Mostrar mensagens com a etiqueta ROLAND BARTHES POR ROLAND BARTHES. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ROLAND BARTHES POR ROLAND BARTHES. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, março 28

"Violência, evidência, natureza

Não saía dessa ideia sombria segundo a qual a verdadeira violência é a do obviamente: o que é evidente é violento, mesmo se essa evidência for representada suavemente, liberalmente, democraticamente; aquilo que é paradoxal, aquilo que não salta à vista, é-o menos, mesmo se for imposto arbitrariamente: um tirano que promulgasse leis excêntricas seria, feitas as contas, menos violento do que uma massa que se contentasse com enunciar o que é óbvio: o "natural" é, em suma, o último dos ultrajes."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -13
(Fragmento 2 de 3, pag. 7)

Edição portuguesa: "Edições 70"

[Retomando um fragmento de Barthes a propósito (despropósito) da aparição de Sócrates no ecrã mágico exercitando a sua maior arte - a comunicação.]

sábado, agosto 14

"Da escrita à obra

Mas na nossa sociedade mercantil tem de se chegar a ter uma "obra": é preciso construir, ou seja terminar, uma mercadoria. Enquanto escrevo, a escrita é assim constantemente achatada, banalizada, culpabilizada pela obra para a qual se torna forçoso concorrer. Como escrever por entre todas as armadilhas que me são postas pela imagem colectiva da obra? - Pois bem, cegamente. A cada momento do trabalho, perdido, aflito e pressionado, apenas consigo dizer para comigo a palavra com que Sartre termina o Huis Clos: continuemos.

A escrita é esse jogo através do qual eu me viro como num espaço estreito: estou entalado, estrebucho entre a histeria necessária para escrever e o imaginário que vigia, enaltece, purifica, banaliza, codifica, corrige, impõe a visada (e a visão) duma comunicação social. Por um lado quero que me desejem e, por outro, que não me desejem: histérico e obsessivo ao mesmo tempo."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 25
(pag. 11, 2 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70

quinta-feira, agosto 5

Fagmentos de leitura

Volto ao título original para assinalar a actualidade deste texto antigo. Aquele que tentar associar política e moral fica com mais de duzentos anos de idade. Alguns casos recentes na nossa política doméstica são uma ilustração deste pensamento estúpido.

"Político/Moral

Toda a minha vida me tenho ralado, políticamente. Induzo a partir daqui que o único Pai que conheci (que ofereci a mim mesmo) foi o Pai político.

É um pensamente simples, que regressa muitas vezes mas nunca vejo ser formulado (talvez seja um pensamento estúpido) : não existirá sempre ética no político? Aquilo que fundamenta o político, ordem do real, ciência pura do real social, não será o Valor? Em nome de quê decidirá um militante...militar? Não será a prática política, que se desliga precisamente de qualquer moral e de qualquer psicologia, uma origem...psicológica e moral?

(Isto é um pensamento verdadeiramente atrasado, uma vez que ao acoplarmos a Moral e a Política ficamos com duzentos anos de idade, passamos a ser de 1795, ano em que a Convenção criou a Academia das ciências morais e políticas: categorias velhas, lanternas velhas. - Mas, em que é isto falso? - Nem sequer é falso; já não se usa; as moedas antigas também não são falsas: são objectos de museu retidos por um consumo peculiar, o consumo do que é velho. - Mas não será possível extrair dessas moedas um pouco de metal útil? - O que se torna útil nesse pensamento estúpido é ver-se nele o afrontamento intratável de duas epistemologia: o marxismo e o freudismo.)"

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 22
(pag. 10, 2 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70

terça-feira, agosto 3

"Uma recordação de infância

Era eu criança, morávamos num bairro chamado Marrac; este bairro estava cheio de casas em construção, em cujos estaleiros as crianças brincavam; havia grandes buracos cavados na terra argilosa, destinados aos alicerces das casas, e certo dia em que tínhamos estado a brincar num desses buracos todas as crianças saíram dele excepto eu, que não consegui.; do solo, de cima, troçavam de mim: perdido! sozinho! olhado! excluído! (estar excluído não estar de fora, é estar só no buraco, fechado a céu aberto: excluído); vi então a minha mãe acorrer; tirou-me dali e levou-me para longe das crianças, contra elas."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 21
(pag. 10, 1 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70

segunda-feira, agosto 2

"Legível, escrevível e para além disso

Em S/Z propõe-se uma oposição: legível/escrevível. É legível o texto que eu não poderia voltar a escrever (poderei eu hoje escrever como Balzac?); é escrevível o texto que leio com dificuldade (a menos que altere totalmente o meu regime de leitura). Imagino agora (como me sugerem certos textos que me são enviados) que talvez haja uma terceira entidade textual: ao lado do legível e do escrevível haveria algo como o recebível. O recebível seria o ilegível que se agarrra, o texto ardente, produzido permanentemente fora de qualquer verosimilhança e cuja função - visívelmente assumida pelo seu escritor - seria a de contestar o constrangimento mercantil do escrito; este texto, guiado, armado por um pensamento do impublicável, faria apelo à seguinte resposta: não posso ler nem escrever aquilo que você produz, mas recebo-o, como um fogo, uma droga, uma desorganização enigmática."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 20
(pag. 9, 4 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

domingo, agosto 1

O paradoxo como gozo

G. sai muito excitado, muito enebriado duma representação da Cavalgada no Lago Constança, que ele descreve nestes termos: é barroco, é louco, é kitsch, é romântico, etc. E, acrescenta ele, está completamente fora de moda! Para certas organizações o paradoxo é portanto um êxtase, uma perda das mais intensas.

Adenda ao Prazer do Texto : o gozo não é aquilo que responde ao desejo (que o satisfaz), mas sim aquilo que o surprende, que o excede, o despista, o faz derivar. Temos de nos voltar para as místicas para podermos encontrar uma boa formulação daquilo que faz assim desviar o sujeito: Ruysbroek: "Chamo embriaguez do espírito a esse estado em que o gozo ultrapassa as posibilidades entrevistas pelo desejo."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 19
(pag. 9 - 3 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

Roland Barthes por Roland Barthes

Após um intervalo de mais de um mês retomo a publicação desta série. Para quem não de lembre trata-se de um conjunto de fragmentos da obra em título, em si mesma, uma obra fragmentada.

São fragmentos de fragmentos. Um livro artesanal que descobri nas deambulações pelas memórias das minhas leituras de inícios dos anos 80. Neles fui, em cada página, colocando uma nota pessoal.

Esta foi a nota que escrevi na página 9: "uma atitude consciente de disponibilidade para aceitar novas realidades, factos, processos, crises, dores, mágoas, alegrias e prazeres."

domingo, junho 20

Fragmentos de Leituras

"O instrumento subtil

Programa duma vanguarda:
"O mundo está sem dúvida fora dos eixos, só os movimentos violentos podem repor tudo no seu lugar. Mas pode acontecer que haja, entre os instrumentos que sirvam para o efeito, um pequeno, frágil, que exija ser manipulado com leveza." (Brecht, A Compra do Cobre)."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -18
(Fragmento 2 de 4, pag. 9)

Edição portuguesa: "Edições 70"

segunda-feira, junho 14

Fragmentos de Leituras

O "dandy"

O uso desenfreado do paradoxo corre o risco de implicar (ou, simplesmente, implica) uma posição individualista e, se é que se pode dizer, uma espécie de "dandysmo". No entanto o "dandy", embora solitário, não está só: S., que é estudante, diz-lhe - com pena - que os estudantes são individualistas; numa situação histórica dada - de pessimismo e rejeição - toda a classe intelectual é virtualmente "dandy", se não for militante. (É "dandy" aquele cuja única filosofia é viageira: o tempo é o tempo da minha vida.)

"Roland Barthes por Roland Barthes" -17
(Fragmento 1 de 4, pag. 9)

Edição portuguesa: "Edições 70"

segunda-feira, junho 7

Fragmentos de Leituras

"Canhoto

Ser canhoto, que quer dizer? Comemos ao invés do lugar designado para os talheres; encontramos o punho do telefone ao contrário, quando um destro se serviu dele antes; a tesoura não está feita para o nosso polegar. Outrora, na sala de aula, era preciso lutar para ser como os outros, era preciso normalizar o corpo, fazer á pequena sociedade do liceu a oferta da "boa mão" (eu desenhava, por constrangimento, com a mão direita, mas coloria com a esquerda: vingança da pulsão); uma exclusão modesta, pouco consequente, tolerada socialmente, marcava a vida adolescente com um vinco ténue e persistente: acomodávamo-nos e seguíamos para diante."

Escrevi nesta página: "o buscar subtil de processos para matar o tédio, o aborrecimento, a rotina."


"Roland Barthes por Roland Barthes" -16
(Fragmento 3 de 3, pag. 8)

Edição portuguesa: "Edições 70"


quinta-feira, junho 3

Fragmentos de Leituras

"A moranguina

O sabor do bom vinho (o sabor direito do vinho) é inseparável da comida. Beber vinho é comer. Com pretextos dietéticos, o dono do restaurante T. fornece-me a regra desse simbolismo: se bebermos um copo de vinho antes da refeição, ele quer que o acompanhemos com um pouco de pão: que se crie um contraponto, uma concomitância; a civilização começa com a duplicidade (a sobredeterminação): não será o bom vinho aquele cujo sabor se desprende, se desdobra, de tal maneira que o gole efectuado não tenha exactamente o mesmo sabor do gole iniciado? No trago de bom vinho há, como na abordagem do texto, uma torsão, uma gradação: há um acamado, como uma cabeleira.

Ao relembrar as pequenas coisas de que tinha sido privado na sua infância, encontrava aquilo de que gosta hoje: por exemplo, as bebidas geladas (cervejas muito frias), porque nesse tempo ainda não havia frigoríficos (a água da torneira, em B., nos verões intensos, estava sempre morna)."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -15
(Fragmento 2 de 3, pag. 8)

Edição portuguesa: "Edições 70"

domingo, maio 30

Fragmentos de Leituras

"O amor, a loucura

Ordem do dia de Bonaparte, Primeiro Cônsul, à sua guarda: "O granadeiro Gobain suicidou-se por amor; era, de resto, muito boa pessoa. É a segunda vez que se verifica um acontecimento desta natureza durante o último mês. O Primeiro Cônsul ordena que seja fixado na ordem da guarda: que um soldado tem de vencer a dor e a melancolia das paixões; que há tanta coragem em sofrer com constância as penas da alma como em ficar em sentido sob a metralha de uma bateria…"

Estes granadeiros amorosos, melancólicos, de que linguagem extraíram eles as suas paixões (pouco concordantes com a imagem da sua classe e da sua profissão)? Que livros teriam eles lido - ou que histórias teriam ouvido? Perspicácia de Bonaparte ao assimilar o amor a uma batalha, não no facto - banal - de dois intervenientes que se enfrentam, mas porque a rajada amorosa, cortante como a metralha, provoca a surdez e o temor: crise, convulsão do corpo, loucura: aquele que está apaixonado à maneira romântica conhece a experiência da loucura. Ora, a este louco nenhuma palavra moderna é dada hoje em dia, e é afinal por isso que ele se sente louco: nenhuma linguagem para roubar - a não ser muito antiga."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -14
(Fragmento 3 de 3, pag. 7)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Escrevi a páginas 7 do meu "livro artesanal" de excertos de leitura deste livro: "a luta para encontrar a equidistância entre a paixão e o prazer do acto de "estar com" (nem só uma nem só outra daquelas duas atitudes normais, nem o meio termo, mas outra forma de relação)."

quinta-feira, maio 27

Fragmentos de Leituras

"Violência, evidência, natureza

Não saía dessa ideia sombria segundo a qual a verdadeira violência é a do obviamente: o que é evidente é violento, mesmo se essa evidência for representada suavemente, liberalmente, democraticamente; aquilo que é paradoxal, aquilo que não salta à vista, é-o menos, mesmo se for imposto arbitrariamente: um tirano que promulgasse leis excêntricas seria, feitas as contas, menos violento do que uma massa que se contentasse com enunciar o que é óbvio: o "natural" é, em suma, o último dos ultrajes."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -13
(Fragmento 2 de 3, pag. 7)

Edição portuguesa: "Edições 70"

segunda-feira, maio 24

Fragmentos de Leituras

"Eros e o teatro

A função erótica do teatro não é acessória porque entre todas as artes figurativas (cinema, pintura) só ele oferece os corpos e não a sua representação. O corpo de teatro é ao mesmo tempo contingente e essencial: essencial, não podemos possuí-lo (é magnificado pelo prestígio do desejo nostálgico); contingente, seria possível, pois bastaria sermos loucos por um instante (o que está ao nosso alcance) para saltarmos para o palco e tocarmos o que quiséssemos. O cinema, pelo contrário, exclui, por uma fatalidade da natureza, toda e qualquer passagem ao acto; aqui a imagem é a ausência irremediável do corpo representado.
(O cinema seria semelhante a esses corpos que andam, no Verão, com a camisa amplamente aberta: vejam mas não toquem, dizem esses corpos e o cinema, ambos, literalmente, fictícios.)"


"Roland Barthes por Roland Barthes" - 12
(Fragmento 1 de 3, pag. 7)

Edição portuguesa: "Edições 70"

quinta-feira, maio 20

Fragmentos de Leituras

"A privadicidade

Com efeito, é quando divulgo a minha privadicidade que mais me exponho: não pelo risco de "escândalo" mas sim porque nesse momento apresento o meu imaginário com a sua consistência mais forte; e o imaginário é precisamente aquilo em que os outros têm vantagem; aquilo que não está protegido por nenhuma inversão, nenhum desmantelamento. Todavia, a "privadicidade" muda de acordo com a Doxa à qual nos dirigimos; se é uma doxa das direitas (burguesa ou pequeno-burguesa: instituições, leis, imprensa), é a privadicidade sexual que mais se expõe. Mas, se for uma doxa das esquerdas, a exposição do sexual não transgride nada: neste caso a "privadicidade" são as práticas fúteis, os vestígios de ideologia burguesa que o sujeito confidencia: quando me volto para essa doxa exponho-me menos ao declarar uma perversão do que ao enunciar uma preferência: a paixão, a amizade, a ternura, a sentimentalidade, o prazer de escrever, tornam-se então, por simples deslocamento estrutural, termos indizíveis: que contradizem o que pode ser dito, o que esperam que se diga, mas que precisamente - a própria voz do imaginário - se gostaria de poder dizer imediatamente (sem mediação)."

No meu "livro artesanal" que estou transcrevendo, por fragmentos, escrevi nesta página 6, certamente influenciado pela fase porque passava a minha vida no início dos anos 80: "o impulso de uma nova teia de relações atraentes mas amarradas ainda ao difícil passado dos "mais velhos" (de mim)."

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 11
(Fragmento 2 de 2, pag. 6)

Edição portuguesa: "Edições 70"

terça-feira, maio 18

Fragmentos de Leituras

"Uma sociedade de emissores

Vivo numa sociedade de emissores (sendo eu um deles): cada pessoa que encontro, ou que me escreve, envia-me um livro, um texto, um apanhado, um prospecto, um convite para um espectáculo, para uma exposição, etc. O prazer de escrever, de produzir, aperta por todos os lados; mas, uma vez que o circuito é comercial, a produção livre permanece asfixiada, aflita e como desvairada: na maior parte das vezes, os textos, os espectáculos vão para onde não são solicitados; encontram, por seu mal, "relações", e não amigos e ainda menos parceiros; o que faz que essa espécie de ejaculação colectiva da escrita, na qual poderia ver-se a cena utópica duma sociedade livre (em que o prazer circulasse sem passar pelo dinheiro), tenda hoje para o apocalipse."

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 10
(Fragmento 1 de 2, pag. 6)

Edição portuguesa: "Edições 70"

domingo, maio 16

Fragmentos de Leituras

"Para que serve a utopia
..., mas já depois veio a lume, ainda que imprecisa e cheia de dificuldades, uma filosofia pluralista: hostil à massificação, voltada para a diferença, em suma fourierista; a utopia (sempre mantida) consiste então em imaginar uma sociedade infinitamente parcelada, cuja divisão já não seria social e que, portanto, deixaria de ser conflitual."

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 10
(Fragmento 3 de 3, pag. 5)

Edição portuguesa: "Edições 70"

quarta-feira, maio 12

Fragmentos de Leituras

"A borboleteante

É espantoso o poder de diversão dum homem que se sente aborrecido, intimidado ou atrapalhado pelo seu trabalho: ao trabalhar no campo (em quê? A reler-se, ai de mim!), eis a lista de diversões que suscito de cinco em cinco minutos: vaporizar uma mosca, cortar as unhas, comer uma ameixa, ir mijar, verificar se a água da torneira continua a sair barrenta (hoje faltou a água), ir à farmácia, ir ao jardim para ver quantos abrunhos amadureceram já na árvore, ver o telejornal, confeccionar um dispositivo para segurar as minhas papeladas, etc. Deambulo. (A deambulação relaciona-se com essa paixão a que Fourier chamava a Variante, a Alternante, a Borboleteante.)"

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 9
(Fragmento 2 de 3, pag. 5)

Edição portuguesa: "Edições 70"

segunda-feira, maio 10

Fragmentos de Leituras

"Ao piano, a dedilhação...

...Ora eu toco mal - além da ausência de velocidade, que é um puro problema muscular - é porque nunca respeito a dedilhação indicada: improviso, em cada nova execução, como posso, o lugar dos meus dados, e por isso não consigo tocar nada sem erros. A razão disto reside evidentemente no facto de eu desejar um prazer sonoro imediato e recusar a massada da amestragem, pois o treino impede o prazer - ainda que, dizem, com vista a um maior prazer ulterior (tal como os Deuses a Orfeu, diz-se ao pianista: não se volte prematuramente para os efeitos da sua execução). A peça, na perfeição sonora que para ela imaginamos sem nunca a atingir realmente, age então como uma ponta de fantasma: submeto-me alegremente à palavra de ordem do fantasma: "imediatamente", ainda que seja à custa duma perda considerável de realidade."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -8
(Fragmento 1 de 3, pag. 5)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Na página cinco deste "livro artesanal" surge o meu primeiro comentário com interesse: "o prazer de comunicar uma leitura (difícil) mas apaixonadamente atraente." Fica, assim, explicada a razão de ser da empresa a que me dediquei.


(Este post é a versão correcta do que surge a seguir que será apagado quando conseguir resolver um inopinado problema técnico)

quinta-feira, maio 6

Fragmentos de Leituras

A relação privilegiada


Ele não procurava a relação exclusiva (possessão, ciúme, cenas); também não procurava a relação generalizada, comunitária; o que ele queria era, de todas as vezes, uma relação privilegiada, assinalada por uma diferença sensível, remetida ao estado de uma espécie de inflexão afectiva absolutamente singular, como a de uma voz de timbre incomparável; e, coisa paradoxal, ele não via qualquer obstáculo a que essa relação privilegiada fosse multiplicada: nada senão privilégios, em suma; a esfera da amizade era assim povoada por relações dualistas (donde uma grande perda de tempo: era preciso estar com os amigos um por um: resistência ao grupo, ao bando, ao magote). O que era procurado era um plural sem igualdade, sem in-diferença.

Como diz Freud (Moisés), um pouco de diferença leva ao racismo. Mas muitas diferenças afastam dele, irremediavelmente. Igualar, democratizar, massificar, todos estes esforços não conseguem expulsar "a mais pequena diferença", gérmen da intolerância racial. O que era preciso era pluralizar, subtilizar desenfreadamente."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -7
(Fragmento 2 de 2, pag. 4)

Edição portuguesa: "Edições 70"