quarta-feira, janeiro 11

POEMA ARGENTINO

Hoy han venido a verme

mi madre e mis hermanas

Alfonsina Storni


Olho a minha família toda,
com a memória a abraço,
as mãos já não lhes chegam
perto e ao longe a aperto,

Olho nos olhos os que olhei
no dia escasso, mesmo que fosse
juvenil o abraço, sinto as mãos
nas minhas mãos e as aqueço,

Olho dentro de meus olhos
reflexos da luz branca, oiço vozes
amigas ao longe e as conheço,

Olho em volta e a todos vejo,
e na alegria sublime de os ver
é como se os tivera sempre perto.

Buenos Aires, 27/6/2011

terça-feira, janeiro 10

VEJO COISAS MUITO BONITAS



Vejo coisas muito bonitas por aí quando olho
À volta nos intervalos do tempo que me dá
De folga a atenção que depositam em mim
O mínimo gesto uma interjeição o silêncio
O bater do coração o resfolegar o protesto
No meio do tempo que vai a mais de metade
Acredito que as coisas bonitas que vejo por aí
São mesmo a verdade que invento e assim
Não me podem causar desalento nem sequer
No dia em que as achar as coisas mais ruins

2/5/2007

segunda-feira, janeiro 9

NO ANIVERSÁRIO DA MORTE DE MEU PAI DIMAS


Por aqueles dias da primavera de 1958 o meu pai perdeu o medo. Pegou-me pela mão e levou-me a ver a passagem por Faro de Humberto Delgado. Estávamos em plena campanha presidencial. Pela primeira vez, desde o imediato pós guerra, o poder de Salazar tremia. Delgado era destemido, até à beira da loucura, segundo os seus detractores. A sua candidatura forçou à desistência de Arlindo Vicente, candidato apoiado pelo Partido Comunista. Humberto Delgado fez-se ao caminho e arrastou multidões até às urnas. Eu também lá estive pela mão do meu pai. Seguimos de Faro para Olhão onde a recepção foi apoteótica. Nunca hei-de esquecer a mão quente de meu pai apertando a minha. Eu não sabia ainda o significado da palavra fascismo. Mais tarde Humberto Delgado foi assassinado pelos esbirros da PIDE. Os assassinos morreram na cama. É revoltante. Tenho medo de sentir esta sensação de revolta perante a tolerância da democracia. Mas a tolerância, afinal, nunca é excessiva. Aprendi isso com o meu pai. Era um comerciante honrado. Morreu no dia 9 de Janeiro de 1992.

domingo, janeiro 8

PRIMEIRA IMAGEM

Em 8 de janeiro de 2005 a primeira imagem publicada neste blogue. Fotografia do meu amigo Hélder Gonçalves (um grande fotógrafo!).

sexta-feira, janeiro 6

A CASA


 A casa


(Glosa a um verso do poema “A Casa” de Gabriela Mistral)

Meu filho, a mesa já está posta,
Subi a rua toquei na soleira da porta.
Vi-me na janela em que, olhos espantados,
Observei o cair da neve naquela manhã

(ou seria tarde?)

Tornei ao largo da Feira do Carmo.
Vi-me no lugar dos cheiros acres e alados
Caminhei ao longo do cós da infância

(ou seria a liberdade?)

Gastei o tempo da minha vida olhando.
Vi-me, súbito, face a minha mãe:
Meu filho, a mesa já está posta,

(ou seria a saudade?)

Faro, 4 de Setembro de 2004


LA CASA

La mesas, hijo, está tendida,
en blancura quieta de nata,
y en cuatro muros azulea,
dando relumbres, la cerámica.
Ésta es la sal, éste el aceite
y al centro el Pan que casi habla.
Oro más lindo que oro del Pan
no está ni en fruta ni en retama,
y da su olor de espiga y horno
una dicha que nunca sacia.
Lo partimos, hijito, juntos,
con dedos puros y palma blanda,
y tú lo miras asombrado
de tierra negra que da flor blanca.

Baja la mano de comer,
que tu madre también la baja.
Los trigos, hijo, son del aire,
y son del sol y de la azada;
pero este Pan"'cara de Dios"*
no llega a mesas de las casas.
Y si otros niños no lo tienen,
mejor, mi hijo, no lo tocaras,
y no tomarlo mejor sería
con mano y mano avergonzadas.

Hijo, el Hambre, cara de mueca,
en remolino gira las parvas,
y se buscan y no se encuentra
nel pan y el Hambre corcobada.
Para que lo halle, si ahora entra,
el Pan dejemos hasta mañana;
el fuego ardiendo marque la puerta,
que el indio quechua nunca cerraba,
y miremos comer al Hambre,
para dormir con cuerpo y alma.

Gabriela Mistral

Nota* En Chile, el Pueblo llama al pan "cara de Dios".

quinta-feira, janeiro 5

A POLÍTICA



A politica, ao contrário do que alguns querem fazer crer, é uma actividade nobre. Mesmo nos tempos que correm em que proliferam os seus detractores sempre, pela sua parte, a praticando mesmo quando a denigrem. O ambiente de crise social, em todos os tempos, encosta o discurso político à tentação do messianismo. Nada a fazer pois dele emerge a própria natureza humana. Mas não confundo todos os políticos com a massa da qual emergem. Nem os seus discursos que sendo todos feitos de palavras advêm de diversas formações filosóficas e experiências de vida. Nem confundo politica com unanimidade no silêncio. Nem politica é a busca de consensos sem divergência nos programas e no choque de concepções antagónicas da vida em sociedade e do futuro da homem. Tudo na vida diverge e converge em uníssono e a exaltação da acção politica é a de encontrar o justo equilíbrio na diferença. E a de saber conviver com ela em liberdade.

quarta-feira, janeiro 4

O DIA DA MORTE DE CAMUS

 


Albert Camus morreu no dia 4 de Janeiro de 1960.


“Camus trabalhou assiduamente em O Primeiro Homem durante todo o ano de 1959. Em Novembro foi para Lourmarin para aí permanecer ate à passagem do ano; depois, em Paris, queria ficar com um teatro próprio e considerou também a hipótese de desempenhar o papel principal masculino no filme Moderato Cantabile baseado no conto de Marguerite Duras. O Natal passou-o com a família na casa da Provença e a família Gallimard passou com eles a festa do Ano Novo. A 2 de Janeiro a mulher de Camus teve de regressar a Paris com as crianças por causa do recomeço das aulas. Os Gallimard propuseram a Camus regressar de carro com eles no dia seguinte. Queriam ir calmamente e aproveitar para comer bem, pelo que previram dois dias para o regresso. A 4 de Janeiro o grupo em viagem almoçou em Sens, a cerca de cem quilómetros de Paris. Depois prosseguiram viagem pela estrada nacional, passando por uma série de pequenas aldeias. Próximo de Villeblevin, o carro derrapou sem razão aparente e chocou frontalmente contra uma árvore. À excepção de Camus, que ia sentado ao lado do condutor, foram todos cuspidos do carro: Michel Gallimard ficou gravemente ferido e foi levado para o hospital com a mulher e a filha que não mostravam ferimentos visíveis. Morreu poucos dias depois.

Camus fracturou o crânio e a coluna vertebral. Foi um tipo de morte violenta com que já tinha sonhado, uma morte, como Camus escrevera em 1951 nos Carnets, … em que se nos desculpem os gritos contra a dilaceração da alma. A isso contrapõe um fim longo e constantemente lúcido para que ao menos não se dissesse que eu fora colhido de surpresa.

O corpo de Camus foi depositado em câmara-ardente no salão da Câmara de Villeblevin e na manhã seguinte transladado para Lourmarin. Dois dias após o acidente realizou-se o funeral. Na frente do cortejo funerário iam Francine Camus, o irmão de Camus e René Char. Não levaram o caixão para a igreja, mas directamente para o cemitério que ficava a alguma distância, frente à casa de Camus. Aí tem Camus a sua campa entre as dos aldeões, de igual tamanho e com uma simples pedra.”

In Camus, de Brigitte Sändig
Circulo de Leitores

Bibliografia Completa.

terça-feira, janeiro 3

ALBERT CAMUS - A viagem para a morte



1960 - No dia 3 de janeiro, Camus parte da sua casa de Lourmarin, onde havia passado o fim de ano, de regresso a Paris, no Facel Vega conduzido por Michel Gallimard. Francine Camus fizera a viagem de comboio na qual deveria ter sido acompanhada por Camus; no dia seguinte, no prosseguimento da viagem, o carro despista-se, numa longa reta, em Villeblevin, perto de Montereau, embatendo num plátano, provocando a morte imediata de Camus e, cinco dias mais tarde, a de Michel Gallimard. Na pasta de couro de Camus, encontrava-se, além de diversos objetos pessoais, o manuscrito de Le Premier Homme, um romance inacabado, cento e quarenta e quatro páginas que sua mulher Francine haveria de dactilografar e sua filha, Catherine, fixaria em texto, publicado pela Gallimard, na primavera de 1994.

domingo, janeiro 1

ANO NOVO



Ouço o mar
lá longe
sob o céu

Ouço o silêncio
gotejar
na noite espessa
É tarde
(mas não me canso)
como no tempo jovem
hoje um ribeiro manso

Como depois de amanhã
nasce um ano novo

30/12/2007

sexta-feira, dezembro 30

ESTAR SÓ

 


“23 de Setembro [1937].

Solidão, luxo dos ricos.”

23 septembre.
Solitude, luxe des riches.”


Estar só
Ausência inteira
Solidária
A sós consigo própria
Só a nossa sombra
Nos olha

Estar só
Nada mais além
De nós
Próprios despidos
De tudo o resto
E de outros

Estar só
Absolutamente nós
Vigiados
Pela nossa voz
Ressoando
No pensamento

Estar só
Caminhar além
Do fim
Aquém da memória
Dos outros
Que vivem em nós

Estar só
O sobressalto
Do vazio
Nunca sonhado
Depois de tudo
Ter perdido

Estar só
Não é anunciares
A minha
Partida
É não te anunciares
Nunca

Estar só
É estar perdido
E não saber
Que me perdi
Deixar a tua mão
Por apertar

Estar só
Quero estar
Só uma única vez
A da palavra
Final
E nunca mais

Estar só
Sem ninguém
É partilhar o silêncio
Raro
Um luxo de ricos
A solidão


* Citação de 1937, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 2 (Setembro de 1937 – Abril 1939) - página 61, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier II (Septembre 1937 – avril 1939) – página 836, Oeuvres complètes – II.

quinta-feira, dezembro 29

QUE QUERES ?
















Que queres? Que te fale da amor?

Que te diga de como te adivinho?
Que te revele qual o meu temor?
Que te dê a mão a meio caminho?
Que queres que te diga? Sim, não?
Nunca, talvez? A distância infinita?
Uma sibila longínqua, qual verão?
O inverno? O futuro ou a desdita?
Que queres? Que te afague a dor?
Ou que te prenda na palavra dita?

9/12/2007

quarta-feira, dezembro 28

SE UM DIA EU ESCREVESSE


Se um dia eu escrevesse
um poema simples
denso e cheio de paz
ficaria leve como uma pena ao vento
que volteia, dá mil pinos sem partir,
e na minha cabeça
criar-se-ia um silêncio raro
e crente na exactidão das coisas.
Tal como os ruídos domésticos
fazem o à-vontade
deixaria então partir esta dor
no temporal direito
que quase me tolhe o braço
e com o espaço por ela deixado
faria na cabeça um barco
enorme e vazio
onde tomando o lugar
do tripulante solitário
rumaria em direcção à rua
do verão da minha infância
de regresso ao mar amado.

28 de Dezembro de 1981

terça-feira, dezembro 27

O VENTO


o vento,


empurra os odores e espalha as sementes

o vento,

assobia canções de embalar entre dentes

o vento,

canta os amores coloridos e suspira fundo

o vento,

dança nas frestas e sopra as ondas do mar

o vento,

é um mensageiro alado que nos faz sonhar

o vento,

é uma das raras coisas próprias do mundo.

segunda-feira, dezembro 26

Experiência II


Quero de ti o corpo
seio ventre aberto

Quero o beijo de ti
sei do sexo ao certo

Quero de ti isso
o lugar exacto só

Quero a mão agora
logo não sei já

Que não quero sei
é perder-me aqui

Mas perder-me sei
Ao certo que me quero

Quero aonde ser
nada mais senão eu

Agora já sabes
o que eu quero

Eu é que não sei!

6/11/1980

sábado, dezembro 24

NATAL

A sul, na minha cidade Natal, não chove nem venta, ressoam as memórias antigas que abraço sem temores.  A todas e todos que por aqui passam deixo os desejos de um Bom Natal. 

                                         Foto de família na qual surjo em criança, o único sobrevivo. 

sexta-feira, dezembro 23

SEM TÍTULO



                                             
“Tout le bonheur de l´homme est dans son imagination”



                                                                    Sade (citado por Jorge de Sena)


                                                                                     -------------


                                                  “É pequena a margem pura onde só há tristeza”


                                                                                   -------------


                                                                                         (…)
                                                       ”quando de tudo que, ao fugis, destróis,
                                                         e cujos gestos mancharás de lágrimas,
                                                         se os não sujares traindo o teu desejo,
                                                         fechando os olhos pr´a me ver a mim;
                                                        - aceito alegremente que se perca,
                                                         se não transforme, não consuma ou cale.” (…)


                                                                                -------------


                                                                                       (…)
                                                       quantas palavras, confissões não ditas,
                                                       olhares furtivos do prazer cansado,
                                                       para o futuro me não fossem a
                                                       suspeitar de perder-te por,
                                                       ah não sei como!, haver errado um gesto” (…)


                                                                              Jorge de Sena


                                                                                       --------------

Olá, Olá, como vai? Quase bem, do tropel dos meus
sonhos mudaram alguns rostos, medos alguns menos,
do perfil devolvido pelo espelho o perfume que o meu
corpo a mim me oferece é o mesmo.


Olá, Olá, então e o menino? Bem, Bem melhor, já
lê tão bem! Quase tudo entende mesmo o que lhe
escondo parece não lhe escapar. Cresceu quase um
palmo e as saudades de mais de alguns dias longe
me esmagam … mas ninguém percebe…ainda conti-
nuam a pensar que lhe não ligo importância.


Olá, Olá, e a menina que deseja? Com 35 anos,
menina! Parece uma sina, não me largam estes
imaginários desejos de afirmar a luta por subjugar
a aparência, a imagem de mim. Tão Tonta! Não
me resguardo o suficiente do julgamento alheio.
Preciso de me não deixar absorver tanto pelos ou-
tros. Ser mais eu. Menos chapéu-de-chuva. Mas
não me acharão “eles” assim, apesar da aparência, de-
masiado intolerante?


Olá, Olá, e os medos? Alguns menos, alguns novos!


Olá, Olá, e os sonhos? Alguns mudaram, mas persiste
a ideia fixa de viver, apesar de tudo, de bem comigo.
Difícil? É bem verdade!
E os espelhos? Reflectem uma mesma luz no rosto.
E o rosto? O mesmo! O corpo? O mesmo perfume.
Desenvolto? Quase tanto como da última vez
que foi corpo para si. Não creio que o menino
alguma vez tenha sido sacrificado. E isso que
importância teria?


Olá, Olá, e a mão? Ferrugenta ou não? Curva
no limbo da folha. A cor? Difícil são as exi-
gências do tempo, cumprições de mais!



[Poema sem título nem data mas, certamente, escrito em 1980, provavelmente, durante o verão ou mesmo antes. Deste poema existe uma variante na qual integro mesmo versos de um poema de Jorge de Sena. É de todos os Primeiros Poemas um dos mais antigos e o que mais me surpreendeu, a mim próprio, por ser mais longo do que o costume e assumir-se como uma descrição/reflexão de perfil psicológico a propósito de uma relação acabada, ora do meu lado, ora do “outro” lado. Em epígrafe, de forma expressa e excessiva, excertos de poemas de Jorge de Sena.]