quarta-feira, março 24

25 de Abril - notas pessoais

Independentes e rebeldes


A nossa visão do papel da luta operária e do movimento sindical era muito diferente da perspectiva do PCP. Defendíamos a "auto organização" dos trabalhadores e a emancipação do movimento sindical fora do controle político partidário do PCP ou de qualquer outra formação partidária.

A raiz da nossa concepção da organização operária e sindical bebia da tradição anarco-sindicalista e dos ideais auto-gestionários. As diferenças entre as nossas concepções da vida, da luta de emancipação dos trabalhadores e da organização do Estado, tornaria muito difícil qualquer tentação de aliança estratégica com o PCP e, por maioria de razão, tornava-nos imunes a ser absorvidos pela sua reconhecida vocação hegemónica.

No MES confluíram quadros intelectuais e operários cujos destinos pessoais não eram compatíveis com a submissão a qualquer autoridade. Éramos (e somos!) ferozmente independentes e rebeldes.

Por isso não admira que o MES tenha sido o único Partido, criado na aurora do 25 de Abril, que se extinguiu, por vontade da maioria dos seus militantes, com uma festa.

Nem sequer admira que sejam raros os ex-activistas do MES que tenham, algum dia, aderido ao PCP, ou às teses neoconservadoras, ao contrário do que aconteceu com muitos ex-activistas dos movimentos políticos marxistas-leninistas que se reivindicavam do maoismo.

Anti-autoritários e de esquerda toda a vida...

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terça-feira, março 23

Um livro de Lorca (I)

O José Viale Moutinho enviou-me, gentilmente, o texto de uma sua apresentação de um livro de Frederico Garcia Lorca intitulado: "ALOCUÇÃO AO POVO DA ALDEIA DE FUENTEVAQUEROS".

O assunto interessa-me, não só pelo autor, e sua obra, como pelo enquadramento político no qual laborou, pelo que decidi divulgar, apesar da sua extensão, em quatro posts, uns excertos deste trabalho de JVM. As escolhas dos excertos são de minha responsabilidade assim como algumas pequenas correcções, de detalhe, ao texto que o autor não levará a mal tenham sido efectuadas e que está sempre a tempo de corrigir.


"Este texto de Lorca devemo-lo ao poeta andaluz, naturalmente, mas a sua descoberta entre nós, ou para nós, é honra e glória de um excelente escritor e jornalista, (…) que, um dia, vai para uns quinze anos, fazendo a ronda das livrarias madrilenas, o Francisco Duarte Mangas, que é dele que falo, encontrou um pequeno livro, aliás numa edição muito bonita de Alocución al pueblo de Fuentevaqueros, combinando o nome de Lorca, que ele já admirava, à surpresa de um seu título novo, titulo este que tinha a bondade dessa maravilhosa expressão "Alocução ao Povo", povo este que era Fuentevaqueros, topónimo arvoradamente rural, tão ao seu gosto.

Pois abriu-o, viu referência a biblioteca popular, naquela aldeia, enfim tudo apelava a que o comprasse. (…)

Então, começamos por saber que Fuentevaqueros é a aldeia natal de Frederico Garcia Lorca. A 21 de Maio de 1929, quando, com retumbante êxito, era representada em Granada a peça de Lorca "Mariana Pineda", a população dos patrícios do poeta decidiu oferecer-lhe um jantar de homenagem.

O alcaide de Fuentevaqueros, Rafael Sánchez, em nome da terra saudou o poeta, seguindo outros dois entusiásticos oradores. Respondeu-lhe Lorca num pequeno texto, que foi publicado apenas num jornal granadino na época e, em 1994, no primeiro tomo das prosas do escritor, reunidas e anotadas por Miguel Garcia-Posada.

Dado que está este texto relacionado com o que aqui se apresenta em volume, entendo traduzi-lo no que se conhece em discurso directo.

É que o jornalista que fez a notícia resumiu a entrada do discurso de Lorca dizendo que "o senhor Garcia Lorca agradeceu a oferta desta homenagem, fazendo um brilhante elogio de Fuentevaqueros. E acrescentou já pela pena do poeta:

E já que estamos juntos, não quero deixar de elogiar a vossa maravilhosa fonte de água fresca. A fonte de água é um dos motivos que mais definem a personalidade desta aldeiazinha. As aldeias que não têm fonte pública são insociáveis, tímidas, apoucadas.

A fonte é o sítio de reunião, o ponto onde convergem todos os vizinhos e onde trocam impressões e arejam os espíritos. A propósito da fonte falam as mulheres, encontram-se os homens, e à beira da água cristalina crescem os seus espíritos e aprendem, não só a amarem-se, como a compreender-se melhor.

A aldeia sem fonte está fechada, como que escurecida, e cada casa é um mundo aparte que se defende do vizinho.
Fonte se chama esta aldeia, fonte que tem o seu coração na fonte da água benfazeja.

Diz a notícia que transcreve esta primeira alocução de Lorca na sua terra, que o orador foi ovacionado. Prossegue a notícia dizendo que Ricardo Rodríguez Garcia leu uma "formosa poesia", também aplaudida, tendo ainda falado Fernando de los Rios e Miguel Molinero.

E diz ainda o anónimo repórter que o alcaide Rafael Sánchez, dando execução a uma proposta de Lorca para criar naquela autarquia uma biblioteca popular ofereceu trezentos livros da sua propriedade. Reparem que isto acontece no penúltimo ano do reinado de Alfonso XIII, um ano e um mês antes de implantada a II República de Espanha.

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25 de Abril - notas pessoais

O PCP


Ao longo da década de 60 travaram-se duras lutas contra a ditadura. Nessas lutas surgiram novas ideias e novos protagonistas. O PCP tinha estratégia e táctica alicerçadas numa apreciável implantação popular, embora circunscrita ás zonas operárias e rurais do sul. A sua organização clandestina era experimentada tendo mesmo, nas vésperas do 25 de Abril, criado a ARA, organização vocacionada para a luta armada.

O MES nunca aderiu à luta armada embora chegasse a desfrutar de uma razoável implantação nas Forças Armadas. Mas participou em organizações de natureza frentista, vocacionadas para a luta política legal, animadas pelo PCP, a mais importante das quais foi, antes do 25 de Abril, o MDP/CDE e, no período pós-25 de Abril, a "coligação", contra o PCP, apoiante da candidatura presidencial de Otelo, em 1976.

Participei, entre muitas outras iniciativas, com o Víctor Wengorovius, no início da década de 70, em diversas reuniões, numa casa da Av. Duque de Loulé, em Lisboa, com um alto dirigente do PCP, na clandestinidade, para tentar encontrar os caminhos de uma coordenação política entre o embrionário MES e o PCP.

É preciso ter presente que naquela época ninguém pensava ou agia, na oposição política portuguesa, escapando à influência do PCP.

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segunda-feira, março 22

Guerra à vista?

Parece que vivemos num tempo de assassinos. Um tempo de fanatismo. De todas as cores e credos. A propósito dos acontecimentos, de hoje, na Palestina lembrei-me de uma frase que Albert Camus escreveu no seu Caderno, em plena 2ª Guerra Mundial:

"1 de Setembro de 1943.
Aquele que desespera dos acontecimentos é um cobarde, mas aquele que tem esperança na condição humana é um louco."


Livro incómodo para George W. Bush

Uma notícia da SIC On Line


"Presidente dos EUA tem feito um "péssimo trabalho" na luta contra o terror, revela Clarke

O antigo assessor para as questões de segurança dos EUA, Richard Clarke, veio dizer que George W. Bush não tem lidado da melhor forma com o terrorismo, que ignorou as ameaças da Al-Qaeda antes do 11 de Setembro e que Bush queria ligar Saddam Hussein aos ataques de 2001. Críticas no dia em que é publicado o livro de Clarke "Contra Todos os Inimigos".

A polémica lançada com a publicação do livro de Richard A. Clarke (esta segunda-feira) vem na pior altura para George W. Bush dada a caminhada para as presidenciais de 2 de Novembro deste ano.

Neste livro "Against All Enemies" (Contra Todos os Inimigos), o antigo assessor para as questões de segurança propõe-se contar "a verdade" sobre a guerra ao terror levada a cabo pela Administração Bush. E, de acordo com Richard A. Clarke - que durante 11 anos fez parte do núcleo duro da Casa Branca para a prevenção do terrorismo - a resposta que o actual Presidente dos Estados Unidos tem vindo a dar é "terrível".

Em entrevista à rede de televisão norte-americana CBS, Clarke afirma que Bush ignorou as ameaças da Al-Qaeda antes do 11 de Setembro de 2001, não soube lidar com o terrorismo e revela que, no dia seguinte aos ataques, o líder norte-americano queria, por força, que fossem encontradas ligações entre os atentados terroristas e Saddam Hussein, quando elas não existiam.

- "Revejam tudo, tudo. Vejam se Saddam fez isto
- Mas, senhor Presidente, foi a Al-Qaeda que fez isto
- Eu sei, eu sei, mas... vê se Saddam está envolvido. Procura. Eu quero alguma prova"

Este é um excerto de uma alegada conversa entre George W. Bush e Richard Clarke na noite de 12 de Setembro de 2001 e que vem publicada no livro que hoje chega às livrarias dos Estados Unidos. Mesmo com todos os responsáveis pela segurança a afirmar que os atentados eram da responsabilidade da organização de Bin Laden, o Presidente norte-americano queria mostrar que o então líder iraquiano também estava envolvido.

Em declarações à CBS, Clarke adiantou ainda que no dia a seguir aos atentados, o secretário norte-americano da Defesa, Donald Rumsfeld apelou a ataques de retaliação no Iraque, mesmo sabendo que a Al-Qaeda estava sediada no Afeganistão.

Richard Clarke - assessor para as questões de segurança até Fevereiro de 2003 - diz ter ficado tão espantado que pensou, inicialmente, tratar-se de uma brincadeira.

Em relação à conselheira para a Segurança Nacional, Clarke conta que Condoleezza Rice mostrou-se "céptica" quando foi avisada, no início de 2001, para a ameaça que a Al-Qaeda constituía e pareceu-lhe que ela nunca devia ter ouvido falar naquela organização terrorista.

Clarke critica ainda a resposta dada por Bush aos atentados terroristas de Nova Iorque e Washington e diz ser "revoltante" que o combate ao terrorismo seja uma das bandeiras da campanha eleitoral de Bush, quando ele não soube lidar com o assunto desde o início.

A Casa Branca nega as acusações contra o Presidente e adianta que Richard Clarke entendeu as coisas "de forma errada". A mesma fonte sugere que as alegações de Clarke têm uma motivação política. Ou seja, pretendem prejudicar George W. Bush- que procura a reeleição.

No entanto, Clarke é uma figura respeitada no meio e as suas afirmações, provavelmente, irão causar algum constrangimento à Casa Branca."

Ainda esta semana, o antigo assessor para as questões de segurança será interrogado pela comissão independente que investiga dos atentados de 11 de Setembro.












25 de Abril - notas pessoais


O MES (Movimento de Esquerda Socialista)


Em 1971 o país ainda vivia na esperança de uma solução política para a crise do Estado Novo. Sabíamos que o futuro não podia esperar muito mais. Mas não sabíamos quanto iria ainda durar a ditadura apesar das timoratas tentativas de abertura política de Marcelo Caetano.

O MES (Movimento de Esquerda Socialista) nasceu da confluência de três movimentos que despontaram e ganharam corpo ao longo das décadas de 60 e 70. O movimento operário e sindical, o movimento católico progressista e o movimento estudantil.

A cumplicidade entre um numeroso grupo de activistas que actuavam, com autonomia, contra o regime, nestes diversos movimentos sectoriais, foi sendo reconhecida por alguns de nós o que, a certa altura, desembocou na consciência de que estávamos perante um movimento político informal. Daí até à ideia da sua institucionalização foi um pequeno passo.

Lembro sempre entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa. Foi ele que desenhou o símbolo do MES o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil; Robin foi também o autor da linha gráfica do jornal "Esquerda Socialista" e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade. Quantas horas passadas na sua companhia, e de sua mulher, desenhando uma imagem que ficou gravada, para sempre, na minha memória. Admirável Robin...

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domingo, março 21

Justiça

Juíza pode mandar repetir todos os actos de Rui teixeira

O "Jornal de Notícias" coloca este titulo na sua edição de hoje que vi na versão on line. A leitura da notícia é muito útil para entender o processo. Muito pedagógico nas vésperas do início da chamada instrução.

DIA MUNDIAL DA POESIA

Os dias evocativos valem o que valem. Mas está bem de ver que a poesia marca um espaço relevante no meu espírito e ocupa uma boa parte do meu tempo livre. Resolvi, aquando da criação deste blogue, nele não publicar senão poesia de outros. E, entre todos os poetas portugueses, vivos ou mortos, o meu preferido é Jorge de Sena. Assim não admira que, neste dia, tenha escolhido publicar um dos poemas mais extraordinários de sua autoria e da poesia portuguesa de todos os tempos.


UMA PEQUENINA LUZ


Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una piccola ... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não iluminam também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui.
no meio de nós.
Brilha.

1950

Jorge de Sena
In Fidelidade (1958)


Ópera "Os fugitivos"


Fui ver "Os Fugitivos" uma ópera original criada por portugueses e falada em português. Quantas vezes na história recente da nossa cultura foi construída uma ópera por encomenda de uma qualquer entidade? Poucas. Raramente e quase sempre só a propósito de grandes eventos nacionais.

Mas esta foi uma encomenda resultante de um projecto de teatro musical e popular que o Teatro da Trindade, através da iniciativa do seu director, Carlos Fragateiro, concebeu e que o INATEL, em tempo oportuno, sob a minha direcção, aprovou.

É um caso exemplar da "pesada herança" socialista assumida, neste caso, pela actual direcção do INATEL. Ainda bem, pois demonstra bom senso e bom gosto. Vamos a ver as cenas dos próximos capítulos…

Gostei da Ópera. Contemporânea. Aderindo aos problemas do nosso tempo. Aberta ao quotidiano. Estruturada e surpreendente nos planos musical e cenográfico. Sem o aparato das grandes óperas de reportório. Mais na linha da "Ópera de Estúdio". Irreverente e criativa. Com alguns bons interpretes. Uma verdadeira lição de como se pode produzir um espectáculo de qualidade com um pequeno orçamento. Muitos apreciadores do género gostariam de ter participado neste aventura. Tive a felicidade de ter participado e tenho muito orgulho nisso. Obra limpa e séria.

Esta Ópera vai ser gravada pela RTP, ao contrário do que aconteceu com o musical "O Navio dos Rebeldes", o que foi uma pena e uma perda. Estes registos são importantes não só para a história como para a divulgação de obras originais que são produzidas à margem dos teatros nacionais....que, aliás, produzem muito pouco.

sábado, março 20

Setembro de 1941

Albert Camus escreveu no seu Caderno, em Setembro de 1941, uma frase cheia de actualidade:

"Organiza-se tudo: É simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos"

"In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942"

Parapente em Linhares acabou?



A notícia de que a Escola de Parapente, dirigida por Vítor Baía, vai abandonar a Aldeia Histórica de Linhares da Beira e passar a funcionar em Manteigas é uma realidade.

A imprensa regional
tinha dado relevo a essa possibilidade.


O INATEL promete manter a actividade do parapente em Linhares mas não parece muito convincente.

O Parapente e, em particular, o Open de Linhares da Beira, são uma realidade que representa muitos anos de trabalho sistemático e estruturado. É o desenvolvimento sustentável…na prática.

O Parapente em Linhares acabou?

(A partir de um alerta do Pedro Pedrosa)

sexta-feira, março 19

19 de Março de 1941

Neste dia Albert Camus escreveu no seu Caderno esta frase primaveril:

"Em cada ano, o florir das raparigas sobre as praias. Elas só têm uma estação. No ano seguinte, são substituídas por outros rostos de flores que, na estação maior, ainda eram garotas. Para o homem que as contempla, são vagas anuais cujo peso e esplendor se derrama sobre a areia amarela."

"In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942"

Aborto - uma lembrança

"O acto sexual é para fazer filhos"

Poema de Natália Correia
a João Morgado (CDS)

"O acto sexual é para ter filhos" - disse, com toda a boçalidade, o deputado do CDS, no debate de 1982, sobre a legalização do aborto. A resposta, em poema, fez rir todas as bancadas parlamentares. Veio da deputada Natália Correia:


Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o orgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

NATÁLIA CORREIA
Diário de Lisboa, 5 de Abril de 1982.

25 de abril - notas pessoais


O tempo das ilusões


Depois de concluída a especialidade fiquei a dar instrução militar, o tempo todo, no 2º GCAM, no Campo Grande, em Lisboa. Passaram-me pelas mãos muitas centenas de jovens soldados recrutas aos quais industriei, o melhor que sabia, na área da administração militar. Foram sucessivas "semanas de campo" e incessantes sessões de instrução de tiro na Carregueira. Estas davam-me um prazer especial com excepção do "lançamento de granadas".

Assim correu o tempo, desde meados de Abril de 1972, até ao 25 de Abril de 1974. A minha vida fazia-se entre o quartel e encontros de conspiração com os amigos e activistas que haveriam de confluir no MES (Movimento de Esquerda Socialista). Tinha a cabeça povoada de todas as ilusões que resultavam das leituras libertárias e marxistas, liberais e heróicas, sonhadoras e utópicas de Huxley, Camus, Gramsci, Luckac, Lenin, Marx, Rosa Luxemburgo, Mao, José Gomes Ferreira, Aquilino, António José Saraiva...

As ideias da democracia directa, das comunas, da plena participação popular, tinham-se sobreposto à realidade, bem mais prosaica, da democracia representativa. Os ecos próximos da experiência do Maio de 68, em França, tinha dado asas à utopia de que o caminho para a felicidade se poderia encontrar na revolta contra o poder burguês. O tempo das ilusões...

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quinta-feira, março 18

18 de Março de 1941

Neste dia Albert Camus escreveu, em plena 2ª Guerra Mundial, no seu Caderno: "Os montes por cima de Argel trasbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples - e o absurdo de abandonar tudo isto.

"Santa Cruz e a subida através dos pinheiros. O alargamento contínuo do golfo até ao alto de onde a vista se perde sobre uma imensidade. Indiferença - e eu também tenho as minhas peregrinações."

In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942

25 de Abril - notas pessoais

O serviço militar


A minha entrada para o serviço militar deu-se em 7 de Outubro de 1971. Passei à disponibilidade em 4 de Outubro de 1974. Cumpri 3 anos menos dois dia de serviço militar obrigatório. Apesar daquele incidente no dia 16 de Março a minha folha de serviços está impecávelmente limpa.

Como todos os futuros oficiais milicianos, nessa época, fui incorporado em Mafra. Lembro-me, com nitidez, do primeiro dia do serviço militar. Fui no autocarro da carreira com partida de Lisboa. À chegada a inspecção médica, o corte do bigode, pois já tinha antes cortado a barba que, ao longo da vida de adulto, sempre me tem acompanhado.

Seguiram-se três meses de dura instrução. Os meus companheiros mais próximos foram o José Pratas e Sousa e o Raúl Pinheiro Henriques. Na tropa faziam-se fortes amizades e cumpriam-se as regras estritas da instituição militar. Não me desgostou.

No fim da instrução seguiram-se três meses de "especialidade" cumpridos na EPAM, Lumiar, Lisboa. Por ironia do destino nunca fui mobilizado. A conjugação da classificação no curso com a abundância de oficiais do ramo da administração militar fizeram com que não fosse mobilizado para as colónias.

Fui desta forma poupado à decisão dramática que se colocava a muitos que, como eu, tinham assumido uma opção contra a guerra colonial: desertar ou embarcar. Pessoalmente, ainda bem que assim foi. Os meus pais foram poupados à angústia de ver um filho partir para longe de onde podia não mais regressar.

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quarta-feira, março 17

Música

As notícias acerca do volume de jovens que, em Portugal, abandonam precocemente a escola é preocupante. Sejam os valores apresentados pela UE (quase 50%), ou outros valores mais suaves, é uma situação de emergência nacional.

Não está em causa a estatística mas as vidas que se escondem por detrás da estatística. Os jovens, na maior parte dos casos, abandonam a escola por razões económicas no quadro de situações familiares à beira do limiar da sobrevivência.

Contrariar esta tendência é uma tarefa do Estado, quer dizer, da comunidade. O núcleo essencial para atacar o problema é a escola. A comunidade escolar conhece os problemas dos alunos, as suas dificuldades, as tensões que atravessam as suas vidas concretas.

O combate ao abandono da escola, antes do fim da escolaridade obrigatória, deveria ser considerado um grande desígnio nacional. Assim uma espécie de Euro 2004. Com prazos fatais. E obras emblemáticas. E figuras públicas reconhecidas envolvidas na promoção. Uma campanha a sério com objectivos quantificados e fiscalização da sua execução. Assim uma espécie da campanha, realizada anos atrás, para o uso do cinto de segurança nos automóveis.

Não sei se seremos capazes de planear a médio/longo prazo um projecto de reducção drástica desta hemorragia de recursos que representa o abandono escolar. Seria necessário muita clareza nas medidas e muita determinação e rigor nos procedimentos e nas acções a empreender para as tornar mobilizadoras para toda a comunidade nacional. Não se trata tanto de uma questão de recursos materiais mas de vontade política e de mobilização cívica.

Mas o futuro de Portugal depende de sermos capazes de pôr fim a esta situação anómala de muitas famílias e jovens encararem a escola como uma obrigação que se pode abandonar sem uma fortíssima penalização social. É um projecto que exige uma complexa engenharia de meios financeiros, materiais e humanos. Exige o fim das querelas e disputas entre as instituições que gerem os recursos destinados à formação profissional e à educação. A participação empenhada dos parceiros com papel no terreno: professores, funcionários, sindicatos, associações de pais, autarquias, etc.

Eis uma tarefa gigantesca que exige ambição e vontade de reforma autêntica. O título deste post - música - deve-se ao facto de o ter pensado, inicialmente, para dar notícia que o meu filho, de 13 anos, obteve a nota máxima em mais um teste de música. Uma trivialidade que serve para concluir que o sucesso do processo educativo não passa só pela boa prestação dos alunos nas áreas tradicionais em que assumem papel prepoderante as disciplinas de matemática e português. Atenção às artes, às ciências e ao ensino profissional.

Um debate nacional é urgente. Quem o promove?

ÓPERA

" Os Fugitivos" sobem ao palco do Teatro da Trindade que acolhe, esta quarta-feira, a estreia de "Os Fugitivos", uma ópera em português com libreto escrito por Rui Zink. As récitas vão até ao dia 04 de Abril. Com o objectivo declarado de fazer uma ópera acessível, José Eduardo Rocha e Rui Zink criaram, a convite do Teatro da Trindade, "Os Fugitivos".
Esta notícia tem um especial significado para mim. A ideia de assumir este projecto foi do Carlos Fragateiro, director do Teatro da Trindade, desde 1999. Raros são aqueles que sabem mas o TT é uma estrutura do INATEL.
Quem aprovou a produção desta ópera foi o INATEL quando eu exercia as funções de Presidente da Direcção. Uma ousadia e um risco num país de sacanas onde impera a inveja e a vil baixeza. Felizmente que ninguém foi capaz de atropelar os fugitivos. Este é certamente um espectáculo digno e de qualidade, realizado com poucos recursos.
Onde estão as óperas do Teatro S. Carlos? E o Teatro D. Maria, que é feito?

Aniversário

O Governo ficou, de súbito, muito preocupado com a ameaça terrorista no território português. Ou melhor ficou preocupado com a vitória do PSOE. Os socialistas espanhóis têm na própria sigla um sem número de horrores: PSOE - Partido Socialista Operário Espanhol. Socialista e Operário. Ao fim de dois anos o Governo português tem, certamente, razões para estar preocupado. Mas os portugueses podem ficar descansados. A retoma vem aí. Os Ministros da Administração Interna, da Defesa e da Justiça dão garantias de segurança e o Dr. Delgado, à frente da Lusa, dá garantias de verdade e isenção na informação. Além do mais Portugal não é a Espanha. Aqui quem está no Governo não é o PP, é o PSD. Já repararam?

Soneto VI


De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça... -Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusão dos povos!

Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.

Jorge de Sena
In Génesis - Coroa da Terra (1946)