sábado, janeiro 25

A unidade prevalece sobre o conflito (2)

227. Perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam as mãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem o horizonte, projetam nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo. «Felizes os pacificadores».


228. Deste modo, torna-se possível desenvolver uma comunhão nas diferenças, que pode ser facilitada só por pessoas magnânimas que têm a coragem de ultrapassar a superfície conflitual e consideram os outros na sua dignidade mais profunda. Por isso, é necessário postular um princípio que é indispensável para construir a amizade social: a unidade é superior ao conflito. A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, torna-se assim um estilo de construção da história, um âmbito vital onde os conflitos, as tensões e os opostos podem alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida. Não é apostar no sincretismo ou na absorção de um no outro, mas na resolução num plano superior que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste.

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO
24 de novembro de 2013


MES - Os dirigentes fundadores (I) - 25 de abril - 40 anos, 20

(Publicado originalmente nos Caminhos da Memória)

Prosseguindo uma breve digressão pelas memórias do MES (Movimento de Esquerda Socialista) julgo interessante enunciar as personalidades que, ao nível de direcção, desde os primórdios da sua criação, deram vida ao seu programa de acção. [Todas as informações que vou aqui divulgar são reproduzidas de documentos originais que tenho em minha posse.]

Na vertente de identificação dos dirigentes fundadores do MES não serei exaustivo, prevenindo qualquer involuntária omissão, nem, porventura, serei capaz de fazer vir à memória de todos a figura física de alguns nomes que a voragem do tempo fez esquecer. Mas, desta forma, far-se-á justiça a algumas personalidades que não tendo obtido consagração pelos seus feitos políticos deram, no entanto, por regra, um contributo notável na esfera do activismo sectorial.

Os nomes dos primeiros dirigentes fundadores do MES surgiram como subscritores da «DECLARAÇÃO DO MOVIMENTO DE ESQUERDA SOCIALISTA (MES)» (sem data), tornada pública imediatamente após o 25 de Abril de 1974 o que é comprovado tanto pelo seu teor, como por anunciar a Sede Central do Movimento na Av. D. Carlos I, 146 - 1º Dto., em Lisboa, com indicação do horário de funcionamento que, em boa verdade, nunca foi cumprido. [Por curiosidade aqui deixo o «horário»: das 14 às 20 horas e das 21,30 às 24,30 horas de 2ª a 6ª e das 9 às 24,30 horas aos sábados e domingos.]

Nesta primeira «Declaração do Movimento de Esquerda Socialista (M.E.S.)» explicitam-se os seus princípios fundadores sob o lema: «A emancipação dos trabalhadores tem de ser obra dos próprios trabalhadores», abrangendo os campos da «luta de fábrica e sindical»«luta anti-colonial»«luta estudantil»«luta urbana» e, surpreendentemente, nos seus termos, no campo da luta «pelo aumento dos tempos livres», título sob o qual se aborda, na verdade, a temática laboral.

«Pela Comissão Organizadora» a declaração é subscrita por dirigentes agrupados por área de intervenção: Manuel Lopes, António Rosas, António Santos Júnior (militantes sindicalistas); Rogério de Jesus, António Machado, Francisco Farrica, Edilberto Moço, Luís Filipe Fazendeiro, Luís Manuel Espadaneiro (militantes operários); Carlos Pratas e José Galamba de Oliveira (militantes estudantis); Víctor Wengorovius, Joaquim Mestre e José Manuel Galvão Teles (candidatos da CDE de Lisboa, em 1969); Eduardo Ferro Rodrigues (consultor sindical e ex-dirigente estudantil); Nuno Teotónio Pereira (militante cristão) e César Oliveira (historiador do movimento operário).

A origem dos subscritores deste documento assume a confluência na designada esquerda socialista de uma nova vaga de dirigentes, não comunistas, oriundos dos movimentos operário, sindical, católico progressista e estudantil que se tinham destacado, desde o início dos anos 60, na condução de lutas contra a ditadura nas respectivas áreas de intervenção. Outros activistas prestigiados, e influentes, não subscreveram esta declaração fundadora, por meras razões tácticas, mas surgirão pouco tempo passado, de uma forma mais ou menos discreta, associados à direcção política do Movimento.

PUBLICADO EM 5 DE SETEMBRO DE 2008
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sexta-feira, janeiro 24

I CONGRESSO DO MES - O PANO DE FUNDO - 25 de abril - 40 anos, 19


Sessão pública de encerramento do I Congresso do MES – 21 e 22 de Dezembro de 1974 – Aula Magna da Cidade Universitária

O meu interesse por esta fotografia vem de longe e reside no facto do pano de fundo ter sido desenhado, em parte, com os pés. Queríamos fazer transbordar o símbolo do seu círculo fechado, subvertê-lo, criar uma imagem de movimento, mostrar um partido como lugar de caminhada e de encontro, o lugar de todas as utopias.

A Luísa Ivo, amavelmente, enviou-me a fotografia e adianta alguns detalhes: “o congresso iniciou-se sem o pano; estive com o Tolas, durante essa manhã, a continuar ou a terminar a pintura. A Mafalda controlava o processo. A uma certa altura eu e ele decidimos que deveriam aparecer mais marcas de pés a entrar para o círculo do que a sair. Então ele molhou os pés na tinta, foi até ao centro, fez o pino e saiu a caminhar com as mãos no chão e os pés para cima… Só nessa altura soube que ele praticava ginástica a um nível muito avançado!”

A fotografia fixa um momento da sessão de encerramento, no dia 22 de Dezembro, no qual está em palco Rossana Rossanda, consagrada dirigente da esquerda italiana, representante do movimento “Il Manifesto”, acompanhada por Manuel Braga da Cruz, actual reitor da Universidade Católica que traduzia o seu discurso.

Rossana, tal como Luciana Castellina, visitaram Portugal, mais do que uma vez no período da revolução, ao contrário de Lúcio Magri e de Luigi Pintor, todos do mesmo grupo de dissidentes do PCI, fundadores do “Il Manifesto”.

Na mesa, sentados, podem ver-se: Jerónimo Franco, Fernando Ribeiro Mendes, Afonso de Barros, Carlos Pratas, Augusto Mateus, José Dias, Nuno Teotónio Pereira, Rogério de Jesus, Francisco Farrica e António Machado.

Também tomaram lugar na mesa, embora não surjam nesta fotografia, Edilberto Moço, Paulo Bárcia (Didas), Vítor Wengorovius, Marcolino Abrantes, Luís Martins, Vítor Silva e Celso Cruzeiro.

[No conjunto eram os membros da “Comissão Política Nacional”, eleita no Congresso, com excepção de uns poucos cujos nomes não foram divulgados, entre os quais, eu próprio.]

PUBLICADO EM 13 DE SETEMBRO DE 2006

quinta-feira, janeiro 23

A unidade prevalece sobre o conflito


226. O conflito não pode ser ignorado ou dissimulado; deve ser aceite. Mas se ficamos encurralados nele, perdemos a perspetiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada. Quando pa...ramos na conjuntura conflitual, perdemos o sentido da unidade profunda da realidade.

227. Perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam as mãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem o horizonte, projetam nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo. «Felizes os pacificadores».

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO
24 de novembro de 2013


quarta-feira, janeiro 22

A POLÍTICA - 25 de abril - 40 anos, 18


O TEMPO


223. Este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a suportar, com paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos que o dinamismo da realidade impõe. É um convite a assumir a tensão entre plenitude e limite, dando prioridade ao tempo. Um dos pecados que, às vezes, se nota na atividade sociopolítica é privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos. Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação. É cristalizar os processos e pretender pará-los. Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos de uma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificarem em acontecimentos históricos importantes. Sem ansiedade, mas com convicções claras e tenazes.
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM  DO PAPA FRANCISCO

terça-feira, janeiro 21

UMA FOTOGRAFIA DA REVOLUÇÃO - 25 de abril - 40 anos, 17

 
Fotografia que me foi enviada pela Luísa Ivo, da publicação “Portugal, 1974/1975 Regards sur une tentative de pouvoir populaire, ed. Hier&Demain”, de Guy de Querrec.

. Para além da sua qualidade intrínseca nela surge, em destaque, de barba, o João Mário Anjos meu companheiro de jornada na madrugada do 25 de Abril de 1974.
 
PUBLICADO EM 1 DE MAIO DE 2007

segunda-feira, janeiro 20

SE EU SAIR DAQUI VIVO - 25 de abril - 40 anos, 16








































Fotografia de Hélder Gonçalves

Se eu sair daqui vivo
da Casa de Saúde do Telhal
crivo numa pedra nua e resistente
o tamanho do meu mal.
Assanho-me de tal
e vou e venho
onde me seja mais natural.
Se sair daqui vivo
privo-me de tudo
da minha liberdade
que não sou um homem mudo
sou um homem de verdade.
Privo-me na idade
do bem que não fizeram
do bem que tudo tem.
É numa simplicidade
que convém.

14/3/96
Casa de Saúde do Telhal



domingo, janeiro 19

Primeiros dias de calor. Sufocante. 25 de abril - 40 anos, 15


Ilustração do meu filho Manuel, enquanto criança.

"Abril.
Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se perdem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas, mouros de conversa à espera que venha a noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento."

Albert Camus
 
[Nesta página da edição portuguesa dos "Livros do Brasil" escrevi, à mão, em frente a Abril: “3-1968-Faro-Cais”, datando, com precisão, a primeira leitura. O ambiente da Argélia natal de Camus tem algo a ver com o ambiente de Faro, a minha cidade natal. Devia ser o período das Férias de Páscoa. Curiosamente nas vésperas do “Maio de 68”.]

“Avril.
Premières journées de chaleur. Étouffant. Toutes les bêtes sont sur le flanc. Quand la journée décline, la qualité étrange de l´air au-dessus de la ville. Les bruits qui montent et s´y perdent comme des ballons. Immobilité des arbres et des hommes. Sur les terrasses, mauresques qui divisent en attendant le soir. Café qu´on grilles et dont l´odeur monte aussi. Heure tendre et désespérée. Rien à embrasser. Rien où se jeter à genoux, éperdu de reconnaissance.” *


* Citação de 1936, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 1 (Maio de 1935 – Setembro de 1937) - página 25, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier I (Mai 1935 – septembre 1937) – página 806, Oeuvres complètes – II.

Na primeira lufada de ar quente me surgiste

e senti o calor dos primeiros dias de verão,

sufocante fulgor das arremetidas da tua voz

insinuante aberta até ao queixo do enigma

de saber que te quero possuir mas não sei.


Ajuda-me a possuir-te mesmo que eu não

queira e te deites mal amada pois eu quero

e desespero perdido por querer que saibas

do meu desejo sincero e louco em possuir-te

nos primeiros dias de calor. Sufocante.
 
PUBLICADO EM 23 DE JANEIRO DE 2009, IN CADERNO DE POESIA

Placido Domingo & Anna Netrebko

AS PALAVRAS AMARGAS DE TORGA - 25 de abril - 40 anos, 14

                                            

                                              Fotografia de Rosário Belmar da Costa

Terceira fotografia que testemunha o primeiro acto público em que o MES (Movimento de Esquerda Socialista) se assumiu como movimento político. No 1º de Maio de 1974 todos estávamos ainda em estado de levitação.

Como tinha sido possível acontecer a liberdade? Muitos já tinham desesperado e, finalmente, em poucos dias, ecoou uma explosão de liberdade onde se juntaram, espontaneamente, multidões de desconhecidos e os mais desencontrados sentimentos.

No quartel limitei-me a assistir a tudo, a preto e brando, pela RTP, a cor destas fotografias que sobreviveram trinta e três anos. O dia 1º de Maio de 1974 fez-nos acreditar que se tinha iniciado uma nova era em Portugal. Apesar de todas as vicissitudes foi mesmo verdade mas, hoje, compreendo o desabafo que Torga plasmou, em palavras amargas, no seu “Diário”:

“Coimbra, 6 de Maio de 1974 – Continua a revolução, e todos se apressam a assinar o ponto.
- O senhor não diz nada? – Interpelou-me há pouco, despudoradamente, um dos novos prosélitos.
E fiquei sem fala diante da irresponsabilidade de semelhante pergunta. Foi como se me tivessem feito engolir cinquenta anos de protesto.”
 
PUBLICADO EM 30 DE ABRIL DE 2007

sábado, janeiro 18

TANGO PESSOAL - 25 de abril - 40 anos, 13


                                                Fotografia de Hélder Gonçalves

Dizem que a memória deixa pegadas
e chamam-lhe as pegadas da memória.
Vou supor que está bem claro (claro que podia ser muito melhor).

Mas o 25 de Abril de há 25 anos não deixou apenas pegadas retóricas.
As pegadas são nomes de homens concretos à espera da morte
em Peniche ou no Tarrafal.
Das bandeiras em parada de legionários carnavalescos possuo ainda
uma caixa de cinzas.

Mais pegadas:
Os Ladrões de Bicicletas.
Redol a corrigir para os coronéis da censura um livro à pressa.
Júlio Pomar obrigado a comer cal.
Humberto Delgado a ser assassinado.
Soldados forçados a morrer em África.

A cardeala cereijiforme
preocupada com a fímbria da saia
depois de fazer jogging horizontal para baixo e para cima
sobre o cadáver santacombadense.

E, ao mesmo tempo,
eu a corromper-me a dançar o tango nos Fenianos,
o Manuel de Oliveira a fazer jogging transversal
à volta do corpo vivo de Potemkin, disfarçado de couraçado,
enquanto o carro do bebé desce para o seu destino.

Até que deixei uma noite de dançar o tango
e com dois amigos caçadores
(um deles o Alexandre O’Neill)
ferimos, a espingarda caçadeira,
em pleno escuro, no alto da Lixa,
um informador da polícia política.

Nada nos aconteceu
porque éramos tão fixes, gente tão fina,
que dançávamos o tango horizontal para cima e para baixo
em deboche obrigatório com as debutantes do Clube Tripeirense.

Entretanto, apanhávamos chumbos a Matemática.

Mais tarde, chegou-nos a vez de dançar o tango em Caxias
até que o Salgueiro Maia
garantiu de cima do tanque de guerra
que a Liberdade estava garantida.

Pegadas: claro que
esta memória não deixa pegadas de apagar com o vento.
Não são vagas pegadas a cheirar a alfazema rápida.
São antes a própria carne de que vamos vivendo.

E, olarila!,
acabou-se o tango.

Alexandre Pinheiro Torres
 
Cardiff, Janeiro 1999
 
PUBLICADO EM 10 DE FEVEREIRO DE 2007 - O POEMA INTEGROU O PROJETO "A POESIA ESTÁ NA RUA" - ABRIL 1999

sexta-feira, janeiro 17

UM POEMA ANTIGO PARA VARIAR


Experiência II

Quero de ti o corpo
seio ventre aberto

Quero o beijo de ti
sei do sexo ao certo

Quero de ti isso
o lugar exacto só

Quero a mão agora
logo não sei já

Que não quero sei
é perder-me aqui

Mas perder-me sei
Ao certo que me quero

Quero aonde ser
nada mais senão eu

Agora já sabes
o que eu quero

Eu é que não sei!

6/11/1980


[In Primeiros Poemas, edição de autor, Dez. 2007]

quinta-feira, janeiro 16

quarta-feira, janeiro 15

COLECÇÃO DE CONCEIÇÃO NEUPARTH - 25 de abril - 40 anos, 12


                                                                MES – Amadora

Esta fotografia foi obtida, certamente, aquando da campanha para as eleições legislativas de 25 de Abril 1976. O MES, de forma autónoma, só participou nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas a 25 de Abril de 1975, e nas primeiras eleições legislativas realizadas exactamente um ano depois.

A sua extinção foi o resultado de uma dura luta entre duas correntes que se confrontaram no 4º Congresso e ocorreu, como tenho vindo a documentar, através de um jantar/festa, no dia 7 de Novembro de 1981. É esta a data exacta, confirmada pelo António Pais através da sua agenda e das fotografias, de sua autoria, que testemunham as presenças nesse evento.

A revista “Sábado”, na sua edição de 11 de Março, publicou a fotografia de grupo, que deu início a esta série, sem referir a fonte o que é lamentável e não abona acerca da deontologia profissional dos autores de uma reportagem acerca da carreira política de um dos fotografados, José António Vieira da Silva, actual Ministro da Trabalho.

Outras fotografias do jantar de extinção do MES se seguirão para surpresa de alguns dos próprios fotografados.

PUBLICADO EM 19 DE MAIO DE 2006

terça-feira, janeiro 14

ANTÓNIO SÉRGIO - ALOCUÇÃO AOS SOCIALISTAS - 25 de abril - 40 anos, 11


Uma ressonância de 9 de Setembro de 2004. Tinha acabado de ouvir Manuel Alegre certamente a propósito do Congresso Socialista. Como andava metido em trabalhos de limpar o pó aos livros tinha-me caído nas mãos a extraordinária peça oratória, de António Sérgio, chamada “Alocução aos Socialistas”, de Maio de 1947.

Ora lede a suprema ironia que o fino verbo de Sérgio derrama sobre a realidade da política socialista do presente.

"Na política, como sabeis, o comportamento rectilíneo, sem argúcia alguma, – sincero, aberto, desartificioso, claro, - usa ser censurado, como sendo ingénuo: e, nessa sua qualidade de comportamento ingénuo, como prejudicial, ou pateta. Paciência. Seja. (…) Os essencialmente habilidosos (não faço empenho em negá-lo) alcançam a sua hora de simulacro e de vista. Mas é uma hora e nada mais; mas é simulacro, e só vista. Logo a seguir a esse instante, comunica-se-lhes o fogo da sua iluminação de artifício, e fica tudo em fumaça, que pouco depois não é nada."
 
"Aos nossos socialistas, quanto a mim, compete-lhes resistirem ao tradicional costume de se empregarem espertezas e competições de pessoas para apressar o momento em que há-de chegar ao poder…"
 

"Antes de tudo, buscai prestigiar-vos ante a nação inteira pelo timbre moral da vossa alma cívica; porque (como acreditais, creio eu) não é indispensável conquistar o poder para se influir de facto na orientação do estado."
 

"Não tenhais a ânsia de vos alcandorar no poleiro com prejuízo das qualidades a que se tem chamado "ingénuas". As habilidades dissipam-se; os caracteres mantêm-se."
 

"Não existam ciúmes e invejas recíprocas entre os vários componentes da vossa grei socialista: nem tampouco os ciúmes, nem tampouco as invejas, para com os homens que compõem as outras facções da esquerda. Seja vosso lema a unidade. Por mim, quero trabalhar pela unidade, pelo entendimento recíproco, pela existência de convivência amável entre os homens políticos de orientações discordes. Incorrigivelmente "ingénuo", fraterno, cordial."
 
Acerca de António Sérgio veja aqui e aqui.

segunda-feira, janeiro 13

PAPA FRANCISCO

 
204. Não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado. O crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha; requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo. Longe de mim propor um populismo irresponsável, mas a economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos.

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM DO PAPA FRANCISCO
24 de novembro de 2013

MOVIMENTO DE ESQUERDA SOCIALISTA - 25 de abril - 40 anos, 10


Colecção de Conceição Neuparth – Depositada no Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra

Em 1971 o país ainda vivia na esperança de uma solução política para a crise do Estado Novo. Sabíamos que o futuro não podia esperar muito mais. Mas não sabíamos quanto iria ainda durar a ditadura apesar das timoratas tentativas de abertura política de Marcelo Caetano.

O MES (Movimento de Esquerda Socialista) nasceu da confluência de três movimentos que despontaram e ganharam corpo ao longo da década de 60 ganhando força a partir do simulacro de eleições em 1969: o movimento operário e sindical, o movimento católico progressista e o movimento estudantil.

A cumplicidade entre um numeroso grupo de activistas que actuavam, com autonomia, contra o regime, nestes diversos movimentos sectoriais, foi sendo reconhecida por alguns de nós o que, a certa altura, desembocou na consciência de que estávamos perante um movimento político informal. Daí até à ideia da sua institucionalização foi um pequeno passo.

Lembro sempre entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa. Foi ele que desenhou o símbolo do MES, o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil. Robin foi também o autor da linha gráfica do jornal “Esquerda Socialista” e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade.

Quantas horas passadas na sua companhia, e de sua mulher, desenhando uma imagem que ficou agarrada à minha memória. Admirável Robin...

[As fotografias e respectivas legendas do Jantar de Extinção do MES vão continuar. No dia em que passa mais um aniversário do golpe militar de 28 de Maio de 1926 que abriu o caminho para a instauração da ditadura em Portugal, para que se compreenda melhor do que falamos, quando falamos do MES, aqui fica uma variante de um post publicado em Março de 2004 no qual se fala de Robin Fior.]

PUBLICADO EM 28 DE MAIO DE 2006. ROBIN FIOR ENTRETANTO FALECEU.

domingo, janeiro 12

VÍTOR WENGOROVIUS - 25 de abril - 40 anos, 9


Fotografia de António Pais
 
 
O mais brilhante tribuno do movimento estudantil durante a crise académica de 1961/62. Eu não tinha idade para o conhecer nessa época mas os testemunhos dos seus contemporâneos são eloquentes. Só o conheci como veterano no processo de criação do MES bastante antes do 25 de Abril.

Era uma figura pujante de energia e criatividade, prolixo, solidário e desprendido. Era a personificação do excesso para seu prejuízo pessoal e benefício da comunidade. Um socialista católico impoluto, crente e destemido, desprendido do poder e amante da partilha.

Privei com ele, nele confiava em pleno, com ele aprendi a confiar, talvez a confiar demais. Não me arrependo de ter acreditado na luz que emanava da sua dedicação às causas utópicas que as suas palavras nunca eram capazes de desenhar até ao fim. As suas palavras perseguiam a realidade que se escapava como um permanente exercício de criação.

Com ele fui a encontros clandestinos com o Pedro Ramos de Almeida, representante do PCP, buscando as alianças necessárias ao sucesso da luta anti fascista e nunca fomos apanhados pela polícia política.

Ouvi horas das suas conversas, intervenções e discursos, aprendi a ouvir, aprendi a faceta fascinante do excesso da palavra (não só com ele) e sofri, em silêncio, o lancinante drama do seu percurso pessoal perdido no labirinto das rupturas intelectuais e sentimentais.

Fiquei feliz no dia – próximo da sua morte – em que ajudei a que pudesse assistir ao musical “ O Navio dos Rebeldes”, levado à cena no Teatro da Trindade, em homenagem aos estudantes que em 61/62 se revoltaram contra a ditadura. No fim da representação um dos actores pediu licença para, à boca de cena, assinalar a sua presença e lhe prestar homenagem.

As lágrimas correram-me pela cara quando, frente ao palco, na cadeira de rodas, o Vítor pegou no microfone e, parcimonioso nas palavras, exacto e conciso, fazendo soar o timbre inconfundível da sua voz, agradeceu elogiando o trabalho teatral a que tinha acabado de assistir.

Morreu a 27 de Fevereiro de 2005 mas viverá para sempre no coração daqueles que, verdadeiramente, o conheceram.

(Ler ainda aqui)
 
PUBLICADO EM 17 DE MAIO DE 2006

sábado, janeiro 11

MÁRIO VIEGAS - 25 de abril - 40 anos, 8


Obrigado Tomás Vasques por me teres lembrado o dia de aniversário do Mário Viegas.

Fizemos parte da tropa juntos ali no quartel do Campo Grande. Por sorte calhou-nos na rifa o 25 de Abril. Contei, tempos atrás, um recital singular do qual não há outro registo senão a memória dos que nele participaram.

Morreu cedo porque não podia esperar o tempo suficiente para morrer. Quando nos víamos era uma festa. Um dia em pleno espectáculo no pequeno teatro, que leva o seu nome, no S. Luís, de cima do palco meteu-me ao barulho. Era, certamente, uma personalidade difícil, um perfeccionista da palavra e da expressão corporal.

Lembro a sua interpretação da personagem de D. João VI. A poesia dita na sua voz é um autêntico acto de criação. Viu-o, pela última vez, para as bandas do Chiado a descer de carro, no lugar do pendura, a caminho do Cais de Sodré. Esbracejou, como sempre, em larga e esfuziante saudação. Correspondi sem saber que esse seria o aceno final.

Foi um cometa luminoso, e raro, que atravessou a nossa vida cultural.

PUBLICADO EM 10 DE NOVEMBRO DE 2006.