contextos diferentes, integrados em processos organizacionais diversos, de país para país, este é um indicador bastante surpreendente que ainda mais se torna impressivo quando se lhe junta o indicador do tempo líquido, em “horas por ano”, passado pelos professores em actividades lectivas na escola.

- Neste indicador Portugal apresenta uma situação que indicia uma relativamente fraca permanência dos professores na escola com um valor ligeiramente superior às 600 horas/ano face à média do conjunto dos países que é de 701 horas/ano, sendo que este valor atinge mais de 1000 horas nos EUA e no México e um valor mínimo de 535 horas no Japão.

Os indicadores disponibilizados por este relatório da OCDE têm o valor que têm, mas, no seu conjunto, representam uma fotografia bastante negativa do estado da educação em Portugal.

A sua leitura por mais benévola que seja face a factores de diferenciação do “caso português” dão uma forte caução às medidas que o governo socialista tem vindo a aplicar na reforma do sistema, em particular, na promoção de um mais extenso e atento acompanhamento pelos professores das actividades lectivas dentro das escolas.

De facto a conjugação, em Portugal, de salários relativamente elevados dos professores com o tempo da sua permanência na escola, em actividades lectivas, abaixo da média do conjunto dos 30 países considerados, deve querer dizer alguma coisa, não é?

Veja aqui o “Panorama da Educação nos países da OCDE”.

Aqui uma notícia a propósito do mesmo assunto.

quinta-feira, setembro 15

A França e a Inglaterra


Fotografia de José Marafona

“Há muitas razões para a hostilidade oficial contra a Inglaterra (boas ou más, políticas ou não). Mas não se fala de um dos piores motivos: a raiva e o desejo mesquinho de vermos sucumbir quem ousou resistir à força que nos esmagou.”

Albert Camus

Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Ocupada ou partilhada?


Nicosia, ocupada ou partilhada? - Fotografia de Hélder Gonçalves

(Alterei o título.)

quarta-feira, setembro 14

Câmara Corporativa

De grande utilidade e oportunidade.

VERSOS DESENCONTRADOS


Fernando Pessoa no Martinho da Arcada com Raul Leal, António Botto e Augusto Ferreira Gomes.

Em nada ou em ninguém
Eu deveria acreditar!
Nem no amor, nem na vida. - As ilusões,
Mesmo até quando vêm disfarçadas
E já conhecem o cliente, hesitam,
E chegam a partir envergonhadas...
As ilusões -
Também têm os seus mais preferidos;
E àqueles que ficaram na ruína
Do pensamento, e são - por graça de conquista
Os pálidos mortais desiludidos,
A esses já não correm muito afoitas
Na mentira das grandes fantasias!
- É por isso que eu hoje ainda vivo
À margem das ridículas tragédias
Que lemos nos jornais todos os dias.

Atulham-se os presídios; no degredo,
Atados à saudade, vão ficando,
- Como lesmas ao luar, esses que matam,
E pelo amor tombaram na desgraça:
- Um sonho, um beijo, uma mulher que passa!
Só a guitarra os lembra ao triste fado
Nos ecos diluídos e chorosos
E fundos do lusíada, coitado!
Eu olho para tudo que enxameia
Nesta viela escura da existência
Como quem se debruça num abismo
E fica revolvendo a consciência
Na tristeza infinita de um olhar!...
- A humanidade é vil e o seu egoísmo
Tem base na vileza de vexar.

Sim;
Por qualquer coisa os homens tudo vendem:
Palavra, dignidade, a própria vida,
Só porque desconhecem a doutrina
Bendita de Jesus; - esse tesoiro,
Essa fonte de luz onde aprendi
A ser leal e amigo e a respeitar
Aquela que nos risos do meu lar
Desembaraça os fios de uma queixa
No mistério que cinge o verbo amar.

Mas quando um ano acaba e outro vem,
Embora a minha fronte e os meus cabelos
Envelheçam na marcha para o fim
E um sabor de renúncia e de cansaço
Vibre, cantando, aqui, dentro de mim,
Rebenta-me no peito uma esperança
Tão lúcida, tão viva, e tão ungida
Na fé que ponho erguendo a minha prece -
Que peço a Deus do fundo da minha alma
Que a todos os que sofrem neste mundo
Dê o conforto de uma vida calma.

António Botto

Aves de Um Parque Real
As Canções de António Botto
Editorial Presença
1999

segunda-feira, setembro 12

NA MORTE DE MARILYN


Fotografia de Marilyn Monroe - Playboy (1953)

Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser atá ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou.

Ruy Belo

Transporte No Tempo
Editorial Presença


Marilyn Monroe veja biografia aqui

domingo, setembro 11

11 DE SETEMBRO


Fotografia de Margarida Delgado, in Sabor a Sal

Retenho na memória os corpos filmados num ângulo estranho e os ritos de espanto e pavor que se estampavam nos rostos. As correrias desgovernadas e os nomes dos desaparecidos escritos em papéis. As velas acesas e as preces. As vozes roucas de surpresa e de medo.

Tinha sido dado início aos quatro anos mais terríveis da minha (nossa) vida. Coincidência? As cinzas que cobriram os sobreviventes também nos cobriram a nós. Ainda nos estamos a erguer do chão para reiniciar a caminhada.

Os fundamentalistas de todas as religiões hão-de ser isolados e vencidos. Mas continuam nos postos de comando. As comunidades que os geraram hão-de destruí-los. Como? Através da livre escolha ou pela força da violência? Vencerá a liberdade ou a tirania? A paz ou a guerra? O bom senso da maioria dos povos triunfará?

É absolutamente necessário que as instituições multinacionais – ONU, UE, … – se não desprestigiem e, pelo contrário, se fortaleçam. É essa a única esperança que resta aos homens e mulheres de boa vontade.

SALVADOR ALLENDE


EM MEMÓRIA DE SALVADOR ALLENDE

"(...) Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor. ¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores! Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición."

Salvador Allende, 11 de septiembre de 1973, del mensaje a los ciudadanos transmitido por Radio Magallanes a las 9,03 de la mañana.

Excepção Fatal


Fotografia in New York on Time

““Retz: “Com excepção da coragem, o Senhor Duque de Orlèans tem tudo quanto é necessário a um homem honesto””

Albert Camus

Caderno” n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

sábado, setembro 10

FARO - Telhados


Telhados - Faro Velha

Veja aqui uma imensidade de fotografias de Faro (e não só) que assinalam lugares das minhas memórias mais felizes. In Click Portugal! - Opinião e troca de Ideias. (De Platero)

Emigrar à Força


As imagens da tragédia americana que têm passado, repetidas até à náusea, fazem-me lembrar intensamente a odisseia dos emigrantes. Fascina-me, desde criança, a viagem do homem buscando outras terras.

A minha família, do lado paterno, foi emigrante no Brasil e nos EUA. Admiro a coragem daqueles que partem buscando a sorte da fortuna noutras paragens sem, a mais das vezes, conhecerem nada das terras que demandam, nem a geografia, nem a língua, nem a cultura.

O que estamos a assistir nos EUA é a um fenómeno extraordinário de emigração interna. Uma deslocação sem precedentes, em tempo de paz, de uma multidão que muda de cidade, de estado, abandonando as suas raízes originárias, porventura, para sempre.

Estamos assistindo a uma verdadeira odisseia de recriação da demografia de uma vasta região dos EUA, equivalente à península ibérica, que exige uma imensa capacidade de integrar criando uma nova vida para centenas de milhares de americanos.

Ao contrário do que muitos possam pensar os EUA vão sair mais fortes desta crise enquanto a administração BUSH entra definitivamente no ocaso político.

As Nações não se confundem com os seus governos mas os povos podem ser penalizados pela política dos governantes que ignoram, cinicamente, a força “irresponsável” da natureza.

Mas a vida continua e, para além do debate político e das suas consequência, neste caso, impressiona o desprezo pela prevenção da catástrofe anunciada e o fenómeno da uma imprevista emigração em massa.

sexta-feira, setembro 9

CAMUS - CADERNO Nº 4


Fotografia de Pela Lente

“Janeiro – Fevereiro (1942)

“Tudo o que não me mate torna-me mais forte.” Sim, mas … E como é duro pensar na felicidade. O peso esmagador de tudo isto. O melhor é calarmo-nos para sempre e voltarmo-nos para o resto.”

Albert Camus

Caderno” n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Citação inaugural do Caderno nº 4)

Colin Powell


Powell admite que prestação na ONU manchou a sua reputação
O antigo secretário de Estado norte-americano Colin Powell admitiu quinta-feira que a sua apresentação em 2003 perante a ONU sobre as armas de destruição maciça (ADM) que o Iraque alegadamente tinha foi uma «mancha» na sua reputação.

(Por lembrança da MAB)

quinta-feira, setembro 8

Nova Orleães por Luís Costa Ribas


Imagem da SIC on line

Nova Orleães por Luís Costa Ribas – um repórter “sem abrigo”. Os relatos de Luís Costa Ribas, enviado da SIC a Nova Orleães, sob o título Impressões, são um caso exemplar de abnegação de um jornalista que não tem medo de enfrentar a realidade nem poupa palavras para relatar, simplesmente, a verdade.

Contradições


Um Olhar da Inês – Fotografia de Hélder Gonçalves

“”Antisthène : “É verdadeiramente real fazer o bem e ouvir dizer mal de nós.”

“Cf. Marco Aurélio: “Seja onde for que se possa viver, pode viver-se bem.”

“Aquilo que detém uma obra projectada transforma-se na própria obra”

Aquilo que barra o caminho faz avançar.

Terminado em Fevereiro de 1942.””

Albert Camus

Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

(Camus assinala que o “Caderno" n.º 3 termina aqui. No início de 1942 tem uma recaída da tuberculose e viaja de Orão, acompanhado da mulher, para o sul de França – Le Panelier, próximo de Saint-Etiénne.)