segunda-feira, abril 1

25 DE ABRIL (8) - Independentes e rebeldes

A nossa visão do papel da luta operária e do movimento sindical era muito diferente da perspectiva do PCP. Defendíamos a "auto organização" dos trabalhadores e a emancipação do movimento sindical fora do controle político partidário do PCP ou de qualquer outra formação partidária. A raiz da nossa concepção da organização operária e sindical bebia da tradição anarco-sindicalista e dos ideais auto-gestionários. As diferenças entre as nossas concepções da vida, da luta de emancipação dos trabalhadores e da organização do Estado, tornaria muito difícil qualquer tentação de aliança estratégica com o PCP e, por maioria de razão, tornava-nos imunes a ser absorvidos pela sua reconhecida vocação hegemónica. No MES confluíram quadros intelectuais e operários cujos destinos pessoais não eram compatíveis com a submissão a qualquer autoridade. Éramos (e somos!) ferozmente independentes e rebeldes. Por isso não admira que o MES tenha sido o único Partido, criado na aurora do 25 de Abril, que se extinguiu, por vontade da maioria dos seus militantes, com uma festa. Nem sequer admira que sejam raros os ex-activistas do MES que tenham, algum dia, aderido ao PCP, ou às teses neoconservadoras, ao contrário do que aconteceu com muitos ex-activistas dos movimentos políticos marxistas-leninistas que se reivindicavam do maoismo. Anti-autoritários e de esquerda toda a vida...

domingo, março 31

25 DE ABRIL (7) - O PCP

Ao longo da década de 60 travaram-se duras lutas contra a ditadura. Nessas lutas surgiram novas ideias e novos protagonistas. O PCP tinha estratégia e táctica alicerçadas numa apreciável implantação popular, embora circunscrita às zonas operárias e rurais do sul. A sua organização clandestina era experimentada tendo mesmo, nas vésperas do 25 de Abril, criado a ARA, organização vocacionada para a luta armada. O MES nunca aderiu à luta armada embora chegasse a desfrutar de uma razoável implantação nas Forças Armadas. Mas participou em organizações de natureza frentista, vocacionadas para a luta política legal, animadas pelo PCP, a mais importante das quais foi, antes do 25 de Abril, o MDP/CDE e, no período pós-25 de Abril, a "coligação", contra o PCP, apoiante da candidatura presidencial de Otelo, em 1976. Participei, entre muitas outras iniciativas, com o Víctor Wengorovius, no início da década de 70, em diversas reuniões, numa casa da Av. Duque de Loulé, em Lisboa, com um alto dirigente do PCP, na clandestinidade, para tentar encontrar os caminhos de uma coordenação política entre o embrionário MES e o PCP. É preciso ter presente que naquela época ninguém pensava ou agia, na oposição política portuguesa, escapando à influência do PCP.

sábado, março 30

25 DE ABRIL (6) - O MES

Em 1971 o país ainda vivia na esperança de uma solução política para a crise do Estado Novo. Sabíamos que o futuro não podia esperar muito mais. Mas não sabíamos quanto iria ainda durar a ditadura apesar das timoratas tentativas de abertura política de Marcelo Caetano. O MES (Movimento de Esquerda Socialista) nasceu da confluência de três movimentos que despontaram e ganharam corpo ao longo das décadas de 60 e 70. O movimento operário e sindical, o movimento católico progressista e o movimento estudantil. A cumplicidade entre um numeroso grupo de activistas que actuavam, com autonomia, contra o regime, nestes diversos movimentos sectoriais, foi sendo reconhecida por alguns de nós o que, a certa altura, desembocou na consciência de que estávamos perante um movimento político informal. Daí até à ideia da sua institucionalização foi um pequeno passo. Lembro sempre entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa. Foi ele que desenhou o símbolo do MES o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil; Robin foi também o autor da linha gráfica do jornal "Esquerda Socialista" e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade. Quantas horas passadas na sua companhia, e de sua mulher, desenhando uma imagem que ficou gravada, para sempre, na minha memória.

quinta-feira, março 28

25 DE ABRIL (5) - O tempo das ilusões

Depois de concluída a especialidade fiquei a dar instrução militar, o tempo todo, no 2º GCAM, no Campo Grande, em Lisboa. Passaram-me pelas mãos muitas centenas de jovens soldados recrutas aos quais industriei, o melhor que sabia, na área da administração militar. Foram sucessivas "semanas de campo" e incessantes sessões de instrução de tiro na Carregueira. Estas davam-me um prazer especial com excepção do "lançamento de granadas". Assim correu o tempo, desde meados de Abril de 1972, até ao 25 de Abril de 1974. A minha vida fazia-se entre o quartel e encontros de conspiração com os amigos e activistas que haveriam de confluir no MES (Movimento de Esquerda Socialista). Tinha a cabeça povoada de todas as ilusões que resultavam das leituras libertárias e marxistas, liberais e heróicas, sonhadoras e utópicas de Huxley, Camus, Gramsci, Luckac, Lenin, Marx, Rosa Luxemburgo, Mao, José Gomes Ferreira, Aquilino, António José Saraiva... As ideias da democracia directa, das comunas, da plena participação popular, tinham-se sobreposto à realidade, bem mais prosaica, da democracia representativa. Os ecos próximos da experiência do Maio de 68, em França, tinha dado asas à utopia de que o caminho para a felicidade se poderia encontrar na revolta contra o poder burguês. O tempo das ilusões...

quarta-feira, março 27

25 DE ABRIL (4) - o serviço militar

A minha entrada para o serviço militar deu-se em 7 de Outubro de 1971. Passei à disponibilidade em 4 de Outubro de 1974. Cumpri 3 anos menos dois dia de serviço militar obrigatório. Apesar daquele incidente no dia 16 de Março a minha folha de serviços está impecávelmente limpa. Como todos os futuros oficiais milicianos, nessa época, fui incorporado em Mafra. Lembro-me, com nitidez, do primeiro dia do serviço militar. Fui no autocarro da carreira com partida de Lisboa. À chegada a inspecção médica, o corte do bigode, pois já tinha antes cortado a barba que, ao longo da vida de adulto, sempre me tem acompanhado. Seguiram-se três meses de dura instrução. Os meus companheiros mais próximos foram o José Pratas e Sousa e o Raúl Pinheiro Henriques. Na tropa faziam-se fortes amizades e cumpriam-se as regras estritas da instituição militar. Não me desgostou. No fim da instrução seguiram-se três meses de "especialidade" cumpridos na EPAM, Lumiar, Lisboa. Por ironia do destino nunca fui mobilizado. A conjugação da classificação no curso com a abundância de oficiais do ramo da administração militar fizeram com que não fosse mobilizado para as colónias. Fui desta forma poupado à decisão dramática que se colocava a muitos que, como eu, tinham assumido uma opção contra a guerra colonial: desertar ou embarcar. Pessoalmente, ainda bem que assim foi. Os meus pais foram poupados à angústia de ver um filho partir para longe de onde podia não mais regressar.

terça-feira, março 26

25 DE ABRIL (3) - Inevitável absurdo

O golpe militar foi a consequência inevitável do predomínio dos ultraconservadores na governação. O Estado Novo, na sua fase terminal, esmagou a "ala liberal" na qual, muitos de nós, tínhamos depositado esperanças de mudança. De facto o grande acontecimento político do século XX português, depois da implantação da República, em 1910, teria sido a transição pacífica da ditadura para a democracia. Depois da morte política de Salazar o que terá passado pela mente de Marcelo Caetano? Porque não agiu? Por falta de coragem? Por falta de um verdadeira desígnio reformista? A razão de fundo para essa trágica omissão terá sido a política colonial que, desde o início dos anos 60, foi conduzida com o recurso à guerra, em desfavor da negociação com os movimentos de libertação. O regime foi conduzido a um beco sem saída. Os reformistas civis não foram capazes de forjar uma aliança consequente com os reformistas militares. Ainda hoje está por explicar, por outro lado, o papel da diplomacia das potências ocidentais nesta estranha situação de arrastamento de uma crise que se havia declarado, a partir de 1958, aquando da fracassada candidatura presidencial do General Humberto Delgado. As diplomacias ocidentais, que certamente estavam bem informadas dos acontecimentos em Portugal mantiveram, salvo raras e honrosas excepções, uma plácida e comprometedora inércia, que nem o cruel assassinato de Humberto Delgado desbloqueou. Será possível que os EUA e as potências europeias tenham sido apanhadas desprevenidas pelo 25 de Abril? Intolerável absurdo!

segunda-feira, março 25

25 de ABRIL (2) - O GOLPE DAS CALDAS - 16 MARÇO 1974

Cumpria, como Oficial Miliciano, o serviço militar obrigatório no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (2º GCAM), onde hoje está instalada, no Campo Grande, em Lisboa, a "Universidade Lusófona". Depois de conhecidas as notícias do avanço da coluna militar, a partir das Caldas da Rainha, instalou-se uma grande agitação no quartel. Era sábado e eu estava lá talvez porque estivesse de serviço. Finalmente surgia uma manifestação concreta de revolta militar mas pairavam no ar notórias dúvidas e incerteza acerca do destino do golpe. Pela manhã desse dia recebi ordem do Comandante para recolher ao quarto. Estive, de facto, preso por um breve periodo. Após o golpe ter fracassado, na manhã seguinte, mandaram-me sair. Fiquei aliviado. Iniciava-se, assim, a fase final do verdadeiro e decisivo golpe militar. Não o podíamos adivinhar mas o "Estado Novo" que, desde a ditadura militar, instaurada pelo golpe de 28 de Maio de 1926, iria perfazer 48 anos, estava a breves semanas do fim. Várias gerações de portugueses viveram toda, ou grande parte, das suas vidas sem conhecerem a cor da liberdade, pesando sobre as cabeças dos conspiradores a responsabilidade de pôr fim ao pesadelo.

domingo, março 24

25 de abril (1)

A celebração do cinquentenário do 25 de abril encontrará, no contexto político atual, muitos detratores. Os saudosistas do passado, dos tempos da "outra senhora", adeptos confessos, ou envergonhados, da tirania manifestar-se-ão, de forma mais ou menos aberta, contra a celebração do dia da liberdade. Como sempre em épocas de crises agudas mesmo alguns democratas deslizam suavemente para o manto onde se acoitam os amantes da tirania. É um clássico. São os que dispõem daquela peculiar vocação de cheirar os ares do tempo buscando beneficiar do que julgam vir a ser um novo regime politico ou, no mínimo, um novo governo inclinado para a extrema direita. Ora ao que venho é para afirmar que as datas simbólicas que afirmam os valores da liberdade e da democracia (além de outras em que incluo as religiosas) têm que ser celebradas nos espaços próprios, no caso do 25 de abril, na rua e na AR. E assim será, sabendo-se que muitos tentarão resgar um pacto que tem perdurado desde o 25 de abril de 74 no qual todas as forças politicas convergiam em torno da defesa da liberdade. Os próximos tempos serão de duras lutas, novamente, para assegurar que os seus detratores, e inimigos, serão derrotados. Que viva o 25 de abril!

sexta-feira, março 22

ELEIÇÕES (4)

Finalizadas as eleições legislativas ficamos com os seus efeitos. Uma mudança drástica através da ascensão da extrema direita. Não vale a pena suavizar a dimensão deste movimento. Era este o resultado pretendido com a narrativa da mudança. Para os democratas abre-se um tempo de resistência sendo certo que, à semelhança do pós 25 de abril, em que todos, de súbito, se apresentavam à sociedade como antifascistas, hoje todos se apresentam, ou são apresentados, como democratas. Mas uma parte significativa desses democratas anseia pelo regresso ao passado. Veja-se a manchete do Expresso de hoje certamente oriunda de fontes bem posicionadas que diz que o governo da AD aspira a governar por decreto evitando a AR. Eis uma hipérbole muito pouco sofisticada de apelo à desvalorização da democracia. Sinais ...

quinta-feira, março 21

DIA MUNDIAL DA POESIA

Como as palavras as imagens, que tomamos como nossas, são um bocado do imaginário que sobrevive à decapitação dos sonhos. Caminhamos por entre escombros. Quando minha mãe morreu nos meus braços não chorei. Só chorei quando, velando o seu corpo, me surgiu pela frente uma vizinha que frequentava a minha infância. O imaginário, naquele breve momento, tomou de assalto as minhas defesas que ruíram com estrondo. Percebi a leveza insustentável dos corpos depois de mortos e a infinita fraqueza que se esconde por detrás da nossa aparente normalidade.

segunda-feira, março 18

ELEIÇÕES (3)

Das eleições legislativas de 10M saiu uma situação politica que abre ainda mais as portas a um clima de ameaças e de medo de que existem já sinais alarmantes. A narrativa de que o PS é que criou o ambiente, senão mesmo o intrumento politico dessa instalação do medo faz o seu caminho. No entanto o lider do partido da extrema direita nasceu e cresceu no PSD. Mas resvalou para o extremo do espectro politico da direita e tem como objetivo tomar de assalto a direita toda. A ideia é a de minar o PSD, destruindo-o, e aprisionar o PS à chamada extrema esquerda, menorizando-o. Quem dirige esta orquestra orientada para a destruição da democracia e da liberdade?. Os grandes interesses já falaram, através de dirigentes de topo, e porta vozes diversos, sinalizando os beneficios que pretendem obter. Interessa-lhes menos o regime que o lucro económico. E a orquestra toca sozinha?

domingo, março 17

ELEIÇÕES (2)

A política tem facetas que não se recomendam. Não sei se algum dia se conhecerá a verdadeira génese da queda do governo cessante. A narrativa da mudança vinha de trás envolta, certamente, em múltiplas manobras ao mais alto nível. O que podemos perguntar honestamente, como cidadãos honrados, é quando se dá pública notícia do processo que lançou suspeitas sobre António Costa? Os democratas não poderão descansar enquanto reinar o silêncio. Serão meses, serão anos, quem se acoberta sob esse silêncio? O resultado das eleições não foi suficiente para alcançar os objetivos pre definidos pelos mentores e promotores da mudança. O que se seguirá? Em breve terão a maçada da comemoração dos 50 anos do 25 de abril!

ELEIÇÕES (1)

Uma semana após o voto algumas reflexões breves. Os sociólogos que estudam as eleições dizem que os mais velhos votaram mais no PS. Se está em curso um processo imparável de envelhecimento demográfico será sinal de decadência do PS acolher mais que outros o voto dos mais velhos?

sexta-feira, março 15

A BANCA

O anúncio dos resultados da CGD completa o naipe de resultados da banca. Nada contra os resultados positivos, mal seria o seu contrário. Mas não exagerem com o gáudio minimizando a importância da margem financeira nesses resultados. Pagar pouco a quem nos confia as poupanças e cobrar muito a quem nos pede emprestado, não merece encómios especiais nem diploma de mérito. Se ao mesmo tempo somos contemplados com o discurso da direita da mudança com os cofres cheios, pelo demérito socialista ... estamos conversados.

quinta-feira, março 14

VOTO (6)

A narrativa em voga é clara: mudança, a direita ao poder. No entanto subsiste o problema do voto. Esse problema desdobra-se em várias substilezas. A abstenção baixou uma coisa boa mas muitos, no seu íntimo, não acham assim tão boa. O voto na extrema direita alimentou-se, em boa medida, desses novos eleitores. O PR na véspera do voto fez constar que não queria a extrema direita no governo, ou seja, reforçou o "não é não". O PR entrou na campanha mas de nada serviu. A extrema direita no seu conjunto andou pelos 20% dos votos. Paradoxo da narrativa da mudança: a ascenção da extrema direita faz parte da mudança de que falam mas não a querem a partilhar o bolo. Outra substileza é a da desconsideração das formalidades no tratamento do voto. É obrigatório contá-los todos para obter o resultado final. É obrigatório para apurar a maioria considerar os partidos já que as coligações se desfazem após a votação. Só no dia 20 de março se saberá quem ganhou e o que conta é o número de mandatos de cada partido. Aguardemos!

terça-feira, março 12

VOTO (5)

Outro aspeto estranho destas eleições é a falta de referências à ausência de conflitos no dia do voto. Certamente que haverá queixas e reclamações, como sempre acontece, mas não aconteceu um único boicote, nem os animadores climáticos lançaram tinta aos candidatos notáveis na hora do voto(somente na sede da candidatura da AD, pela noite). Tudo pacifico e em paz. Uma grande lição de civismo.

VOTO (4)

Coisas curiosas, nunca vistas. PNS fechou o resultado das eleições antes do fim do escrutínio. Passou à oposição antes do fim do jogo. O PR inicia consultas aos partidos antes do fim do escrutínio. Diga-se que estas consultas não são uma ideia de ocasião mas uma obrigação legal. Coloca, nas consultas, a AD como última força a ser recebida para consulta, dia 20 de março, o mesmo dia da contagem dos votos da emigração que fecham o escrutinio. Recebe uma coligação como se fosse um partido quando são pelo menos três partidos dois dos quais vão ter grupos parlamentares autónomos (sem contar o caso da Madeira ainda mais especial). O resultado final das eleições, cujos resultados são muito apertados, não é certo pois o PS pode acabar com mais deputados, e ganhar! Uma hipótese teórica, dirão, mas se quisermos ser sérios não à vencedores antes do fim do jogo. Qual a pressa? O desrespeito pelos votos dos emigrantes como se fossem excedentários quando são iguais aos outros. No mínimo, tudo muito estranho!

segunda-feira, março 11

VOTO (3)

Eleições. Os resultados dizem tudo. Nada inesperado, seguindo a trajetória do que vem acontecendo na Europa (Itália, Eslováquia, Países Baixos, Hungria...),pois não vivemos num paraíso. O PR está perdido no seu labirinto. Um clássico dos conspiradores sofisticados. O povo está lixado. Os grandes interesses deliram enquanto escolhem os comissários. É sempre assim e será de novo, na boca do cofre, regurgitando os grupos de interesse trocam mensagens alvitrando como distribuir o dote socialista sem conhecer as pedras do caminho. Mais certo é que tropeçem e cedo entreguem o poder a quem seja capaz de repor a ordem nas contas...

domingo, março 10

VOTO (2)

A participação nas eleiçoes legislativas de hoje está a ser muito superior à de 2022. É uma boa surpresa. Há eleitores que acordaram para a vida civica certamente por força da incerteza provocada pela abrupta interrupção do anterior mandato do governo. Daqui vai resultar um quadro politico muito complexo desde logo pelo fato quase inevitável da maioria depender do partido anti sistema. Apetece-me dizer antecipando os resultados: entendam-se ...

VOTO

Estou na antecâmara do voto, uma vez mais, após todas as anteriores participações, sem falhar nenhuma. Não espero uma grande participação. Ao contrário do PR penso que um novo ciclo histórico só começará quando ele próprio sair de Belém (janeiro de 2026). O exercício do voto, em democracia, na sua simplicidade, tem um valor incalculável. A liberdade não tem preço.

sexta-feira, março 8

MULHERES

A terra e o corpo eram o mundo possível; a terra penetrava os poros, tisnava a pele, sujava as feridas; a terra cantava sob a correria dos pés descalços; a terra e os corpos entoavam as canções de embalar e de trabalho, da eira ao arado, do varejo ao rabisco; olhava as mulheres como se fossem rainhas que um dia haviam de dançar mil danças rodopiando nos braços do seu par; via-as sempre a dançar em seus sorrisos e suas gritas; as mulheres do tempo de as ver somente com uma admiração que me vinha de dentro. Não sabia nada delas mas via-as e amava-as como se fossem a terra que segurava as minhas raízes ao chão da vida. (4/2/2008) Nas fotografias - A minha mãe e Guida.

AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (5)

A razão do meu voto no PS, a titulo individual, assenta, desde logo, na tradição. Sempre me reconheci nos ideais socialistas que defendia de forma titubeante nas discussões acaloradas com o meu tio Ventura, homem honrado defensor do Estado Novo. Sempre o mesmo inconformismo perante a injustiça dos homens e do mundo, pela defesa do bem comum, pela aproximação à igualdade, contra qualquer tipo de opressão, pela liberdade individual, correndo os riscos do excesso que, por vezes, se pode virar contra as virtudes da crença nos amanhãs que cantam. Participei pela primeira vez na ação política numa reunião da oposição democrática, em 1965, em Faro, ainda estudante liceal. Na mesa presidia Luis Filipe Madeira, curiosamente, pai da cabeça de lista do PS pelo Algarve. Estava presente a tradição do reviralho, pinceladas de republicanismo, vozes de socialistas democráticos e olhares, além da PIDE, de comunistas sempre presentes. A tradição politica é isto, um caminho que se faz caminhando, sincero desprendimento, abertura para a diferença, olhando e ouvindo, ideias que geram ação para mudar o mundo. Sempre a ideia de mudar o mundo. Hoje como mudar um mundo à beira da guerra de que por aqui ninguém trás para a riblata da política. O PS deveria defender a paz com fervor tal como o tem vindo a fazer Guterres. Aí sim enraízaria numa tradição socialista pacifista (que não precisa de ser ingénua), e em cuja corrente me sentiria feliz. Mesmo assim acredito que é o PS que está mais próximo dessa tradição pacifista. Adiante. A tradição politica na qual me sinto hoje integrado é, pois, a do socialismo, humanista incremental, ou seja, reformista que o PS encarna (também uma parte do PSD submerso pela onda populista).

quinta-feira, março 7

AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (4)

No presente poucos se referem à situação económico financeira alcançada após oito anos de governo do PS (com ou sem maioria absoluta). É um enigma que nem o PS em campanha arvore esses indicadores como bandeira. Mas a realidade é mais forte do que o esquecimento. O deficit e a divida pública situam-se em níveis de assinalável dimensão positiva. Ainda hoje foi noticidao que a França e a Alemanha entraram em crise orçamental e não se antevê, mantendo-se a politica adotada em Portugal, que possamos cair de novo em crise. O mesmo com o emprego que continua em alta, com a inflação em baixa, ou seja, nada aconselha a mudanças que ponham em causa esta trajetória. O PS, através dos seus governos, tem sido uma garantia de estabilidade orçamental e de crescimento económico que nada fica a dever à maioria dos países da UE.

quarta-feira, março 6

AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (3)

É pela política que o PS vai lá! É pela política que o PS pode aspirar a ganhar eleições! Uma das linhas distintivas do PS em relação aos restantes partidos é a questão da liberdade. A defesa da liberdade pode ser penosa para outros partidos, menos para o PS. É a bandeira da liberdade que o PS não pode, em circunstância alguma, deixar de levantar porque é ela que distingue o PS, pela história e pela acção quotidiana, dos restantes partidos, à sua esquerda e à sua direita. Albert Camus, no conturbado período do pós guerra (1945) escreveu: “Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.” (…) [In Cadernos nº 4]. E Jorge de Sena, nos alvores da Revolução de Abril, em 4 de Junho de 1974, escreveu no magnífico poema “Cantiga de Maio” este verso emblemático: “Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam.” Será o eleitorado de esquerda capaz de compreender o que está em jogo nestas eleições?

terça-feira, março 5

AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (2)

Todos sabem o que vai acontecer. As mulheres são maioritárias na sociedade. É certo que nem todas as maiorias geram diferenças de qualidade. Muito menos garantem a conquista do poder. Mas no caso das mulheres, no mundo ocidental, há um detalhe decisivo: o fenómeno crescente da feminização do trabalho. Vai longe o tempo heróico das utopias feministas que, em Portugal, foram protagonizadas por Maria Veleda ou Carolina Beatriz Ângelo. As mulheres são já maioritárias num conjunto alargado de profissões e exercem uma forte influência social. Toda a gente sabe quais são essas profissões. Com quotas, ou sem quotas, hoje, é a sociedade que “empurra” as mulheres para a ocupação de lugares no topo das instâncias de decisão política. Este movimento, salvo qualquer cataclismo imprevisível, é irreversível. As mulheres vão ocupar o poder. Não é por serem mulheres nem sequer por serem mais ou menos competentes que os homens. Não é por uma questão de beleza física ou de sedução mediática. Pois se a maioria do eleitorado é constituído por mulheres … É por encarnarem uma forma diferente de olhar os problemas da sociedade. É por abrirem um espaço vital para a esperança na reabilitação da política. (O PS apresenta no territorio nacional, pela primeira vez, listas para as eleições legislativas de 10 de março, com dez cabeça de lista mulheres em vinte.) Fotografia de minha mãe.

segunda-feira, março 4

AS RAZÕES DO MEU VOTO NO PS (1)

A democracia mede-se pelo grau de respeito pelas liberdades fundamentais que radicam no direito de escolha. Escolher é o contrário de ser forçado. Escolher é poder, perante várias alternativas, decidir qual é a que se adequa aos interesses e valores de cada um. O direito de escolha não limita ninguém. A sua impossibilidade condiciona. A ausência do direito de escolha contraria a liberdade, legitimando ditaduras e discriminações. Os cidadãos têm direito de escolher entre casar ou viver em união de facto; têm direito a decidir, perante a sua consciência, divorciar-se ou sujeitar-se à violência de uma relação insatisfatória; têm direito a escolher a pessoa com quem querem viver e a forma como o querem fazer, sem discriminações em função do sexo, da etnia, da orientação sexual, da deficiência ou da religião; têm direito a decidir se querem ou não ter filhos; têm direito de errar e de não ser condenados a viver ou a condenar outrem a viver os efeitos desse erro. Ajudar os cidadãos a ter a liberdade de escolher (o casamento, a união de facto, o aborto, o divórcio, a transmissão dos bens) é uma das funções mais nobres do Estado Democrático. Não o compreender, não o aceitar e não o defender deixa dúvidas sobre o grau de tolerância e de respeito pela dignidade dos seres humanos.

domingo, março 3

PALPITES XXXLVI

A direita - a extrema e não só - promove o ambiente propício para a violência e o PR promove ações inintelegíveis como o voto antecipado do próprio. A verdade é que, no final do seu magistério, vai deixar o país mergulhado em divisão e instabilidade.

sábado, março 2

COISAS DA VIDA

"Standard & Poor's sobe a notação do risco de crédito de Portugal: 13 anos depois, a dívida pública regressa à primeira divisão. S&P alinha, agora, a avaliação com as outras três principais agências internacionais de notação financeira, que no ano passado tiraram o país dos níveis 'B', colocando-o novamente nos níveis ‘A’, onde se agrupam os emitentes de dívida de menor risco." (in EXPRESSO)

sexta-feira, março 1

10 março

Tenho duas certezas acerca das eleições de 10 de março próximo: serão nesse dia (auguro) e votarei no PS. De resto não há nenhuma novidade especial salvo a emergência da extrema direita às portas do poder. Digo sem novidade pois o sentido de tais desenvolvimentos já ocorrem por todo o lado. ( A extrema direita está nos governos de Itália, Eslováquia, Hungria, Países Baixos - ainda sem governo - e pode seguir-se a França ... o coração da Europa sem falar da Argentina, USA ...). Os mais experientes nestas coisas já passaram por muitas experiências duras e, como sempre, o mais relevante é separarem-se as águas e salvaguardar-se a democracia, a liberdade de escolher. ( Na fotografia eu próprio e o João Mário Mascarenhas na porta de armas do quartel do Campo Grande - 2º GCAM - entre os dias 25 de abril e 1 de maio de 1974.)

quarta-feira, fevereiro 28

terça-feira, fevereiro 27

VÍTOR WENGOROVIUS

No dia 27 de fevereiro de 2005 morreu Vítor Wengorovius. Ele merece ser evocado sempre, correndo todos os riscos, pois fez da sua própria vida um risco. Aqui deixo, em sua memória, um texto antigo. O mais brilhante tribuno do movimento estudantil durante a crise académica de 1961/62. Eu não tinha idade para o conhecer nessa época mas os testemunhos dos seus contemporâneos são eloquentes. Só o conheci como veterano no processo de criação do MES bastante antes do 25 de Abril. Era uma figura pujante de energia e criatividade, prolixo, solidário e desprendido. Era a personificação do excesso para seu prejuízo pessoal e benefício da comunidade. Um socialista católico puro e impoluto, crente e destemido, desprendido do poder e amante da partilha. Privei com ele, nele confiava em pleno, com ele aprendi a confiar, talvez a confiar demais. Não me arrependo de ter acreditado na luz que emanava da sua dedicação às causas utópicas que as suas palavras nunca eram capazes de desenhar até ao fim. As suas palavras perseguiam a realidade que se escapava como um permanente exercício de criação. Com ele fui a encontros clandestinos com o Pedro Ramos de Almeida, representante do PCP, buscando as alianças necessárias ao sucesso da luta anti fascista e nunca fomos apanhados pela polícia política. Ouvi horas das suas conversas, intervenções e discursos, aprendi a ouvir, aprendi a faceta fascinante do excesso da palavra (não só com ele) e sofri, em silêncio, o lancinante drama do seu percurso pessoal perdido no labirinto das rupturas intelectuais e sentimentais. Fiquei feliz no dia – próximo da sua morte – em que ajudei a que pudesse assistir ao musical “ O Navio dos Rebeldes”, levado à cena no Teatro da Trindade, em homenagem aos estudantes que em 61/62 se revoltaram contra a ditadura. No fim da representação um dos actores pediu licença para, à boca de cena, assinalar a sua presença e lhe prestar homenagem. As lágrimas correram-me pela cara quando, frente ao palco, na cadeira de rodas, o Vítor pegou no microfone e, parcimonioso nas palavras, exacto e conciso, fazendo soar o timbre inconfundível da sua voz, agradeceu elogiando o trabalho teatral a que tinha acabado de assistir. Morreu a 27 de Fevereiro de 2005 mas viverá para sempre no coração daqueles que, verdadeiramente, o conheceram.

segunda-feira, fevereiro 26

Autárquicas 2017: Pedro Passos Coelho na apresentação da candidatura de ...

Regresso aqui para assinalar o sentido politico do discurso de PPC na sessão da AD em Faro. Preparar uma aliança com a extrema direita para aceder ao poder. Claro como a água contrariando a posição declarada por Montenegro.

domingo, fevereiro 25

O MEU IRMÃO DIMAS

Passam hoje 20 anos sobre a morte do meu irmão Dimas. Foi um empreendedor antes do tempo, íntegro e honrado, fez-se homem pelo trabalho duro. Morreu cedo e lembro-o sempre como um amante da liberdade.

sábado, fevereiro 24

TOMAR O PARTIDO DA UCRÂNIA

A Rússia de Putin passou da doutrina estratégica dos anúncios à ação mostrando ao mundo a sua faceta e ambição imperial. O assunto é sério e coloca frente a frente duas conceções do mundo e do governo dos povos: totalitarismo ou democracia. Uma contraposição antiga e que nos tempos modernos é nossa conhecida em muitos confrontos sangrentos. Até este dia não se devisam os caminhos do cessar fogo e da concórdia em direção à paz. Por ora as palavras e as ações são de guerra e por isso mesmo, além da interpretação da torrente das notícias, não podemos nem devemos, os democratas e pacifistas lúcidos, deixar de tomar partido. O totalitarismo é o modelo, proposto através da força e da chantagem nuclear, pela Rússia e seus aliados declarados ou acobertados no clássico abstencionismo. Se a guerra alastrar e tomar novas formas preparemos as nossas defesas para as suas consequências e sejamos honrados tomando o partido e lutando pela democracia e liberdade.

sexta-feira, fevereiro 23

CORRUPÇÃO

Após o debate entre lideres partidários de hoje na RTP apetece fazer um comentário acerca da questão da corrupção. Nunca ninguém refere a propósito de prevenção ou combate à corrupção a questão que é a mais importante: as pessoas. Quando predominam pessoas honradas nos lugares suscetiveis de gerar fenómenos de corrupção ela não tem lugar.

quarta-feira, fevereiro 21

O CERCO AO CAPITÓLIO

"Polícias no Capitólio: IGAI pede à PSP e GNR “para apurar o que aconteceu” na noite do debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro". Os acontecimentos a que assistimos são da maior gravidade. Estranho o silêncio do PR.

OS TRÊS ABSURDOS

“21 de Fevereiro de 1941. Terminado Sisyphe. Os três Absurdos estão acabados. Começos de liberdade.” Albert Camus, in Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard). Camus refere-se à primeira trilogia constituída pelas obras reunidas em torno do conceito do absurdo: o romance “O Estrangeiro”, o ensaio “O Mito de Sísifo” e o drama “Calígula”.

segunda-feira, fevereiro 19

A BRINCAR AOS POLÍCIAS

"A PSP vai comunicar ao Ministério Público a marcha de hoje e a concentração de polícias junto ao Capitólio, em Lisboa, por o protesto não estar autorizado, disse à Lusa fonte da Direção Nacional."

domingo, fevereiro 18

PALPITES XXXLV

Amanhã vai ser divulgada uma sondagem que coloca o PS na frente das intenções de voto. Mas para as próximas eleições legislativas, no ano de todas as eleições, as únicas certezas são que se realizam a 10 de março de 2024 e que a extrema direita condicionará todas as soluções, salvo se a esquerda for maioritária.

sexta-feira, fevereiro 16

JUSTIÇA - 2

A justiça mediática, e da opinião pública, não perdoa nos juízos e condenações na praça pública. A justiça da república não pode contar com os rituais e as vestes, herdadas de outros tempos, para se impor na defesa do interesse público, os seja, dos cidadãos. Os rituais e as vestes formais da justiça valem o que valem mas não impedem que, um dia, se venha a confrontar, de forma brutal, com a triste realidade da sua insignificância face às sentenças dos tribunais de cada redacção e da mesa de cada café. Já está, aliás, confrontada com essa realidade. Na justiça, o que parece ser a regra, e não a excepção, é a ausência de prazos. Os processos correm, correm, correm, …e, no dia da sentença, do arquivamento, da prescrição … já ninguém se lembra de nada … é triste a justiça a que temos direito. Mas a justiça é uma questão política. São os políticos, eleitos pelo povo, os responsáveis pelos crimes que se consumam ao não se fazer justiça em tempo útil. A responsabilidade pelo colapso do sistema de justiça, em Portugal, recai, no essencial, nas costas dos políticos. Passaram, após o 25 de Abril, anos e anos de discursos pomposos, lado a lado com práticas lancinantes de incúria que abrem, de par em par, as portas às maiores injustiças. A corrupção é um caso paradigmático deste lamaçal.

quinta-feira, fevereiro 15

JUSTIÇA

“ (...) amo os que vivem hoje na mesma terra que eu, e são esses que saúdo. É por eles que luto e é por eles que estou disposto a morrer. E por uma cidade longínqua, de que não tenho sequer a certeza, não irei contra os meus irmãos. Não aumentarei a injustiça viva em nome de uma justiça morta.” Albert Camus, in "Os Justos".

quarta-feira, fevereiro 14

A MEMÓRIA

«Rolão Preto, ao entrar no Palácio das Exposições, saudado romanamente pelos camisas azuis em guarda de honra». [18 de Fevereiro de 1933, fotografia a preto e branco - Revolução, n.º 292, Lisboa, Portugal - Fotografia publicada no Revolução - Diário Nacional-Sindicalista da Tarde (1932-1933), de segunda-feira, 20 de Fevereiro de 1933.] O banquete de homenagem a Rolão Preto, de 18 de Fevereiro de 1933, comemorava o primeiro aniversário da publicação do diário Revolução, no início subintitulado Diário Académico Nacionalista da Tarde, cujo primeiro número tinha saído em 15 de Fevereiro de 1932. In “O Portal da História”

segunda-feira, fevereiro 12

HUMBERTO DELGADO - HONRA À SUA MEMÓRIA!

Na véspera do aniversário do assassinato do General Humberto Delgado, ocorrido em 13 de fevereiro de 1965, é hoje mais importante do que nunca desmitificar o branqueamento do fascismo português e da figura do seu líder e mentor – Salazar – que amiúde se quer fazer passar como um político brando na repressão, tolerante nos costumes e eficaz na política. Ainda mais quando hoje se perfilam novas ameaças de perfil totalitário no mundo e também no nosso país.

DIOGO RIBEIRO - ATLETA DE ELEIÇÃO

domingo, fevereiro 11

KANT - PELO ANIVERSÁRIO DO SEU FALECIMENTO

Kant, "o filósofo dos direitos humanos", morreu a 12 de fevereiro de 1804. Pelo aniversário da sua morte vou voltar a contar uma "pequena história" pessoal na qual Kant tem o lugar de protagonista. Foi uma das maiores humilhações da minha vida. Explico em duas palavras. No meu 7º ano de liceu, à época, ano terminal do secundário, faziam-se exames finais em algumas disciplinas incluindo filosofia. A nota da prova escrita necessária para dispensar da oral era 16. Obtive, na escrita, 15. Estranho! Na realidade ninguém obtinha, na escrita, 15. Ou se obtinha 14 ou então 16. Fui, assim, "condenado" a ir à oral com 15. Na oral fui confrontado com a primeira (e única) pergunta: fale-me do "imperativo categórico" de Kant. Iniciei uma dissertação acerca do tema! A examinadora considerou a resposta insuficiente. Insistiu no tema. Eu titubeie. Não era (nem sou) um especialista em Kant mas - que diabo - tinha estudado a matéria. Mas a examinadora é que não mudava de tema! Fale-me do "imperativo categórico" de Kant! Se bem me lembro tentei de novo satisfazer a exigência. Em vão! Percebi, então, que nada iria resultar. Estava condenado a chumbar fosse qual fosse o meu desempenho! Levantei-me e saí da sala perante o espanto dos meus colegas que assistiam à cena. Desci a avenida e fui tomar um café na esplanada da Gardy, que ainda lá está apesar dos factos se terem passado à quase 40 anos, na baixa de Faro. O chumbo era certo! Não valia a pena ir ver a pauta. Eu era um pouco irreverente (talvez mesmo bastante irreverente) é verdade! Não dominava de cor as matérias todas! É verdade! Mas na segunda época de exames obtive na escrita a nota de 18 na mesmíssima disciplina de filosofia! Assunto arrumado. A professora que me sujeitou aquela humilhação oral já faleceu. Nunca cheguei a saber, nem saberei, das verdadeiras razões daquele inusitado chumbo! Mais tarde ao ler um trabalho, limpo e clarividente, no Público, acerca de Kant, a minha memória retomou o caminho da explicação para o chumbo: "Com o seu "Imperativo Categórico" Kant estabeleceu um novo princípio ético: introduziu a ideia de que a moral é algo inerente à estrutura da razão, não decorrendo portanto, por exemplo, de imperativos religiosos. Segundo ele, cada homem deverá actuar de forma a que cada um dos seus actos possa ser tomado como princípio universal. Cada um desses gestos é um objectivo e um fim em si mesmo, não um meio para um outro fim (como o "Bem" praticado na religião católica que surge como uma forma de atingir a salvação). Para Kant, o gesto imoral acontece quando alguém tenta estabelecer para os outros um padrão de comportamento diferente daquele que ele próprio adopta." Hoje estou convicto (não me atrevo a dizer: estou certo!) que a razão do chumbo naquela oral está sintetizado neste texto, de Vanessa Rato, no Público, acerca do "imperativo categórico". Hoje, como ontem, o mundo está repleto de "gestos imorais", ou seja, de gente que julga o comportamento do outros por critérios que se dispensam de aplicar a si próprios.

PALPITES XXXLIV

Em Portugal após a ditadura que se designou por "Estado Novo" cujo cinquentenário da queda se celebra no próximo 25 de abril, a direita, herdeira do "Estado Novo", é multifacetada, em torno de uma raíz comum. Falo de hoje e não do imediato pós 25 de abril. Mas o dado mais curioso no tempo em que Trump anuncia que, se chegar a presidente, vai deportar massivamente os imigrantes, é o fato do lider da extrema direita em Portugal se declarar discípulo de Sá Carneiro - um social democrata autêntico - e ser um dessidente do PSD, sem ideias e doutrina próprias. No presente debate acerca de alianças pós eleitorais é necessário entender que os jogadores da direita, nas suas diversas facetas, orbitam em torno de um eixo central, o PSD. Ou seja os interesses em jogo em todas as disputas politicas em Portugal, em particular os do capital financeiro, dispõem na direita de um partido charneira que é o PSD. O resto são ornamentos de ocasião.

sábado, fevereiro 10

RACISMO

Já contei esta pequena história. Um dia faz anos, deve ter sido por volta de 2015, num restaurante pela hora do pós almoço passava na TV reportagem na qual apareceu António Costa. Dois sujeitos ao balcão vociferaram "monhé". Tomei a inicitiva de lhes chamar a atenção que as suas palavras era uma manifestação racista. Ripostaram e ripostei, veio à baila o 25 de abril. No meio da guerra de palavras não sei a razão disse-lhes que no 25 de abril tinha participado como militar. Aí baixaram de tom e desistiram. No dia seguinte percebi a razão. O gerente informou-me que eram policias. O rancor racista é estrutural na nossa sociedade. António Costa continua a ser um alvo fácil.

sexta-feira, fevereiro 9

DA POLÍTICA

Um simples exercício de bom senso explica a razão de não ser favorável à democracia o chamado bloco central. O atual contexto da relação de forças a nível nacional, europeu e mundial mostra a ascensão - ou manutenção - dos populismos radicais. No caso português se o PS e o PSD, partidos do centro esquerda e centro direita, estabelecessem coligação, ou acordo politico com incidência parlamentar, tendo em vista a viabilização de governos minoritários, deixariam livre o espaço da oposição para os partidos populistas radicais. Os governos poderiam, a curto prazo, aparentar fortaleza mas o inevitável descontentamento popular tornaria a direita populista e radical mais forte a médio e longo prazo.

PALPITES XXXLIII

Os humanos têm um fascínio extraordinário em apoiar politicos que, tempos depois, abjuram, odeiam, desprezam ou, simplesmente, esquecem. Mas apesar da hipocrisia e ingratidão reinantes sempre é melhor apoiar ou desprezar os que elegemos de forma livre e democática. E precavermo-nos dos golpes de estado de que já se tem falado mas que ninguém leva a sério. Os sinais são preocupantes.

quarta-feira, fevereiro 7

POLÍCIAS - JUNHO DE 2005

Não me apeteceu escrever nada acerca das manifestações dos policias. Mas reparei nelas. Toda a gente reparou. É para serem reparadas que as manifestações se fazem. São demonstrações. Manifestação e demonstração são mesmo sinónimos. Eu gosto muito de demonstrações. Quando se faziam contra a ditadura e contra guerra colonial, então nem se fala! E pelos legítimos direitos dos trabalhadores! E pela paz autêntica. Era uma adrenalina maluca quando sabíamos que eles vinham para cima de nós. Quando vinham no nosso encalço e nos perseguiam. Nos batiam com bastões e nos ameaçavam a cavalo ou com cães que espumavam pela boca. Drogados. Os cães. Os polícias já não são o que eram. Agora são eles que fazem demonstrações. A imaginação ao poder! A primeira demonstração foi uma procissão simulada com um padre a abrir, na frente, o cortejo. A "procissão do ministro morto"! A segunda demonstração foi fardada e ilegal. Digo bem ou digo mal? Antes fazíamos manifestações apesar das proibições. Agora fazem-se proibições apesar das manifestações. O chefe do sindicalismo policial disse no meio da manifestação ilegal: “agora vale tudo”. Um dia ainda vamos ter de nos organizar para repor a ordem pública. Colocar os polícias a fazer ordem unida. A desfilar alinhados ao som da música de fanfarra. A ajudar o cidadão indefeso. A dar o exemplo de civilidade e de apego ao cumprimento da lei. A comunidade, aqueles que trabalham e pagam impostos, os que lutaram pela liberdade, com o sacrifício, às vezes, da sua própria liberdade, e da vida, agradecem a quem de direito que ponha os policias na ordem.