Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sexta-feira, maio 24
O Esgoto
"Mês e meio depois do cerco policial ao Teatro Capitólio, antes e durante o debate entre os candidatos Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, o Departamento de Investigação e Ação Penal arquivou o caso sem fazer uma só diligência. Vale a pena reproduzir parte das extraordinárias conclusões. “No local não foi possível apurar quem seriam os promotores de tal manifestação. Da mera leitura do auto de denúncia [preenchido pela PSP…!] é patente a inexistência de indícios que permitam conduzir à identificação dos autores daquela factualidade, não tendo sido identificado qualquer promotor ou manifestante (..), o que se traduz na impossibilidade prática de diligências de inquérito com vista à sua identificação”.
E assim, sem vestígio de pudor, sem qualquer noção da responsabilidade e exuberante má-fé, o Ministério Público (MP) enfiou na gaveta a primeira grande ameaça ao Estado de Direito conduzida por aquilo que nos habituámos a designar por “forças da ordem”; mas que, como se vê, não hesitam em usar o poder que o Estado lhes atribui para reivindicar os seus direitos profissionais. Recordo que antes desta poderosa exibição de força um dirigente sindical já ameaçara boicotar as eleições de 10 de março.
A situação é grave. Do ponto de vista das corporações, a maior ameaça ao Estado de Direito há muito que não vem dos militares. O Almirante Gouveia e Melo passeia a sua romântica altivez a bordo da farda da Marinha, mas, na verdade, não apenas as armas são escassas e velhas — muitas sofrem de obstipação crónica —, como os militares foram reduzidos a uma sombra do que já foram em número, coesão e peso na sociedade portuguesa. O espaço que ocupavam está agora nas polícias.
Já sei que o alerta contra a extrema-direita cai em saco roto. Convém, no entanto, notar que as polícias estão de facto infiltradas por estas correntes que têm como porta-voz o Chega e André Ventura. É evidente que o fascismo histórico não voltará, não vamos admirar o Ventura de braço estendido no Terreiro do Paço; contudo, a versão 2.0 da extrema-direita — uma versão com fabulosos recursos e armas digitais — está a fazer a sua paciente caminhada rumo ao poder. Em Itália, já lá está e outros países vão seguir-se.
A desvalorização do que está à vista é, por isso, um erro histórico imperdoável. O MP, dentro da sua diversidade, agora optou por tornar-se cúmplice. Como é sabido, o 25 de Abril aconteceu também por razões de carreira, no caso dos militares, embora as motivações fossem muito mais profundas. Desta vez, não haverá revolução nem cravos perfumados — a grande golpada está em curso a céu aberto e já nos habituámos ao fedor." André Macedo, in Jornal Económico
quinta-feira, maio 23
Fraquezas
Circulam muitas notícias e algumas evidências acerca da compra de politicos ocidentais pelos russos, e não só na extrema direita. Hoje em dia não sabemos até que ponto vai a fraqueza de caráter de muitos democratas face ao "cheiro do dinheiro" e do poder. Preocupemo-nos pois!
quarta-feira, maio 22
D. Henrique
“Afonso Henriques herdava de seu pai, o conde D. Henrique, um valor especial (…) De facto D. Henrique era um estrangeiro, nascido noutra latitude, educado de forma diferente dos nobres peninsulares. Pode-se considerar como um aventureiro ousado e ambicioso. As suas qualidades pessoais eram acentuadas pela sua alta ascendência, pois era bisneto de Roberto II, rei de França, …“
(…)
“D. Henrique agiu, de facto, como o verdadeiro chefe do grupo de cavaleiros, monges e clérigos de origem francesa, o qual desempenhou um papel muito activo na remodelação da politica e da Igreja no Ocidente peninsular durante a segunda metade do século XI.”
(O conde D. Henrique morre em Astorga, no dia 22 de Maio de 1112, ainda Afonso Henriques não fizera 3 anos.)
In “D. Afonso Henriques” de José Mattoso, “1. A Juventude de um predestinado” – "O pai", pg. 19/20. (3)
terça-feira, maio 21
PR
O maior fator de crise política, diria de regime, desde que há eleição direta para PR, dá pelo nome de Marcelo Rebelo de Sousa. Não há volta a dar sejam quais forem as proclamações e decisões que venha a fazer e a tomar até ao fim do seu mandato. É um caso sem paralelo, de razões pouco esclarecidas, mas que carece de explicação ou, pelo menos, de estudo. Aguardemos pelas cenas dos próximos capítulos apertando os cintos.
sábado, maio 18
Liberdade
Com respeito à velha questão da liberdade que se discute, a propósito dos discursos na AR, vale a pena tomar posição. Sempre a favor da liberdade mesmo que as palavras e os gestos se aproveitem dela para ferir princípios e valores que prezamos acima de tudo. A estratégia da extrema direita é a de provocar os limites do uso da liberdade para que alguém imponderado, ou ingénuo, proponha as regras para os seus limites.
quinta-feira, maio 16
CASIMIRO DE BRITO - RIP
O primeiro livro de poesia que comprei foi “Jardins de Guerra”, de Casimiro de Brito, edição da Portugália Editora – Novembro de 1966. Foi comprado em Faro no mês de Março de 1967. O poeta é natural de Loulé mas sempre o considerei um poeta da minha terra, um dos grandes poetas da minha terra como, entre outros, Gastão Cruz e António Ramos Rosa: Faro.,
quarta-feira, maio 15
Indignação
O mundo é feito de diferenças, gentes e territórios, crenças e cores, tudo se mistura, coexiste, se interpenetra, nada é puro a não ser na imaginação dos artistas, que vivam os artistas!, e um dos males do mundo, em todas as épocas, é a elevação ao altar das virtudes da pureza, seja do que for. Tenho a certeza de ser fruto de múltiplas misturas assim como de todos os que me rodeiam. Quando assobiam a melodia da inevitabilidade de nos isolarmos, das ilhas, dos ghettos, dos muros, sinto o frio próprio que antecede a indignação cívica e a luta pela convivência tendencialmente igualitária, assumindo o convívio fraternal entre diferentes.
terça-feira, maio 14
Serve-se o homem todo ou não se serve
“Gosto mais dos homens que tomam um partido do que das literaturas que não tomam partido. Coragem na vida e talento nas obras já não é nada mau. E, depois, o escritor só é comprometido quando quer. O seu mérito é o movimento. E se isso deve passar a ser uma lei, um ofício ou um terror, onde está então o mérito?
Parece que escrever hoje um poema sobre a Primavera é servir o capitalismo. Não sou poeta, mas fruiria sem rebuço uma semelhante obra se ela fosse bela. Serve-se o homem todo ou não se serve. E se o homem tem necessidade de pão e de justiça, e se é preciso fazer o necessário para satisfazer essa necessidade, não se deve esquecer que ele precisa também de beleza pura, que é o pão do seu coração. O resto não é sério.
Sim, eu desejá-los-ia menos comprometidos nas suas obras e um pouco mais na sua vida de todos os dias.”
Albert Camus - in
Caderno n.º 5 (Continuação) – 1948 – 1951. Tradução de António Ramos Rosa. Edição “Livros do Brasil”. (A partir de “Carnets II”, 1964, Éditions Gallimard).
domingo, maio 12
PESSOAS
Era uma vez um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno a ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. À parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo - diziam. E depois amavam-se depressa, e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite. Isto era uma parte da vida delas, e era uma das regiões (comovedoras) da sua humanidade, e o que é humano é terrível e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza. E então a gente ama isto, porque a gente é humana, e amar é bom, e compreender, claro, etc. E no tal lugar, de manhã, as pessoas acordavam. Bom dia, bom dia. E desatavam a correr. É o meu inferno, o meu paraíso, vai ser bom, vai ser horrível, está a crescer, faz-se homem. E a gente então comove-se, e apoia, e ama. Está mais gordo, mais magro. E o lugar começa a ser cada vez mais um lugar, com as casas de várias cores, as árvores, e as leis, e a política. Porque é preciso mudar o inferno, cheira mal, cortaram a água, as pessoas ganham pouco – e que fizeram da dignidade humana? As reivindicações são legítimas. Não queremos este inferno. Dêem-nos um pequeno paraíso humano. Bom dia, como está? Mal, obrigado. Pois eu ontem estive a falar com ela, e ela disse: sou uma mulher honesta. E eu então fui para o emprego e trabalhei, e agora tenho algum dinheiro, e vou alugar uma casa decente, e nosso filho há-de ser alguém na vida. E então a gente ama, porque isto é a verdadeira vida, palpita bestialmente ali, isto é que é a realidade, e todos juntos, e abaixo a exploração do homem pelo homem. E era intolerável. Ouvimos dizer que numa delas, o pequeno inferno começou a aumentar por dentro, e ela pôs-se silenciosa e passava os dias a olhar para as flores, até que elas secavam, e ficava somente a jarra com os caules secos e água podre. Mas o silêncio tornava-se tão impenetrável que os gritos dos outros, e a solícita ternura, e a piedade em pânico – batiam ali e resvalavam. E então a beleza florescia naquele rosto, uma beleza fria e quieta, e o rosto tinha uma luz especial que vinha de dentro como a luz do deserto, e aquilo não era humano - diziam as pessoas. Temos medo - pensavam. E o ruído delas caminhava para trás, e as casas amorteciam-se ao pé dos jardins, mas é preciso continuar a viver. E havia o progresso. Eu tenho aqui, meus senhores, uma revolução. Desejam examinar? Por este lado, se fazem favor. Aí à direita. Muito bem. Não é uma boa revolução? Bem, compreende... claro, é uma belíssima revolução. E é barata? Uma revolução barata?! Não, senhores, esta é uma verdadeira revolução. Algumas vidas, alguns sacrifícios, alguns anos, algumas. É um bocado cara. Mas de boa qualidade, isso. E o rosto que se perdera, que possivelmente caíra do corpo e rolara debaixo das mesas, o rosto? Lembras-te? Como foi que ficou assim? Não sei: tinha uma luz. Sim, lembro-me: parecia uma flor que apodrecesse friamente. Era terrível. Boa noite. E ela trazia um vestido de seda branca, e nesse dia fazia dezoito anos, e estava queimada pelo sol, e era do signo da balança, e tomou os comprimidos todos, e acabou-se. Não compreendo. E julgas tu que eu compreendo? Quem pode compreender? Ela era a própria força, aquela irradiante virtude da alegria, aquele fulgor radical..., compreendes? Sim, sim. Tinha um vestido de seda, e era nova, e então acabou-se. Para diante, para diante. Não se deve parar. Enforquem-nos, a esses malditos banqueiros. Este vai ter trinta e cinco andares, será o mais alto da cidade. Por pouco tempo, julgo eu. Como? Sim, vão construir um com trinta e seis, ali à frente. Remodelemos o ensino. Cantemos aquela canção que fala da flor da tília. Bebamos um pouco. E outro, o que viu Deus quando ia para o emprego?! Isto, imagine, às 8 h. e 45 m. de uma tranquila manhã de Março. Uma partida de Deus? Boa piada. Não amará Deus essas maliciosas surpresas? Um pequeno Deus folgazão?! Ele ficou doido. Começou a gritar e a fugir. Que Deus vinha atrás dele. E depois? Bem, lá construíram o prédio com trinta e seis andares, e o outro ficou em segundo lugar. Isto é o trabalho do homem: pedra sobre pedra. É belo. Vamos amar isto? Vamos, é humano, é do homem. E então as crianças cresceram todas e andavam de um lado para o outro, e iam fazendo pela vida – como elas próprias diziam. E então as condições sociais? Sim, melhoraram bastante. Mas uma delas começou a beber, e depois a coração estoirou, e ficou apenas para os outros uma memória incómoda. Parece que sim, que tinha demasiada imaginação, e levaram-na ao médico, e ele disse: aguente-se, e ela não se aguentou. Era uma criança. Não, não, nessa altura já tinha crescido, bebia pelo menos um litro de brandy por dia. Nada mau, para uma antiga criança. A verdade é que era uma criança, e não se aguentou quando o médico disse: aguente-se. E as ruas são tão tristes. Precisam de mais luz. Mas nesta, por exemplo, já puseram mais luz, e mesmo assim é triste. É até mais tristes que as outras. Estou tão triste. Vamos para férias, para o pequeno paraíso. Contaram-me que ele tinha uma alegria tão grande que não podia aguentar um copo na mão: quebrava-o com a força dos dedos, com a grande força da sua alegria. Era uma criatura excepcional. Depois foi-se embora, e até já desconfiavam dele, e embarcou, e talvez não houvesse lugar na terra para ele. E onde está? Mas era uma alegria bárbara, uma vocação terrível. Partiu. E agora chove, e vamos para casa, e tomamos chá, e comemos aqueles bolos de que tu gostas tanto. E depois? Ele era belo e tremendo, com aquela sua alegria, e não tinha medo, e só a vibração interior da sua alegria fazia com que os copos se quebrassem entre os dedos. Foi-se embora.
Herberto Helder, "os passos em volta" -
assírio & alvim -
1980
sexta-feira, maio 10
IMBECILIDADES
""Montesquieu. "Há imbecilidades de tal quilate, que seria preferível uma imbecilidade ainda maior.""
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
quinta-feira, maio 9
terça-feira, maio 7
BLOCO CENTRAL
Um simples exercício de bom senso explica a razão de não ser favorável à democracia o chamado bloco central. O atual contexto da relação de forças a nível nacional, europeu e mundial mostra a ascensão - ou manutenção - dos populismos radicais. No caso português se o PS e o PSD, partidos do centro esquerda e centro direita, estabelecessem coligação, ou acordo politico com incidência parlamentar, tendo em vista a viabilização de governos minoritários, deixariam livre o espaço da oposição para os partidos populistas radicais. Os governos poderiam, a curto prazo, aparentar fortaleza mas o inevitável descontentamento popular tornaria a direita populista e radical mais forte a médio e longo prazo.
domingo, maio 5
PALESTINA
Crise no Médio Oriente. Em curso deste o final da 2ª Guerra Mundial. Compreendo a indignação face à violência de ambos os lados. O atual governo de Israel, sequestrrado pela extrema direita, adota a violência de Estado concitando a repulsa geral. Só mudam os protagonistas por efeitos da passagem do tempo. O cerne da questão política, que urge resolver, persiste. A existência e coexistência pacífica de dois estados, independentes e viáveis: Israel e Palestina.
sábado, maio 4
O Censor
O Expresso publica a segunda parte de um trabalho acerca de um censor ao serviço da ditadura, que o PCP apadrinhou e a democracia condecorou. É uma pérola que abrilhanta a desmemória coletiva, elevando ao pedestal o perdão sem vergonha. (Fotografia do Campo de Concentração do Tarrafal aquando de uma visita minha).
quinta-feira, maio 2
quarta-feira, maio 1
1º DE MAIO
Como sempre, pelo dia do trabalhador, publico as fotografias do 1º de maio de 1974 nas quais se vislumbram o pano que identifica o MES (em organização) e alguns dos seus criadores. Pela minha parte não participei no desfile, ainda retido no quartel, do que hoje me arrependo. Passaram precisamente 50 anos.
segunda-feira, abril 29
MARCELO - PRESIDENTE
Passei em revista o que já escrevi acerca de Marcelo - Presidente - nestas páginas que levam mais de 20 anos no ativo. Hoje, aqui e agora, apetece-me deixar uma mensagem breve a propósito das criticas e ataques de que tem sido alvo: mais vale defender um politico afirmativo das suas convições do que manter o silêncio cúmplice com os inimigos da liberdade. Assim venho defender Marcelo - Presidente - apesar das suas imperfeições.
domingo, abril 28
ANIVERSÁRIO
Aniversário, sempre igual, sempre diferente, um ano mais de caminhada, sempre com os olhos postos no futuro, a vida, o trabalho, o gesto comum que se aprecia, um olhar, uma palavra, nada mais simples do que festejar, o mais, o menos, o que se deseja, olhos abertos ao céu que ilumina o mundo, ao mar que reflete o sonho, ir mais além, de cabeça levantada sem temor de nada, a não ser nunca ter agradecido o suficiente aos que sempre nos amaram.
sexta-feira, abril 26
25 DE ABRIL - Epílogo
De todas as imagens que guardo na memória a mais impressiva é a da fragilidade da coluna revoltosa. Não sabia quem a comandava mas o impensável viria a tornar-se realidade. E a vitória dos mais fracos deveu-se, tão-somente, à justeza das suas razões e à coragem do seu líder. Aos leitores mais ortodoxos do colectivismo assinalo que falo num símbolo. Também sei que, desde sempre, reinou a desconfiança, entre os “donos” da mudança, a respeito de Salgueiro Maia, como hoje reina a desconfiança a respeito de tantos que ousam tomar toda e qualquer iniciativa de mudança (o que é a mudança, hoje?).
Para os “donos” da revolução nem todos devem desfilar na Avenida da Liberdade mas quis o destino – ou a ordem de operações – que quem primeiro nela desfilou fosse Salgueiro Maia que, oferecendo o peito às balas, fez estalar o click que mudou o rumo da história. Olhem com atenção para as imagens que passam na TV. Esse comandante, Salgueiro Maia, era um entre muitos e quem dirigia as operações era um comando com a seguinte constituição: Amadeu Garcia dos Santos, Hugo dos Santos, José Eduardo Sanches Osório, Nuno Fisher Lopes Pires, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Crespo. O coordenador era Otelo por decisão do Movimento das Forças Armadas. [Ver a “Fita do Tempo da Revolução - A noite que mudou Portugal”.]
O tempo faz esquecer. O tempo é malicioso. O tempo mata a memória. Salgueiro Maia não era um oficial crente nos amanhãs que cantam, dizem até que era conservador mas, perdoem-me o plebeísmo, “tinha-os no sítio”, estão a compreender! Para dar lume a uma revolução mais vale um conservador com “eles no sítio” do que um revolucionário desertor da coragem no momento da verdade.
Quem fez triunfar a revolução não foi Ramalho Eanes, nem Spínola, nem Costa Gomes, não foi nenhum General estrelado pelo Antigo Regime, ou promovido administrativamente pelo novo, quem decidiu o triunfo da revolução foram os “capitães” e o povo, que alargaram à rua o posto de comando e que tomando a rua para si tudo decidiram. Não cito mais nomes, pois todos sabem os nomes, e em nome do povo sempre, à distância de tantos anos, podem caber todos os nomes.
A revolução foi branda para com os seus inimigos, perdoou-lhes os crimes, ofereceu o seu sangue em troca da liberdade, ganhou a admiração do mundo e isso é o seu legado histórico mais valioso. Os antigos carrascos da liberdade: os PIDES, os censores, os legionários, todos os esbirros da ditadura, seus ajudantes e admiradores, ganharam o direito a viver em liberdade, manifestam-se, emitem opinião, sendo detentores de todos os direitos cívicos e políticos.
Mas se a nossa revolução foi branda para com os carrascos da liberdade pode orgulhar-se da grandeza de lhes oferecer o bem mais precioso que eles sempre negavam aos seus benfeitores. Os verdadeiros comandantes da Revolução foram generosos. Mas que ninguém, verdadeiro amante da liberdade, espere que os aspirantes a tiranos lhes retribuam tanta generosidade. Por isso é prudente que, para preservar a liberdade, a democracia não vacile no combate aos seus inimigos.
quinta-feira, abril 25
25 DE ABRIL (32) - A liberdade
Nos momentos de ruptura é necessário fazer escolhas. No período pós 25 de Abril as nossas escolhas resultaram, algumas vezes, de erros de avaliação resultantes de apressadas opções ideológicas e intelectuais.
Nunca duvidei, pessoalmente, da primazia que a liberdade deve tomar no confronto com a justiça. Mas, em todos os tempos, em épocas de crise, em períodos pós guerra ou pós revolução, se suscita a questão da relação entre a justiça e a liberdade.
Camus escreveu, no período pós 2ª guerra mundial, algo que sintetiza, com clareza, o alcance deste dilema: «Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que devemos pensar, neste caso? (…) Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade…»
Foi este, em síntese, também o nosso dilema. A nossa escolha, neste dilema histórico, foi a liberdade. Hoje não me interessam tanto as pessoas com as quais partilhei os acontecimentos do passado. Interessam-me mais aquelas com as quais possa partilhar os acontecimentos do futuro.
Mas não esqueço as marcas gravadas a fogo na minha memória pelo 25 de Abril de 1974 nem as pessoas admiráveis com as quais vivi esse sonho inigualável que foi a reconquista da liberdade. Se a nossa consciência de homens livres tem algum valor, preservemos a capacidade de não nos deixarmos aprisionar pelo esquecimento e pelo medo. Para que nunca se cumpra o receio que Jorge de Sena, um dia, expressou nos seus versos: «Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam.»
Subscrever:
Mensagens (Atom)