sábado, outubro 21

Tempos cinzentos - novos tempos

A faceta politica do pós 15 de outubro. Algumas notas acerca de acontecimento que estão em marcha. O sistema - chamemos-lhe assim para facilitar - está desconfortável com o modelo, e natureza, do governo em funções. Tal desconforto mais se acentuou ao longo dos dois últimos anos com os resultados positivos da economia que se podem sintetizar pela trilogia: mais crescimento- menos deficit- mais emprego. Acrescem os generalizados elogios de todas as entidades internacionais com responsabilidade no resgate de 2011.A imagem de Portugal mudou para positivo através da contribuição de muitos fatores que não cabe aqui descrever.
A crise politica, pelo contrário, instalou-se, sem desprimor pelo respetivo eleitorado e muitos dirigentes, no espetro politico partidário da direita. O jogo politico como que inverteu as lógicas arreigadas pela tradição politica portuguesa. A esquerda alcançou sucesso na consolidação orçamental, criando emprego e repondo rendimentos do trabalho, e a direita recuou para a defensiva a tal ponto que a levou a uma mudança de liderança no PSD, a uma ofensiva politica sem base social de apoio pelo CDS/PP e a um reposicionamento do PR reforçando o seu protorganismo, nos limites dos poderes presidenciais que lhe são atribuídos pela Constituição.
O movimento que está em curso destina-se a testar a capacidade da aliança de esquerda (a designada gerigonça)de manter os acordos que viabilizaram o governo socialista antecipando a disputa eleitoral de 2019 ou, quiçá, antecipando essa mesma disputa a partir do momento em que o PSD resolva a questão da liderança. Entretanto emerge o seu afã em derrubar o governo. O sistema não suporta o 1º ministro, ainda menos o ministro das finanças, ainda muito menos os apoios do PCP e do BE. Tudo no seu conjunto contribui para que este governo não seja sensível - esteja mesmo blindado - a determinados negócios sem os quais o sistema não respira e pode mesmo não sobreviver apesar da sua inesgotável capacidade de se renovar.
Como poderá a esquerda responder sem cedências aos acontecimentos negativos que estimulam o populismo (incêndios, encenações como a do roubo de armas em Tancos e outros que podem seguir-se), prestigiando-se perante os seus parceiros internacionais e respondendo de forma positiva às aspirações do maior número dos cidadãos portugueses. Esta solução politica terá que se transfigurar nos próximos tempos. Será possível aquele golpe de asa que, de quando em vez, a politica carece para manter o seu fascínio e mais do que isso defender a liberdade e a democracia dos seus inimigos que se encobrem nas brumas do sistema .

DIAS CINZENTOS

Quando escrevi o último post acerca dos incêndios no passado fim de semana não conhecia ainda a extensão da devastação. Não se pode verbalizar em meia dúzia de linhas os sentimentos que sinto tal como a comunidade sente. Mas quero deixar duas ou três palavras acerca das consequências. O governo pode ter subavaliado os sinais que preanunciavam em outubro condições propicias ao deflagrar de novos incêndios. As métricas adotadas, por tradição, para definir a alocação dos meios de combate aos incêndios (e outros acontecimentos que ponham em causa a segurança do país e das comunidades) estão obsoletas pois, na verdade, atendendo às ameaças do nosso tempo, o alerta deverá ser elevado em todos os meses do ano. Espero que o governo não enverede por uma politica de profissionalização pura e dura dos corpos de bombeiros descartando o voluntariado. Será necessário encontrar os equilíbrios necessários e não cometer os mesmos erros do passado quando, quanto a mim mal, foi suprimido o serviço militar obrigatório não tendo sido criado sequer um serviço cívico voluntário ao contrário de muitos países da UE. Não cair na tentação de antagonizar a atuação do PR mesmo quando de forma direta, aberta e publica, critica o governo. Até mais ver o PR mantém, no essencial, uma postura ativa de magistratura de influência e de proximidade com os portugueses e as comunidades (um estilo novo face à habitual postura de anteriores presidentes)o que, a meu ver, é uma vantagem para todos mesmo que, por vezes, possa ser desconfortável para os decisores políticos que atuam sob fortes e diversas pressões. E por fim por razões que se prendem com o meu mester atual é necessário que o estado, a todos níveis, valorize a economia social, ou seja, as mais de 60 000 entidades que cumprindo as mais diversas tarefas e funções, da atividade económica à ação social, estão mais próximas (tal como as autarquias) das comunidades e dos cidadãos. Estes dias cinzentos passarão mas a reconstrução não pode correr o risco de reproduzir os erros do passado.

domingo, outubro 15

INCÊNDIOS

Quando se lançam chispas sobre o governo com base no relatório da Comissão Independente acerca do incêndio de Pedrógão, e suas trágicas consequências, emerge o pior dia do ano em nº de incêndios, hoje, 15 de outubro. Quatro meses passados sobre Pedrógão nova vaga de incêndios, certamente, com origens semelhantes. O mesmo fenómeno está, ao mesmo tempo, a acontecer na Galiza igualmente com mortos. Parece ser uma péssima ideia politizar a questão dos incêndios sob pena de nunca mais ser possível atacar as suas verdadeiras causas.
Fotografia de Hélder Gonçalves

segunda-feira, outubro 9

CATALUNHA

Catalunha/Sem incursões analíticas, para as quais não estou especialmente habilitado, sinto no ar a ameaça dos excessos nacionalistas. De um e outro lado faz-se ouvir o tilintar das espadas, sob a forma de ameaças não veladas, perante uma Europa pejada de nacionalismos silentes. A Espanha, na sua configuração atual, é a 3ª ou 4ª potência económica da UE. Pouco interessa ao caso quando a questão é politica. E de politica a Europa é manejada, na sua maioria, por inaptos, vazios de alma e de rasgo. Pela concórdia e a paz, sempre!

domingo, outubro 8

Os últimos revolucionários

Neste vil mundo que nos coube em sorte
por culpa dos avós e de nós mesmos
tão ocupados em desculpas de salvá-lo,
há uma diferença de revoluções.
Alguns sofrem do estômago, escrevem versos,
outros reúnem-se à semana discutindo
o evangelho da semana; outros agitam-se
na paz da consciência que adquirem
como agitar-se em benefícios e protestos;
outros param com as costas na cadeia
para que haja protestos. Há também
revoluções, umas a sério, que se acabam
em compromissos, e outras a fingir,
que não acabam nem começam. Mas são raros
os que não morrem de úlcera ou de pancada a mais,
e contra quem agências e computadores
se mobilizam de sabê-los numa selva
tentando que os campónios se revoltem.
Mas os campónios não revoltam. E eles
são caçados, fusilados, retratados
em forma de cadáver semi-nu,
a quem cortam depois cabeça, mãos,
ou dedos só (numa ânsia de castrá-los
mesmo depois de mortos), e o comércio
transforma-os logo num cartaz romântico
para quarto de jovens que ainda sonhem
com rebeldias antes de empregarem-se
no assassinar pontual da sua humanidade
e da dos outros, dia a dia, ao mês,
com seguro social e descontando
para a reforma na velhice idiota.
Ó mundo pulha e pilha que de mortos vive!

24/11/1971

Jorge de Sena, In “Poesia III” – “Exorcismos” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba.

(A propósito do 50º aniversário do assassinato de Che Guavera. Jorge de Sena escreveu ainda, pouco antes de morrer, uma nota publicada na última edição de Poesia III: “Este poema, escrito nos fins de 1971, como vai indicado, havia sido solicitado contributo meu para uma plaquete de homenagem a Che Guevara, que se não estou em erro, a polícia então suprimiu e que Egito Gonçalves organizara. Como outros igualmente violentos, “passou” nestes Exorcismos de que, a mais de que um título, é parte." )

“Che Guevara” – Alberto Korda, Março/1960

CONJUNTURAS

Quase todas as manchetes e aberturas de telejornal estão a ser preenchidas pela Catalunha. Já não os incêndios que voltaram em força, nem sequer a sucessão de Passos Coelho na liderança do PSD. Assim parece-me razoável. Mas esperem pelos próximos desenvolvimentos do processo Sócrates para ser-mos soterrados - quantos meses? - por uma única notícia quase sem variantes... Curiosamente em simultâneo com um período de vazio na liderança a que se seguirá a iniciação de uma nova, no PSD... Aguentemo-nos no balanço!

quinta-feira, outubro 5

5 de outubro de 1910


Às 8,30 da manhã passava pela Rua do Ouro, em triunfo, a artilharia, que era delirantemente ovacionada pelo povo.

As ruas acham-se repletas de gente, que se abraça. O júbilo é indescritível!

A essa hora, no Castelo de S. Jorge, que tinha a bandeira azul e branca, foi içada a bandeira republicana.

O povo dirigiu-se para a Câmara Municipal, dando muitos vivas à REPÚBLICA, içando também a bandeira republicana.

(…)

Vê-se muita gente no castelo de S. Jorge acenando com lenços para o povo que anda na baixa. Os membros do directório foram às 8,40 para a Câmara Municipal, onde proclamaram a República com as aclamações entusiásticas do povo.

O governo provisório consta será assim constituído: presidente, Teófilo Braga; interior, António José de Almeida; guerra, Coronel Barreto; marinha, Azevedo Gomes; obras públicas, António Luís Gomes, fazenda, Basílio Telles; justiça, Afonso Costa; estrangeiros, Bernardino Machado.

Governador Civil, Eusébio Leão.

Em quase todos os edifícios públicos estão tremulando bandeiras republicanas. A polícia faz causa comum com o povo, que percorre as ruas conduzindo bandeiras e dando vivas à República.

(Transcrito de O Século, quarta feira, 5 de Outubro de 1910, publicação de última hora.)

Raúl Brandão, in Memórias “O meu diário” – Volume II

Perspectivas & Realidades

segunda-feira, outubro 2

DEPOIS DE ELEIÇÕES

Os resultados das eleições têm a enorme virtualidade de confirmar a evolução da vontade do maior número. Com os estudos de opinião, as sondagens, antecipa-se o sentido dessa vontade. Os resultados das autárquicas realizadas ontem não foram surpreendentes, confirmaram uma tendência. As surpresas podem surgir nos momentos seguintes resultantes das decisões dos diretórios políticos face aos resultados. Se todos os diretórios decidirem com racionalidade as surpresas deverão ser de pouca monta. O povo falou nas urnas, aguardemos, serenamente, o resultado dos debates e reflexões dos diretórios.
Fotografia de Hélder Gonçalves