terça-feira, março 21

UMA PEQUENINA LUZ

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una piccola... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não: brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha.

25/9/1949

Jorge de Sena

Fidelidade [1958], In “Obras de Jorge de Sena – Antologia Poética”
Asa Editores, 2ª Edição, Junho, 2001

sem título (XII)

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Sofre-se devagar lentamente as palavras malditas
dos lamentos ecoam nos vagos silêncios do destino


21 de Março de 2006

segunda-feira, março 20

DIA MUNDIAL DA POESIA

Posted by Picasa Amanhã no “Espaço Noesis” vai celebrar-se o Dia Mundial da Poesia. Coube-me a felicidade de seleccionar os poetas que integram a exposição que, nesse espaço, contribuirá para a celebração desse dia.

São eles os dos “Cadernos de Poesia”+António Gedeão, quais sejam, além deste: Tomaz Kim, José Blanc de Portugal, Ruy Cinatti e Jorge de Sena.

Têm todos em comum uma formação de base cientifica-tecnológica, com excepção de Tomaz Kim, assim como todos, com excepção de Gedeão, uma forte influencia da cultura anglo saxónica ao contrário do que era comum nos poetas da sua geração (Gedeão o mais velho, e tardio a publicar,nasceu em 1906 e o mais novo, Sena, nasceu em 1919.)

De cada um destes poetas coube-me a espinhosa tarefa de seleccionar dois poemas que tomo a liberdade de divulgar nos próximos dias assim com as respectivas biografias. A escolha dos poemas e a elaboração das biografias (aqui apresentadas numa das suas variantes) foi, no essencial, o resultado do meu gosto próprio sob a influência do trabalho da equipa que organizou a exposição.

“QUISERA ADORMECER”

Quisera adormecer
como a criança acorda,
à beira de outro tempo, que é o nosso.
Só quero o que não posso.

8/4/53

Fidelidade [1958], Poesia II, Moraes Editores, 1978

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JORGE DE SENA
(Lisboa, 1919 – 1978, Santa Barbara - EUA)

Um dos grandes vultos da poesia e cultura portuguesas do século XX, tendo dedicado a sua vida à poesia, à ficção, à dramaturgia, ao ensaísmo, à investigação literária e à tradução.

Formou-se em Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia do Porto, trabalhou na Junta Autónoma de Estradas, até 1959, data em que se exila no Brasil, onde conclui o doutoramento em letras e rege as cadeiras de teoria da literatura e literatura portuguesa na Universidade de Araquara.

A partir de 1965 passa a viver nos E.U.A., sendo professor catedrático na Universidade de Winsconsin e, posteriormente, na Universidade da Califórnia – Santa Barbara (1970), onde dirigiu o departamento de literatura portuguesa e espanhola.

A sua estreia poética, “Perseguição” (1942), foi concretizada com a chancela dos Cadernos de Poesia cujas 2ª e 3ª edição, de 1951 a 1953, co-dirigirá. A sua trajectória intelectual, multifacetada, é marcada por um empenhamento de sentido humanista e responsabilidade ética, por vezes amargo, face às instituições politico-culturais portuguesas.

Publicou ainda, entre outras obras, “Coroa da Terra” (1946), “Pedra Filosofal” (1950), “As Evidências” (1955), “Metamorfoses seguido de Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena” (1963), “Arte da Música” (1968), “Conheço o Sal …E outros Poemas (1974). A obra poética completa foi reunida em sucessivos volumes – Poesia I (1961), Poesia II (1978) e Poesia III (1978).

Como ensaísta são fulcrais os seus estudos da vida e obra de Camões e de Fernando Pessoa. Recebeu ao longo da sua vida vários prémios dos quais se destaca, em 1977, o Prémio Internacional de Poesia Etna-Taormina pelo conjunto da sua obra poética.

RAÍNHA ACOLHE

Posted by Picasa Querem conhecer um projecto de enorme qualidade que decorre numa escola pública? O projecto "Raínha Acolhe" nasceu para dar resposta às necessidades suscitadas pela crescente presença de filhos de imigrantes nas nossas escolas.

Podem conhecê-lo aqui.

FERNANDO GIL

Posted by Picasa «Cada coisa, para ser o que é, tem de estar em ligação com todas as outras. A identidade ideal é uma rede de conexões infinitas. Para se perceber o mínimo sobre o mínimo seria preciso conhecer-se tudo»

Fernando Gil, citado no Expresso on line

domingo, março 19

OS ESTIVADORES

Posted by Picasa Ruy Belo

(…)
Só nessas mãos enormes é que cabem
as coisas mais reais que a vida encerra
(…)

OS ESTIVADORES
Homem da Palavra[s]

A Verdade de Uma Reforma - Intróito

Posted by Picasa Fotografia de Angèle

Na sequência do prometido vou abordar um caso revelador do funcionamento do estado e dos meandros da sua máquina. Tem, o caso em apreço, a vantagem de ser relatado por quem o conhece por dentro já que foi o seu principal responsável.

O ponto de partida é a frase que colhi num jornal, entretanto repetida por outros, que anuncia: “ (…) a transformação do Inatel em fundação de direito privado e utilidade pública. (…)”

Não conheço os detalhes deste projecto de reforma, na sua configuração actual, mas tudo me leva a crer que se trata, no essencial, do projecto de reforma estatutária do INATEL que foi elaborado e ultimado, em duas versões sucessivas, pela direcção a que presidi.

Espero para ver qual a verdadeira natureza da sua versão final, insistentemente anunciada, nos últimos tempos, no âmbito mais vasto da reforma da administração pública.

O projecto de reforma, proposto vai para 8 anos - imaginem! - não configurava a privatização do INATEL, ou seja, a criação de uma cortina de fumo por detrás da qual se pudesse promover o desmantelamento do INATEL cuja parte mais "saborosa" seria a “venda a retalho” a privados do seu vasto e valioso património, assim como dos projectos, com potencial lucrativo, cuja execução foi cometida ao INATEL, pelo estado, ao longo de décadas.

Bati-me, aliás, sempre, em todas as circunstâncias, para defender a manutenção na esfera pública desse património, material e imaterial, ideal que o projecto de reforma consagrava o que desagradou sobremaneira a alguns mas cuja defesa mereceu a dedicação de um conjunto de dirigentes da administração que foram humilhados e perseguidos em processos que ainda não chegaram ao fim.

O que me move, neste momento é, tão só, a necessidade de repor a verdade da história para que todos fiquemos a ganhar e ninguém fique a perder. Esta é apenas uma pequena alínea do grande romance da reforma da administração pública em Portugal e também da desilusão de algumas das suas vítimas inocentes.

Atenta a natureza e formato deste suporte de informação apresento um conjunto de posts curtos contendo somente uma síntese dos episódios principais todos fundamentados em factos, sustentados em documentos, nalguns casos extensos, que não reproduzo.

(“A Verdade de Uma Reforma” - 1 de 10.)

TOLSTOY (II)

Posted by Picasa Tolstoi, jeune homme «s´en va chercher le bonheur» à Saint-Pétersbourg. Résultat : les cartes, les tziganes, les dettes, etc. «je vis comme une bête.» (Tolstoi, correspondance – 1879.)
(…)

73. À un ami : «ne demeurez pas á Moscou. Deux dangers : le journalisme et la conversation.»

76. Achever sa vie sans respect pour elle est douloureux.»
(…)

Albert Camus

“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard

sábado, março 18

sem título (XI)

Posted by Picasa Teresa Dias Coelho – Nuvens 2000 [Oil on canvas - 46 x 73 cm]

Numa manhã de um dia qualquer subi olhei
do ponto mais alto procurei não vi ninguém

15 de Março de 2006

MARÇO 2006

À BOUT DE SOUFFLE (II)

"POÉTICA ABREVIADA"

Posted by Picasa Dali-Rostropovich

"ARRASTO comigo o maior número de restos de técnica que possa suportar. Suportar ou manejar com maior ou menor agilidade. Servem-me como defesa. Armadura, simples escudo, estoque ou até arma de arremesso que se perde. Também às vezes se voltam a encontrar e a ferrugem torna-as ainda mais mortais. E se ferirem uma vez envenenadas ficaram. Por humanidade não as deveria usar outra vez. Esses restos de técnica servem-me como defesa. Para ataque uso a Poesia. Neste uso de utilidades – apenas neste – a técnica mata a poesia e o que significa etimològicamente. Por isso e respectivamente cada vez menos, parece menos poesia a sátira, o lirismo comentarista, a épica puramente histórica, etc, com a sua técnica de incarnação – não a osseificação intra-estrutural (isto não é “vertebração” …). Pseudo-paradoxalmente a poesia docente (“pedagógica” por graça de chamar jovens a todos os homens ou “antropológica” por semi-estupidez incompleta de quem se lembrasse de usar a palavra) é a mais poética. Loas e balelas as negações a isto. Toda a grande poesia é a informada e informadora. A que se parte em máximas e por isso é partida em versos. E também a que tem variedade suficiente de métrica e rítmica capaz de compor consigo e com os utilizadores um ritmo novo em qualquer sentido catártico.

E a poesia pedagógica dos “bons tempos” (maus por usarem velhas “armas de arremesso” já usadas …) podia ser melhor “enformada” (posta em forma) mas não era “informadora” da mesma forma que não “informa” um anúncio senão do que”foi para ser” e nada do que “é para ter sido” (visto que a transmissão poética tem de ser pós-concepção). O anúncio age por “coisa que é”. A Poesia por " coisa para ser" ou o primeiro por " coisa para ser" e a segunda "por coisa que tem que ser" ou na forma material da transmissão " coisa que há-de repetir o ser – inicial" no seu criador. E isto sob pena não de não ser poesia mas de não " continuar a sê-lo". Há muita poesia que deixa de sê-lo ao sair das mãos do poeta. Mas merece o respeito por nelas o ter sido. Só se " a poesia-poema" por si em outros poeteia é que será grande. E isto é o mesmo que ser poesia-docente. (por vezes " imoralizadora" - " mores" costumes, bons ou maus...) Também se nada ensinar não sei como possa comunicar-se. Sinto muito ser tão materialista mas só assim serei o que os outros dizem. Eles não são nem isto nem aquilo ou se o são não têm culpa de serem poetas, ó Deus!"

26/V/1951

" Poética abreviada" – Escrita para que conste. (Texto Integral)
in "Cadernos de Poesia" – Fascículo nove - segunda série, Lisboa - Setembro de 1951.
Reprodução fac similida dirigida por Luis Adriano Carlos e Joana Matos Frias
Edição Campo das Letras

sexta-feira, março 17

sem título (X)

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Pode ser este o último poema a que mais nenhum suceda
como antes do princípio: a palavra recortada no silêncio

10 de Março de 2006

O PESO DOS SILÊNCIOS AUSTEROS

Posted by Picasa Ron Mueck

"Será que o dr. Cavaco, que sempre julgámos relativamente equilibrado, quer de facto embarcar numa cruzada moral contra o aborto, a pílula, o divórcio, a homossexualidade, a pornografia e o resto dos crimes sem perdão em que o «niilismo» moderno nos «poluiu»?"

Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 17-03-06


“Uma mesinha redonda e austera no lugar do sofá”

Diário de Notícias, 17-03-06


Os silêncios e o lugar dos silêncios, na política à portuguesa, fazem lembrar qualquer coisa antiga. O sinal sonoro da emissora nacional que antecedia o noticiário da uma hora … um disco de vinil na grafonola a passar um fado da Amália … as manchetes do “diário da manhã” … a passagem do tempo morto sem história … coisas estranhas que nada têm, está bem de ver, de real.

É o imaginário. Mas o imaginário conta muito. Um dia pagar-se-ão estes silêncios. Quando os personagens abandonarem os actores à sua sorte e o palco ficar vazio. Aí alguém vai ter de conversar, provavelmente, com o outro sentado no sofá. Menos ostensivamente austero. Mais aberto às diferenças e à assumpção das mesmas.
Apetece proclamar: abram as portas e falem à vontade. Um sofá luxuriante no lugar da austera mesinha redonda, por favor!..

quinta-feira, março 16

À BOUT DE SOUFFLE

Posted by Picasa Le 16 mars 1960, sortie sur les écrans parisiens d'À bout de souffle (1959) de Jean-Luc Godard, le film culte de La Nouvelle Vague.

Mars 1960. Quatre films de mémoire sur les écrans parisiens : Plein soleil de René Clément, Les Yeux sans visage de Franju, Soudain l’été dernier de Joseph Mankiewicz et À bout de souffle (1959), le premier long métrage de Jean-Luc Godard et le film culte de La Nouvelle Vague, sorti le 16 mars 1960. Avec François Truffaut comme scénariste et Claude Chabrol comme conseiller technique.

Une musique de Martial Solal. Et le couple mythique Patricia Franchini (Jean Seberg [« Pourquoi ne portes-tu jamais de soutien-gorge ? », qui vient tout juste de jouer dans Bonjour tristesse d'Otto Preminger]) et Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo).

IN Terres de femmes

EU VINHA PARA A VIDA E DÃO-ME DIAS

Posted by Picasa Fotografia António José Alegria in Amistad

Eu vinha para a vida e dão-me dias
Reduzida ao relógio a aventura
eu próprio me despeço da lonjura
e troco por desastres alegrias
(…)

Ruy Belo

Homem de Palavra[s]

MORTE

Posted by Picasa Fotografia de Angèle

Outra das notícias, recentes, que mais me impressionou foi a da morte de Milosevic. Ou, mais precisamente, as reacções do mundo ocidental à sua morte. Ou do mundo todo, tanto dá. Os cristãos – que somos nós – assumem estranhas posturas face à morte. O ditador morreu. Não foi condenado pelo Tribunal. A morte antecipou-se ou foi antecipada. Perpassa por todo o mundo da política ocidental uma sensação de alívio.

O que os cristãos fazem, numa estranha manifestação de certeza no julgamento popular, é condenar o réu morto substituindo-se ao tribunal. E mais do que isso manifestar, explícita ou implicitamente, não só alívio, mas júbilo pela morte do homem como se aquele homem representasse toda a história da tragédia humana dos Balcãs mesmo que nela tenha sido o protagonista central.

Nada me seduz nem na figura nem na acção de Milosevic. Mas os políticos ocidentais, e os líderes de opinião, que se reclamam do cristianismo ou se inserem na sua cultura, deviam reflectir nas suas posições face à morte do homem. Lembrar-se desta ideia de Camus: “É o cristianismo que explica o bolchevismo. Conservemos o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos”.

Conservemos o equilíbrio e não nos regozijemos pela morte de ninguém pois caso contrário como condenar, por exemplo, os festejos daqueles que desejaram, e desejam, a morte de Sharon. Ainda se lembram?

Eis aqui um exemplo respigado no Editorial do “Expresso on line”:

“Ponto final nos Balcãs
Há mortes que não se lamentam e, descontando o respeito devido aos respectivos familiares, a de Slobodan Milosevic, o antigo Presidente da que se tornou a «pequena Jugoslávia», é uma delas.”

quarta-feira, março 15

FARENSE VS BENFICA

Posted by Picasa Dei hoje início à minha colaboração com A Defesa de Faro com o post “Farense vs Benfica” ilustrando esta fotografia na qual surgem alguns grandes jogadores do Benfica e do Farense do início dos anos 70.

SONHO

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Pronuncio uivos estranhos
na solidão dos actos puros
recito alto palavras alheias
que sobem de lugar ignoto

grito-as sentidas e agrestes
límpidas ressoando da voz
e as reconheço perdidas na
solenidade dum reencontro

Lisboa, 27 de Janeiro de 2006

terça-feira, março 14

CONTRA AS RASURAS NA MEMÓRIA

Posted by Picasa Fotografia in phe-no

“ (…) a transformação do Inatel em fundação de direito privado e utilidade pública. (…)”

Vi, pela primeira vez, num jornal de referência, uma linha com a notícia que acima reproduzo. Se for verdade, e tudo indica que é, iniciarei, em breve, uma série de escritos sob o título geral – “A Verdade de Uma Reforma”. Nada de especial. É só um pequeno contributo no sentido de impedir uma rasura na memória no que respeita à história recente da instituição pública em questão.

TOLSTOY

Posted by Picasa Leonid Pasternak (1862-1945)

«Le frère de Tolstoy: «Il lui manquait les défauts nécessaires pour être un grand écrivant» (selon Tourgueniev).

Albert Camus

“Carnets – III” - Cahier nº VII (Mars 1951/Juillet 1954)
Gallimard

segunda-feira, março 13

QUADRAS DA ALMA DORIDA

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

Trago deus impresso em mim
no coração e nos rins
A mancha tem a altura
de quarenta quadratins

Estava num profundo êxtase
no seio da divindade
Tudo se esvai. Perdi o
bilhete de identidade

A vida dói. Nada resta.
E diz a alma dorida:
Não creio numa outra vida.
Havia eu de crer nesta?

Ruy Belo

Palavras[s] de Lugar
In HOMEM DE PALAVRA[S]

SOBREVIVENTES

Posted by Picasa Ron Mueck

A notícia que mais me perturbou, nos últimos tempos, foi aquela da escolha de um grupo de cidadãos que serão especialmente vacinados contra a gripe das aves. São aqueles que precisam de sobreviver mesmo que todos os outros morram! Não entendo o critério da escolha. Ela própria comporta um sinal preocupante. Escolher os sobreviventes do “grande mal”, por via administrativa, é um exercício brutal de exclusão da maioria. Talvez por boa fé, ou desespero, é a afirmação do anti-social elevada ao mais alto expoente.

domingo, março 12

GOVERNO - UM ANO (III)

Posted by Picasa Scarlett Johansson

Um ano de governo socialista não me faz esquecer os três anos que o antecederam. Desde as eleições legislativas de Março de 2002 até Março de 2005, data da entrada em funções do governo socialista, ocorreram um conjunto de acontecimentos que, ao menos politicamente, deveriam ser muito bem explicados.

Como foi possível Santana Lopes ter sido primeiro-ministro de Portugal? Como foi possível ter deixado o governo cair nas mãos de um grupo de gente – para ser elegante – sem escrúpulos nem sentido de estado.

Como foi possível permitir que o PP tenha ocupado, nas coligações dos governos de direita, as pastas ministeriais da Defesa, da Justiça e das Finanças! Para não falar da Segurança Social! Paulo Portas, Celeste Cardona e Bagão Félix. O que aconteceu, de verdade, na gestão dessas pastas durante aqueles três anos? Qual o balanço? Quem o fez? Quem o fará? Ninguém!

Muitos de nós sabemos, por experiência própria, a tragédia da governação de direita. Sabemos dos desmandos praticados, a todos os níveis da administração, que ainda hoje estão por reparar sendo que muitos são irreparáveis.

Celebrando um ano de governo o primeiro-ministro Sócrates afirmou não querer jogar o jogo do discurso da “pesada herança”. Faz bem. Mas não adianta empurrar para debaixo do tapete as sequelas dos três anos de governação de direita pois elas são bem evidentes como, por exemplo, no chamado caso do “envelope 9”.

Um dia destes, mais breve do que muitos possam pensar, os mesmos que agora são poupados não pouparão aqueles que os protegem pelo silêncio e inacção. As políticas injustas, as acções persecutórias, as vinganças pessoais, venham de onde vierem não podem ficar impunes.

Trata-se de uma questão de justiça e, antes de mais, de salvaguarda da liberdade. Pela minha parte continuo, tranquilamente, à espera.

(A imagem, aparentemente, nada tem a ver com o texto mas é para ser assim mesmo. É preciso manter a aspiração à sedução e à beleza para manter a esperança de entender mesmo os acontecimentos, à primeira vista, mais intrigantes e absurdos e, dessa forma, a nossa própria capacidade de ser cidadãos de parte inteira.)

OS SÁBIOS ÀS COISAS QUE SE APROXIMAM

Posted by Picasa Fotografia de Philippe Pache

A propósito de um intercâmbio de traduções da poesia de Kavafis com o blogue, rebaptizado de Catatau, apresento uma tradução em português do poema com o título em epígrafe.
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Porque os deuses às coisas futuras, os humanos às coisas presentes, os sábios às coisas que se aproximam são sensíveis.

Filóstrato, Sobre Apolónio da Tiana, VIII,7.

Os humanos conhecem as coisas presentes.
As coisas futuras os deuses conhecem,
de todas as luzes plenos e únicos detentores.
Das coisas futuras os sábios, videntes,
aquelas que vêm. Seus ouvidos acontecem

por vezes em momentos onde o estudo elabora
perturbar-se. A eles ocultos aparecem
de eventos que se abeiram os fragores.
E prestam-lhes piamente atenção. Entretanto, fora,
na rua, nada os ouvidos aos povos oferecem.

In “Os Poemas”
Konstandinos Kavafis

Tradução de Joaquim Manuel Magalhães
e Nikos Pratsinis