quinta-feira, agosto 21

Uxia Martinez Botana- Double bass


agosto - dia 21


Escrevo hoje na hora de almoço, coisa rara, pois me deu uma vontade irreprimível de deixar uma palavra acerca da guerra. Chovem as notícias de assassinatos, tantas e tão frequentes, que se banalizam. A normalidade, no espaço mediático, o que vende e se torna omnipresente no imaginário da maioria dos cidadãos, é a violência, o crime, o assassinato, a retaliação, a conquista, a guerra. Na verdade mesmo aqueles que vivem em paz beneficiam, afinal, de uma ilusão. Não sei nada acerca dos meandros da guerra, a não ser a intuição de que medram os negócios de venda de armas, os negócios da morte, só sei, ao contrário de todas as ilusões que alimentávamos, que estamos em guerra.  

terça-feira, agosto 19

agosto - dia 19


De regresso ao trabalho penso coisas eventualmente com sabor antigo. Trabalhar. Fazer coisas com sentido. Partilhadas. Com esforço e vontade. Talvez criar. Não perder o gosto de trabalhar para o bem comum. Sem perder o sentido do prazer. Do amor-próprio. Respeitar e ser respeitado. Nada perder do sentido do dever. Usar o tempo sem sentir passar o tempo. Envelhecer devagar. Sentidamente.

domingo, agosto 17

agosto - dia 17


Último dia de férias de verão, sempre um regresso à terra, visitando toda a largura do sotavento junto ao mar, da fronteira a Vila Moura com epicentro em Faro - berço meu. Visitações familiares desde a minha tia Lucília, decana da família, nos seus 97 anos, um belo rosto que se mantém luminoso, até aos mais jovens sobrinhos netos, campeões nacionais de ténis nas respetivas categorias. Sucessivas gerações mantendo, no essencial, os mesmos traços físicos, bronzeados do sul e longilíneos porque sim, em suas tarefas e misteres, juntos à terra que os viu nascer. O futuro desenha-se, para todos e cada um, com uma enorme interrogação. Mas não foi sempre assim? Praticando a arte de sobreviver a toda procela.    

quarta-feira, agosto 13

agosto - dia 13


A nossa cidade é aquela que nos habita mais do que aquela que habitamos. E somos habitados por muitas cidades e lugares delas. Tal como pelas pessoas que ao longo da vida amamos. Nada pode mudar esta capacidade do homem incorporar a natureza, transformando-se e, por fim, a ela regressar. Finito na esplendorosa compreensão da sua existência e dos limites do seu papel individual na relação com ela. A vida irradia beleza pelas ruas da cidade banhada de luz e arrefecida pela misteriosa brisa que sopra suave. Desde que me conheço que reconheço a sua aura que atravessa os corpos elegantes dos carregadores de mercadorias que desfilam nos corredores das festas de verão ou a caminho do mercado. Por entre notícias de morte de ilustre, e notável, gente e do alastrar de guerras sempre injustas, raia, embora incipiente, a aurora de um novo humanismo. Basta estar atento aos sinais.

domingo, agosto 10

agosto - dia 10


É difícil encontrar trabalho por mais que o jargão populista insinue de todas as formas: "eles não querem é trabalhar"!. Se assim fosse a maioria dos que emigram em busca de trabalho quedar-se-iam em ameno repouso. Não me refiro ao tema do ócio, tempo de lazer, essa conquista recente das sociedades ocidentais. Refiro-me ao trabalho, em todas as áreas da actividade humana, que além de ser um "ganha pão" é um meio de realização humana e de afirmação da personalidade. É preciso saber conjugar o tempo de trabalho com o tempo de lazer. Mas os benefícios do lazer não se alcançam no desespero da escassez dos meios materiais e na desesperança de alcançar acesso a actividades de trabalho dignas e devidamente remuneradas. Esta é uma questão complexa que se não compadece com simplificações. Manter o realismo de acreditar no futuro de uma sociedade mais justa, igualitária e livre. Aceitar os desafios das mudanças mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis. Trabalhar sempre o melhor que estiver ao alcance de cada um. Abrir caminho para que o maior número encontre trabalho digno.

sexta-feira, agosto 8

agosto - dia 8


De férias a sul como sempre aconteceu desde que me conheço, nem que tenha sido por um só dia como, excepcionalmente, em 1975. Próximo das terras, e praias, (mais terras, que praias) frequentadas pelos meus antepassados do lado materno e paterno. Toda a minha ascendência nasceu a sotavento deste Algarve nome que incorporou até há bem pouco tempo a designação do Reino de Portugal (e dos Algarves). Não me espreguiço, pois, em simples veraneio envolvido que me sinto pelas ressonâncias de gerações nas quais correu, e corre, sangue do meu sangue. A paisagem está por dentro de mim como estão os odores, os rostos, as vozes, os dizeres, as manhas e tudo o que resiste às facetas perversas da globalização. Caminho de pé por entre memórias felizes o que reconstrói a minha vontade de continuar a percorrer esta vida povoada de enganos.

segunda-feira, agosto 4

agosto - dia 4


Banco Bom, Banco Mau, acabou mais um episódio da maior crise de uma instituição financeira nos últimos (muitos) anos em Portugal. Outros se seguirão. Não tenho conta no BES nem nunca tive. Nenhuma instituição que tenha estado sob minha gestão alguma vez teve conta no BES. Não tenho, pois, queixas nem experiência directa de lidar com o BES. Não deveria escrever nem uma palavra acerca deste assunto, além do mais, porque tendo obtido uma formação académica em finanças, não me imagino como administrador de falências... Somente a escala dos números envolvidos, a nível nacional, é muito grande. E passamos a vida, todos nós, a ouvir falar em números de uma escala muito inferior como salário mínimo, pensões de sobrevivência, tudo o que toca ao mundo do trabalho ou das pensões, quantas vezes, apresentados como excessivos. Exigem-se reformas e todos clamam por justiça no âmbito do Estado Social. Nesse mundo conhecem-se os esquemas para obter benefícios ilegítimos, desde os beneficiários, aos fornecedores de bens e serviços. Abundam as fugas, e lateralidades, que prejudicam os cidadãos e as entidades cumpridoras. Sabemos todos que tolerar o incumprimento das obrigações de uns significa o sacrifício da obtenção de legítimos benefícios sociais de outros. Mas o sector financeiro tem gozado de uma infinita tolerância e compreensão por parte da sociedade e de todos os responsáveis dos poderes públicos seja qual for a sua natureza e cor ideológica e politica. Pela sua escala o caso BES, que se desenrola debaixo dos nossos olhos, hoje, aqui e agora, produz um efeito de descredibilização do sector financeiro e, em particular, da banca comercial que impõe uma acção rápida, diria fulminante, na investigação das suspeitas de ilícitos e de crimes. O governador do BP não pode falar deles - e falou -  sem que hajam consequências imediatas. Sou contra a justiça popular ou mediática mas é preciso fazer funcionar o estado direito e, em consequência, proteger a democracia dos seus inimigos.

domingo, agosto 3

VIVER POR CIMA

A qualquer hora do dia, em mim próprio e entre os outros, eu subia às alturas, acendia aí fogueiras bem visíveis e alegres saudações subiam até mim. Era assim que eu tomava gosto à vida e à minha própria excelência.


A minha profissão satisfazia, felizmente, esta vocação das alturas. Ela livrava-me de toda a amargura em relação ao próximo, que eu sempre obsequiava, sem nunca lhe dever nada. Colocava-me acima do juiz, que, por minha vez, eu julgava, acima do réu que eu forçava ao reconhecimento. Pondere bem nisto, meu caro senhor: eu vivia impunemente. Nenhum julgamento me dizia respeito, não me encontrava no palco do tribunal, mas em qualquer outra parte, nos urdimentos, como esses deuses que, de tempos a tempos, são descidos por meio de um maquinismo, para transfigurar a acção e dar-lhe o seu sentido. No fim de contas, viver por cima é ainda a única maneira de ser visto e saudado pela maioria.

Albert Camus, in A Queda


sábado, agosto 2

agosto - dia 1


O BES, em menos de nada, afundou-se. Um banco de referência, com história e mercado, está a estrebuchar caído no chão dando a sensação, a quem assiste de fora, que afastada a família que lhe dá o nome, ninguém sabe o que fazer dele. Pode ser que esteja enganado, assim espero, mas o Estado vai socorrê-lo, em linguagem comum, "entrará com o dinheiro", "uma pipa de massa", diria o Dr. Barroso. Estou a ser simplista, está bem de ver, pois a fórmula para a entrada temporária do Estado será  engenhosa e sempre teria de o ser. Nada de novo. A tralha dos Espíritos Santos, diabolizados como é da praxe, dará lugar a quem? Para já, quer dizer, depois de amanhã, ao Estado, salvo qualquer milagre de última hora. Os jornalistas das economias surgiram hoje, pelo menos a meus olhos, nervosos e hesitantes como o verão que teima em não despontar. Nada de nacionalização do BES. De acordo, que não é solução. Resta explicar, bem explicado, como é que um banco privado, representando 20% do mercado nacional, uma grossa fatia do crédito concedido, milhões de depositantes, continuará a ser privado se a maioria do capital passar a ser público. E caso a explicação corresponda à operação de salvamento em curso, que desejo seja bem sucedida, como será apresentada a saída pós intervenção do Estado. A que prazo e em que condições. E qual a medida das consequências dessa intervenção na economia e na vida quotidiana dos cidadãos. O problema do BES, a partir de hoje, deixou, em definitivo, de ser privado, tornando-se público. Um problema de todos nós.

                                                           Fotografia de Hélder Gonçalves

quinta-feira, julho 31

julho - dia 31

                                                          Fotografia de Hélder Gonçalves

O absurdo do modelo neoliberal, ou da sua profunda degenerescência, está patente em todo o seu esplendor, no caso GES/BES. Não se trata desta feita da falência de um quiosque, de uma pequena oficina ou do café da esquina. Não podemos, neste caso, observar os olhos turvos de lágrimas do comerciante fechando de vez a porta, nem o olhar triste do funcionário despedindo-se de vez dos seus clientes habituais... Faz muito tempo que não se via nada assim. Talvez, para quem tenha vida longa, similitude  com os acontecimentos dos idos de 80, entre 1983/85, para não falar, noutro contexto, no período pós 25 de abril de 74. Mas nestas épocas de crise brava (1974 e 1983) sempre havia expectativas positivas de futuro, fossem ou não realizadas, a todos agradassem ou não agradassem. A liberdade em todas as suas vertigens, após 48 anos de ditadura, e a adesão à actual União Europeia com seu interminável cortejo de promessas de prosperidade. O que me dá que pensar, ainda com energia para questionar o que for que queira, é quais as expectativas que povoam a cabeça de cada um, e de todos nós, no olho do furacão da presente crise. Pode ser que hajam mas estão ao alcance de muito poucos.

quarta-feira, julho 30

julho - dia 30







Se todas as notícias a que o cidadão comum está exposto forem levadas a sério o cidadão comum, para sua sanidade mental, terá que se proteger delas. As notícias, como sabem os que sabem, quando são produzidas destinam-se a produzir efeitos sempre, ou quase, previamente conformados em função de interesses de poder sejam directamente de natureza politica, económica ou outros. Há académicos por esse mundo fora que se dedicam a estudar o tema nas suas diversas vertentes. Nada de novo. O que é novo nestes dias que passam, aqui e agora, é a confluência de tantas notícias que surgem, aos olhos de quem esteja minimamente atento, como sucessivas frentes de fogo e de contra fogo. Uma luta sem tréguas, ameaçando o vale tudo, pelo poder num país escasso, dependente, pobre, acabrunhado, deficitário em cultura do pleno exercício das liberdades e da democracia. Sem desprimor para os políticos, reformados e no activo, que os há sérios e empenhados, uma espécie de plutocracia*, na qual, paradoxalmente, os ricos são cada vez mais pobres.
   
* A plutocracia (do grego ploutos: riqueza; kratos: poder) é um sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico. Do ponto de vista social, esta concentração de poder nas mãos de uma classe é acompanhada de uma grande desigualdade e de uma pequena mobilidade. (In Wikipédia).

Fotografia de Hélder Gonçalves