Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, fevereiro 12
DÉJARINE
4 de Março 1950
(…)
“”Déjarine. “Eu desejaria detê-la no tempo, nesse dia já distante das Tulherias em que ela vinha ao meu encontro, com a sua saia preta e a blusa branca arregaçada nos braços dourados, os cabelos soltos, o pé pequenino e o rosto em proa.”
“O que eu pensava pedir-lhe desde há muito, fi-lo nessa noite extrema: o juramento de não vir a pertencer a nenhum outro homem. O que a religião pode provocar e permitir, não o queria viver se o amor humano fosse incapaz de o alcançar. Ela fez-me então essa promessa sem me exigir um compromisso. Mas na alegria terrível e no orgulho do meu amor, prometi-lhe jubilosamente. Tratava-se de a matar, e de me matar, de uma certa maneira.”
Quando o amor é um luxo, como não haveria a liberdade de ser um luxo? Mais uma razão, é certo, para não ceder àqueles que fazem do amor e da liberdade uma dupla miséria.””
Albert Camus
(Este excerto pertence ao livro que comprei hoje, um exemplar da edição esgotada dos Cadernos de Camus, intitulada “primeiros cadernos”, da “Livros do Brasil”, que compila os seis primeiros cadernos, editados inicialmente, em três volumes, na colecção “Miniatura” dessa editora. Fica, assim, completa a minha colecção das edições portuguesas dos Cadernos.)
sábado, fevereiro 11
sexta-feira, fevereiro 10
PORTUGAL SACRO-PROFANO
Ou volto a esses campos onde Deus é necessário,
à vida regulada pelo vento pelo sol e pelo sino,
aos nomes crus na cal das cruzes dos caminhos
onde às vezes na noite crescem passos enxertados primitivos
que põem frente a frente os olhos de dois homens
(…)
Ruy Belo
PORTUGAL SACRO-PROFANO – A charneca e a praia
Boca Bilingue
Em Torno da Imagem Fabricada
O movimento islâmico de protesto que invade as ruas, assalta as embaixadas, mata em atentados e preenche os horários nobres das televisões, é fabricado. A descoberta veio nas páginas de um jornal de referência americano. Os nossos cronistas, quais cães amestrados, seguem no rasto da notícia.
Novidade das novidades é tudo ser demasiado lento. As caricaturas foram publicadas há meses. O protesto fabricado demorou meses. A notícia denunciando a sedição islâmica demorou meses. Os serviços secretos ocidentais estão a funcionar mal? A Dinamarca? Porquê a Dinamarca?
Nada é espontâneo na política pura e dura a não ser a admiração daqueles que ainda acreditam na espontaneidade. A oriente e a ocidente fabricam-se ódios, mata-se para ocupar territórios e para aceder à exploração de recursos naturais cada vez mais escassos.
Os aliados já não são os mesmos dos tempos da II Guerra, nem os desavindos são os mesmos dos tempos da “guerra-fria”. Podem encontrar-se destroços de uns e de outros em ambos os lados da barricada de uma nova guerra não declarada.
“Tão natural como a sua sede” era um slogan publicitário e um dia, anos atrás, dizíamos de uma amiga que era “tão natural que até fazia impressão”! Acreditar na espontaneidade, na autenticidade, de alguém é quase uma heresia. Quanto mais na bondade da política, da diplomacia, dos negócios do petróleo e da disputa do “espaço vital” que as Nações sempre reclamam em nome do seu interesse vital.
O mais estranho é que ainda haja quem acredite que algum acontecimento, com direito às “primeiras páginas”, não seja fabricado para alcançar um fim que escapa à maioria. O mais que pode acontecer é que os inimigos de hoje sejam os amigos de amanhã e vice-versa.
Que estejamos, em permanente cerimonial de palavras, a celebrar a liberdade como uma abstracção que favorece o enriquecimento, sem causa, de uns poucos e favor da perpetuação da miséria da esmagadora maioria. Quem persegue os verdadeiros criminosos?
Ora vejam o caso do Bin Laden! O que será feito?
quinta-feira, fevereiro 9
LIBERDADE
As injustiças resultantes da liberdade de imprensa, uma fórmula antiga para dizer a liberdade de expressão do pensamento, são mil vezes preferíveis à justiça praticada no silêncio dos gabinetes ou nos confessionários de todas as religiões.
Lembro os anos que passaram até que fosse do conhecimento público as atrocidades do holocausto. Os únicos cuidados que a liberdade precisa é que não a matem, a deixem respirar, mesmo que do seu exercício resulte a revolta dos defensores de todos os servilismos.
CEPTI – CIDADE
Ao Augusto Figueiredo
Em 1953
atravessar a avenida só
para do outro lado
ficar a falar de Deus como se o conhecêssemos …
Ouvir cantar pneus
e continuar a supor que são sempre para os outros
todos os Pschitt! ignorantes
Fumar um cigarro entre duas dificuldades
como se fossem dedos
Ir a Paris dizer: - Que bem! …
e voltar por entre tambores cardíacos
Para uma cave de cobras e lagartos
a verificar que surge sempre
um iô-iô antes de uma guerra …
Fernando Lemos
In TECLADO UNIVERSAL – Poesias
Cadernos de Poesia – III Série – LISBOA – 1953 – FASC. 15
"A verdade ..."
“A verdade é que todo o homem inteligente, como o senhor bem sabe, sonha em ser um gangster e em imperar sobre a sociedade unicamente pela violência. Como isso não é tão fácil como a leitura de romances da especialidade o pode fazer crer, envereda-se geralmente pela política e corre-se para o partido mais cruel. Que importa, não é assim, humilhar o próprio espírito, se desse modo se consegue dominar o mundo inteiro? Eu descobria dentro de mim gratos sonhos de opressão.”
Albert Camus – “A Queda” (Sublinhados de Ana Alves)
quarta-feira, fevereiro 8
HONTE
«Toute société, et particulièrement la littérature, vise à faire honte à ses membres de leur vertus extrêmes »
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard
"CAROLICE"
"O ministro Alberto Costa era, pelos vistos, o único português que desconhecia que o sistema judicial sempre se foi mantendo de pé, bem ou mal, à custa da 'carolice' de magistrados e funcionários"
Manuel António Pina, "Jornal de Notícias", 08-02-2006
O autor da frase em epígrafe, destacada pelo Público, é um poeta consagrado. Não lhe conhecia dotes de conhecedor dos meandros da justiça. Lá terá as suas razões. Mas o que fica como reflexão é esta coisa extraordinária: é suposto que o sistema de justiça funcione na base da “carolice”?
Saberemos interpretar o que isso significa? Questão: como se podem formular juízos proporcionais, legais e, finalmente, justos implicando a liberdade e a vida dos cidadãos e das instituições num sistema assente na “carolice”? Como se pode fazer ironia e, de facto, condenar a acção de um ministro da justiça que combate a “carolice”?
Parece muito evidente que, um dia, a “carolice” haverá de dar lugar ao profissionalismo. Embora a "carolice" seja uma das mais estimáveis instituições nacionais será ela aconselhável na aplicação da justiça, seus preparos e sentenças?
GOSTAR
A propósito do post POLÉMIQUE, no qual Camus reflecte acerca das suas divergências com Sartre. Dois comentários aquele post que, excepcionalmente, reproduzo:
Paulo J. Ribeiro: Sonhamos todos com um caminho... Que caminho? (Uma surpresa).
Camus, paradoxalmente, ou talvez não, mantém uma actualidade fascinante que quase se aplica a todas as crises que atravessam o nosso tempo.
Não somos, certamente, obrigados a tomar posição face a todos os acontecimentos que nos cercam tomando para nós as dores dos outros.
A mim basta-me manter fidelidade a um guião, não escrito, que me acompanha, desde o princípio, na construção deste blog e que sintetizei - com as desculpas por me citar a mim próprio - num comentário aqueles dois comentários:
O mundo mais seguro é o das obras de que gostamos. Das pessoas de que gostamos. Das ideias de que gostamos. Dos autores de que gostamos. Daquilo de que gostamos.
terça-feira, fevereiro 7
PT
As minhas preces foram ouvidas …
“Ontem à noite, e de forma inesperada, a Sonae lançou uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) sobre a Portugal Telecom (PT). Hoje, após o fecho da Bolsa, Belmiro de Azevedo e o filho, Paulo Azevedo, darão uma conferência de imprensa para explicar os pormenores do negócio.”
Herberto Helder
"Era uma vez um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno a ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. A parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo - diziam. E depois amavam-se depressa, e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite. Isto era uma parte da vida delas, e era uma das regiões (comovedoras) da sua humanidade, e o que é humano é terrível e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza.”
In Pentimento, excerto do Conto de Herberto Helder + Xilogravura de Goeldi
segunda-feira, fevereiro 6
"CE FUNESTE LANGAGE"
Levanta-te e caminha, hesitante palavra
sobre a aresta do mês onde até mesmo Deus
esquece e a crua luz sensivelmente lavra
através de caídos sucessivos véus
Sinal equivalente ao quente cais que canto
aqui na orla da manhã só prometida
a quem matou a morte e desconhece quanto
à morte se devia a ciência da vida
Já tudo o que passou parece imaginado
e Ana Karenina tem no olhar ausente
a estrada que se perde a cada passo andado
Ó palavra impossível cuja vizinhança
a outra, útil ou portátil, não consente,
abre o poema, símil da lábil criança
Ruy Belo
“CE FUNESTE LANGAGE”
In Boca Bilingue
O FIM
O contacto com a realidade do processo de modernização da administração pública provoca-me uma sensação dolorosa. No meio de tanta gente dedicada, outros tantos afadigam-se a falar mal de tudo e de todos.
Quanto mais e melhor se apresenta a obra mais se aguça o apetite destruidor dos circunstantes. É uma espécie de canto do cisne de uma época que já acabou. O problema é que muitos ainda a vivem como se não tivesse já morrido.
Para esses as mudanças que se avizinham vão ser uma surpresa desagradável. O mais dramático é que o modo de fazer a reforma da administração pública pode levar a prejudicar gente competente e honesta que não merece a humilhação de ser forçada a renunciar a uma vida de trabalho dedicada ao bem público.
domingo, fevereiro 5
POLÉMIQUE
« Polémique T.M. (*) - Coquineries. Leur seule excuse est dans la terrible époque. Quelque chose en eux, pour finir, aspire à la servitude. Ils ont rêvé d´y aller par quelque noble chemin, plein de pensées. Mais il n´y a pas de voie royale vers la servitude. Il y a la tricherie, l´insulte, la dénonciation du frère. Après quoi, l´air des trente deniers. »
(*) Temps Modernes
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
REGRESSO
Regresso do Algarve à capital. Um descanso breve para a mente e, em particular, para os olhos após duas semanas de trabalho intenso neste projecto.
Uma visita à terra natal. A natureza do lugar, na minha cabeça, não mudou quase em nada. A vista da cidade, tomada da praia de Faro, mantém o perfil de uma mancha branca.
A diferença é que a cidade ganhou dimensão, no essencial, em altura. Mas, ao longe, os atropelos urbanísticos são suplantados pela claridade da luz que a ilumina. A mesma claridade que a memória retém dos tempos de criança.
Foram-se os cheiros à vegetação rasteira que medrava na areia e que quase foi varrida pela erosão do mar e pela incúria do homem. Quando passava da terra para o lado da costa, atrevessando a ria de barco a remos, o que mais me impressionava era o cheiro forte que emanava do coberto mediterrânico que cobria as dunas. Hoje resta a quietude da ria e o verde do sapal, de um lado e, do outro, o esplendoroso mar azul.
Desta vez não nevou em Faro como aconteceu de 1 para 2 de Fevereiro de 1954. O sol dominava a paisagem apesar do frio. A pacatez das gentes e do lugar não sofreram mudança.
Dominaram os árabes aqueles lugares durante muitos séculos. Quem diria, por estes dias, a abundância das notícias eivadas de sinais de ódio pelos antigos dominadores da minha terra. Os meus mais que prováveis ascendentes.
É o sul mais a sul que sempre me fascinou. Tudo permanece: a vista do mar, o cheiro da terra, o sol que baila no ar, a nostalgia das gentes...
sábado, fevereiro 4
A MÃO NO ARADO
quinta-feira, fevereiro 2
INCÓGNITA
Está disponível, no “Semanário Económico” e no IR AO FUNDO E VOLTAR, o artigo que intitulei: “Cavaco Silva: uma incógnita!” e que será publicado amanhã, dia 3 de Fevereiro, na edição em papel daquele semanário.
Aqui ficam os parágrafos de abertura.
“Mal seria que tendo manifestado o meu apoio, nestas páginas, à candidatura presidencial de Mário Soares, não voltasse ao tema após a eleição de Cavaco Silva.
Desde logo para afirmar, como mandam as regras do jogo democrático, que após o veredicto das urnas, a despeito das divergências políticas e das idiossincrasias pessoais, o candidato eleito passa a ser, como soe dizer-se, o Presidente de todos os portugueses.
Cavaco aguentou a investida das urnas. Ganhou com cerca de 64.000 votos de diferença face à soma dos votos obtidos pelos restantes candidatos. Bastava um só voto mas é, digam o que disserem, uma vitória escassa face às expectativas da direita. Mas em democracia por um voto se ganha, por um voto se perde.
TEMPORA NUBILA
Monna Lisa, 1503-1506 – Huile sur bois/ 77x53 cm – Louvre
(…)
Às flores imóveis vou no vento irrequieto
e regresso a um rosto onde nunca estou
mas passou entretanto tanto tempo
que quando à minha mesa volto não sou já quem dela se ausentou
(…)
Ruy Belo
TEMPORA NUBILA
O problema da Habitação
quarta-feira, fevereiro 1
FUI
Não me manietei. Dei-me totalmente e fui.
Aos deleites, que metade reais,
metade volteantes dentro da minha cabeça estavam,
fui para dentro da noite iluminada.
E bebi dos vinhos fortes, tal
como bebem os denodados do prazer.
[1913]
C. Kavafis
"Em que outros novos olhos..."
(…)
Em que outros novos olhos passageiro brilharás,
ó clandestino seguidor de Deus?
(…)
Ruy Belo
NO TÚMULO DE SARDANAPALO
terça-feira, janeiro 31
CORVOS
Passa exactamente hoje mais um ano (o terceiro) sobre a publicação de uma entrevista que concedi ao “Semanário Económico”.
A propósito da mesma, que serviu de pretexto ao ex-ministro Bagão Félix para me exonerar de presidente da direcção do INATEL, lembrei-me deste fragmento de Camus:
“Morale Pratique
Ne jamais faire appel aux tribunaux
Donner l´argent, ou le perdre. Ne jamais le faire fructifier, ni le rechercher, ni le réclamer.
Titre: Petit traité de morale pratique – ou (pour provoquer) d´aristrocratie quotidienne.”
Albert Camus
“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard
BILL GATES EM LISBOA
Bill Gates hoje em Lisboa para "fórum de líderes" e Plano Tecnológico
Este acontecimento parece ser importante!
Não sei qual a engenharia institucional que presidiu aos projectos anunciados por Bill Gates para os países da UE e para Portugal nem sei dos bastidores do negócio.
Mas não creio que Bill Gates se envolvesse no anúncio de projectos que, por um lado, não lhe assegurassem o retorno do investimento nem, por outro, servissem à propaganda política do Plano Tecnológico do governo português.
Este é um sinal forte de viragem do paradigma do desenvolvimento sócio económico de Portugal. Não pode deixar de o ser. À atenção de todos os descrentes e críticos do governo socialista. E dos próprios dirigentes, militantes, simpatizantes e eleitores do PS.
ACTUALIZAÇÃO (In "Público")
José Sócrates e Bill Gates assinam 18 projectos do Plano Tecnológico
O primeiro-ministro, José Sócrates, e o presidente da multinacional de software Microsoft, Bill Gates, assinam amanhã 18 projectos de parceria, principalmente, nas áreas da educação, inovação e do emprego, incluídos no Plano Tecnológico.
Microsoft vai apoiar formação de 50 mil elementos das forças de segurança
A Microsoft Internacional vai apoiar o Ministério da Administração Interna na formação informática de cerca de 50 mil elementos das forças de segurança portuguesas até 2010.
ANO FINITO
Esta urgência de escrever
Uma palavra
Esta urgência de a lançar
Ao vento
Esta urgência que me toma
Lentamente
*
Sobre um dia inverno
Que dizer?
Perto do mar um rugido
Ecoa
Chovem gotas de longe
Vindas
A luz se adivinha branca
Fria
*
Olho o fundo dos regatos
E vejo no céu
A lua turvada de uma luz
Difusa
Olho a luz na parede branca
E vejo refulgir
A gota de água que escorre
Pura
Azenhas do Mar, 31 de Dezembro de 2005