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quarta-feira, abril 25

Fiesole

Posted by PicasaInTraços e Coresatravés daLinha de Cabotagem

Lendo os anexos de “Camus et l’homme sans Dieu” reencontro as notas de viagem de Camus a Florença em Setembro de 1937. Reparo nas notas da Helena. Não resisto.

“As rosas retardatárias de Santa Maria Novella e as mulheres, neste domingo de manhã em Florença. Os seios libertos, os olhos e os lábios que vos fazem bater o coração, a boca seca e um calor nos rins.”*

Curiosamente com o mesmo título que Helena apõe nas suas notas de viagem, pode ler-se nos “Carnets I” de Camus um longo escrito de que transcrevo alguns excertos:

“Fiesole
Leva-se uma vida difícil de viver. Nem sempre se consegue adaptar os actos à visão que se tem das coisas. (…) Milhares de olhos contemplaram esta paisagem e para mim ela é como o primeiro sorriso do mundo.* Põe-me fora de mim, no sentido profundo da palavra.
(…)
Este mundo aniquila-me. Leva-me até ao fim. Nega-me sem cólera. E eu, aquiescente e vencido, encaminho-me para uma sabedoria onde já tudo está conquistado – se as lágrimas não me subissem aos olhos e se este enorme soluço de poesia que me enche o coração não me fizesse esquecer a verdade do mundo.”

“13 de Set. (1937)
O aroma do loureiro que se encontra em Fiesole à esquina de cada rua.

15 de Set.(1937)
No claustro de São Francisco em Fiesole, um pequeno pátio rodeado de arcadas, coberto de flores vermelhas * de sol e de abelhas amarelas e pretas. (…) Estou sentado no chão e penso naqueles franciscanos cujas celas vi há pouco, dos quais vejo agora as inspirações, e sinto que, se eles têm razão, é comigo que eles têm razão. Atrás do muro a que me apoio, sei que há a colina que desce para a cidade e essa dádiva de Florença inteira com os seus ciprestes. Mas esse esplendor do mundo é como a justificação destes homens. Ponho todo o meu orgulho em acreditar que ela é também a minha e a de todos os homens da minha raça – que sabem que uma extrema pobreza se aproxima sempre do luxo e da riqueza do mundo. Se eles se despojam, é para uma vida maior (e não para uma outra vida). É o único sentido que consigo extrair da palavra “miséria”. “Estar nu” contém sempre um sentido de liberdade física e essa harmonia da mão e das flores, esse acordo aproximado da terra e do homem liberto do humano., ah, converter-me-ia de boa vontade se ela não fosse já a minha religião.
(…)
Esta presença de mim próprio em mim próprio, esforço-me por a conduzir até ao fim, por a conservar diante de todos os rostos da minha vida – mesmo ao preço da solidão que agora sei tão difícil de suportar. Não ceder: aí está o essencial. Não consentir, não trair. Toda a minha violência me auxilia e no ponto a que ela me leva o meu amor vai ter comigo e, com ele, a furiosa paixão de viver que dá sentido aos meus dias.
(…)
Ir até ao fim, é saber guardar o seu segredo. Sofri por estar só, mas por guardar o meu segredo venci o sofrimento de estar só. E hoje não conheço maior glória que viver só e ignorado. Escrever, minha profunda alegria!
(…)
E os mesmos homens que, em San Francesco, vivem diante das flores vermelhas, têm nas suas celas o crânio do morto que lhes alimenta as meditações, Florença na janela e a morte em cima da mesa.
(…)
Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão. Hoje não é como uma paragem entre sim e não. Mas ele é sim e é não. Não e revolta perante tudo o que não é o sol e as lágrimas. Sim à minha vida de que sinto pela primeira vez a promessa próxima. Um ano intenso e desordenado que termina e a Itália; a incerteza do futuro, mas a liberdade absoluta em relação ao passado e a mim próprio. Está nisso a minha pobreza e a minha única riqueza. É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”

[Estas são algumas das páginas mais significativas e pujantes saídas da pena de Camus e que definem o sentido do seu pensamento e da sua obra. Inspiradoras para quem quiser e puder compreender o seu significado, hoje, agora, aqui, num dia assim!]
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*”Noces, p. 81, 88/89 e 82 a 85 (ed. 1950)
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sábado, abril 21

UM MUNDO SEM DEUS MAS NÃO SEM SAGRADO

Posted by Picasa“Camus et l’homme sans Dieu”

Acabada a leitura de “Camus et l’homme sans Dieu”, de Arnaud Corbic, algumas notas tomadas a partir do seu último capítulo: “Conclusão” subtitulado, significativamente, “Um mundo sem Deus mas não sem sagrado”. *

A obra de Camus lança os fundamentos de uma filosofia do homem sem Deus numa tripla perspectiva: uma maneira de conceber o mundo (o absurdo); uma maneira de existir (a revolta); uma maneira de estar na vida (o amor).

O sentimento do absurdo orienta Camus para a descoberta dum valor – a revolta. Este valor não se situa nem na eternidade religiosa, nem na sua substituição laica, a história, mas, de forma muito cartesiana, no “provisório” que envolve toda a vida do homem e que, por esse facto, representa para ele o “definitivo”.

O projecto de Camus não é somente o de lançar os fundamentos de uma sabedoria de tipo existencial acerca da compreensão individual da revolta mas, de forma mais alargada, de uma sabedoria social e política a partir da compreensão histórica dessa revolta.

Esta passagem da revolta solitária contra o absurdo à revolta solidária contra o mal da história efectua-se pondo em evidência um novo cogito: “Revolto-me, logo somos”.

Em Camus a revolta, no início e no fim, está ligada ao amor. Não é pelo facto da existência ser um absurdo que o homem revoltado deve sucumbir à tentação de tudo negar. É preciso, incondicionalmente, preservar o valor da vida e do humano na sua tripla dimensão, ao mesmo tempo, existencial e individual, histórica e comunitária, mas também, cósmica, negando o que oprime o homem (o absurdo, o mal). Camus tem uma percepção física e metafísica da dignidade humana.

Identificar o inumano (o absurdo, o niilismo, o ressentimento, o mal), fundar o humano (a revolta, o amor), lançar os fundamentos de uma filosofia do homem sem Deus foi a tentativa filosófica e literária de Camus.

Propor uma sabedoria inédita, ao mesmo tempo, individual, colectiva e cósmica contra tudo o que nega o homem, o mutila e tende a destruí-lo é o fio condutor de toda a sua obra.

Os fundamentos desta filosofia do homem sem Deus são a revolta-e-o-amor. Ou ainda, com André Conte-Sponville, o absurdo-a revolta-o amor: 1) o não do mundo ao homem (o absurdo); 2) o não do homem ao mundo (a revolta); 3) o sim originário e último à vida, aos seres, à terra que os dois nãos, com o consentimento subjacente, assumem (o amor).

“Pessimista quanto ao destino humano – afirmava Camus – eu sou optimista quanto ao homem. E não em nome de um humanismo que sempre me pareceu limitado, mas em nome de uma ignorância que tenta não negar nada.”

Em 1957, nas vésperas de lhe ser atribuído o Nobel, ele declarou:

“ao descer de um comboio, um jornalista perguntou-me se me ia converter. Respondi: não. Nada mais que a palavra: não …Tenho consciência do sagrado, do mistério que há no homem e não vejo razões para não confessar a emoção que sinto perante Cristo e os seus ensinamentos. Receio, infelizmente, que em certos meios, em particular, na Europa, a confissão de uma ignorância ou a confissão de um limite ao conhecimento do homem, o respeito pelo sagrado, surjam como fraquezas. Mas se são fraquezas, assumo-as com força …”

[* A partir dos meus sublinhados no último capítulo da obra em referência traduzidos, livremente, do francês. Fiquei a saber, a propósito da nota biográfica que integra a obra que a biografia recomendada é aquela que me tem servido de referência – a de autoria de Olivier Todd: “Albert Camus, une vie”, Paris, Gallimard, 1996. ]
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segunda-feira, abril 16

DEFINIÇÃO DO CORPUS CAMUSIANO

Posted by PicasaFotografia, sem identificação da fonte, que me foi enviada pela Isabel Ramos e, vá lá saber-se porquê, inspirou este post.

Camus publicou em vida dezanove obras, de 1937 a 1959, entre as quais se destacam os romances (“L’Étranger” em 1942, “La Peste” em 1947), as novelas (“La Chute” em 1956, “L’Exil et le Royaume” em 1957) as peças de teatro (“Caligula” e “Le Malentendu" em 1944, “L’État de siège" em 1948, “Les Justes” em 1950), e os ensaios (“L’Envers et l’Endroit" em 1937, “Noces” em 1939, “Le Mythe de Sisyphe” em 1942, “Les lettres à un ami allemand” em 1945, “L´Homme révolté” em 1951 e”LÊté” em 1954). É necessário anda juntar três recolhas de ensaios políticos (“Les Actuelles”), “Les deux Discours de Suède” (pronunciados aquando da atribuição do Nobel) e a contribuição para a obra de Arthur Koestler intitulada “Réflexions sur la peine capitale”.

Outras obras foram editadas após a sua morte entre as quais se contam o “diário” dos seus pensamentos e leituras, assim como notas de trabalho, publicado sob o título “Carnets”; o diploma de estudos superiores de 1936: “Métaphysique chrétienne et néoplatonisme”, publicado pela “La Pléiade”; o romance inédito, “La Morte heureuse”, cuja redacção data de 1937; o manuscrito inacabado, encontrado na pasta de Camus depois do acidente de viação que o vitimou:“Le Premier Homme”, esboço do que viria a tornar-se o seu grande romance quasi autobiográfico e ainda a sua correspondência com o amigo Jean Grenier.

(Ao correr da leitura de “Camus et l’homme sans Diex”, de Arnaud Corbic, em vias de conclusão, aproveito para identificar o essencial da bibliografia da Camus. O campo das obras sobre as quais o autor do ensaio, em referência, concentrou a sua atenção circunscreveu-se, no entanto, aos dois ensaios mais explicitamente filosóficos de Camus, “Le Mythe de Sisyphe”, consagrado ao absurdo, e “L’Homme révolté”, consagrado à revolta, além das obras mais literárias tais como “Noces”, "La Peste”, “La Chute”, o importante prefácio à reedição de “L’envers et l’Endroit”, “Le Premier Homme" e “Les Carnets”).
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sábado, abril 14

"SER UM HOMEM."

Posted by PicasaAlbert Camus

Para o que me havia de dar a auto notícia da doença de Lobo Antunes e as análises de rotina que ando a fazer! Para insistir no tema da oposição entre “ser um santo sem Deus” e “ ser um homem” que Albert Camus – há quanto tempo não o cito aqui? – assume neste diálogo de “A Peste”:

- Em suma – disse Tarrou com simplicidade –, o que me interessa é saber como se pode ser santo.
- Mas você não acredita em Deus.
- Justamente. Pode ser-se santo sem Deus? Eis o único problema que hoje me preocupa. (…)
- Talvez – respondeu o médico –, mas, sabe eu sinto mais solidariedade com os vencidos que com os santos. Creio que não tenho gosto pelo heroísmo e pela santidade. O que me interessa é ser um homem.


O que interessa Camus, tomando o doutor Rieux como seu porta palavra, é “ser um homem” e, através da figura emblemática do “médico” – ser “um homem solidário.”

[Ao correr da leitura de “Camus et l’homme sans Dieu” de Arnaud Corbic.]
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sábado, março 10

LEITURAS

Posted by Picasa“O Primeiro Homem”

Por estes dias conclui a releitura de “O Primeiro Homem”, obra póstuma de Albert Camus, cujo manuscrito foi encontrado ao lado do corpo aquando da sua morte num acidente de automóvel.

O Primeiro Homem” é a única obra de Camus com um cariz marcadamente autobiográfico e esta nova leitura, na tradução portuguesa, fez-me provar o gosto da transfiguração. Como se fosse a primeira vez que a tivesse lido, ou fosse uma outra obra ou, porventura, um outro leitor.

Com muitas outras leituras de permeio a releitura de uma obra é, afinal, uma leitura inaugural. É muito interessante sentir esta transfiguração do entendimento de uma obra a cada nova leitura.

Desta vez fui capaz de reconhecer, quase ao detalhe, os meandros da vida que respira por detrás das palavras.
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quarta-feira, março 7

PENA DE MORTE

Posted by PicasaPaula RegoPieta, 2002

Todas as pessoas têm uma vida para viver e não merecem, seja qual for a sua atitude perante ela, que lha tirem. Seja qual for o seu comportamento social cada um merece que a sociedade lhe reconheça a inocência antes que se prove, com o máximo de prudência, a culpa.

Todos os seres humanos merecem a vida mesmo que, nos limites do desespero ou do ódio, a não respeitem. Os julgamentos na praça pública, antes circunscritos ao diz que se disse na rua, no bairro ou no trabalho são hoje, impune e sistematicamente, executados pela comunicação social tornando-se na maior vergonha da nossa vida pública dita civilizada.

A pena de morte foi abolida em muitos países, e no nosso em primeiro lugar, mas subsiste um extraordinário sucedâneo da pena capital, aplicada com crueldade e cinismo, a notícia assassina que uma vez proclamada, e repetida à saciedade, visando eliminar alguém, permite a sobrevivência do corpo mas mata a liberdade do espírito. Lembrei-me, vezes sem conta, por estes dias, desta realidade macabra a propósito dos chamados processos judiciais mediáticos.

Escrevo a propósito do que diz CATATAU e acrescento, alargando ao universo das condenações mediáticas do nosso tempo, o que Camus escreveu, no seu tempo, acerca da pena de morte nas “Reflexões acerca da Guilhotina”: “Il éclate au contraire qu’elle [la peine de mort] n’est pas moins révoltante que le crime, et que ce nouveau meurtre, loin de réparer l’offense faite au corps social, ajoute une nouvelle souillure à la première […]

Nos nossos dias as notícias publicadas que insinuam ou acusam de criminoso alguém antes de qualquer acto probatório da justiça formal são, mais do que calúnias, novas formas de pena de morte que os cidadãos livres devem combater por todos os meios e com todas as suas forças.
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sábado, fevereiro 24

CAMUS - LEITURAS

Posted by PicasaO Primeiro Homem

Por estes dias conclui a releitura de “O Primeiro Homem”, obra póstuma de Camus, a única que escreveu de cariz marcadamente autobiográfico, e provei o gosto da transfiguração.

Com muitas outras leituras de permeio a releitura de uma obra é, afinal, como se fosse uma leitura inaugural. É muito interessante sentir o que designo por transfiguração do entendimento da leitura.

Apesar de se tratar do mesmo texto a última leitura é sentida como substancialmente diferente das anteriores. Desta vez fui capaz de reconhecer, quase ao detalhe, os meandros vida que respira por detrás das palavras.
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domingo, abril 4

Citação

"Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal!"

Albert Camus

sábado, março 20

Setembro de 1941

Albert Camus escreveu no seu Caderno, em Setembro de 1941, uma frase cheia de actualidade:

"Organiza-se tudo: É simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos"

"In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942"

sexta-feira, março 19

19 de Março de 1941

Neste dia Albert Camus escreveu no seu Caderno esta frase primaveril:

"Em cada ano, o florir das raparigas sobre as praias. Elas só têm uma estação. No ano seguinte, são substituídas por outros rostos de flores que, na estação maior, ainda eram garotas. Para o homem que as contempla, são vagas anuais cujo peso e esplendor se derrama sobre a areia amarela."

"In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942"

quinta-feira, março 18

18 de Março de 1941

Neste dia Albert Camus escreveu, em plena 2ª Guerra Mundial, no seu Caderno: "Os montes por cima de Argel trasbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples - e o absurdo de abandonar tudo isto.

"Santa Cruz e a subida através dos pinheiros. O alargamento contínuo do golfo até ao alto de onde a vista se perde sobre uma imensidade. Indiferença - e eu também tenho as minhas peregrinações."

In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942

segunda-feira, fevereiro 9

(Dos mentirosos)


"E não há nada onde a força de um cavalo melhor se conheça do que ao fazer uma paragem súbita."
Camus, ainda a propósito das justificações para a guerra no Iraque.

quinta-feira, janeiro 15

Os Cadernos de Camus


A propósito das reflexões de JPP no abrupto acerca dos Cadernos de Camus (um blog avant la lettre) direi que sempre me interessou muito este tipo de literatura composta por um discurso fragmentado. A primeira referência escrita da minha leitura dos Cadernos de Camus data de 1968. Andava pelos meus 21 anos, mas essa leitura iniciou-se, certamente, antes dessa data. Tem algo a ver com o meu interesse, e participação directa, na actividade teatral. Na realidade aquele tipo de literatura está muito próxima do teatro e, em particular, de um certo tipo de cenas de teatro. Veja-se o teatro de Gil Vicente. Aliás Camus envolveu-se muito intensamente na actividade teatral, quer como dramaturgo, quer mesmo como "ajudante" de encenador das suas próprias peças. Lembra-me este tema uma outra leitura muito marcante para mim: "Roland Barthes por Roland Barthes". É sensivelmente o mesmo modelo de discurso fragmentado escrito como "uma espécie de gag, de pastiche de mim mesmo", como refere o autor e é, neste caso, uma obra muito mais recente e escrita num curto período de tempo, entre 6 de Agosto de 1973 e 3 de Setembro de 1974. Lembro-me de como apreciei também este livro mas os Cadernos de Camus são, no seu género, dificilmente igualáveis.

segunda-feira, janeiro 12

LIBERDADE-3


"Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade. A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito. (...)
A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. È poder dar razão ao adversário."
Camus, in Cadernos (na sequência de Liberdade-2)

sábado, janeiro 10

LIBERDADE-2


"Gosto imenso da liberdade. E para todo o intelectual, a liberdade acaba por confundir-se com a liberdade de expressão. Mas compreendo perfeitamente que esta preocupação não está em primeiro lugar para uma grande quantidade de Europeus, porque só a justiça lhes pode dar o mínimo material de que precisamos, e que, com ou sem razão, sacrificariam de bom grado a liberdade a essa justiça elementar.
Sei estas coisas há muito tempo. Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que devemos pensar, neste caso?"
Camus, in Cadernos
Texto escrito entre Setembro e Outubro de 1945.

sexta-feira, janeiro 9

LIBERDADE-1

A ideia dos iluminados parece ser a de banalizar a ideia de que a liberdade é um assunto banal. Esta é uma ideia para levar a sério. Os deputados da maioria asseguram que não pretendem reinstaurar a censura prévia. Obrigado. De facto a censura prévia dá uma trabalheira dos diabos e depois não fica bem na Europa dos 25, não ia cair bem, não sei...mas talvez ainda dê para pensar, é perguntar a opinião do parceiro da coligação. O problema é que a liberdade não é qualquer coisa assim que se possa vender bem, pois... como calcular o seu valor acrescentado ou a sua influência no PIB ou mesmo no PEC ou no déficit...ai a liberdade... é difícil lidar com a liberdade. Não se compra, não se vende, é um bocado imaterial demais a liberdade. Não está tempo para isso de aturar a liberdade. É isso mesmo um aborrecimento, uma seca, uma ideia um bocado vazia...não sei mas apetecia experimentar outro produto que desse mais segurança ao mercado. Ai a liberdade... faz lembrar o 25 de Abril, o dia foi muito animado, no princípio até parecia um golpe dos ultras, mas aquele período a seguir foi uma maçada em particular ter de aturar os esquerdistas do PSD...e o MRPP... ai a liberdade... uma palhaçada, é verdade que os americanos falam disso como princípio sagrado mas pensando bem são um país novo e ultrapassado. Ai a liberdade...os filósofos, os poetas e toda a espécie de iluminados, e mesmo os homens de negócios, antigos e modernizados, falam disso mas é um discurso especializado, sei lá do género, livre de impostos, livre circulação, liberdade de culto, liberdade de imprensa, ir apanhar ar livre... ai a liberdade... Mas os teóricos e os pragmáticos do passado não ouviram da maioria os nossos deputados. Se os ouvissem conheceriam a verdadeira luz da verdade: a liberdade, parece que não, mas pode ser negociada. Façam propostas, mas de frente e de viva voz, alguma coisa que se possa discutir sempre, sempre em liberdade, depois logo se verá o resultado!

quarta-feira, janeiro 7

CITAÇÕES

De facto os blogs são antigos. Sempre apreciei e gostei de ler blogs que, em todos os tempos, assumiram a forma de Cadernos ou Diários. O suporte tecnológico é que mudou. Para aqueles que possam ficar admirados com as citações, que vão surgindo, direi que elas resultam de escolhas que abrangem um universo relativamente restrito de autores que estou sempre a ler. No limite lemos sempre o mesmo texto da mesma forma que escrevemos, quando escrevemos, sempre o mesmo texto. Uma das minhas leituras apaixonadas de juventude incidiu na obra de Albert Camus (1913/1960), em particular, os “Cadernos”, em três volumes, editados, em Portugal, pela Editora “Livros do Brasil”. Não admira o prazer que sinto ao citar este autor. Mas vão surgir outros (poucos).

segunda-feira, janeiro 5

Citação 4

"A reputação. É-nos dada por medíocres e partilhamo-la com medíocres e malandros."
Camus

terça-feira, dezembro 30

Citação 3

"É sempre um grande crime destruir a liberdade de um povo sob o pretexto de que ele a utiliza mal"
Tocqueville