sábado, janeiro 9

EM MEMÓRIA DE MEU PAI

Não posso deixar mais tempo esta folha em branco por assinalar com um rabisco qualquer, o desejo de participar, estar presente, testemunhar, o medo da folha em branco, por esquecimento de nela assinar a palavra, uma palavra, qualquer palavra, o desejo de pertencer a um espaço, comunidade, lugar, escrever depressa, sem errar, sem entrar no trilho da escrita automática de que tenho ouvido falar e da qual às vezes sinto que passo mesmo a rasar, como agora, cansado, ao fim da noite, com a cabeça a tombar no teclado, num último estertor de energia, no fim do dia, cansado, como o meu pai se devia sentir cansado no fim do seu tempo, MANTENDO A VONTADE DE SE MOSTRAR DIGNO, RECONHENDO-SE, REZANDO, REGRESSANDO AO TEMPO DAS ÁRVORES DE FRUTOS A CUJA SOMBRA DESFRUTAVA DE TODO O TEMPO DO MUNDO, PARA PENSAR COMO FUGIR À MISÉRIA E CRIAR FAMÍLIA, QUE CRIOU, como tantos homens e mulheres do seu tempo que aprendi a admirar, DEIXANDO-ME A MIM QUASE PARA O FIM, como me sinto ligado a todas as tradições que os meus em mim depositaram sem saber e interrogo-me se serei capaz de legar a mesmo doce áurea de uma vida impoluta de fazer tudo o que se exige a um homem fazer. [Em memória de meu pai pelo aniversário da sua morte.]
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1 comentário:

C.C. disse...

Como sinto minhas estas palavras quando penso nos meus Pais.
Bonita forma de recordar.