terça-feira, março 19

To Helena

Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais coerente
A via enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente

Ruy Belo

Transporte no Tempo
Editorial Presença (1997 - 4 ª edição)

domingo, março 17

A CRISE DA UE

São terríveis os sinais que se vislumbram no horizonte (vide Chipre). A União Europeia alargou-se – e ainda planeia alargar-se mais! – preenchendo todo o continente europeu, desde o Atlântico aos Urais (conforme antes se dizia), criou uma moeda única (comum a 17 estados nacionais), aderiu a tratados internacionais que a tornaram num espaço aberto à circulação de pessoas e bens, garantiu a paz e a concórdia entre as nações europeias no mais longo período da história … sem dúvida uma empolgante experiência! O sonho europeísta – a manutenção de uma Europa unida, quiçá federal – vale muitos sacrifícios, mas para que estes sejam aceitáveis é necessário que os estadistas (onde estão?) sejam capazes de mostrar aos povos, com palavras e acções, que a democracia e a paz, que a UE preserva, é o mais importante para assegurar a justiça social e a liberdade. Quero crer que a principal crise da EU é política e de liderança.  

sexta-feira, março 15

UMA VITÓRIA DE TODOS

O Plenário da Assembleia da República agendou hoje, dia 15 de março, a votação final global da Lei de Bases da Economia Social (LBES) que reforçará a consagração no nosso ordenamento jurídico do sector da economia social objecto da actividade da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES). Trata-se de um acontecimento da maior importância para o reconhecimento legal do sector da economia social em Portugal com o qual a CASES m...uito se congratula felicitando todos os grupos parlamentares. O facto de ter recolhido, em sede da Comissão da Segurança Social e Trabalho da AR, o voto favorável de todos os partidos reforça o significado desta aprovação no plano político. Após a sua entrada em vigor abrir-se-á um período de reforma da legislação ordinária do sector. Trata-se, além do mais, de um sinal dado a toda a comunidade de que é possível, em democracia, com base no diálogo, estabelecer consensos favoráveis ao desenvolvimento do país. A lei de bases da economia social portuguesa é a segunda, a nível de um estado nacional, a seguir a Espanha.

terça-feira, março 12

"EUROPÊS"

Cada época tem as suas figuras e poucas figuram perduram na memória dos povos para além da sua época. Mesmo muito poucas. A propósito da leitura de alguns textos considerados importantes das altas instâncias da UE. Quase tudo se repete em extensos monólogos dos burocratas consigo próprios. O "europês" que os europeus não entendem mas cujas consequências podem ser trágicas.

segunda-feira, março 11

DESESPERO

Fotografia de Hélder Goçalves
O que me ocorre perante tanto discurso desesperado é lembrar que o verdadeiro desespero é o daqueles que não têm voz, dos que sentem as consequências do desespero mas raramente lhe conhecem as causas.

sexta-feira, março 8

Argerich and Kissin

Dia Internacional da Mulher

31 de Março.
Tenho a sensação de emergir pouco a pouco.
A amizade suave e discreta das mulheres.”

“31 mars.
Il me semble que j´émerge peu à peu.
L´amitié douce et retenue des femmes. »*


Sei do teu prazer em desejar a amizade
suave, à distância e dela te bastares sem
dizer nada, discreta a arte de ser mulher.


* Citação de 1936, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 1 (Maio de 1935 – Setembro de 1937) - página 24, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (Mai 1935 – Décembre 1948) ” – “Cahier I (Mai 1935 – septembre 1937) – página 806, Oeuvres complètes – II.