domingo, dezembro 3

O Zé Pedro morreu

Uma imagem que vale por mil palavras. Uma ressonância antiga que reemerge: unidos na vida e na morte!
Fotografia de João Porfírio

sexta-feira, dezembro 1

A propósito do 1º de dezembro

Num tempo como o nosso de tantas incertezas (afinal comuns a todos os tempos) convivo mal com a ignorância e subalternização da história. Não que seja um especialista, ou estudioso, de história no sentido académico mas como simples cidadão interessado em conhecer os caminhos que nos conduziram, em todos os domínios, até ao presente. Se não erro não há, hoje, um único programa nos canais de televisão generalistas que verse acerca de história. A história de Portugal bem merecia que os meios públicos de comunicação - RTP/RDP - lhe dedicassem uma especial atenção. Vou esperar sentado ... até que a sociedade civil tenha suficiente força para impor a concretização de uma iniciativa que, de forma atraente, divulgue o essencial da história de Portugal.

domingo, novembro 26

GOVERNO - DOIS ANOS


Transcrevo abaixo o que escrevi no dia 27 de novembro de 2015 aquando da posse do governo em funções. Muita coisa foi feita em linha com o que era expetável e de todas estas destaco a retomada da confiança, interna e externa, que permitiu prestigiar Portugal perante os parceiros europeus, os mercados e as opiniões públicas. Não é uma pequena obra cujo sucesso, no entanto, está sempre sujeito às vicissitudes de fatores externos numa economia aberta como a portuguesa. Ainda mais assinalável o fato deste percurso ter sido feito com o apoio da esquerda parlamentar numa fórmula que, ou se transforma, ou se esgota no prazo máximo de uma legislatura. É o que parece, ...mas nem sempre o que parece é.

"Na madrugada do dia seguinte ao da posse do governo de António Costa que ocorreu em 26 de novembro de 2015 no Palácio da Ajuda. Fiz questão de estar presente, na qualidade de cidadão, porque sei o que quer dizer a palavra liberdade e também a palavra responsabilidade. Acabou um ciclo politico acerca de cuja natureza a história se encarregará. Não julgo útil, necessário e prudente, para beneficio da comunidade, contribuir para agudizar a crispação politica que, por ora, se tem circunscrito aos círculos políticos, apesar dos esforços de muitos meios de comunicação social (quase todos) para a propagar à maioria da população. Um dos mais interessantes fenómenos observáveis neste período pós eleitoral é o insucesso desses esforços. Como todos os que estavam melhor informados sabiam António Costa - até pelo que foi dito por ele próprio, e escrito nos documento oficiais do PS - nas condições de não obter uma maioria absoluta, dispunha de condições para alcançar um acordo à esquerda. Será, porventura, o único politico português no ativo capaz de obter sucesso em tal empreendimento. Neste dia em que escrevo não tenho tempo nem disposição para elaborar acerca dos motivos de tal vocação que merecem uma abordagem séria e aprofundada. Interessa-me, em especial, acompanhar as consequências do desenlace da crise politica e participar, tanto quanto seja capaz, na concretização de um programa politico que será hoje aprovado pelo Conselho de Ministros e cujo teor é conhecido por ter sido divulgado, ao contrário de uma nefasta tradição nacional, com antecedência. A respeito das politicas serão certamente assinaladas ruturas e continuidades, sinais de futuro e tonalidades diversas do presente, métodos e abordagens diversas do habitual, protagonistas novos e renovados relacionamentos de protagonistas antigos, um mundo de diferenças face às politicas do anterior governo e seus executantes. Aspiro a poder assinalar que este governo vai fazer diferente, sem arrogâncias nem autoritarismos; que julgará a herança do governo anterior de forma objetiva, justa e sem precipitações; que mudará o que houver a mudar, com o objetivo central de servir o bem comum em prol da melhoraria da vida dos cidadãos e da qualidade da democracia. Colocar no lugar cimeiro da politica a defesa da liberdade sem descurar a justiça e a igualdade."

sexta-feira, novembro 24

AS INUNDAÇÕES DE NOVEMBRO DE 1967 (II)


No dia 25 de novembro de 1967, era sábado, lembro-me de sair, era já tarde/noite, do ISCEF, pouco mais de um ano após ter iniciado os estudos naquela escola. Teria ido, certamente, participar numa reunião ou, mais prosaicamente, jantar na cantina da Associação de Estudantes. Ao sair devo ter feito o caminho de casa, um quarto alugado, ao cimo da Calçada da Estrela. (hoje, passados 50 anos, este percurso e sua envolvente, está, praticamente, igual).

Chovia muito, mas não estranhei porque, ao contrário de hoje, era normal chover nesta época do ano. Não levava qualquer resguardo para a chuva, que nem me pareceu excessiva, e caminhei colado às paredes até chegar ao destino. A minha perceção da chuva que caía naquela hora não me permitiu sequer imaginar as consequências que haveria de provocar. Chovia, simplesmente.

Na manhã do dia seguinte, domingo, devo ter feito o caminho oposto, corriam as notícias de inundações em diversos sítios de Lisboa e arredores, e devo ter-me dirigido ao Técnico para me juntar à gigantesca mobilização estudantil que se organizou para avançar para as zonas mais atingidas em socorro das vitimas e no apoio à reparação dos estragos.

O quartel general, que me lembre, havia sido montado no Técnico e deve ter sido a primeira vez que, à margem dos poderes instalados, com autonomia e mobilizando recursos próprios, se promoveu uma ação voluntária juvenil de grande envergadura à margem da politica oficial do regime. Foi um processo organizado que enquadrou a vontade espontânea de uma multidão de jovens estudantes ávidos de participação cívica e politica.

Fui numa brigada para Alhandra munidos de meios rudimentares e lembro-mo com nitidez de nos afadigarmos a limpar ruas no meio da maior destruição que se possa imaginar. Retenho na memória o ambiente de caos e de tensão pois, afinal, estávamos a participar numa ação voluntária não autorizada que, naquela época, comportava riscos pessoais. Não havia medo, mas necessidade, e vontade, de ação.

Os meios para o socorro eram escassos, mas o que contava, de verdade, era participar, prestar solidariedade, ver com os próprios olhos in loco o que, de súbito, nos surgiu como uma calamidade de enormes proporções. Uma pá na lama, os destroços, uma palavra de conforto e incentivo, uma força coletiva que enfrentava sem medo a situação dramática de populações desprotegidas e, afinal, um regime decadente acobertado na ignorância, na censura e na repressão.

No que me respeita ficou uma experiência sem dissabores. Não poderia imaginar que estávamos nas vésperas da queda de Salazar e da emergência, em 27 de setembro de 1968, do governo de Marcelo Caetano, menos de um ano depois daquelas trágicas inundações. Afinal aquela gigantesca ação voluntária havia de contribuir, de forma relevante, para o início do processo politico que desembocou no 25 de abril de 1974.
Não foi a minha primeira participação num movimento cívico, com vocação politica, (havia participado antes nas “eleições” de 1965) mas foi a ação mais impressiva e intensa que jamais esqueci e que muito contribuiu para configurar uma vontade de participação cívica e politica que nunca mais me abandonou.

AS INUNDAÇÕES DE NOVEMBRO DE 1967

Poste de 20 de novembro de 2007, que reponho hoje, lembrando a passagem de 50 anos sobre as trágicas inundações de 1967.

No contexto da descrição sucinta dos últimos dois anos de Salazar à frente do governo de Portugal, no livro “ a história da PIDE”, Irene Flunser Pimentel – Circulo de Leitores/Temas e Debates, descreve-se um acontecimento marcante sobre o qual passam, nos próximos dias, 50 anos:

“O dia 25 de Novembro de 1967 foi marcado por chuvas diluvianas, em Lisboa e arredores, que causaram centenas de mortos, não sendo divulgada na imprensa a magnitude do desastre nem o número de vítimas. Muitos estudantes de Lisboa mobilizaram-se para ajudar as populações, apercebendo-se, nesse contacto, das terríveis condições em que viviam muitos portugueses. Entretanto, tinha havido no seio do regime o caso dos ballets roses, conforme noticiou, em Dezembro, o jornal inglês Sunday Telegraph.”

Participei numa das brigadas de estudantes que acorreu em apoio às populações dos arredores de Lisboa. Coube-me, com partida do Instituto Superior Técnico, desembarcar, se não erro, em Alhandra no meio de um ambiente desolador de destruição e morte. Lembro a complexa operação logística e as pás a remover a lama que engolira ruas e casas. O regime surpreendido pelas dimensões do desastre e pela prontidão da ação politico/solidária dos estudantes não foi capaz de suster o movimento.

Foi, certamente, este um dos mais significativos atos simbólicos que assinalou o início do fim da ditadura. Pouco tempo depois, em Fevereiro de 1968, Mário Soares foi preso, deportado e sujeito a residência fixa em São Tomé e Príncipe. Em 7 de Setembro de 1968 Salazar foi operado a um hematoma, após a queda da cadeira e, “no dia 17, após convocar uma reunião do Conselho de Estado, o Presidente da República anunciou que iria nomear novo presidente do Conselho de Ministros. Dez dias depois, informou que, “atormentado entre os seus sentimentos efetivos de gratidão”, decidira exonerar Salazar e nomear Marcelo Caetano” [pág.. 184]

Confesso que tinha perdido a noção exata da cronologia destes acontecimentos e fiquei surpreendido com a proximidade entre as grandes inundações de 25/26 de Novembro de 1967 e o mês de Setembro de 1968 que marca o fim político do ditador.

segunda-feira, novembro 20

O (des)Governo da água vai continuar?


(Artigo publicado na edição de 29 de Abril de 2005 do "Semanário Económico")

A seca severa que este ano assola o nosso país deveria trazer à discussão pública as questões da água, da desertificação do território e do “desenvolvimento sustentável”. A seca condiciona, de forma decisiva, o desenvolvimento sócio-económico do país, quiçá, a sua própria sobrevivência. Não estamos a pensar no longo prazo mas a lidar com problemas contemporâneos que não podem ser ignorados, nem pelos governos, nem pelas opiniões públicas.

A sociedade não se pode conformar à ideia de que a água potável não vai acabar. Os recursos naturais renováveis são finitos se não forem bem geridos e utilizados a níveis que ultrapassem as suas taxas de renovação. Não se pense esta questão com base na verdade sacrossanta das leis do mercado: se o bem escasseia aumenta-se o preço, pois a água é um bem público, o mais público dos bens públicos, um bem absolutamente essencial à vida humana.

A realidade, nua e crua, é que o país vai secando do sul para norte, do interior para o litoral. Não é a seca deste ano. É a seca de sempre. É a desertificação do território com as suas terríveis consequências.

Para estudar estes problemas há uma disciplina nas faculdades a que se tem chamado de “ordenamento do território” na qual o “desenvolvimento sustentável” assume um papel essencial.

O “desenvolvimento sustentável” é discutido e analisado nas faculdades mas, curiosamente, os cursos, afins ao tema, têm pouca procura de estudantes. Esta é um assunto assaz interessante e muito simples de enunciar: o “desenvolvimento sustentável” pretende promover o consumo/utilização dos recursos naturais, pelas gerações actuais, de forma a que as gerações futuras ainda possam viver usufruindo deles.

Mais do que deixar às gerações futuras a possibilidade de responder às suas necessidades, cabe à geração actual tudo fazer para melhorar essa capacidade, promovendo um desenvolvimento efectivamente equilibrado, onde a promoção do capital natural, a par do económico e do social, equacionados em pé de igualdade, permitam uma efectiva melhoria da qualidade de vida da sociedade em geral e de cada indivíduo, em particular.

Trata-se de não gastar todo o “capital natural” que nos foi legado pelos nossos antepassados, na roleta de um consumo imediato e irracional, sob pena de se perder o capital humano. É simples. Mas tal como a bondade, a gestão dos recursos naturais, ou se interioriza, tornando-se uma prática corrente, ou se transforma, no primeiro caso, em caridade e no segundo, em propaganda.

O problema da água, olhado pelo lado de consumo, aconselha a que se façam umas contas.
Comecemos pela água mineral engarrafada que é quatro vezes mais cara, para o consumidor final, do que a gasolina. Passemos para a água canalizada que, nalguns concelhos (como o de Sintra), é quase tão cara como a engarrafada. Olhemos para as regas inúteis que, tendo pouco significado no consumo, incitam ao desperdício.

Olhando o problema, a mero título de exemplo, por outros ângulos:

- porquê arvorar em eixo estratégico do desenvolvimento turístico do Algarve os campos de golpe quando se sabe que são infra-estruturas altamente intensivos no consumo de água?

- como explicar o atraso no aproveitamento da Barragem do Alqueva que, segundo as últimas informações públicas, atingiu a cota de 146,25 metros, faltando seis metros para o enchimento máximo, mas à qual faltam os ramais que permitirão o abastecimento público, assim como implementar vinte mil novos hectares de regadio?

- como explicar o atraso absoluto na implantação de sistemas de reutilização da água de consumo doméstico?

- qual a razão das perdas aterradoras, entre 35 e 50 por cento, nos sistemas de abastecimento públicos de distribuição da água.

Para que se tenha uma ideia da inépcia dos governos anteriores na abordagem desta questão, essencial para a própria sobrevivência da comunidade nacional, atente-se na ausência de discussão pública acerca da “proposta de lei quadro da água”, cujo prazo de consulta terminou no passado dia 15 de Março.

A propósito da lei quadro da água que transpõe para o direito interno a Directiva Quadro da Água (DQA), revogando um conjunto de decretos-lei neste domínio, diversas organizações, como a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), já mostraram, "profunda insatisfação" pela forma como o processo de discussão pública foi conduzido.

A definição de uma estratégia para água é, no essencial, uma função do governo mas não descarta o papel dos cidadãos pela utilização dos recursos.

Se o governo socialista for capaz de, ao mesmo tempo, elaborar uma estratégia para a água (e para a seca), implementar as medidas consequentes à sua concretização e encetar uma campanha consequente para mudar a atitude dos cidadãos face a esse bem público, escasso e precioso, já basta para ficar na história.

Ora acontece que o governo socialista integra no seu elenco, a começar pelo primeiro ministro, diversos reputados especialistas nas questões do ordenamento do território, ambiente e desenvolvimento sustentável. Este é um bom indício mas poderá, por reverso, a prazo, trazer no seu ventre a maior desilusão. O alerta aqui fica.

domingo, novembro 12

Temas (quase) atuais

Quase a meio de novembro a temperatura do ar baixa, mas teima em não chover. Quer-me parecer que o flagelo da seca veio para ficar por muitos e bons anos. Todas as previsões mais antigas estão a concretizar-se no que respeita à desertificação do território de Portugal continental. Os fenómenos associados às mudanças climáticas começam a ser, finalmente, referenciados pela opinião pública. É necessário com urgência que se tornem em tema central das politicas públicas. As questões da demografia e das mudanças climáticas são hoje temas centrais que carecem ser encarados de frente. Mas, de verdade, não o têm sido. Como fazer?

terça-feira, novembro 7

MES

7 de novembro de 1981- Jantar de extinção do MES (Movimento de Esquerda Socialista).

É notável como, invariavelmente, os rostos ostentam um sorriso de serena felicidade e alegria. O encerramento de uma experiência fascinante poderia ser celebrado com melancolia ou crispação mas, no caso do jantar de extinção do MES, aconteceu o contrário.

Muitos anos passados, cada um de nós, ainda se revê, com prazer, nas imagens daquele momento simbólico de renúncia à continuidade de um projecto político. Porque nos libertamos? Porque fomos capazes de assumir o fracasso? Porque sabíamos que éramos, individualmente, capazes de prosseguir novos caminhos e abraçar novos desafios? Porque, afinal, nos reconciliávamos connosco próprios, reconstruindo os nossos sonhos utópicos?

Como disse Camus: “Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir.”

(Fotografia de grupo de António Pais e cartaz de Robin Fior.)

sábado, outubro 28

Pelo aniversário do meu filho Manuel

Pelo 27º aniversário do meu filho Manuel (27/10/1990). O texto abaixo foi escrito, onze anos atrás, a pedido dele, para integrar o “portfolio” da disciplina de português do 10º ano. Publico-o como celebração do seu aniversário e em homenagem à sua mãe que só aparentemente dele está ausente. A professora, por sua vez, com razão, estranhou a ausência de parágrafos. Mas o texto, de facto, é mesmo assim. Uma espécie de mancha compacta povoada de palavras que exprimem uma imagem absolutamente subjectiva de alguém a quem queremos mais do que tudo.

O meu filho pediu-me para escrever um texto acerca dele próprio. Este é o texto mais difícil de escrever. Quando tinha a idade que ele tem agora as minhas dificuldades nos estudos eram mais acentuadas. A descoberta do corpo, nos alvores da adolescência, é fonte de prazeres e de medos. Julgo que sofri mais nessa fase da vida. Subjectividades. Nunca seria capaz de pedir aos meus pais que escrevessem um texto acerca de mim. Não que não fossem capazes apesar do nível de escolaridade que alcançaram ser mais baixo do que aquele que me deixaram de herança. Mas porque o olhar do meu filho acerca do papel dos pais mudou. Assim como mudou o seu olhar acerca do papel do professor e da escola. Ele tem, ao contrário dos pais na sua idade, mais capacidade de crítica e mais autonomia para expressar as suas opiniões. Gosta de participar e excede-se, porventura, na sua vontade de partilhar o espaço comum. Desde criança que exercita a sua curiosidade ouvindo todas as notícias. Mas, ao contrário das aparências, é tímido. Uma herança familiar. Receia enfrentar o desconhecido mas gosta de ouvir as discussões que transcendem a sua capacidade de entendimento. Gosta de discutir os temas da política e, em regra, é capaz de formular sínteses coerentes e equilibradas. Precisa de participar em actividades colectivas. Não sendo o teatro, ou a música, que seja o “parlamento”. Exercitará a capacidade de argumentação, a arte da palavra e as vantagens da síntese. Tem aprendido, progressivamente, a gerir a autonomia que lhe é oferecida e a organizar os seus tempos. Amadureceu a consciência de que precisa de trabalhar mais tempo e de forma mais organizada. É gentil. Vive no seio de uma família estruturada, uma tradição familiar que enraíza nas gerações passadas. É seguro. Desde criança que se enfurece quando lhe escapa das mãos qualquer objecto. Aprendeu a ouvir música para a qual sempre manifestou uma especial predilecção. É apreciador da natureza e da sua preservação, em particular, dos animais. Em criança aprendeu a pescar e a arranjar o peixe de que conhece todas as espécies. Aprecia os amigos, honra a intimidade e guarda os segredos. Entusiasma-se e distrai-se. Amadurece devagar. Sonha.

sábado, outubro 21

Tempos cinzentos - novos tempos

A faceta politica do pós 15 de outubro. Algumas notas acerca de acontecimento que estão em marcha. O sistema - chamemos-lhe assim para facilitar - está desconfortável com o modelo, e natureza, do governo em funções. Tal desconforto mais se acentuou ao longo dos dois últimos anos com os resultados positivos da economia que se podem sintetizar pela trilogia: mais crescimento- menos deficit- mais emprego. Acrescem os generalizados elogios de todas as entidades internacionais com responsabilidade no resgate de 2011.A imagem de Portugal mudou para positivo através da contribuição de muitos fatores que não cabe aqui descrever.
A crise politica, pelo contrário, instalou-se, sem desprimor pelo respetivo eleitorado e muitos dirigentes, no espetro politico partidário da direita. O jogo politico como que inverteu as lógicas arreigadas pela tradição politica portuguesa. A esquerda alcançou sucesso na consolidação orçamental, criando emprego e repondo rendimentos do trabalho, e a direita recuou para a defensiva a tal ponto que a levou a uma mudança de liderança no PSD, a uma ofensiva politica sem base social de apoio pelo CDS/PP e a um reposicionamento do PR reforçando o seu protorganismo, nos limites dos poderes presidenciais que lhe são atribuídos pela Constituição.
O movimento que está em curso destina-se a testar a capacidade da aliança de esquerda (a designada gerigonça)de manter os acordos que viabilizaram o governo socialista antecipando a disputa eleitoral de 2019 ou, quiçá, antecipando essa mesma disputa a partir do momento em que o PSD resolva a questão da liderança. Entretanto emerge o seu afã em derrubar o governo. O sistema não suporta o 1º ministro, ainda menos o ministro das finanças, ainda muito menos os apoios do PCP e do BE. Tudo no seu conjunto contribui para que este governo não seja sensível - esteja mesmo blindado - a determinados negócios sem os quais o sistema não respira e pode mesmo não sobreviver apesar da sua inesgotável capacidade de se renovar.
Como poderá a esquerda responder sem cedências aos acontecimentos negativos que estimulam o populismo (incêndios, encenações como a do roubo de armas em Tancos e outros que podem seguir-se), prestigiando-se perante os seus parceiros internacionais e respondendo de forma positiva às aspirações do maior número dos cidadãos portugueses. Esta solução politica terá que se transfigurar nos próximos tempos. Será possível aquele golpe de asa que, de quando em vez, a politica carece para manter o seu fascínio e mais do que isso defender a liberdade e a democracia dos seus inimigos que se encobrem nas brumas do sistema .

DIAS CINZENTOS

Quando escrevi o último post acerca dos incêndios no passado fim de semana não conhecia ainda a extensão da devastação. Não se pode verbalizar em meia dúzia de linhas os sentimentos que sinto tal como a comunidade sente. Mas quero deixar duas ou três palavras acerca das consequências. O governo pode ter subavaliado os sinais que preanunciavam em outubro condições propicias ao deflagrar de novos incêndios. As métricas adotadas, por tradição, para definir a alocação dos meios de combate aos incêndios (e outros acontecimentos que ponham em causa a segurança do país e das comunidades) estão obsoletas pois, na verdade, atendendo às ameaças do nosso tempo, o alerta deverá ser elevado em todos os meses do ano. Espero que o governo não enverede por uma politica de profissionalização pura e dura dos corpos de bombeiros descartando o voluntariado. Será necessário encontrar os equilíbrios necessários e não cometer os mesmos erros do passado quando, quanto a mim mal, foi suprimido o serviço militar obrigatório não tendo sido criado sequer um serviço cívico voluntário ao contrário de muitos países da UE. Não cair na tentação de antagonizar a atuação do PR mesmo quando de forma direta, aberta e publica, critica o governo. Até mais ver o PR mantém, no essencial, uma postura ativa de magistratura de influência e de proximidade com os portugueses e as comunidades (um estilo novo face à habitual postura de anteriores presidentes)o que, a meu ver, é uma vantagem para todos mesmo que, por vezes, possa ser desconfortável para os decisores políticos que atuam sob fortes e diversas pressões. E por fim por razões que se prendem com o meu mester atual é necessário que o estado, a todos níveis, valorize a economia social, ou seja, as mais de 60 000 entidades que cumprindo as mais diversas tarefas e funções, da atividade económica à ação social, estão mais próximas (tal como as autarquias) das comunidades e dos cidadãos. Estes dias cinzentos passarão mas a reconstrução não pode correr o risco de reproduzir os erros do passado.

domingo, outubro 15

INCÊNDIOS

Quando se lançam chispas sobre o governo com base no relatório da Comissão Independente acerca do incêndio de Pedrógão, e suas trágicas consequências, emerge o pior dia do ano em nº de incêndios, hoje, 15 de outubro. Quatro meses passados sobre Pedrógão nova vaga de incêndios, certamente, com origens semelhantes. O mesmo fenómeno está, ao mesmo tempo, a acontecer na Galiza igualmente com mortos. Parece ser uma péssima ideia politizar a questão dos incêndios sob pena de nunca mais ser possível atacar as suas verdadeiras causas.
Fotografia de Hélder Gonçalves

segunda-feira, outubro 9

CATALUNHA

Catalunha/Sem incursões analíticas, para as quais não estou especialmente habilitado, sinto no ar a ameaça dos excessos nacionalistas. De um e outro lado faz-se ouvir o tilintar das espadas, sob a forma de ameaças não veladas, perante uma Europa pejada de nacionalismos silentes. A Espanha, na sua configuração atual, é a 3ª ou 4ª potência económica da UE. Pouco interessa ao caso quando a questão é politica. E de politica a Europa é manejada, na sua maioria, por inaptos, vazios de alma e de rasgo. Pela concórdia e a paz, sempre!

domingo, outubro 8

Os últimos revolucionários

Neste vil mundo que nos coube em sorte
por culpa dos avós e de nós mesmos
tão ocupados em desculpas de salvá-lo,
há uma diferença de revoluções.
Alguns sofrem do estômago, escrevem versos,
outros reúnem-se à semana discutindo
o evangelho da semana; outros agitam-se
na paz da consciência que adquirem
como agitar-se em benefícios e protestos;
outros param com as costas na cadeia
para que haja protestos. Há também
revoluções, umas a sério, que se acabam
em compromissos, e outras a fingir,
que não acabam nem começam. Mas são raros
os que não morrem de úlcera ou de pancada a mais,
e contra quem agências e computadores
se mobilizam de sabê-los numa selva
tentando que os campónios se revoltem.
Mas os campónios não revoltam. E eles
são caçados, fusilados, retratados
em forma de cadáver semi-nu,
a quem cortam depois cabeça, mãos,
ou dedos só (numa ânsia de castrá-los
mesmo depois de mortos), e o comércio
transforma-os logo num cartaz romântico
para quarto de jovens que ainda sonhem
com rebeldias antes de empregarem-se
no assassinar pontual da sua humanidade
e da dos outros, dia a dia, ao mês,
com seguro social e descontando
para a reforma na velhice idiota.
Ó mundo pulha e pilha que de mortos vive!

24/11/1971

Jorge de Sena, In “Poesia III” – “Exorcismos” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba.

(A propósito do 50º aniversário do assassinato de Che Guavera. Jorge de Sena escreveu ainda, pouco antes de morrer, uma nota publicada na última edição de Poesia III: “Este poema, escrito nos fins de 1971, como vai indicado, havia sido solicitado contributo meu para uma plaquete de homenagem a Che Guevara, que se não estou em erro, a polícia então suprimiu e que Egito Gonçalves organizara. Como outros igualmente violentos, “passou” nestes Exorcismos de que, a mais de que um título, é parte." )

“Che Guevara” – Alberto Korda, Março/1960

CONJUNTURAS

Quase todas as manchetes e aberturas de telejornal estão a ser preenchidas pela Catalunha. Já não os incêndios que voltaram em força, nem sequer a sucessão de Passos Coelho na liderança do PSD. Assim parece-me razoável. Mas esperem pelos próximos desenvolvimentos do processo Sócrates para ser-mos soterrados - quantos meses? - por uma única notícia quase sem variantes... Curiosamente em simultâneo com um período de vazio na liderança a que se seguirá a iniciação de uma nova, no PSD... Aguentemo-nos no balanço!

quinta-feira, outubro 5

5 de outubro de 1910


Às 8,30 da manhã passava pela Rua do Ouro, em triunfo, a artilharia, que era delirantemente ovacionada pelo povo.

As ruas acham-se repletas de gente, que se abraça. O júbilo é indescritível!

A essa hora, no Castelo de S. Jorge, que tinha a bandeira azul e branca, foi içada a bandeira republicana.

O povo dirigiu-se para a Câmara Municipal, dando muitos vivas à REPÚBLICA, içando também a bandeira republicana.

(…)

Vê-se muita gente no castelo de S. Jorge acenando com lenços para o povo que anda na baixa. Os membros do directório foram às 8,40 para a Câmara Municipal, onde proclamaram a República com as aclamações entusiásticas do povo.

O governo provisório consta será assim constituído: presidente, Teófilo Braga; interior, António José de Almeida; guerra, Coronel Barreto; marinha, Azevedo Gomes; obras públicas, António Luís Gomes, fazenda, Basílio Telles; justiça, Afonso Costa; estrangeiros, Bernardino Machado.

Governador Civil, Eusébio Leão.

Em quase todos os edifícios públicos estão tremulando bandeiras republicanas. A polícia faz causa comum com o povo, que percorre as ruas conduzindo bandeiras e dando vivas à República.

(Transcrito de O Século, quarta feira, 5 de Outubro de 1910, publicação de última hora.)

Raúl Brandão, in Memórias “O meu diário” – Volume II

Perspectivas & Realidades

segunda-feira, outubro 2

DEPOIS DE ELEIÇÕES

Os resultados das eleições têm a enorme virtualidade de confirmar a evolução da vontade do maior número. Com os estudos de opinião, as sondagens, antecipa-se o sentido dessa vontade. Os resultados das autárquicas realizadas ontem não foram surpreendentes, confirmaram uma tendência. As surpresas podem surgir nos momentos seguintes resultantes das decisões dos diretórios políticos face aos resultados. Se todos os diretórios decidirem com racionalidade as surpresas deverão ser de pouca monta. O povo falou nas urnas, aguardemos, serenamente, o resultado dos debates e reflexões dos diretórios.
Fotografia de Hélder Gonçalves

domingo, outubro 1

LIBERDADE

“Revolta

Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.

A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito.

Dito isto, há também uma justiça, ainda que muito diferente, fundando o único valor constante na história dos homens que só morreram bem, quando o fizeram pela liberdade.

A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário."

Albert Camus, in Cadernos

quinta-feira, setembro 28

ELEIÇÕES - VOTAR

As eleições autárquicas terão seu desfecho daqui a pouco mais de 48 horas. Todas as eleições são importantes e tão mais importantes quanto mais aproximam o eleitor do eleito. Nas autárquicas os candidatos são muitos, mais do que em qualquer outra eleição; os eleitores são, no essencial, os mesmos. As comparações sérias dos resultados destas autárquicas serão feitas com os resultados das eleições autárquicas anteriores. As sondagens, como se costuma dizer, valem o que valem. As vitórias e as derrotas são resultados mais que certos e tocam a todos. Mas o que mais interessa nestes dias que antecedem o voto é combater a abstenção. Sempre votei em todas as eleições e também nestas votarei em fidelidade aos meus ideais socialistas de sempre. Mas o voto, em liberdade e democracia, só faz sentido, para mim, no respeito sagrado pelo sentido do voto de todos e de cada um.