sexta-feira, julho 23

Carlos Paredes

Morreu. Como ele há poucos. Um artista universal. Tantas vezes o ouvi. Nas lutas contra a ditadura era convidado a tocar. Tocava. Silêncio e arte maior. Uma guitarra e duas mãos que se moviam com absoluta singularidade. Sonoridade ímpar. Sem palavras. Só musica. Dobrado sobre si próprio. Radioso de vigor e entusiasmo. Arte pura. Portugal no seu melhor.

"Presidência Aberta" - 6

A visita à terra que me viu nascer é também um reencontro familiar. Nesta terra, a mais a sul de Portugal, continuam a residir e a trabalhar a maior parte dos membros da minha família e também os de minha mulher.

Nas nossas famílias coexistem diversas preferências partidárias e ideologias políticas. Trocam-se opiniões, em ambiente cordato, ouvem-se os argumentos contrários, omitem-se as palavras mais fortes, exercita-se em suma, a cidadania que a democracia impõe e exige.

Nem a mais tumultuosa das crises políticas faz vacilar o espírito de compreensão recíproca ou o essencial dos laços da solidariedade familiar. No dia 13 de Julho, 3ª feira, o jantar foi em casa de uma minha cunhada.

Casa nova. No hall térreo recebi um telefonema que me fez atrasar a entrada no elevador. Fiquei só uns instantes e finalmente subi. Saí no 3º andar, vi uma porta aberta e entrei. Pareceu-me ver passar na varanda de fronte da sala, excelentemente equipada, o meu filho.

Fui na sua direcção e deparei-me com uma senhora que não conhecia. "Olá, boa noite...". A senhora respondeu-me, como se estivesse frente a um velho conhecido, "boa noite". Venho para jantar com ... A reacção da senhora foi de espanto e, finalmente, estranhei a situação.

Após uns minutos de hesitação pedi desculpa e subi ao andar certo...que era o 4º. Falta de segurança? Governo para quê?

Lutar contra o esquecimento

Manuel Alegre é a vantagem da memória na política espectáculo. Não há futuro sem passado. O saudosismo não é património da esquerda. Mas o esquecimento do passado favorece a direita. Lutar contra o esquecimento: uma das vantagens da candidatura de Manuel Alegre à liderança do PS.

quinta-feira, julho 22

"Presidência Aberta" -5

Segunda feira, 12 de Julho, foi um dia cheio de visitas e de contactos. A intensa actividade deste dia mais me fez crer que a decisão do PR, foi, salvaguardadas as distâncias, históricas e políticas, uma espécie de "mudança na continuidade", de Marcelo Caetano.

Suprema ironia. A direita, histórica ou oportunista (os que votam sempre nos vencedores), revia-se na decisão do PR. A esquerda estava contra ela. O silêncio compenetrado da direita contracenava com a revolta da esquerda.

O PR tinha feito a prova de como é possível ser rejeitado pela própria família e adoptado pela família que sempre rejeitara.

As visitas - à "Ilha Deserta" e ao Estádio do Algarve, o do EURO-2004, provaram-me como a vida pode sobreviver aos piores instintos do homem. A "Deserta", com acesso exclusivo de barco, é um paraíso intocado de areias limpas e mar transparente.

O Estádio, o primeiro desta geração que visitei, é um magnífica obra, equipamento polivalente, que fazia muita falta ao Algarve, em particular, no apoio ao desenvolvimento da sua vocação de região turística.

quarta-feira, julho 21

Primeiros dias

O PR deu as posses. O governo está completo. Está? Nunca se tinha assistido a tamanha trapalhada.

É o caos, diz Pacheco Pereira. É mau de mais, digo eu. É calvário para mais de dois anos! Como vai ser possível aguentar?

Presidência Aberta - 4

Domingo, 11 de Julho, foi dedicado a visitar Monchique. Tornou-se uma tradição almoçar no Restaurante Charrete. É um belíssimo lugar da gastronomia tradicional com bom acolhimento e serviço.

O empregado que sempre nos serve toma a liberdade de tecer algumas considerações acerca do estado da arte dos incêndios. É bom não esquecer que o concelho de Monchique foi, o ano passado, devastado pelos fogos de verão. A opinião não é abonatória para o governo. Mas também não há governo!

Desta vez o PR não veio à baila. Descemos para a Praia da Rocha. Vislumbrei, após muitos anos, a vista da praia, tomada da Fortaleza. Magnífica. Apesar do crescimento medonho da construção a beleza da praia permanece intocada.

terça-feira, julho 20

Lugares de culto-1

Na caminhada ao longo das escarpas a natureza está do lado do mar. A terra é massacrada pela mão do homem. Os caminhos dos pescadores e os lugares da sua arte não são cultivados.

Ao lado da paisagem fulgurante do oceano majestoso a miséria do abandono. Sujidade. Despojos de uma boçal apropriação da natureza. Um lugar de culto morto em terra e vivo no mar traiçoeiro.

(Caminho entre a Praia das Maçãs e as Azenhas do Mar)

"Presidência Aberta"-3

Nas caminhadas pela cidade de Faro, sábado, dia 10 de Julho, fui visitar o engraxador que conheço desde a infância. Os serviços dele estão sempre disponíveis quando se encontra ao serviço. O que é raro!

"Engraxa?". "Engraxo." As conversas são curtas mas ricas para a minha actualização acerca das figuras e das actualidades da terra. Desta vez as suas palavras tinham como destinatário o PR. Assim mostrou, com veemência, a sua certeza de que o PR iria convocar eleições antecipadas e mandar esta maioria ás urtigas.

Bem tentei explicar-lhe que, no dia anterior, o PR já tudo tinha decidido mas em sentido contrário. Os meus esforços foram em vão. Não ouviu ou não quis ouvir.

A sociedade da informação tem destas coisas. A informação, para alguns, adianta-se às suas convicções, tornando póstumas as suas certezas.

Desistência

A notícia da desistência de um falso candidato a alguma coisa só é notícia quando a mentira é erigida em valor apreciado no mercado da comunicação. Hoje foi notícia de destaque que um falso candidato a secretário geral do PS, José Lamego, desistiu.

Um dia escrevi, porque alguém me pediu, um texto para um livro de testemunhos de homenagem a Lamego. Um dia trágico, muitos anos atrás, na minha universidade, Ribeiro Santos foi assassinado pela PIDE. Lamego estava próximo e foi ferido. Eu tenho a minha parte nessa história mas fica para mim. Esta odisseia deu-lhe o estatuto de resistente à ditadura.

Acabou a fazer uma "comissão de serviço" no Iraque, a convite do seu amigo José Barroso, ao serviço da política do Sr. Bush. Desculpem a palavra, pouco diplomática, mas "odiei". Escreveu, semanas a fio, umas crónicas no Expresso das quais não li uma linha. É o género de político "biombo": só existe para esconder a realidade. É uma pena mas é assim mesmo que penso.

E não julguem que sou um anti- americano primário. Vejam o que sublinhei no livro de memórias de Jean Monnet (leitura de férias) acerca dos americanos na primeira guerra mundial: "Doravante, o transporte das tropas americanas tornava-se absolutamente prioritário. É certo que os Estados Unidos tinham declarado guerra à Alemanha a 6 de Abril de 1917, mas, no final de Março de 1918, os seus efectivos presentes na Europa não ultrapassavam trezentos e cinquenta mil homens. Ora, no dia do Armistício, estavam em França mais de dois milhões."

Eu conheço e reconheço o papel do povo norte americano na luta pela paz, pela democracia e liberdade. Mas nem sempre a gesta heróica dos homens e das nações, no passado, justificam os seus actos no presente. É o caso do lamentável Sr. Lamego

segunda-feira, julho 19

Presidência Aberta - 2

Ouvimos, na noite de 9 de Julho, a comunicação do PR em silêncio. Depressa se percebeu qual seria o desenlace. Foi o contrário do que esperava. Aguardei para ouvir as reacções.

Eu sabia qual seria a decisão de Ferro e que a mesma não seria ditada pela emoção do momento. Só a profunda ignorância, ou má fé, de alguns jornalistas e comentadores podem ter encontrado essa justificação primária para a demissão de Ferro.

Saí de casa com o meu filho. Encontrei logo ao dobrar da esquina o amigo M. que não conteve a indignação: "Nunca mais voto para PR, nunca mais...". Assim ao longo das ruas de Faro e nas esplanadas, os rostos, as conversas, as interjeições eram de profunda revolta.

Um clamor surdo que revelava muita desilusão e pouco encorajamento para o futuro governo Santana Lopes.

domingo, julho 18

"Estão podres as palavras...."

Estão podres as palavras - de passarem
por sórdidas mentiras de canalhas
que as usam ao revés como o carácter deles.
E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que vivem
a paz quotidiana da injustiça.
Usá-las puras - como serão puras,
se caem no silêncio em que os mais puros
não sabem já onde a limpeza acaba
e a corrupção começa? Como serão puras
se logo a infâmia as cobre de seu cuspo?
Estão podres: e com elas apodrece o mundo
e se dissolve em lama a criação do homem
que só persiste em todos livremente
onde as palavras fiquem como torres
erguidas sexo de homens entre o céu e a terra.

Jorge de Sena

"Presidência Aberta"-1

Regressei após uma semana de férias no Algarve. O tempo dessa semana começou no dia 9 de Julho. Sempre, em toda a minha vida, desde que me afastei para Lisboa, passei uns dias de férias na minha terra: o Algarve.

Em 1975 esse período de férias foi o mais curto de todos: 1 dia. Os acontecimentos políticos, à época, exigiram o meu regresso, precipitado, a Lisboa. Talvez desnecessário mas os homens são feitos das circunstâncias da sua época.

Ninguém é eternamente fiel à sua terra, aos seus princípios, à sua fé (excepto os santos e não conheço, pessoalmente, nenhum) e de ninguém se pode esperar a coerência absoluta no cumprimento dos seus deveres e compromissos de honra. A tolerância é a capacidade de aceitar os desvios e os erros próprios e alheios. Sejam de amigos, companheiros ou adversários.

Mas o silêncio perante as injustiças do mundo e o "mau governo" é o caminho para a aceitação da tirania. Por isso recuso aceitar, em silêncio, a decisão adoptada pelo PR para conjurar a crise política. Pelas mesmas razões prezo, e aplaudo, o gesto de Ferro Rodrigues pois a sua abdicação mostra o melhor da capacidade do homem em ser fiel aos compromissos perante os outros homens.

Prezo, neste deserto de dignidade, em que se tranformou a política, as palavras de Pacheco Pereira ("pobre país") e o seu acto de desprendimento ao abdicar da UNESCO.

Tomei nota, no dia 9 de Julho, da comunicação pública do PR acerca da magna decisão que pesava sobre os seus ombros: eleições legislativas antecipadas ou Governo Santana Lopes. A sua decisão foi uma dolorosa revelação da minha própria incapacidade para entender, a fundo, a natureza dos homens, a superficialidade dos políticos "de salão" e a força dos interesses económicos na formação e legitimação dos governos.

A minha estadia, em família, no Algarve, permitu observar uma realidade que resolvi relatar num conjunto de despretensiosos posts intitulados "Presidência Aberta".

(continua)

sábado, julho 17

Governo

O governo de Santana Lopes tomou posse. Discursos. Discursos. Parece um governo de um Partido imaginário (que não existe senão na cabeça do seu chefe) e experimentalista.

A ideia que fica a pairar é a de uma equipa que conhece pouco e mal a realidade do país e ainda pior os mecanismos da administração. Vai fazer, obrigatoriamente, várias leis orgânicas antes de as anteriores entrarem em vigor; vai rever legislação; vai refazer chefias e estruturas; vai meter pessoal; vai pensar para agir (seis meses) ou agir sem pensar (desperdício).

Acima de tudo vai preparar politicamente eleições: regionais dos Açores e Madeira (Outubro de 2004); autárquicas (Outubro de 2005); presidenciais (Fevereiro de 2006) e legislativas (Outubro de 2006). Tempo útil de governação? Pouco mais que nada. Um gabinete eleitoral que alia os interesses partidários dos dois partidos da coligação em favor dos interesses dos grandes grupos económicos. Nem dá para disfarçar. O governo está repleto de funcionários desses grupos. Mais nada.

Para o país anuncia-se o desastre. O PR disse hoje na tomada de posse, se bem entendi, que nada tem a ver com isso. Mas tem...

Regresso

Uma semana depois regresso ao absorto. Uma semana de férias no Algarve (a minha terra) que vão continuar agora junto ao ponto mais ocidental da Europa.

Vejam aí, os amigos do Brasil, no mapa de Portugal: Cabo da Roca, Praia das Maçãs, Azenhas do Mar. Estou por aqui. Esta semana das minhas férias foram uma espécie de "presidência aberta" pois esta semana foi muito especial para os portugueses.

Nos próximos dias eu conto o programa e as incidências da minha "presidência aberta" no Algarve.

sexta-feira, julho 9

Pausa Breve

Este é o anúncio de uma pausa breve. Uma semana de férias para descansar os olhos e, tanto quanto possível, a alma. Aqui vos deixo, entretanto, o texto inspirador do absorto.

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou á lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada á fronte do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente á terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.














quinta-feira, julho 8

Bica do Sapato

Fui almoçar, um dia destes, à "Bica do Sapato". Um restaurante de referência de Lisboa e de Portugal.

À beira do Tejo, usufruindo da luz e da vista magnífica do estuário e da outra banda. Um caso de bom gosto e de qualidade em todas os aspectos. Não é um projecto que possa perdurar sem um conceito e sem muita persistência na cuidada atenção a todos os pormenores.

É um daqueles casos que devia ser o orgulho de uma cidade e dos seus responsáveis. Assisti, desde o início, ao percurso da "Bica do Sapato" assim como do "Pap´Açorda", no Bairro Alto, com a mesma gerência.

Mas, surpresa das surpresas, não é que a "Administração do Porto de Lisboa", entidade proprietária do espaço e que assume a gestão da área portuária, mandou colocar, entre o cais e o restaurante, uma grade de protecção que vai ao cúmulo de ser encimada por arame farpado. De repente a paisagem ganha os estranhos contornos de um filme da II Guerra Mundial.

O Sr. Fernando Fernandes estava desconsolado e dizia aquela frase que se ouve cada vez mais: "Assim não vale a pena…assim não vale a pena…"

quarta-feira, julho 7

Sophia

O que a morte alcança! A morte de Sophia de Mello, poeta maior, faz parecer que a poesia interessa a tantos aos quais não interessa absolutamente nada.

Cronistas, comentadores, editorialistas, políticos, fazem por aparecer, escrevem, citam e recitam. A poesia, em Portugal, na verdade, deve ter uns 500 leitores inveterados. Mais poetas haverão que leitores de poesia.

Mas dizem os entendidos que ler é mais difícil que escrever. De verdade a poesia não interessa quase nada a quase todos os que se mostram nos funerais dos poetas.

Alguns até usam o nome da poesia em vão: alguma ideia ousada ou arremedo de perfeição é coisa de poetas...não é?

terça-feira, julho 6

Opinião - "Semanário Económico"

Já está disponível, na versão online do "Semanário Económico", o artigo "Eleições Europeias - sinais de preocupação". Nas bancas na próxima sexta-feira.
Pode ler aqui.




Trapattoni

Digam o que disserem a grande notícia do dia é a contratação de Trapattoni para treinador do Benfica. Por ser o Benfica e por ser Trapattoni.

Para quem tenha dúvidas acerca do significado desta contratação para o futebol português e para Portugal leia o artigo "O omnipresente".

É um extraordinário texto da jornalista Andreia Schianchi, da "La Gazzeta Dello Sport", publicado hoje no Público.

Sonetos (V)

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.
Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se duma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.
Ela só viu as lágrimas em fio,
Que de uns e de outros olhos derivadas,
Se acrescentaram em grande e largo rio.
Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso às almas condenadas.

Luís de Camões

(in Obras Completas, Círculo de Leitores,
Edição de Lobo Soropita, de 1595)