“Lá em baixo, onde as avenidas desaguam no rio (afluentes de alcatrão em pedra), os esgotos, o lixo pela água dentro. Mais adiante cemitérios de comboios, a ferrugem cor de chocolate espesso e uma tímida erva selvagem nos reiles carcomidos. O hidrovião, de súbito, poisado a meio da estrada marginal, com gaivotas sobre as asas desmanteladas. Outros dois suspensos nas breves rampas de lançamento, enquanto a aragem fluvial lhes desenha manchas de óxido na fuselagem, esquecidos à beira do cais cheio de lodo, limos, detritos encrostados na alvenaria, e apesar disso a água dum azul claríssimo. Por enquanto. Depois o extenso gradeamento do parque militar. Mais detritos. A manhã desolada. Centenas de viaturas podres, jipes, tanques, milhares de pneus abandonados, pirâmides negras de borracha, e (ao voltarmos) milhões de estrelas no firmamento. Dêem-me a terra, mesmo poluída. Este carbono pulmonar, onde contudo adeja ainda a nossa ração de oxigénio. Toda a tarde o calor turvo no horizonte, que nos lembrava o halo silencioso de um incêndio. Árvores em fogo. Três nuvens rectilíneas de céu a céu, três traços de fumo deixados pelos jactos de uma patrulha. Urbanização nas alturas. Como é que a tua beleza, Gelnaa, há-de sobreviver sem uma máscara antigás?”
Carlos de Oliveira, In “O Aprendiz de Feiticeiro”. (Um ecologista "avant la lettre").
Carlos de Oliveira, In “O Aprendiz de Feiticeiro”. (Um ecologista "avant la lettre").
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