quarta-feira, dezembro 11

25 de Abril de 1974 - Os Verdadeiros Comandantes da Revolução



Entre a madrugada do dia 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974 vivi enclausurado no Quartel do Campo Grande, em Lisboa, onde hoje funciona uma universidade privada e naquela época estava sedeado o 2º Grupo de Companhias de Administração Militar. Lá entrei já a madrugada ia alta, tal conjurado, com o António Dias, após termos perseguido, de carro, a coluna do Salgueiro Maia desde a sua entrada no Campo Grande até ao Terreiro do Passo.

Já contei essa história. De todas as imagens que guardo na memória a mais impressiva é a da fragilidade da coluna revoltosa. Não sabia quem a comandava mas o impensável viria a tornar-se realidade. E a vitória dos mais fracos deveu-se, tão-somente, à justeza das suas razões e à coragem do seu líder. Aos leitores mais ortodoxos do colectivismo assinalo que falo num símbolo. Também sei que, desde sempre, reinou a desconfiança, entre os “donos” da mudança, a respeito de Salgueiro Maia, como hoje reina a desconfiança a respeito de tantos que ousam tomar toda e qualquer iniciativa de mudança (o que é a mudança, hoje?).

Para os “donos” da revolução nem todos devem desfilar na Avenida da Liberdade mas quis o destino – ou a ordem de operações – que quem primeiro nela desfilou fosse Salgueiro Maia que, oferecendo o peito às balas, fez estalar o click que mudou o rumo da história. Olhem com atenção para as imagens que, por vezes, passam na TV. Esse comandante, Salgueiro Maia, era um entre muitos e quem dirigia as operações era um comando com a seguinte constituição: Amadeu Garcia dos Santos, Hugo dos Santos, José Eduardo Sanches Osório, Nuno Fisher Lopes Pires, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Crespo. O coordenador era Otelo por decisão do Movimento das Forças Armadas. [Ver a “Fita do Tempo da Revolução - A noite que mudou Portugal”.]

O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, “tinha-os no sítio”, estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com “eles no sítio” do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade.

Quem fez triunfar a revolução não foi Ramalho Eanes, nem Spínola, nem Costa Gomes, não foi nenhum General estrelado pelo Antigo Regime, ou promovido administrativamente pelo novo, quem decidiu o triunfo da revolução foram os “capitães” e o povo, que alargaram à rua o posto de comando e que tomando a rua para si tudo decidiram. Não cito mais nomes, pois todos sabem os nomes, e em nome do povo sempre, à distância de tantos anos, podem caber todos os nomes.

A revolução foi branda para com os seus inimigos, perdoou-lhes os crimes, ofereceu o seu sangue em troca da liberdade, ganhou a admiração do mundo e isso é o seu legado histórico mais valioso. Os antigos carrascos da liberdade: os PIDES, os censores, os legionários, todos os esbirros da ditadura, seus ajudantes e admiradores, ganharam o direito a viver em liberdade, ainda hoje se cruzam connosco nas ruas e nos locais de trabalho, emitem opinião, sendo detentores de todos os direitos cívicos e políticos.

Mas se a nossa revolução foi branda para com os carrascos da liberdade pode orgulhar-se da grandeza de lhes oferecer o bem mais precioso que eles sempre negavam aos seus benfeitores. Os verdadeiros comandantes da Revolução foram generosos. Mas que ninguém, verdadeiro amante da liberdade, espere que os aspirantes a tiranos lhes retribua tanta generosidade. Por isso é prudente que, para preservar a liberdade, a democracia não vacile no combate aos seus inimigos.
 
Comentários deixados nos Caminhos da Memória (somente fiz ligeiras alterações para facilitar a leitura):

Não acredito que ele fosse conservador. Provavelmente Salgueiro Maia era de tal forma apartidário, que os elementos com ligações partidárias (quase todos...) desconfiavam dele. Ainda hoje é assim. Raramente se acredita nas pessoas que dizem não sentir afinidades por qualquer força política (com os clubes de futebol ainda é pior...)

luis eme

Posso confirmar que não era conservador. Conhecíamo-nos de Santarém ele e o major bernardo, marido da felisbela, minha antiga colega de liceu, há muitos anos. Durante a campanha de 1969 , fui eleito membro da comissão executiva da cde de Santarém e por essa altura tive imensos contactos com militares da escola prática. Em 1971 é preso José Jaime Fernandes no quartel de Santarém e depois houve uma grande explosão ainda hoje não explicada. O José Jaime correu Caxias, Peniche e passou pelo presídio militar de Santarém, onde através do apoio de diversos militares amigos fizemos chegar diversos materiais. Em 1972 ele e outros amigos fizeram um relatório sobre o presídio militar de Santarém que publicámos no boletim da comissão de socorro aos presos políticos. Para isso contribuíram vários amigos militares. Antes de Abril desertaram seis capitães de Santarém, entre eles o capitão Vítor Pires, meu antigo colega de liceu, para a Suécia e eu e José Jaime fizemos os contactos para os ajudar a desertar No congresso de Aveiro de 1973 eu era um dos responsáveis do gabinete de imprensa, tendo trabalhado em estreito contacto com a comissão organizadora do congresso. Eu a helena Neves, João Paulo Guerra e Vareda pelo secretariado do MOD. Eu na altura pertenci também ao secretariado do Mod, representandoSantarém, com Tengarrinha . Cardia, Hélder Madeira, Vareda e outros. Nessa qualidade tive contactos com vários militares em Santarém que se queriam informar sobre o congresso de Oposição Democrática, em particular sobre a nossa posição sobre a guerra colonial.Diziam não ter posição política mas queriam compreender a nossa posição. Antes de 25 de Abril fui ainda contactado por um antigo colega de liceu, militar, que me quis informar da amplitude do movimento militar e das suas esperanças. Durante a madrugada do 25 de Abril, fui o primeiro a chegar à redacção do meu jornal ,pelas quatro horas da madrugada e já sabia por um telefonema que me acordou que devia ir para o jornal. Pelas cinco da manhã fui ao rádio clube português por ordem do meu chefe de redacção e lá encontrei alem do meu amigo Filipe costa o capitão da força aérea Vítor Cunha, meu antigo colega de liceu e meu amigo, mais tarde conselheiro da revolução. Ficaram eufóricos quando me viram. Precisamos do apoiodas forças democráticas. Em 28 de Abril levei ao rcp o primeiro comunicado da uec que me foi entregue pelo Edgar Valles. O Vítor Cunha e o sobral Costa cansadíssimos pediram-me um comunicado dos "maioreszinhos". No Carmo durante a manhã de 25 Abril tive todo o apoio de salgueiro maia que falou várias vezes comigo, mas quando Marcelo estava para sair no tanque, pediu-me explicitamente para eu falar à população como representante da oposição democrática. Expliquei-lhe que estava como jornalista e sugeri-lhe o "tareco" da oposição católica progressista que eu vira falar na manifestação que tínhamos feito no patriarcado contra a guerra colonial. Durante a noite de 26, passei a noite junto de Caxias com Helena Pato, minha antiga colega de Coimbra e subi de manhã com os marinheiros para o pátio de Caxias, onde cumprimentei os meus amigos presos e continuei contactos com militares. À tarde abri celas a presos e presidi com um militar de Spínola e outro representando o MFA, por sugestão de advogados democratas presentes, em particular Wengorovius e Galvão Teles à libertação dos presos políticos. Estou a escrever um livro sobre este período histórico mas gostaria de contribuir para mudar a imagem conservadora de Salgueiro Maia.
 
José João Louro
 
[Publicado em 14 de abril de 2009.]

25 de Abril de 1974 - três momentos fascinantes


Foto de Bruno Barbey
 

 
 
A rendição de um PIDE

Num post anterior, publicado em 16 de Março, aniversário do «Golpe da Caldas» descrevi, de forma mais sucinta possível, a minha insólita participação na coluna de Salgueiro Maia na madrugada do 25 de Abril.

Nessa madrugada já após termos ultrapassado a coluna de Salgueiro Maia não sei já se na Rua do Arsenal, ou na Av. Ribeira das Naus, entrámos, ia alta a noite, no Quartel do Campo Grande e desde essa madrugada, até depois do dia 1º de Maio de 1974, não saí do quartel senão uma única vez.

Não vivi na rua a verdadeira festa do 25 de Abril após a consumação da vitória da revolução. Não assisti à enxurrada de manifestações populares nem participei, com muita pena minha, na manifestação do 1º de Maio de 1974. Os soldados ficaram, horas a fio, alinhados nas casernas, por detrás das janelas de armas apontadas para a rua, preparados para o que desse e viesse. Alguém tinha que cuidar desses detalhes da «cozinha» da revolução.

Num desses dias, estava de oficial de dia o António Dias, quando foi procurado por alguém que da rua pretendia falar. Era um agente da PIDE que se queria entregar. Foi recebido com deferência. Identificou-se e fez a entrega da arma. Uma bela pistola que, devo confessar, me suscitou cobiça e nunca mais esqueci.

De seguida coube-me a tarefa de o escoltar a caminho da Ajuda onde o entreguei em «Cavalaria 7» ou «Lanceiros 2». Foi a minha única saída do quartel em todos aqueles dias de brasa.

No percurso, realizado em jipe, nem uma palavra se trocou. Lembro-me de ter cumprido a missão, com rapidez, respeitando e defendendo, do primeiro ao último momento, a dignidade de um homem aterrorizado que tinha passado, de um dia para o outro, de agente do poder a prisioneiro do poder.
 
O passo em frente

Os dias que se seguiram ao 25 de Abril foram de ansiedade e expectativa. Nas ruas a euforia disfarçava o nervosismo mas nos quartéis o ambiente não era de certezas definitivas. O Oficial que assumiu o Comando da minha unidade, certamente o Major Azevedo, mandou reunir os oficiais milicianos.

Formámos um semi-círculo e o comandante perguntou se alguém estava contra, ou tinha reservas, face ao Movimento das Forças Armadas. Quem estivesse contra daria um passo em frente. Gerou-se um ambiente de silêncio e passividade total.

Eis senão quando o Graça (Mário), o de Moçambique, deu um passo em frente. Ficámos sem saber o que pensar. Mas ele explicou. Não tinha a certeza se os militares levariam até ao fim o processo de libertação do povo português e a descolonização.

Ficamos mais descansados e destroçamos com sorrisos. Na prática todos os oficiais milicianos do quartel estavam com o MFA.

Mário Viegas

Mas o oficial miliciano mais fascinante do meu Quartel era o Mário Viegas. O seu estatuto no serviço militar era apropriado ao seu talento de actor.

Vivemos em comum aqueles momentos inesquecíveis em que a liberdade foi devolvida aos portugueses. Tinha por ele um natural fascínio que sempre me retribuiu até à sua morte prematura.

Por um daqueles dias entre o 25 de Abril e o 1 de Maio de 1974, se não erro, no Quartel do Campo Grande, assisti ao espectáculo mais extraordinário de toda a minha vida. Havia que festejar o que agora comemoramos com nostalgia. O refeitório foi transformado numa sala de espectáculos. Nele se reuniu toda a gente de serviço no quartel.

Imaginem o elenco daquela festa improvisada: Carlos Paredes, Zeca Afonso e Mário Viegas. Todos mestres geniais na sua arte. A certa altura o Mário Viegas subiu para o tampo de uma mesa e a poesia brotou, em palavras ditas, como se diante de nós se revelasse um novo mundo ou tivéssemos da vida renascido.

[A partir de um conjunto de posts publicados no Absorto em Março/Abril de 2004.]
 
[Publicado a 30 de março de 2009 como se diz acima a partir de posts mais antigos dos inícios do Absorto.]

terça-feira, dezembro 10

25 DE ABRIL


Posted by PicasaFotografia de Hélder Gonçalves


Deixo que a palavra
tão incerta
teça

a liberdade a meio
deste Abril
para que a memória em Portugal não esqueça

tomando da flor
o cravo na matriz

teimando que a paixão
a tudo vença

dizendo não àquilo
que não quis

Maria Teresa Horta

Março 99
 
[Publicado no dia 25 de abril de 2007. Da série a "A Poesia Saiu à Rua."]
.

segunda-feira, dezembro 9

BIOGRAFIA DE HUMBERTO DELGADO - UMA LEITURA NECESSÁRIA

Terminada a leitura da Biografia de Humberto Delgado, de autoria de seu neto Frederico Delgado Rosa, não resisto a deixar algumas notas. Na minha meninice – como já antes assinalei – senti pessoalmente o frémito da campanha presidencial de 1958 e nunca mais se apagaram da minha memória as imagens do empolgamento popular que a figura de Humberto Delgado suscitou.

Esta obra promissora de desenvolvimentos, e aprofundamentos, que se aguardam para o próximo futuro, mereceria, além do mais, uma verdadeira divulgação popular que contribuísse para desmitificar o branqueamento do fascismo português e da figura do seu líder e mentor – Salazar – que amiúde se quer fazer passar como um político brando na repressão, tolerante nos costumes e eficaz na política.

A leitura das 1225 páginas de texto deste livro sugere uma meditação acerca do "fenómeno Humberto Delgado", após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, até aos nossos dias, mesmo que não nos aventuremos pelos caminhos da crítica e nos limitemos – como é o caso – ao simples papel de leitores atentos e interessados. Eis algumas breves, e despretensiosas, dessas possíveis reflexões:

(1) É do mais elementar bom senso desconfiar das ideias feitas acerca da história, em particular, da “história oficial”, quando envolve personagens carismáticos e acontecimentos com forte carga política e emotiva;

(2) Os protagonistas que marcam, pelo seu pensamento e acção, a história das nações são homens com suas virtudes e defeitos transformando-se a si próprios a par das transformações que suscitam;

(3) O General Humberto Delgado foi um distinto militar de carreira, apoiante do golpe militar do 28 de Maio, e da ditadura entre 1926 e o dealbar dos anos 50, tendo acabado por sacrificar a carreira, e a própria vida, no combate sem tréguas ao regime fascista, após a ruptura política com Salazar, a partir das eleições presidenciais de 1958, às quais se candidatou, como independente, por vontade própria;

(4) Foi ele o verdadeiro precursor do 25 de Abril de 1974 pois defendeu (quase sempre) que a ditadura só cairia através da acção militar, que haveria de ser protagonizada pelas forças armadas, apoiadas pelo povo, o que viria, de facto, a acontecer pouco menos de nove anos após o seu assassinato que ocorreu em 13 de Fevereiro de 1965;

(5) Delgado foi, politicamente, um liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona, e pela sociedade americana (o que lhe valeu o magnífico epíteto de “General Coca Cola”) influências assumidas ao longo de várias missões profissionais – em representação do estado português - na Inglaterra, Estados Unidos e também no Canadá;

(6) Delgado foi um político que nunca deixou de ser General e de cuja áurea anti-salazarista a esquerda, do seu tempo, se quis apropriar sem, na verdade, partilhar das suas ideias e acções, que desprezava apodando-as, pelo menos, de aventureiras;

(7) O General Humberto Delgado foi atraído a uma cilada e assassinado pela PIDE, por espancamento, e não a tiro, com conhecimento de Salazar, que sempre encobriu este hediondo crime, sob as mais variadas artimanhas, no plano interno e da diplomacia, entrando, inclusive, em rota de colisão com Franco;

(8) O julgamento dos autores materiais do crime – que não dos seus autores morais que sempre foram poupados pela democracia – em Tribunal Militar – foi uma triste farsa que não permitiu apurar a verdade e muito menos punir os criminosos;

(9) Todo o processo desde o assassinato de Delgado, passando pelo encobrimento do crime, à descoberta dos corpos, à investigação judicial e perícias forenses, realizadas pelas autoridades espanholas, até à condução do processo judicial em Portugal, julgamento e recursos judiciais, constitui um caso exemplar que permite, nos planos político e judicial, entender muitos aspectos da realidade contemporânea portuguesa e as peripécias de processos que ainda correm os seus trâmites;

(10) Este livro deveria ser de leitura obrigatória para todos os políticos, militares, juízes, magistrados, jornalistas e decisores de todos os escalões da hierarquia do estado a começar pelo Senhor Presidente da República;

(11) Espero que o autor, cuja coragem não pode ser só uma herança de sangue, prossiga as suas investigações para que os portugueses possam conhecer todos os meandros do assassinato de Humberto Delgado, para que sejam identificados os seus autores, materiais e morais, assim como os encobridores, localizados os que ainda possam estar vivos, reabrindo, eventualmente, o processo, levando a que os criminosos paguem pelos seus actos e contribuindo, dessa forma, para que os portugueses se reconciliem com a justiça do seu país.

(12) Nunca nenhum processo-crime está definitivamente encerrado enquanto subsistirem fundadas suspeitas de que se não fez justiça. É o caso.
 
[Publicado em 18 de agosto de 2008. Um personagem fascinante da nossa história que vale a pena conhecer o que este livro permite como poucos.]
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domingo, dezembro 8

PEDRO OOM

Posted by Picasa Fotografia daqui

O COELHINHO QUE NASCEU NUMA COUVE

Era uma vez um coelhinho que nasceu numa couve.
Como os pais do coelhinho nunca mais aparecessem a couve passou a cuidar dele como se do seu próprio filho se tratasse.Com ervinhas tenras que cresciam ao seu redor a couve foi criando o coelhinho dentro do seu seio até que este passou a procurar a sua própria alimentação.O coelhinho, que tinha um coração muito bondoso, retribuindo o afecto que a couve lhe dedicava considerava-a como sua verdadeira mãe.A mãe couve e o seu filhinho adoptivo foram vivendo muito felizes até que um dia uma praga de gafanhotos se abateu sobre aquelas terras.O coelhinho ao ver que aqueles insectos vorazes devoravam tudo o que era verde cobriu com o seu próprio corpo o corpo da mãe couve e assim conseguiu que os gafanhotos pouco dano lhe fizessem.Quando aqueles insectos daninhos levantaram voo os campos em volta passaram a ser um imenso deserto de areias e pedra.O pobre coelhinho, que sempre tinha vivido nas proximidades da sua mãe couve, teve de deslocar-se para muitos quilómetros de distância a fim de procurar comida.Mas já nada havia que se pudesse mastigar naquelas terras.Passaram muitos dias e o pobre coelhinho estava cada vez mais magro mais magro e faminto.Então a mãe couve disse-lhe assim: “Ouve meu filho: é a lei da vida que os velhos têm de dar o lugar aos novos, por isso só vejo uma solução: assim como tu viveste durante algum tempo no meu seio, passarei a ser eu agora a viver dentro do teu. Compreendes, meu filho, o que eu quero dizer?”O pobre coelhinho compreendeu e, embora com grande tristeza na alma não teve outro remédio, comeu a mãe.

Pedro Oom
IN “2 HISTÓRIAS PARA CRIANÇAS (EMANCIPADAS) QUE ILUSTRAM A DIFERENÇA ENTRE O AMOR FILIAL E O AMOR CONJUGAL” (Também magistralmente dito por Mário Viegas em Humores, 1980)
Actuação Escrita, edição & etc (1980)
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PEDRO OOM [Antecipo a efeméride do seu nascimento.]

Francisco Pedro dos Santos Oom do Vale nasceu em Santarém, a 24 de Junho de 1926.
Aos 2 anos acompanha a família para Setúbal e a partir dos 11 fixa-se em Lisboa. A aspiração do pai a que ingressasse no Colégio Militar nunca foi cumprida pois Pedro Oom se recusou.
Ingressa na Escola António Arroio onde conheceu Júlio Pomar, Vespeira, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros que viriam a aderir ao surrealismo.
Aos 24 anos, órfão de pais, ingressa no INE, como funcionário público, onde segue uma carreira desconcertante de disciplina em relação ao período anterior da sua vida e um “interregno”, afastando-se de toda a actividade artística e literária ligada ao surrealismo.
Dedicou-se, entretanto, com entusiasmo, ao xadrez modalidade na qual se distinguiu.
Em 1962 dá por finda a sua vida de funcionário público, sai do INE, reingressando, dois anos passados, desta vez, no Ministério da Educação onde se dedicou a estudos de estatística sobre o ensino.
A sua obra literária, poética e panfletária, ficou dispersa sendo impregnada de uma ironia que vai dos tons mais violentos da contestação à mordacidade pessoal.
Morreu no dia 26 de Abril de 1974, pelas duas e trinta da tarde, no Restaurante “13” quando, com alguns amigos, festejava os acontecimentos que então se viviam apaixonadamente.
A sua obra foi publicada em dois volumes sob o título “Actuação Escrita” pelas Edições & etc de cujas “notas biográficas” se respigou o presente texto.

[Publicado em 16 de maio de 2006. Um texto extraordinário, divulgado por Mário Viegas, de um grande poeta português quase esquecido.]

O TEXTO POLÍTICO

 

"O texto político

O político é, subjectivamente, uma fonte permanente de aborrecimento e/ou de prazer; é, além disso e de facto (isto é, a despeito das arrogâncias do sujeito político), um espaço obtinadamente polissémico, a sede privilegiada duma interpretação perpétua (uma interpretação, se for suficientemente sistemática nunca será desmentida, até ao infinito). Poderíamos concluir a partir destas duas constatações que o Político é textual puro: uma forma exorbitante, exasperada, do Texto, uma forma inaudita que, pelos seus extravasamentos e pelas suas máscaras, talvez ultrapasse a nossa compreensão actual do Texto. E, tendo Sade produzido o mais puro dos textos, julgo compreender que o Político me agrada como texto sadiano e me desagrada como texto sádico."

Escrevi nesta pagina: "visitam-se lugares e acontecimentos mas, de facto, visitamo-nos a nós próprios apertando os contactos entre os "viajantes". Quando assim não sucede a viagem reduz-se à excursão."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 33
(pag. 13, 4 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70


[Publicado em 28 de agosto de 2004 e republicado diversas vezes mais tarde. Um dos posts mais visitados deste blogue apesar da sua complexidade. Resultou da transcrição de um conjunto de excertos da minha leitura inaugural de "Roland Barthes por Roland Barthes", excertos que, nos idos de 80, publiquei em edição policopiada para os amigos como continuo a fazer ainda hoje de forma artesanal embora um pouco mais sofisticada.]  

sábado, dezembro 7

OH MINHA SENHORA Ó MINHA SENHORA

                                                                       LEITURAS

A última leitura de 2003:"O Amor Natural", de Carlos Drummond de Andrade (Itabira, Minas Gerais,1902-1987), o livro de poesia erótica publicado após a morte do grande poeta brasileiro. Assinalo, a propósito, um episódio marcante da sua vida, segundo as palavras do próprio: "A saída brusca do Colégio teve influência enorme no desenvolvimento dos meus estudos e de toda a minha vida. Perdi a fé. Perdi tempo. E sobretudo perdi a confiança na justiça dos que me julgavam." A expulsão referida ocorreu, em 1919, do Colégio Anchieta. Eis um poema de "O Amor Natural":

OH MINHA SENHORA Ó MINHA SENHORA

Oh minha senhora ó minha senhora oh não se incomode senho-
ra minha não faça isso eu lhe peço eu lhe suplico por Deus nosso
redentor minha senhora não dê importância a um simples mortal
vagabundo como eu que nem mereço a glória de quanto mais
de...não não não minha senhora não me desabotoe a braguilha
não precisa também de despir o que é isso é verdadeiramente fora
de normas e eu não estou absolutamente preparado para seme-
lhante emoção ou comoção sei lá minha senhora nem sei mais o
que digo eu disse alguma coisa? sinto-me sem palavras sem fôle-
gos sem saliva para molhar a língua e ensaiar um discurso coeren-
te na linha do desejo sinto-me desamparado do Divino Espírito
Santo minha senhora eu eu eu ó minha senh...esses seios são
seus ou é uma aparição e esses pêlos essas nád...tanta nudez me
deixa naufragado me mata me pulveriza louvado bendito seja
Deus é o fim do mundo desabando no meu fim eu eu...


[Acabei de ver o programa que a RTP2 emite faz uns anos chamado Câmara Clara no qual se falou de Carlos Drummond de Andrade com a participação de Arnaldo Saraiva e António Torres (romanciste brasileiro). A Filipa Leal fechou o programa de hoje dizendo este poema que eu, bem sabia, havia lido e, quem sabe, publicado no absorto. E como não encontrei o filminho com o poesia dita por ela encontrei o poema neste post de 11 de janeiro de 2004. Entretanto ouvi dizer que o programa Câmara Clara vai acabar no final deste ano. Um programa bem feito, muito bem feito que, como tantas coisas bem feitas, estão condenadas a acabar, será?, mas ao menos que seja com uma boa explicação, será? ...]

[Publicado em 2 de dezembro de 2012 replicando a mesmo poema postado em 11 de janeiro de 2004.] 

1º de Maio de 1974 - O MES saiu à rua num dia assim

















































Fotografias de Rosário Belmar da Costa

Para os Caminhos da Memória
 
Como escrever uma posta acerca de uma memória antiga que não surja aos olhos de quem a lê como o rumorejar de um passado morto? Não sei! Apesar do risco sinto que, no terreno movediço das memórias, há exercícios que valem a pena. É o caso deste que partilho convosco.

Um dia, nos idos de 2007, através de uma cadeia de amigos chegaram-me às mãos quatro fotografias que testemunham o surgimento público do MES (Movimento de Esquerda Socialista).

Aconteceu na celebrada manifestação do 1º de Maio de 1974, em Lisboa, a tal inultrapassável em tudo - desde a aritmética à emoção - que autenticou a vitória do golpe militar com a marca de água de uma massiva, genuína e entusiástica adesão popular. Tendo-me chegado às mãos as ditas quatro fotografias, depois de tanto ter cismado acerca da sua eventual inexistência, havia de promover a sua divulgação.
 
Escrevi então, se não erro, três postas no absorto que podem ser lidas aqui, aqui e aqui, mas a colecção nunca antes havia sido publicada. O interesse em voltar ao tema, no presente, é, pois, somente o de deixar disponíveis, e arquivadas, nos Caminhos, as fotografias (únicas) da Rosário Belmar da Costa e, em jeito de remate transcrever dois comentários de quem testemunhou, ao vivo, a manifestação (no caso a fotógrafa de ocasião) dando conta da anárquica discussão acerca da sigla do nascente MES que havia de ser, até ao fim, «de esquerda» e não «da esquerda» como surgiu anunciado no artesanal pano inaugural.

Quem quiser, 35 anos passados, que se entretenha a identificar os manifestantes!

Comentou a Rosário:

Eduardo,
Estivemos, eu e o Xico (Camões), a puxar pela memória e o que nos lembramos é que começámos o dia por ir ao Bombarral buscar uns livros de capa preta que o Mil Homens tinha conseguido imprimir numa tipografia de lá (sobre o que eram os livros já não nos lembramos - textos de antes do 25 de Abril e prefácio posterior, mas talvez tu saibas *).
Depois viemos ter com o Agostinho (Roseta) (lá para os lados da Portugália) que, fardado, não queria aparecer em evidência. Não sei mesmo mas penso que é o tipo de costas ao pé do pau do lado esquerdo.
A ideia do cartaz foi do César de Oliveira (creio que ainda houve alguma discussão sobre se era Movimento da Esquerda ou Movimento de Esquerda…), que esteve o tempo todo esfuziante aos gritos. Ao pé de nós apareceu um grupo, de desertores e refractários acabadinhos de chegar de Paris, animadíssimo (bem animadíssimos estávamos todos) capitaneado pelo Zé Mário Branco aos gritos de «Desertores, Refractários, Amnistia Total!». Foi uma tarde de sonho, tal era o entusiasmo, a quantidade de gente toda feliz, a alegria que estava no ar!
Quanto à fotografia o problema é lembrarmo-nos dos nomes…A partir de uma determinada altura já não foi possível fotografar mais nada, já que era tanta a gente que só do alto e com grandes angulares, meios fora do alcance dos amadores que éramos. Felizmente foram a P&B, que têm muita mais conservação que as feitas a cores!.
Rosário Belmar da Costa 

* O livro intitula-se: Classes, política - política de Classes.

Comentou a Luísa Ivo:

O nome do movimento foi amplamente discutido numa reunião no Centro Nacional de Cultura, no fim-de-semana entre o 25 de Abril e o 1º de Maio. Não me lembro de alternativas à sigla depois aparecida, nem recordo já quem defendeu fosse o que fosse. Sei que foi uma reunião confusa, com pessoas a entrar e a sair, com variadíssimos contactos telefónicos, mesmo para outros pontos do país. Tentava-se informar a malta que connosco se articulava há anos. Recordo um telefonema que fiz para amigos do Sindicato dos Electricistas de Coimbra (ou talvez do Centro), por indicação do Victor Wengorovius que teve um papel central nessa reunião de coordenação.
Um abraço grande para quem aqui passa e para ti em especial da
Luísa Ivo
[Em 30 de abril de 2009 publiquei este post, um dos obteve mais audiência neste blogue, numa série dedicada ao MES, neste caso, destinado ao blog, já encerrado, Os Caminhos da Memória. O tema merece posteriores desenvolvimentos.]
 
[ Post republicado em 16 de dezembro de 2012. Pelo 10º aniversário este blogue, desta vez, com as fotografias num formato ampliado.]

CRESCESTE

Posted by PicasaIlustração de Manuel Maria – 2003

Cresceste. O tempo que passou deu-me
alento. Olho a palma da minha mão. Teu
rosto reflecte-se nos traços embutidos
no meu desejo correndo atrás do tempo.
Já sabes tudo. Ou quase. Como será teu
sorriso na minha idade? E a palma da tua
mão? Como será? O tempo nela cravado.

22/10/2007

[Ao meu filho Manuel Maria no dia do seu 17º aniversário.]Caderno de Poesia
 
[Publicado em 27 de outubro de 2007, de um conjunto que lhe dediquei ao longo dos dez anos de existência deste blogue.] 

sexta-feira, dezembro 6

NA MORTE DE MARILYN


Fotografia de Marilyn Monroe - Playboy (1953)

Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser atá ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou.

Ruy Belo

Transporte No Tempo
Editorial Presença


Marilyn Monroe veja biografia aqui

[Publicado em 12 de setembro de 2005. De uma série de poemas de Ruy Belo publicada neste blogue que muito encantamento me provoca a sua poesia.]

quinta-feira, dezembro 5

NELSON MANDELA MORREU





Pelo 90º aniversário de Nelson Mandela Sequência de fotografias de Ian Berry

1961. Nelson Mandela.
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Nelson MANDELA, soon to become President MANDELA, at the election night victory celebration in the Carlton Hotel in Johannesburg. Here he receives a hug from Mrs Chris HANNI, widow of ex MK leader Chris HANNI, assassinated before the election.1994. The MK is the military wing of the ANC.
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Nelson MANDELA and F.W. DE KLERK. 1994.
 
[Publicado em 18 de julho de 2008.]
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O FUTURO É COISA DO PASSADO


Fotografia de Hélder Gonçalves - pelo décimo aniversário deste blogue

Tempos difíceis, todos o dizem, escrevem, insinuam, buscam-se as razões para além da crise financeira, o pensamento sofre para se libertar da servidão do dinheiro. Todos, ou quase, labutam, ou arrastam-se no lamaçal para que o vil metal não vire costas. Proliferam iniciativas solidárias, ou que aparentam sê-lo, ameaçando tornar em negócio fazer o bem. Afinal nada de novo.
 
Surpreendentemente o Papa Francisco, se não nos enganarmos, coloca-se do lado da defesa dos verdadeiros princípios da solidariedade. Aqueles que sempre se consideraram não crentes, por vezes sem saber bem a razão, passam por um tempo desconcertante revendo-se nas palavras e atitudes do sumo pontífice. As voltas que o mundo dá! As surpresas que a vida nos reserva!
 

MES - FUNDADORES NO JANTAR DE EXTINÇÃO

Posted by Picasa Fotografia de António Pais

Da esquerda para a direita, Agostinho Roseta, Edilberto Moço, José Manuel Galvão Teles, António Machado, Francisco Farrica, Afonso de Barros e António Rosas. Desta vez fui capaz de os identificar a todos, sem necessidade de ajuda, como se fossem familiares próximos.

Esta é a segunda da série de fotografias, de autoria de António Pais, registando os convivas que participaram no jantar de extinção do MES em Outubro de 1981.

O grupo representado nesta fotografia tem uma característica singular: são todos fundadores do MES tendo subscrito as suas declarações inaugurais. Podem conferir aqui.

Assinalo a mistura de intelectuais licenciados com intelectuais operários. Do lado dos primeiros: J.M.Galvão Teles e Afonso de Barros; do lado dos segundos: E. Moço e A. Machado (operários da TAP), F. Farrica (operário electricista) e A. Rosas (técnico têxtil). Agostinho Roseta era o mediador perfeito.

Este é um grupo representativo para a compreensão da peculiar natureza política do MES originário: profissionais liberais, revelados pela crise estudantil de 1961, reunidos com activistas operários e sindicais, não comunistas, surgidos das lutas de base dos finais dos anos 60.

Inteligência+força+rebeldia. Ainda hão-de surgir, em próximas fotografias, as restantes componentes.

Curiosamente, nenhuma destas figuras surge na fotografia de grupo, anteriormente publicada, sendo que Afonso de Barros, tal como Agostinho Roseta, morreu prematuramente. Nada sei do António Rosas que vive, em Budapeste, na Hungria.

Pela parte que me toca não subscrevi, publicamente, nenhum documento até aos finais de 1974 por estar a cumprir o serviço militar.

[Publicado em 12 de maio de 2006 versando um tema recorrente deste blogue: o MES.]

quarta-feira, dezembro 4

D. TERESA - O ENQUADRAMENTO DE UM CONFLITO



Alguns excertos para a compreensão do papel de D. Teresa (mãe de D. Afonso Henriques), e do conflito entre mãe e filho que assume proporções míticas na nossa história.

“Todavia, verificava-se, desde a morte de Afonso VI (1109), uma deslocação do nível em que se decidiam os problemas político-sociais dominantes, decorrentes de fenómenos de recomposição da aristocracia asturiana, leonesa, galega, castelhana ou aragonesa: antes resolviam-se na área do poder régio; a partir desses anos, a decisão passa a depender da recomposição dos poderes regionais (ou já nacionais). Com a perda da autoridade monárquica, os interesses regionais passaram a dominar o palco político, onde os protagonismos pessoais ou linhagísticos alcançam cada vez maior relevo. ”

(…)

“É neste contexto que se situa a posição de D. Teresa e dos barões portucalenses. Coloca-se o problema de saber se seguem os interesses da nobreza galega ou se procuram desempenhar um papel próprio, análogo ao de outros conjuntos aristocráticos regionais. Parece-me claro que se verifica um processo de evolução rápida a partir de um estádio caracterizado por uma certa indefinição inicial, mas que depressa se transforma como consequência da evidente oposição de interesses entre portugueses e galegos. A rainha (D. Teresa) viria a sofrer as consequências de apoiar os segundos em desfavor dos primeiros. Mas a progressiva oposição dos nobres portugueses contra os galegos só se manifesta quando se acentuam as rivalidades paralelas no plano eclesiástico. Estas já vêm desde os últimos anos do século anterior, e polarizam-se em torno da polémica entre Braga e Compostela, acentuada, agora, pelas desmedidas ambições de Gelmirez (arcebispo de Compostela), que segue a estratégia de procurar aumentar o seu poder à custa da apropriação dos direitos metropolitanos de Braga, como antiga capital da província romana da Galécia.”

In “D. Afonso Henriques” de José Mattoso, “1. A Juventude de um predestinado” – "Alterações do cenário político", pg. 26. (5)
 
[Publicado a 24 de maio de 2007 de uma série resultante da minha leitura da obra de José Mattoso acerca do nosso primeiro rei que muito me entusiasmou.]

terça-feira, dezembro 3

ALBERT CAMUS (Apontamento fotográfico)


O meu amigo Carlos Pratas, conhecedor do meu gosto pela obra de Albert Camus, deixou-me um dia destes, sem aviso, um exemplar da Revista Le Figaro dedicada, exclusivamente, ao cinquentenário da sua morte. Melhor forma de expressar a sua amizade não poderia ter encontrado e retribuo o seu gesto com a publicação de algumas das fotografias que ilustram aquela magnifica edição. Não conhecia uma parte delas e interrompo a longa série de postes musicais - um silêncio da palavra que não do espírito - para dar à estampa algumas, ou fragmentos delas, como é caso desta (na Grécia, 1958) com um excerto do texto que a acompanha:  "J´ai grandi dans la mer et la pauvreté m´a été fastueuse, puis j´ai perdu la mer, tous les luxes m´ont alors paru gris, la misère intolérable."   (É a luz da sua Argélia que irradia do seu olhar e da sua obra.)     

[Publicado a 13 de abril de 2012 - ainda a fotografia ...] 

MENSAGENS E RECADOS


Fotografia de Hélder Gonçalves
Muitas das fotografias de autor que este blogue, ao longo de quase dez anos de vida, tem publicado são do meu amigo Hélder Gonçalves. Foram as suas fotografias, retratando paisagens urbanas, que despertaram o meu interesse. Em particular as que evidenciam, e ampliam ao nosso olhar, fragmentos de cartazes, fotografias de fotografias, pichagens de parede, mensagens e recados subtis ou explícitos. Pelo décimo aniversário deste blogue o Hélder ofertou-me fotografias. Aqui vos deixo uma delas com um abraço para o autor.

NUNO BREDERODE SANTOS



Dos Caminhos da Memória

Nas vésperas do almoço de celebração do 30º aniversário da extinção do MES

Julgo não cometer nenhuma inconfidência grave se revelar que, um dia destes, almocei com o Nuno Brederode Santos. Os anos passaram e as minhas incursões pelas memórias do MES fizeram despertar nele, no meu entendimento, a necessidade de uma reflexão acerca de algumas reservas mentais que apimentaram a batalha do I Congresso do MES nos finais do ano da graça de 1974.

Curiosamente ficámos a saber, no decurso do repasto, que o nosso regresso às lides políticas, ocorreu em Outubro desse ano pelas mesmíssimas razões. Ele «guerreava» em Moçambique, no curso de uma longa comissão na guerra que combatíamos, eu «guerreava» na magna tarefa de instruir levas de milicianos – alguns deles ilustres intelectuais da nossa praça – habilitando-os para a deserção ou para o combate numa das frentes dessa guerra, para nós, desditosa.

Além de agradável, no plano pessoal, como haveria sempre de ser, a conversa revelou-me algumas facetas do primeiro conclave do MES que se me haviam varrido da memória e que, como consequência, levaram a omissões involuntárias nas anteriores deambulações que empreendi acerca do tema. Não é que a coisa tenha uma importância por aí além mas, na verdade, nunca me tinha apercebido de que o Nuno, ele próprio, fora um dos principais, senão o principal, tenor da tese da ruptura.

Se tivesse sido alcançada uma conciliação de posições permitindo manter a unidade, que acabou por se quebrar com estrondo no I Congresso do MES, seria uma derrota para a sua tese que, pelo que entendi, preconizava a criação de uma espécie de federação, inorgânica, de grupos convergentes que, sem um compromisso demasiado vincado com as forças partidárias emergentes, permitiria ganhar tempo, congregando vontades, para a formulação de um programa político à margem da inevitável opção entre um «compromisso histórico entre famílias socialistas» ou uma deriva esquerdista.

O Nuno revelou-me ainda algo que se me tinha varrido da memória e que, na sua opinião, foi um factor decisivo, pelo seu efeito psicológico, na consumação da ruptura com o MES daquele que seria conhecido como o grupo de Jorge Sampaio: uma intervenção radical, em pleno Congresso, de Afonso de Barros, filho de Henrique de Barros que, por razões geracionais era tido como elemento próximo do grupo com o qual, naquele momento, romperia de forma brutal.

Com essa intervenção de Afonso de Barros, da qual não me lembro uma palavra, NBS deu, de imediato, como adquirida a vitória da sua tese, fundada numa confessada reserva mental, ou seja, a da inevitabilidade da ruptura ainda antes da formalização do MES como partido político. Pois sendo a ruptura consumada num momento anterior ao acto final do I Congresso, não seria a reserva mental que presidiu à estratégia dos dissidentes revelada nem estes jamais seriam dissidentes de um partido ao qual, afinal, nunca haviam aderido.

Com esta revelação mais se vincou a ideia, que sempre tenho acalentado, de que teria sido possível celebrar um acordo entre as partes desavindas, com o empenho de meia dúzia daqueles a que NBS sempre designou por «zulus», derrotando a sua tese que, acabou por sair vencedora aproveitando a imaturidade, pessoal e política, da maioria desses «zulus» entre os quais eu me incluía.

Assim andámos todos, de um e outro lado, anos a fio, na dúvida acerca do lugar exacto, e do papel de cada um, nos acontecimentos dos primórdios do MES como se fosse importante manter reservas e distâncias quando a ruptura, provavelmente, nunca se chegou a concretizar pelo simples facto de nunca se ter criado o «corpus partidário» que poderia ter sido alvo dela.

O MES foi, porventura, um mal entendido extinto por quase todos os que se haviam confrontado no I Congresso, através do celebrado, e inédito, convívio de 7 de Novembro de 1981. Só faltam esclarecer uns pormenores que, com a passagem do tempo, se refinaram ganhando a patine das preciosidades inúteis que todas as famílias rejubilam em poder contar como património comum.

[Publicado em 10 de novembro de 2011. Um dos textos que mais prazer me deu escrever para o blogue Caminhos da Memória, ainda a propósito do MES - um tema recorrente neste blogue.]

segunda-feira, dezembro 2

FORD PREFECT

Posted by Picasa Ford Prefect – Fotografia de Família

As fotografias de família confrontam-nos com as memórias. Reconciliam-nos ou antagonizam-nos connosco no contexto da família a que pertencemos. O colectivo e o individual misturam-se na poeira do tempo. São imagens que reflectem fragmentos da vida captados em fracções de segundos.

Sempre me reconcilio com a memória quando olho as fotografias de família. Na diversidade das diversas famílias a que pertenço. Outros lidam mal com elas e horrorizam-se quando vasculham no baú da memória.

A partir dos finais dos anos 40 o meu pai adquiriu três objectos de culto: a moto “Norton”, a máquina fotográfica “Kodak” e o automóvel “Ford Prefect”.

Esta é uma fotografia rara retratando um objecto: o “Ford Prefect” surge como se fosse um membro da família. Matrícula LH-14-11. Uma matrícula que, ao contrário de outras, nunca mais esqueci.

[Publicado em 14 de dezembro de 2006.]

HUMBERTO DELGADO

 
 

Voltando à conferência de imprensa do Café Chave de Ouro, de 10 de Maio de 1958, eis uma das mais importantes respostas dadas por Humberto Delgado:

“ – Se eu for eleito, o País, depois de trinta e dois anos de mordaça e de ódio, não pode logo no dia seguinte constituir-se numa democracia. Constituirei um governo de características militares, capaz de assegurar a ordem e a tranquilidade. Teremos de ter um regime de força e de técnica militar, embora o mais curto possível e sempre limitado pelo direito e pela moral, para depois se estabelecer a liberdade de imprensa e de reunião, fazer novo recenseamento eleitoral e eleições gerais."

“ – Livres?” – Perguntou alguém.

“ – Sim, Livres!” – respondeu Humberto Delgado. “Então esse regime de força retirar-se-á. O que eu quero é que o Povo exerça a soberania a que tem direito. Eu quero é passar o exercício do poder para a Nação. Devemos acabar, de uma vez para sempre, com a ideia de que há que suportar um chefe que faz tudo. O Dr. Oliveira Salazar é que criou a ideia de que tudo é feito por ele.”

[Transcrição de “Humberto Delgado – Biografia do General Sem Medo”. Omiti as notas que remetem para as fontes. Continua.]
 
[Publicado em 19 de maio de 2008, de uma série acerca do General que fez frente a Salazar, em homenagem a um português que foi assassinado por se ter revoltado contra a ditadura.]
  

domingo, dezembro 1

O Lugar do Meu Avô em Santos


Conheci os meus avós de forma diferente. Os paternos de memórias. Eram mais velhos e eu, filho tardio, cheguei tarde demais para os conhecer de perto. Compenso-me dessa ausência mantendo perto de mim uma fotografia do meu avô Dimas Eduardo Graça (Dimas é o nome de meu pai e de meu irmão mais velho, Eduardo é o meu).

Tirada em Santos, no Brasil, para onde emigrou no tempo em que os portugueses partiam em busca de uma vida melhor, a foto é majestosa pela qualidade, em si mesma, e pela figura que retrata.

Um dia de visita a S.Paulo quis visitar a rua na qual, em Santos, o meu avô Dimas tinha trabalhado numa fábrica de malas, baús, malões, ao que suponho propriedade de seu irmão.

No SESC de S. Paulo falei alto acerca da minha vontade de visitar a rua e, se possível, a fábrica ou os resquícios que dela tivessem sobrevivido. E eis que uma das presentes me diz ter vivido numa vivenda mesmo em frente da fábrica que eu procurava. E lembrar-se, em criança, das pessoas que nela trabalhavam.

No outro dia lá fui. Em plena zona industrial a rua estava tal e qual com o mesmo nome. E o número da porta também não tinha mudado. Era um armazém de fronte do qual pude observar a vivenda que me tinha sido referida.

Por ser domingo não pude entrar mas era aquele o espaço, agora ao serviço da empresa de celulares que a PT explora na região de S. Paulo, onde o meu avô tinha trabalhado boa parte da sua vida.

Regressei com o sentimento de ter cumprido uma das íntimas missão que, desde há muito, me tinha imposto a mim próprio.
 
[Publicado em 14 de dezembro de 2004 nas vésperas do 1º aniversário deste blogue.]

sábado, novembro 30

“Homenagem ao Papagaio Verde"


(...)

“Um dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe, aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado, resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: - Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.”

Jorge de Sena
 
[Publicado em 29 de outubro de 2012. Um trecho de um dos mais belos contos de Jorge de Sena que, a seguir a Camus, deve ser o autor que mais me influenciou e inspirou para a criação deste blogue.]

O MEU IRMÃO DIMAS MORREU


O meu irmão Dimas era um “self-made-man”. Pertencia aquela rara plêiade de portugueses que triunfou na vida pelas suas próprias mãos. Com o seu trabalho. Sem golpes nem favorecimentos espúrios. Um artista de fina sensibilidade e operário na sua arte, perfeccionista, preocupado com os detalhes, homem de honra e de palavra.

Sofreu, certamente, em silêncio, os males do nosso tempo e a doença súbita que, em poucos dias, o ceifou para a vida. Eu fui um filho tardio. A sua adolescência coincidiu com a minha meninice. Sempre fui para ele “o meu menino”. O meu irmão Dimas raramente dizia palavras de circunstância. Nem era homem de grandes manifestações públicas de afecto. Mas eu sempre senti o halo da sua secreta afeição e solidariedade.

A imagem que dele guardo, para sempre, está neste retrato a preto e branco. A família completa posa para a Kodak de meu pai. No Jardim da Alameda, em Faro. Respira-se um ar de felicidade e o meu irmão, adolescente, deixa perceber a sua elegância. Eu empoleiro-me no banco na hora do disparo. A máquina, suspensa num tripé, accionada por meu pai, deixa passar aqueles segundos que ainda lhe permitem tomar o lugar no retrato.

Reparo nas roupas domingueiras que todos envergávamos. O meu olhar e o de minha mãe pousam, certeiros, na objectiva. Os olhares de meu pai e de meu irmão pousam em algo, ou alguém, ligeiramente ao lado. Simétricos dois a dois. Reparo na expressão feliz do seu rosto e na sua esguia mão.

Que dia terá sido aquele? Um aniversário? Um dia de festa? Um momento para todo o sempre.

[Publicado em 1 de março de 2005. Um dos mais sofridos textos que escrevi nos dez anos deste blogue.]

ESQUERDA SOCIALISTA - Nº 1


E como estamos em véspera do 1º de Maio aqui fica o número um do “Esquerda Socialista” jornal do Movimento de Esquerda Socialista, disponível na Hemeroteca Digital da Câmara Municipal de Lisboa. Pode ser folheado aqui.

O jornal foi dado à estampa tardiamente – 16 de Outubro de 1974 – e o seu design gráfico, tal como o símbolo do MES, são de autoria do Robin Fior. O seu primeiro director foi o César de Oliveira. Antes, pela passagem do 1º aniversário do golpe militar que derrubou Allende, no Chile, 11 de Setembro, já tinha saído o nº0 com uma tiragem de loucura! Aí uns 100 000 exemplares, ou estou enganado? [Post corrigido.]
 
[Publicado em 30 de abril de 2008. De um conjunto alargado de referências ao MES que fui fazendo ao longo destes 10 anos de existência do blogue. Um dia faço algo mais.]

sexta-feira, novembro 29

CARLA BRUNI

 
QUE VIVA A REPÚBLICA!

[Dedicada aos puristas daqui através daqui] 
 
[Publicado em 24 de janeiro de 2008.] 

quinta-feira, novembro 28

ALBERT CAMUS - O DIA DO NOBEL CINQUENTA ANOS DEPOIS



Quando soube da atribuição do Prémio Nobel “pela sua importante obra literária, que foca com penetrante seriedade os problemas que se colocam nos nossos dias à consciência dos homems”, Albert Camus escrevu nos Cadernos: “Prémio Nobel: estranho sentimento de desânimo e melancolia. Aos vinte anos, pobre e nu, conheci a verdadeira fama” .

Camus afirmou então que o Prémio deveria ter sido atribuido a André Malraux e manifestou dúvidas acerca da sua própria capacidade e força criadora que sempre o atormentaram. Após o anúncio da atribuição do Nobel sujeitou-se a ataques odiosos, que o não deixaram indiferente e comentou: “Assustado com aquilo que me acontece e que não pedi. E, para cúmulo, ataques tão infames que o coração se me aperta.”(Cadernos).

Mas Camus, segundo todos os testemunhos, não podia, nem queria, recusar o Prémio. Telefonou, de imediato, à mãe, que sempre viveu na Argélia, como que a agradecer à sua origem a honra que lhe tinha batido à porta. Escreveu a Jean Grenier, o seu professor e mentor intelectual : “(…) quando recebi a notícia, o meu primeiro pensamento foi, depois de minha mãe, dirigido ao senhor. Sem o senhor, sem essa mão efectuosa que estendeu à criança pobre que eu era, sem a sua instrução e o seu exemplo nada disto tinha acontecido.” (citado a partir de Roger Quilliot).

René Char, um amigo de todas as horas, não cabia em si de contente e manifesta esse contentamento de várias formas incluindo um artigo publicado, logo em 26 de Outubro de 1957, no Figaro littéraire, intitulado “Je veux parler d’ un ami”.

No ínicio de Dezembro de 1957 Camus partiu com a mulher, Francine, para Estocolmo e, em todas as suas aparições em público, tinha a consciência que devia estar preparado para ser atacado a propósito da sua discrição a respeito do conflicto na Argélia que estava no auge.

Albert Camus , a 10 de Dezembro de 1957, passam hoje 50 anos, recebeu das mãos do Rei Gustavo VI da Suécia o diploma e, no banquete que se seguiu, proferiu o seu discurso de agradecimento. Logo num dos dias seguintes escreveu a Jean Grenier descrevendo, de forma sintética, o que sentia: “A corrida acaba, o touro está morto, ou quase.

Albert Camus – discurso de 10 de Dezembro de 1957

Dircurso pronunciado, segundo a tradição, na Câmara Municipal de Estocolmo, no fim do banquete que encerrava as cerimónias da atribuição dos Prémios Nobel. (Versão integral em francês.)

Alguns excertos:

Je ne puis vivre personnellement sans mon art. Mais je n'ai jamais placé cet art au-dessus de tout. S'il m'est nécessaire au contraire, c'est qu'il ne se sépare de personne et me permet de vivre, tel que je suis, au niveau de tous. L'art n'est pas à mes yeux une réjouissance solitaire. Il est un moyen d'émouvoir le plus grand nombre d'hommes en leur offrant une image privilégiée des souffrances et des joies communes.
(...)
C'est pourquoi les vrais artistes ne méprisent rien ; ils s'obligent à comprendre au lieu de juger. Et s'ils ont un parti à prendre en ce monde ce ne peut être que celui d'une société où, selon le grand mot de Nietzsche, ne règnera plus le juge, mais le créateur, qu'il soit travailleur ou intellectuel.
(...) l'écrivain peut retrouver le sentiment d'une communauté vivante qui le justifiera, à la seule condition qu'il accepte, autant qu'il peut, les deux charges qui font la grandeur de son métier : le service de la vérité et celui de la liberté. Puisque sa vocation est de réunir le plus grand nombre d'hommes possible, elle ne peut s'accommoder du mensonge et de la servitude qui, là où ils règnent, font proliférer les solitudes. Quelles que soient nos infirmités personnelles, la noblesse de notre métier s'enracinera toujours dans deux engagements difficiles à maintenir : le refus de mentir sur ce que l'on sait et la résistance à l'oppression.
(...)
Ces hommes, nés au début de la première guerre mondiale, qui ont eu vingt ans au moment où s'installaient à la fois le pouvoir hitlérien et les premiers procès révolutionnaires, qui furent confrontés ensuite, pour parfaire leur éducation, à la guerre d'Espagne, à la deuxième guerre mondiale, à l'univers concentrationnaire, à l'Europe de la torture et des prisons, doivent aujourd'hui élever leurs fils et leurs œuvres dans un monde menacé de destruction nucléaire.
(...)
Chaque génération, sans doute, se croit vouée à refaire le monde. La mienne sait pourtant qu'elle ne le refera pas. Mais sa tâche est peut-être plus grande. Elle consiste à empêcher que le monde se défasse.
(...)
Je n'ai jamais pu renoncer à la lumière, au bonheur d'être, à la vie libre où j'ai grandi. Mais bien que cette nostalgie explique beaucoup de mes erreurs et de mes fautes, elle m'a aidé sans doute à mieux comprendre mon métier, elle m'aide encore à me tenir, aveuglément, auprès de tous ces hommes silencieux qui ne supportent, dans le monde, la vie qui leur est faite que par le souvenir ou le retour de brefs et libres bonheurs.

Ramené ainsi à ce que je suis réellement, à mes limites, à mes dettes, comme à ma foi difficile, je me sens plus libre de vous montrer pour finir, l'étendue et la générosité de la distinction que vous venez de m'accorder, plus libre de vous dire aussi que je voudrais la recevoir comme un hommage rendu à tous ceux qui, partageant le même combat, n'en ont reçu aucun privilège, mais ont connu au contraire malheur et persécution. Il me restera alors à vous en remercier, du fond du cœur, et à vous faire publiquement, en témoignage personnel de gratitude, la même et ancienne promesse de fidélité que chaque artiste vrai, chaque jour, se fait à lui-même, dans le silence.
 
 
[Publicado em 10 de dezembro de 2007.]
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ANDRÉ GORZ



                                               André Gorz et D., devcant l'usine Renault-Billancourt. Février 1947.
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Ler aqui e aqui.
 
[Publicado em 25 de setembro de 2007. Uma notícia que muito me tocou.]