sexta-feira, abril 15

MEU POVO, MEU ABISMO



Meu povo é meu abismo.
Nele me perco:
a sua tanta dor me deixa
surdo e cego.

Meu povo é meu castigo
meu flagelo:
seu desamparo,
meu erro.

Meu povo é meu destino
meu futuro:
se ele não vira em mim
veneno ou canto –

               apenas morro

Ferreirra Gullar

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“Meu Povo, meu Abismo”

Tão belo o poema
Tão curto e conciso
Tão presente tão futuro

Tão belo o poema
Que nem preciso ser
Poeta p´ra escrever
Um poema no espaço
Livre de seu destino

Tão belo o poema
Que podia ser hino

15/3/2008

Krassimira Stoyanova

sexta-feira, abril 8

O MEU TIO VENTURA MORREU



O meu tio Ventura, noutros tempos, foi regedor. Lembro-me de discutir política com ele. No tempo da ditadura. As minhas ideias deviam soar-lhe a utopias sem raízes na terra seca que cultivava. As dele soavam-me ao velho mundo que, para mim, estava para sucumbir. Não sabia a data, nem o modo, mas estava para acabar. Eu, na verdade, não sabia nada da vida. Mas tinha convicções fortes e ele gostava de me ouvir. Eu, pelo meu lado, gostava de o ouvir falar.

Mesmo hoje, nos seus mais de 90 anos, gosto do seu discurso enérgico. Com ele compreendi que somos, sempre, ao mesmo tempo, derrotados e vencedores. Nunca definitivamente derrotados, nem nunca definitivamente vencedores. Aprendi que é possível um radicalismo tolerante. Ou uma tolerância radical. Sermos absolutamente contra, aceitando as diferenças. Exigir aos outros que nos aceitem e exigir, a nós próprios, a aceitação dos outros. Sempre, toda a vida, sem quebras nem desfalecimentos.

Por isso compreendo que, nas eleições democráticas, todos os concorrentes se declarem vencedores mesmo que tenham sido vencidos. Todos compreendemos que é um jogo. Com ele os homens evitam digladiar-se através da violência física. As eleições democráticas são um ritual de tolerância mesmo quando as vozes se elevam mais alto e estalam as recriminações.

Mesmo quando são eleitos aqueles que julgamos desmerecer do voto popular. Mesmo depois de ter votado tanta vez sinto orgulho na democracia portuguesa e um prazer especial no acto de votar.

Sinto-me constrangido ao ler tanta abjecção intelectual, tanta intolerância, face às imperfeições do homem - candidatos e eleitores - que se revelam, abertamente, na disputa democrática. Os críticos, descrentes, abstinentes, ausentes e presentes não se observam a si próprios?

Eu sempre votei como se fosse colocar uma flor aos pés de um corpo perfeito de mulher.

[Ao receber a notícia da morte do meu tio Ventura aos 97 anos, salvé!]

segunda-feira, abril 4

Bom Censo



Ontem preenchi online o Censo com toda a família. Fácil e não encontrei aleijão ou deformidade no dito cujo. Mas verifico, pelas notícias, que é muito difícil contar os portugueses ...  e ainda mais difícil perguntar acerca da sua real situação na sociedade.... Imaginem o Brasil ...
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PORTUGAL, Alexandre O'Neill - Filipa Leal