Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
segunda-feira, abril 29
domingo, abril 28
ANIVERSÁRIO
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.]
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),]
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!]
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...]
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,]
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado –,]
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
15 de Outubro de 1929
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
sábado, abril 27
POLÍTICA (2)
Os discursos. No palco da política os discursos
desvalorizam-se cada dia que passa. Por vezes aflora no discurso político uma
ou outra, rara, faceta de autêntica inovação. Aí surge uma réstia de esperança
no ressurgimento do prestígio perdido da política. Ontem na sic notícias Ferro
Rodrigues ensaiou, uma vez mais, um discurso promissor que, em síntese, assenta
na ideia de que é preciso, e urgente, criar uma alternativa política no lugar da
tradicional alternância. Ou seja, ir além de
um modelo de alianças entre os partidos tradicionalmente situados à esquerda ou
à direita, conforme a lógica tradicional do entendimento de esquerda e direita.
Ir mais longe nos alinhamentos políticos/partidários em prol de uma alternativa
política de governo aberta. Não um governo de iniciativa presidencial mas um governo
de iniciativa cidadã através de partidos que a tenham sido capazes de reconquistar representando aspirações e interesses de todos e de cada um dos cidadãos.
No fundo a manifestação de uma exigência de reforma do próprio modelo de representação
politica através do voto livre e democrático, não contra os partidos, mas com
partidos renovados através da sua autêntica abertura à participação (repito –
participação!). É preciso promover uma reforma do modelo da democracia
representativa para que, nas minhas palavras, não seja a própria democracia a
ser posta em causa. E a paz. E a liberdade.
(raramente me pronuncio acerca de pronunciamento públicos de
políticos e ainda mais raramente acerca dos pronunciamentos públicos do Ferro
Rodrigues por pudor que resulta de uma amizade duradoura e antiga. Mas na
presente situação não dá mais para estar calado.)
sexta-feira, abril 26
POLÍTICA
O PS entra em cena, como outras vezes no passado, com uma liderança que aparece, aos olhos de muitos, como fraca. Não menosprezem a liderança do PS os que nela - dentro e fora - se não revêem. Nem o PS, que se revê na sua liderança, menospreze os que a menosprezam. Apesar do calor dos discursos, e sua coreografia, a política, em democracia, persiste em reclamar dos que aspiram ao poder capacidade de convencer os que do poder nada mais esperam do que justiça e liberdade. POLÍTICA!
quinta-feira, abril 25
25 de Abril
Deixo que a palavra
tão incerta
teça
a liberdade a meio
deste Abril
para que a memória em Portugal não esqueça
tomando da flor
o cravo na matriz
teimando que a paixão
a tudo vença
dizendo não àquilo
que não quis
Maria Teresa Horta
Março 99
tão incerta
teça
a liberdade a meio
deste Abril
para que a memória em Portugal não esqueça
tomando da flor
o cravo na matriz
teimando que a paixão
a tudo vença
dizendo não àquilo
que não quis
Maria Teresa Horta
Março 99
quarta-feira, abril 24
25 de ABRIL
Neste mesmo dia, 39 anos passados, pela hora a que escrevo,
devo ter passado pela casa do Ferro (Rodrigues) para o avisar de que algo de
muito especial estava a ser preparado para o dia seguinte. Estava a decorrer a
transmissão de um jogo de futebol na Alemanha de Leste – Magdeburgo-Sporting
(para a Taça das Taças?), não me lembro já das palavras, mas retenho a memória
viva do ambiente. Saí para me juntar ao João Mário Anjos (que será feito dele!)
e do António Dias, na casa deste, em Benfica, de onde haveríamos de sair (se
tudo, desta vez, corresse conforme as nossos desejos), a caminho do quartel do Campo
Grande onde, como milicianos, prestávamos serviço militar. Era, se não erro uma
quarta-feira, primavera em flor, e esperámos pacientemente pelos sinais em forma
de canções. Deixei-me dormir enquanto esperava. De súbito alguém me acordou
dando-me a notícia de que havia tocado a canção/senha. Devemos ter-nos
apressado a sair tomando lugar no Datsun branco, conduzido pelo António Dias, o
João Mário Anjos e eu próprio a caminho do Campo Grande mas antes ainda demos
umas voltas para medir o pulso ao ambiente nas ruas e no quartel do Lumiar. Prevalecia
a quietude, nada mexia, receamos um falso arranque e mais um fracasso. Após algumas
voltas reentramos na 2ª circular e, chegados perto do quartel, demos de frente
com uma coluna militar da qual não sabíamos mais do que nos era dado ver. Voltamos
a acreditar e em lugar de cumprir com o plano decidimos seguir a coluna – já sem
o João Mário que deixamos no quartel – descendo a caminho da baixa. Já antes
contei este episódio improvável que fez com que tivéssemos sido os únicos civis que, como mais tarde soubemos, fizeram parte da coluna de Salgueiro Maia. Depois da coluna
militar ter estacionado na Ribeira das Naus seguimos em frente retomando o
plano inicial e, de caminho, cruzou-se connosco, em sentido contrário, uma coluna
de tanques pesados. A desproporção das forças em presença era brutal e pensamos, caso se
tratassem, como se tratavam, de forças de campos opostos esta última coluna destruiria
sem esforço a que havíamos seguido. Afinal tudo se passou ao contrário: a fraca
força militar, comandada pelo capitão Salgueiro Maia, venceu a forte força
militar, comandada pelo brigadeiro Junqueira dos Reis. Ali, naquele preciso
momento, a coragem serena de Salgueiro Maia, olhando de frente o soldado que se
recusou a premir o gatilho, desobedecendo às ordens de fogo, decidiu a sorte da
revolução. Honra à sua memória!
Com o meu amigo João Mário Mascarenhas, na porta de armas do Quartel do Campo Grande, num dos dias de fogo da revolução. |
domingo, abril 21
quarta-feira, abril 17
segunda-feira, abril 15
domingo, abril 14
quinta-feira, abril 11
COISAS ANTIGAS
Outro dia alguém falou da crise de 1984 e seus efeitos terríveis na vida de quase todos os portugueses. Passaram quase 30 anos e estavamos nas vésperas da adesão de Portugal à CEE (atual UE) e, na verdade, sofrendo as dores do parto dessa adesão. A qualidade de vida da maior parte dos portugueses melhorou muito nos anos seguintes. Já quase ninguém se lembra de como viviam os portugueses antes do 25 de abril de 74, nem como viviam antes de 85, ano da adesão à CEE. O tempo e a escala fazem esquecer e distorcem a avaliação das conquistas alcançadas. Para dizer que salvo se a UE se desfizer - o que faria perfilar no horizonte um tempo de ameaça de guerra - os defensores da saída do € laboram em cenário de catástrofe, recuando a 84, e os defensores - ainda envergolhados - da saída da democracia laboram em cenário de catástrofe, recuando a 73. Todos os esforços sensatos para evitar ruturas são benvindos, algo assim como se fosse possível fazer vencimento uma ideologia e uma prática política antigas que cairam em desuso: o centrismo radical!
quarta-feira, abril 10
sábado, abril 6
A CRISE DA CRISE
Fortes incertezas, hesitações e desgaste. Ninguém escapa ao julgamento politico no cumprimento de suas responsabilidades. Não vale a pena gritar alto mesmo através de silêncios estridentes. Nem repreender os tribunais. Devemos saber reconhecer que os juizes em Portugal são, salvo rarissimas exceções, cidadãos exemplares no exercício das suas funções. Incluindo os que integram o Tribunal Constitucional. Há momentos em que são necessários politicos corajosos e clarividentes. Não serão os extremos do espetro politico partidário, nem as radicalizações táticas, nem a vozearia dos comentadores encartados que contribuirão para resolver problema algum. Nem se resolverá a crise da crise através de quaisquer soluções fora do quadro partidário. Há muitos bons exemplos na sociedade portuguesa, a nível macro e micro, de compromisso, acordo, concertação, diálogo e cooperação partidária na resolução dos problemas.
quarta-feira, abril 3
terça-feira, abril 2
sábado, março 30
quinta-feira, março 28
"Violência, evidência, natureza
Não saía dessa ideia sombria segundo a qual a verdadeira violência é a do
obviamente: o que é evidente é violento, mesmo se essa evidência for
representada suavemente, liberalmente, democraticamente; aquilo que é paradoxal,
aquilo que não salta à vista, é-o menos, mesmo se for imposto arbitrariamente:
um tirano que promulgasse leis excêntricas seria, feitas as contas, menos
violento do que uma massa que se contentasse com enunciar o que é óbvio:
o "natural" é, em suma, o último dos ultrajes."
"Roland Barthes por Roland Barthes" -13
(Fragmento 2 de 3, pag. 7)
Edição portuguesa: "Edições 70"
[Retomando um fragmento de Barthes a propósito (despropósito) da aparição de Sócrates no ecrã mágico exercitando a sua maior arte - a comunicação.]
"Roland Barthes por Roland Barthes" -13
(Fragmento 2 de 3, pag. 7)
Edição portuguesa: "Edições 70"
[Retomando um fragmento de Barthes a propósito (despropósito) da aparição de Sócrates no ecrã mágico exercitando a sua maior arte - a comunicação.]
quarta-feira, março 27
DIA INTERNACIONAL DO TEATRO
Neste Dia Internacional do Teatro reproduzo um post antigo de homenagem a Emílio Campos Coroa, extensivo à sua família.
Emílio Campos Coroa, médico oftalmologista, era
um amante do teatro. Formado na escola do TEUC de Coimbra, dirigido por Paulo
Quintela, era casado com a Dra. Amélia, minha professora de liceu, uma mulher
sensível e actriz de grande talento.
Emílio Campos Coroa foi fundador, em Faro, com o seu irmão José e a mulher, no início dos anos 50, do grupo de teatro do Circulo Cultural do Algarve (hoje, “Lethes”) no qual, em finais dos anos 60, usufruí de uma experiência inesquecível.
De facto o teatro (amador) marcou, profundamente, a formação do meu gosto e deu-me a oportunidade de esconjurar os bloqueamentos daquela idade na qual ainda não somos adultos mas já deixamos de ser crianças. Ao Dr. Coroa, como era conhecido, devo muito da minha formação cultural e humana.
Era um homem corajoso e repentista. Democrata e intransigente no confronto com as adversidades do trabalho e da vida. Foi obreiro, contra ventos e marés, de uma obra notável de divulgação e promoção das artes e, em particular, do teatro.
Na época em que se desenrolou a sua acção, na província do Algarve, era preciso ter “barba rija” e uma vontade de ferro para colocar de pé centenas de encenações e representações levadas à cena em todos os lugares envolvendo e cativando todo o género de público.
Ele criou um verdadeiro teatro popular, dos clássicos aos modernos, uma escola de actores, um laboratório de experiências, uma corrente de iniciativas que rompia as rotinas bafientas das práticas culturais à época vigentes.
Um dia, logo após a minha vinda para Lisboa, o Dr. Coroa, telefonou-me. Quis a minha companhia e acedi com prazer. Verifiquei que tinha vindo, sozinho, acampar no parque de campismo de Monsanto. Atravessamos a cidade, conversamos e interpretei o seu gesto, que nunca mais esqueci, como uma bênção à minha aventura pela cidade grande.
Muito mais tarde, já depois da sua morte, tendo oportunidade de criar, de raiz, uma sede para o INATEL, em Faro, propus que a mesma fosse designada como “Casa Emílio Campos Coroa”. E assim foi. No dia da inauguração – vai para 10 anos – senti um frémito de esperança de que a obra dos homens com alma pode ser honrada e que a cidade, afinal, não pode sobreviver sem as suas memórias.
Emílio Campos Coroa foi fundador, em Faro, com o seu irmão José e a mulher, no início dos anos 50, do grupo de teatro do Circulo Cultural do Algarve (hoje, “Lethes”) no qual, em finais dos anos 60, usufruí de uma experiência inesquecível.
De facto o teatro (amador) marcou, profundamente, a formação do meu gosto e deu-me a oportunidade de esconjurar os bloqueamentos daquela idade na qual ainda não somos adultos mas já deixamos de ser crianças. Ao Dr. Coroa, como era conhecido, devo muito da minha formação cultural e humana.
Era um homem corajoso e repentista. Democrata e intransigente no confronto com as adversidades do trabalho e da vida. Foi obreiro, contra ventos e marés, de uma obra notável de divulgação e promoção das artes e, em particular, do teatro.
Na época em que se desenrolou a sua acção, na província do Algarve, era preciso ter “barba rija” e uma vontade de ferro para colocar de pé centenas de encenações e representações levadas à cena em todos os lugares envolvendo e cativando todo o género de público.
Ele criou um verdadeiro teatro popular, dos clássicos aos modernos, uma escola de actores, um laboratório de experiências, uma corrente de iniciativas que rompia as rotinas bafientas das práticas culturais à época vigentes.
Um dia, logo após a minha vinda para Lisboa, o Dr. Coroa, telefonou-me. Quis a minha companhia e acedi com prazer. Verifiquei que tinha vindo, sozinho, acampar no parque de campismo de Monsanto. Atravessamos a cidade, conversamos e interpretei o seu gesto, que nunca mais esqueci, como uma bênção à minha aventura pela cidade grande.
Muito mais tarde, já depois da sua morte, tendo oportunidade de criar, de raiz, uma sede para o INATEL, em Faro, propus que a mesma fosse designada como “Casa Emílio Campos Coroa”. E assim foi. No dia da inauguração – vai para 10 anos – senti um frémito de esperança de que a obra dos homens com alma pode ser honrada e que a cidade, afinal, não pode sobreviver sem as suas memórias.
terça-feira, março 26
Subscrever:
Mensagens (Atom)