quinta-feira, abril 25

25 de Abril

Deixo que a palavra
tão incerta
teça

a liberdade a meio
deste Abril
para que a memória em Portugal não esqueça

tomando da flor
o cravo na matriz

teimando que a paixão
a tudo vença

dizendo não àquilo
que não quis

Maria Teresa Horta

Março 99

quarta-feira, abril 24

25 de ABRIL


Neste mesmo dia, 39 anos passados, pela hora a que escrevo, devo ter passado pela casa do Ferro (Rodrigues) para o avisar de que algo de muito especial estava a ser preparado para o dia seguinte. Estava a decorrer a transmissão de um jogo de futebol na Alemanha de Leste – Magdeburgo-Sporting (para a Taça das Taças?), não me lembro já das palavras, mas retenho a memória viva do ambiente. Saí para me juntar ao João Mário Anjos (que será feito dele!) e do António Dias, na casa deste, em Benfica, de onde haveríamos de sair (se tudo, desta vez, corresse conforme as nossos desejos), a caminho do quartel do Campo Grande onde, como milicianos, prestávamos serviço militar. Era, se não erro uma quarta-feira, primavera em flor, e esperámos pacientemente pelos sinais em forma de canções. Deixei-me dormir enquanto esperava. De súbito alguém me acordou dando-me a notícia de que havia tocado a canção/senha. Devemos ter-nos apressado a sair tomando lugar no Datsun branco, conduzido pelo António Dias, o João Mário Anjos e eu próprio a caminho do Campo Grande mas antes ainda demos umas voltas para medir o pulso ao ambiente nas ruas e no quartel do Lumiar. Prevalecia a quietude, nada mexia, receamos um falso arranque e mais um fracasso. Após algumas voltas reentramos na 2ª circular e, chegados perto do quartel, demos de frente com uma coluna militar da qual não sabíamos mais do que nos era dado ver. Voltamos a acreditar e em lugar de cumprir com o plano decidimos seguir a coluna – já sem o João Mário que deixamos no quartel – descendo a caminho da baixa. Já antes contei este episódio improvável que fez com que tivéssemos sido os únicos civis que, como mais tarde soubemos, fizeram parte da coluna de Salgueiro Maia. Depois da coluna militar ter estacionado na Ribeira das Naus seguimos em frente retomando o plano inicial e, de caminho, cruzou-se connosco, em sentido contrário, uma coluna de tanques pesados. A desproporção das forças em presença era brutal e pensamos, caso se tratassem, como se tratavam, de forças de campos opostos esta última coluna destruiria sem esforço a que havíamos seguido. Afinal tudo se passou ao contrário: a fraca força militar, comandada pelo capitão Salgueiro Maia, venceu a forte força militar, comandada pelo brigadeiro Junqueira dos Reis. Ali, naquele preciso momento, a coragem serena de Salgueiro Maia, olhando de frente o soldado que se recusou a premir o gatilho, desobedecendo às ordens de fogo, decidiu a sorte da revolução. Honra à sua memória!
Com o meu amigo João Mário Mascarenhas, na porta de armas do Quartel do Campo Grande, num dos dias de fogo da revolução.  

quinta-feira, abril 11

COISAS ANTIGAS

Outro dia alguém falou da crise de 1984 e seus efeitos terríveis na vida de quase todos os portugueses. Passaram quase 30 anos e estavamos nas vésperas da adesão de Portugal à CEE (atual UE) e, na verdade, sofrendo as dores do parto dessa adesão. A qualidade de vida da maior parte dos portugueses melhorou muito nos anos seguintes. Já quase ninguém se lembra de como viviam os portugueses antes do 25 de abril de 74, nem como viviam antes de 85, ano da adesão à CEE. O tempo e a escala fazem esquecer e distorcem a avaliação das conquistas alcançadas. Para dizer que salvo se a UE se desfizer - o que faria perfilar no horizonte um tempo de ameaça de guerra - os defensores da saída do € laboram em cenário de catástrofe, recuando a 84, e os defensores - ainda envergolhados - da saída da democracia laboram em cenário de catástrofe, recuando a 73. Todos os esforços sensatos para evitar ruturas são benvindos, algo assim como se fosse possível fazer vencimento uma ideologia e uma prática política antigas que cairam em desuso: o centrismo radical!

sábado, abril 6

A CRISE DA CRISE

Fortes incertezas, hesitações e desgaste. Ninguém escapa ao julgamento politico no cumprimento de suas responsabilidades. Não vale a pena gritar alto mesmo através de silêncios estridentes. Nem repreender os tribunais. Devemos saber reconhecer que os juizes em Portugal são, salvo rarissimas exceções, cidadãos exemplares no exercício das suas funções. Incluindo os que integram o Tribunal Constitucional. Há momentos em que são necessários politicos corajosos e clarividentes. Não serão os extremos do espetro politico partidário, nem as radicalizações táticas, nem a vozearia dos comentadores  encartados que contribuirão para resolver problema algum. Nem se resolverá a crise da crise através de quaisquer soluções fora do quadro partidário. Há muitos bons exemplos na sociedade portuguesa, a nível macro e micro, de compromisso, acordo, concertação, diálogo e cooperação partidária na resolução dos problemas.

quinta-feira, março 28

"Violência, evidência, natureza

Não saía dessa ideia sombria segundo a qual a verdadeira violência é a do obviamente: o que é evidente é violento, mesmo se essa evidência for representada suavemente, liberalmente, democraticamente; aquilo que é paradoxal, aquilo que não salta à vista, é-o menos, mesmo se for imposto arbitrariamente: um tirano que promulgasse leis excêntricas seria, feitas as contas, menos violento do que uma massa que se contentasse com enunciar o que é óbvio: o "natural" é, em suma, o último dos ultrajes."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -13
(Fragmento 2 de 3, pag. 7)

Edição portuguesa: "Edições 70"

[Retomando um fragmento de Barthes a propósito (despropósito) da aparição de Sócrates no ecrã mágico exercitando a sua maior arte - a comunicação.]

quarta-feira, março 27

DIA INTERNACIONAL DO TEATRO

Neste Dia Internacional do Teatro reproduzo um post antigo de homenagem a Emílio Campos Coroa, extensivo à sua família.    
 
Emílio Campos Coroa, médico oftalmologista, era um amante do teatro. Formado na escola do TEUC de Coimbra, dirigido por Paulo Quintela, era casado com a Dra. Amélia, minha professora de liceu, uma mulher sensível e actriz de grande talento.

Emílio Campos Coroa foi fundador, em Faro, com o seu irmão José e a mulher, no início dos anos 50, do grupo de teatro do Circulo Cultural do Algarve (hoje, “Lethes”) no qual, em finais dos anos 60, usufruí de uma experiência inesquecível.

De facto o teatro (amador) marcou, profundamente, a formação do meu gosto e deu-me a oportunidade de esconjurar os bloqueamentos daquela idade na qual ainda não somos adultos mas já deixamos de ser crianças. Ao Dr. Coroa, como era conhecido, devo muito da minha formação cultural e humana.

Era um homem corajoso e repentista. Democrata e intransigente no confronto com as adversidades do trabalho e da vida. Foi obreiro, contra ventos e marés, de uma obra notável de divulgação e promoção das artes e, em particular, do teatro.

Na época em que se desenrolou a sua acção, na província do Algarve, era preciso ter “barba rija” e uma vontade de ferro para colocar de pé centenas de encenações e representações levadas à cena em todos os lugares envolvendo e cativando todo o género de público.

Ele criou um verdadeiro teatro popular, dos clássicos aos modernos, uma escola de actores, um laboratório de experiências, uma corrente de iniciativas que rompia as rotinas bafientas das práticas culturais à época vigentes.

Um dia, logo após a minha vinda para Lisboa, o Dr. Coroa, telefonou-me. Quis a minha companhia e acedi com prazer. Verifiquei que tinha vindo, sozinho, acampar no parque de campismo de Monsanto. Atravessamos a cidade, conversamos e interpretei o seu gesto, que nunca mais esqueci, como uma bênção à minha aventura pela cidade grande.

Muito mais tarde, já depois da sua morte, tendo oportunidade de criar, de raiz, uma sede para o INATEL, em Faro, propus que a mesma fosse designada como “Casa Emílio Campos Coroa”. E assim foi. No dia da inauguração – vai para 10 anos – senti um frémito de esperança de que a obra dos homens com alma pode ser honrada e que a cidade, afinal, não pode sobreviver sem as suas memórias.

quinta-feira, março 21

DIA MUNDIAL DA POESIA


Era uma terra povoada
de silêncio
Quando eu nasci foi

a minha tia

Lucília a primeira mulher

que me beijou

Era um tempo de crença

no futuro

Uma raiz presa na terra

que me soltou

21/3/2013

terça-feira, março 19

Agora, aqui...

Suscitado por Belmiro de Azevedo. Se a vida é tão difícil para alguns porque não torná-la difícil para (quase) todos? Nivelar por baixo, puxar para baixo, tornar tudo tão baixo que o maior número se contente com migalhas. Já há muito entrou,em Portugal, em acção um mecanismo automático de solidariedade espontânea. Um “processo de ajustamento” de que poderia dar vários exemplos que se passam comigo mesmo e família próxima. Mas só é possível manter em funcionamento este mecanismo automático se ele for accionado por vontade livre dos próprios. Consentido e subentendido. Se for ultrapassada a barreira do consentimento para o terreno da coacção entrará em funcionamento o mecanismo da resistência passiva. Se for ultrapassada a barreira da coacção para o campo da repressão aí terremos resistência activa. Em todos os tempos deu pelo nome de revolução. Receio bem que, nesse caso, não estejamos em época de cravos.   

To Helena

Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais coerente
A via enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente

Ruy Belo

Transporte no Tempo
Editorial Presença (1997 - 4 ª edição)