terça-feira, maio 31

Dar força à economia social ─ solidariedade, democracia e socialismo


Fotografia na qual surgem dois destacados militantes do PS oriundos do MES, como eu próprio, desde a sua fundação (Ferro Rodrigues e Joaquim Banha)

Pela primeira vez, desde o momento em que aderi ao Partido Socialista, em 1986, me associo à apresentação de um documento a um Congresso nacional, neste caso ao XXI Congresso que se realiza no próximo fim de semana. Na verdade trata-se de um projeto coletivo cujo principal inspirador foi Rui Namorado ao qual me associei por força das minhas convicções adquiridas, desde há muito, e consolidadas através do meu trabalho profissional na área da economia social. Deixo aqui o texto dessa moção setorial subscrita por um conjunto alargado de socialistas, e de simpatizantes, que têm dedicado grande parte das suas vidas ao pensamento e ação em prol do associativismo livre, do cooperativismo ao mutualismo, da ação social ao desenvolvimento local e regional, em particular, na atividade autárquica. A minha adesão à militância cívica, politica e associativa, como os meus amigos sabem, vem de longa data mas nunca é tarde para a manifestar de forma renovada desde que seja por causas que valham a pena. A economia social, que enraíza no associativismo livre, berço do socialismo democrático, do trabalhismo e da social democracia, é muito mais do que um adorno partidário, no plano programático, contendo em si mesma as sementes de um novo modelo económico-social que está a germinar nas entranhas da crise que atravessa todas as sociedades, em particular, as dos países europeus.

XXI CONGRESSO NACIONAL DO PARTIDO SOCIALISTA

MOÇÃO SETORIAL

Dar força à economia social ─ solidariedade, democracia e socialismo

1. Introdução
2. O PS e a economia social
3. Para uma visão futurante da economia social
4. Alguns vetores estruturantes de uma política de fomento da economia social
5. Para uma política quanto à economia social na Europa e no Mundo
6. Para uma política de fomento da economia social
7. Conclusão

1. Introdução

1.1. A economia social abrange um conjunto de organizações e de
práticas sociais, quase sempre animadas por movimentos sociais
emancipatórios. Baseia-se na cooperação, na reciprocidade e na
solidariedade. É uma resistência à lógica económico-social dominante,
antecipando uma alternativa pós-capitalista.

De um ponto de vista histórico e pela sua dinâmica, a economia
social é uma trave mestra do projeto socialista. Contribui para compensar
os desequilíbrios sociais e as pulsões predatórias que afligem as
sociedades atuais, mas antecipa também um horizonte pós-capitalista.
Responde a problemas do presente, antecipando um futuro desejável e
possível.

É uma instância de transformação social que se guia por princípios
e valores que coincidem, no essencial, com os do socialismo democrático.
De facto, a economia social exprime e acelera a metamorfose exigida pelo
bloqueio que tolhe as sociedades atuais. Por isso, a sua importância é bem
maior do que aquilo que refletem os números que a espelham.
Mas mesmo que fossem apenas esses números a medir a sua
importância mostrariam uma realidade de relevância mundial. Há centenas
de milhões membros dessas organizações que em todo o mundo dão vida
às suas várias famílias; e contam-se por milhões as oportunidades que
suscitam e os postos de trabalho que criam. É enorme a riqueza que
geram. As atmosferas que as rodeiam são focos de irradiação de
solidariedade.

A sua fragilidade enfraquece a democracia; o seu vigor depende do
vigor da democracia. Qualquer estratégia reformista de transformação
social dificilmente se pode afirmar, esquecendo-a.

1. 2. Independentemente da forma jurídica que cada uma das suas
organizações assume, o que identifica a economia social é o primado dos
objetivos sociais sobre a procura do lucro, a sua utilidade social e a
partilha de uma identidade pós-capitalista. Neste sentido, além de uma
galáxia de tipos organizativos, a economia social consubstancia um leque
de movimentos sociais, marcados pela afirmação de uma cidadania
económica e social que completa e aprofunda a cidadania política.
No caso português, a economia social está expressamente
delimitada e caracterizada na Lei de Bases da Economia Social (LBES), a
qual articula os preceitos constitucionais que se ocupam do sector
cooperativo e social com a legislação comum que rege as diversas partes
da economia social. E o sector cooperativo e social consagrado na
Constituição da República (CRP) e que faz parte dela, corresponde quase
por completo ao seu âmbito.
Estamos por isso perante uma noção legalmente fixada e não
perante uma noção difusa que possa variar ao sabor de doutrinas ou de
opiniões.

2. O PS e a economia social

2.1. O PS deve considerar a economia social - uma das raízes
fundadoras do socialismo democrático – como uma das bases da sua
estratégia de promoção do desenvolvimento económico-social do país,
posta em prática através de políticas concretas, consonantes com CRP e a
LBES, e materializadoras de uma verdadeira democracia participativa.
A economia social inscreve-se com naturalidade no horizonte de
esperança do partido socialista. De facto, em regra, as práticas de
economia social antecipam uma sociedade mais justa, livre e humanizada,
o que suscita uma óbvia sinergia com os objetivos últimos do PS.
Por outro lado, a atual conjuntura mostra, de forma vincada, como
não é prudente esquecer que o fomento da economia social deve ser um
elemento fundamental da política de desenvolvimento do nosso país, da
sua sustentabilidade duradoura, bem como da sua qualidade humanista.

2.2. Nessa medida, o PS, em consonância com a sua história, com
o seu posicionamento político e com o seu programa, deve dar
centralidade ao desenvolvimento da economia social. E um dos aspetos
nucleares dessa política é o autárquico, o que implica a valorização dos
processos de desenvolvimento regional e local. Deste modo:

2.2.1. É necessário apoiar, sistematicamente, os militantes e
simpatizantes socialistas, que são protagonistas nas organizações de
economia social.
Por outro lado, o PS deve tornar o fomento da economia social um
elemento central da sua política, quer no plano nacional, quer no plano
regional, quer no plano autárquico, quer mesmo no plano europeu.
2.2.2. Nesta medida, para o PS a economia social tem que ser, muito
mais do que um item programático, um novo território de intervenção
política que se afirme como um dos pilares da sua visão global e como
ilustração prospetiva da sua identidade histórica.
Isto impõe que o PS assuma uma política pública para a economia
social que, respeitando plenamente a sua autonomia, consiga incentivá-la.
Para isso tem que conjugar a ação política do Estado em todos os seus
níveis, com uma intervenção social direta e organizada dos socialistas no
quotidiano da economia social.
2.2.3. Há pois que promover não só o robustecimento estratégico
da sua importância estrutural e prospetiva, mas também a instituição, no
plano partidário, de novas estruturas de intervenção que possibilitem uma
nova maneira de inserir o PS na sociedade.

3. Para uma visão futurante da economia social

3. Sistematizando aspetos essenciais desta visão da economia social,
sublinhem-se algumas ideias básicas que ajudam a clarificar o sentido e a
utilidade das propostas que, de seguida, se apresentam:
3.1. É politicamente regressivo depreciar o potencial reformador
das práticas cooperativas, associativas, mutualistas e solidárias.
3.2. Grande parte das instâncias da economia social
internacionalmente disseminadas são exemplos de uma globalização
emancipatória e solidária.
3.3. As entidades da economia social são pioneiras na valorização,
quer da responsabilidade social das empresas, quer da ação
empresarial em rede.
3.4. Qualquer política de desenvolvimento da economia social tem
que respeitar a história e a autonomia das respetivas organizações.
3.5. Há que refletir nas políticas públicas o facto de a Constituição
consagrar expressamente o princípio da proteção do “sector cooperativo
e social”, encarando-o autonomamente.
3.6. A luta contra o desemprego e contra a exclusão social, baseada
num princípio ativo de protagonismo dos excluídos, recebe da economia
social um contributo decisivo.
3.7. Há uma sinergia forte entre a economia social e o
desenvolvimento regional e local, conducente a um enraizamento
territorial da atividade económica que verdadeiramente a humanize,
potenciando a sua impregnação democrática.

4. Alguns vetores estruturantes de uma política de fomento da
economia social

4. Todas estas ideias devem ser enquadradas por alguns vetores
estruturantes de atuação, destacando-se aqui os que mais têm a ver com
a forte vocação autárquica do Partido Socialista.
4.1. Cabe ao PS valorizar o papel que a economia social
desempenha no desenvolvimento regional e local, estimulando as
sinergias necessárias.
4.2. Deve ser dado um apoio sistemático aos socialistas que se
encontram envolvidos nas entidades deste sector.
4.3. O fomento da economia social, como parte do desenvolvimento
regional e local, deve ser encarado como um elemento importante da
reforma do Estado. Ele deve reforçar o carácter democrático da
descentralização administrativa, contribuindo sustentadamente para
atenuar o desequilíbrio demográfico e económico do país, combatendo
assim o seu despovoamento e o aumento do risco de desertificação.
4.4. Por último, insista-se na ideia de se criar um novo setor de
intervenção sociopolítica do partido, consubstanciado na criação de uma
estrutura nacional temática da economia social, no enquadramento nos
Estatutos do Partido de novas seções, no desenvolvimento de seções já
existentes ou num tipo novo de estruturas.

5. Para uma política quanto à Economia Social na Europa e no
Mundo

5. Inserindo-as na visão do mundo que as ideias acima mencionadas
e os vetores estratégicos que as suportam refletem, podem formular-se
algumas propostas políticas mais específicas, no plano europeu e no
plano mundial:

5.1. O PS deve ter uma política europeia para a economia social.
Destaquem-se três vertentes prioritárias.
5.1.1. A primeira implica a defesa, no quadro da União Europeia, da
consideração político-jurídica autónoma da economia social como um
sector com uma lógica própria, que se distingue, quer do sector público
quer do sector privado, sem prejuízo de uma possível colaboração entre
todos eles, no respeito pelas suas diferenças. Um sector que, desse modo,
não pode ser um mero instrumento de políticas públicas ditadas do seu
exterior, nem um instrumento de simples projeção, enriquecimento e
legitimação ao serviço do sector privado e a reboque da respetiva lógica.
5.1.2. A segunda, essencial, consiste na garantia, institucionalmente
formalizada no quadro da UE, de que cada país pode com plena
legitimidade encarar a economia social de acordo com o perfil e com os
limites que ela assuma dentro da respetiva ordem jurídica.
5.1.3. A terceira, em harmonia com a anterior, implica lutar-se para
que as instâncias da União Europeia reconheçam, com todas as
implicações institucionais, políticas, económicas e sociais, que na ordem
jurídica portuguesa são empresas sociais todas aquelas que estiverem
integradas na economia social (tal como a LBES a define) e só essas.
5.2. É um ponto crucial para o desenvolvimento da economia social
o estabelecimento de relações internacionais sólidas com movimentos
congéneres de outros países, regiões e continentes.
Há pois que apoiar a respetiva participação ativa em todas as
instâncias internacionais da economia social. Nesse quadro, há que
valorizar mais o protagonismo de Portugal na cooperação dentro da
Organização Cooperativista dos Países de Língua Portuguesa (OCPLP),
no plano da economia social.

6. Para uma política de fomento da economia social

6. O PS deve assumir uma política de fomento da economia social
em torno dos seguintes eixos centrais de atuação:
6.1. O primeiro traduz-se num conjunto programas de apoio e
fomento:
6.1.1\. Apoio e fomento através de programas para a criação,
modernização e expansão de cooperativas, associações mutualistas e
outras entidades associativas, bem como de fundações, todas elas
orientadas para a produção de bens e serviços de qualidade;
6.1.2. Criação de um programa plurianual de apoio às organizações
do subsetor solidário da economia social – com base num modelo de
contrato de financiamento, por concurso, integrando uma diferenciação
positiva, em função da quantidade e qualidade dos serviços
contratualizados e efetivamente prestados e da avaliação de resultados,
inserindo-os numa lógica cidadã de transformação social, radicada num
respeito efetivo por todos os direitos humanos, rumo a uma diminuição
sustentada e estrutural da pobreza e das desigualdades sociais;
6.1.3. Fomento da criação de parcerias entre entidades dos setores
público e da economia social, sob a forma de “régie cooperativa”,
(cooperativa de interesse público), tendo em vista a reutilização,
reafectação e rentabilização de equipamentos, podendo, para esse efeito,
recorrer aos recursos financeiros oriundos dos “Fundos Estruturais”;
6.1.4. Lançamento, a nível nacional, em parceria público-social que
envolva todas as estruturas representadas no CNES (Conselho Nacional
para a Economia Social), de um programa de divulgação e promoção
dos valores da cooperação, solidariedade e associativismo, nas suas
diversas formas jurídicas, dirigido aos jovens, em particular, em ambiente
escolar, predominantemente dirigido aos alunos do ensino básico;
6.1.5.Promoção de medidas de diferenciação positiva nos regimes
fiscal e de segurança social, dando resposta, de forma integrada, às
diferentes necessidades de implementação, consolidação e viabilização das
entidades da economia social;
6.1.6.Apoio à valorização e capacitação de militantes, criadores e
empreendedores sociais, de forma a habilitá-los a promoverem projetos
que visem criar novas soluções para os mais relevantes problemas sociais,
com o objetivo de encorajar o surgimento de novas organizações ou novas
iniciativas sociais.

6.2.Um outro eixo da política de desenvolvimento da economia
social que deve ser prosseguida pelo PS é o que envolve a continuação da
reforma legal e institucional da economia social e a sua permanente
reavaliação, à luz da nova política seguida pelo atual Governo, tendo
sempre presente o imperativo de respeito pela Constituição e de
compatibilidade com a LBES. Assim, propõe-se:
6.2.1. A continuação e a reavaliação da reforma da legislação
ordinária do setor da economia social, no quadro da LBES e com pleno
respeito pela Constituição, para serem criadas condições para o
desenvolvimento e modernização das entidades que o integram e para a
expansão das suas atividades;
6.2.2. A promoção da reforma estatutária da CASES, dotando-a
de competências próprias de entidade reguladora do setor da economia
social, considerando o seu perímetro nos termos do previsto no art.º 4.º da
LBES;
6.2.3. A promoção da reforma do estatuto do voluntariado,
respeitando a sua complementaridade em relação ao trabalho assalariado,
de modo a dotá-lo de um enquadramento legal adequado à promoção do
seu crescimento, dada a sua importância na sociedade portuguesa;
6.2.4. Em articulação com as estruturas do sector, instituir estímulos
relevantes à criação entre os jovens de organizações inseridas na
economia social;
6.2.5. Promover sistematicamente a educação e a formação
cooperativa, mutualista e solidária, no plano da educação, quer formal,
quer informal, no quadro de uma valorização geral e estruturante da
economia social.

6.3. Um outro eixo do fomento da economia social a ser assumido
pelo PS é o que visa o apoio e incentivo ao reforço e reforma do
movimento associativo, garantindo-se:
6.3.1. Estímulo e apoio a uma reforma da organização do
movimento associativo, preservando a sua autonomia e independência
face aos poderes públicos, em prol do fortalecimento, e criação, de
organizações associativas de grau superior – Uniões, Federações e
Confederações – reforçando e dignificando a sua presença nas instâncias
de concertação social nacionais e nos fora internacionais;
6.3.2. Reforma do CNES (Conselho Nacional para a Economia
Social), promovendo o seu alargamento a novas entidades representativas
do setor da economia social;
6.3.3. Reformulação do programa de apoio à qualificação
institucional das entidades associativas de nível superior do setor da
economia social, reforçando os recursos que lhe são destinados com
origem nos Fundos Estruturais.

6.4. Como passo relevante, indispensável e urgente, no
desenvolvimento de políticas autárquicas de fomento da economia social,
propõe-se a criação de um Conselho Municipal da Economia Social que
projecte, no plano municipal, aquilo que significa no plano nacional o
Conselho Nacional para a Economia Social. Essa criação deve ser
articulada, no seu desenho e na sua implantação em concreto, com outras
práticas congéneres eventualmente já existentes no plano
autárquico.
6.4.1.Nos municípios liderados pelo PS pode desde já abrir-se
caminho, instituindo como instância política informal um Conselho
Municipal para a Economia Social, enquanto órgão de consulta da
Câmara Municipal.
6.4.2. No mesmo sentido, o PS criará uma Lei-Quadro dos
Conselhos Municipais para a Economia Social, que ficará assim
disponível para ser utilizada pelas câmaras municipais que o queiram
instituir em concreto.
6.4.3. Uma instância deste tipo, necessariamente flexível para poder
ser utilizada pelas autarquias permitindo um reforço do protagonismo das
entidades nela envolvidas, do seu mútuo reconhecimento, acompanhado
por um sentimento de pertença a um mesmo conjunto e por um forte
impulso dirigido à intercooperação. Vai também ficar mais facilitada uma
colaboração sistemática entre o poder autárquico e a economia social,
suscetível de os entrelaçar duravelmente.
6.4.4. Será igualmente desejável que, a partir dos Conselhos
Municipais para a Economia Social, se abra caminho a novas formas de
cooperação e a novas sinergias entre as entidades de economia social
situadas em cada freguesia, potenciando-se até, naturalmente, o
envolvimento das correspondentes entidades autárquicas nesses processos.

6. 5. No âmbito de uma política de desenvolvimento regional e local
fortemente impregnada pela economia social, deverá promover-se politica,
jurídica e institucionalmente uma plena inserção do subsector
comunitário na economia social, com especial relevo para os baldios.
Far-se-á assim uma reavaliação do protagonismo possível das
cooperativas de interesse público nesse novo contexto, quer ao nível
municipal, quer ao nível das freguesias.

6.6. No âmbito da modernização político-jurídica da economia
social, o PS deverá também ocupar-se do subsector autogestionário,
atualizando o seu enquadramento jurídico comum, de modo a criar um
caminho viável de subsistência para as empresas de que os seus titulares
desistirem, pela mão e sob a responsabilidade dos respetivos
trabalhadores.

6.7. No âmbito do subsector cooperativo, deve ser dada
continuidade à reforma jurídica, sem contudo deixar de se reavaliar o
caminho já percorrido, quer no plano jurídico-constitucional, quer no
plano político. Devem ainda ser abertas algumas janelas de renovação, tais
como, a título de exemplos:
6.7.1. Preenchimento da inexplicável lacuna do sistema jurídicocooperativo
português, existente desde a entrada em vigor do Código
Cooperativo em 1980, quanto às cooperativas de crédito. Na verdade, não
foi ainda publicado nenhum diploma legal que regulasse, na sua
globalidade, as cooperativas de crédito, apenas se tendo mantido uma
das suas parcelas, a das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo (CCAM).
A iniciativa a assumir deve ser naturalmente concertada, quer com
as CCAM, quer com outros estabelecimentos bancários que existam no
seio da economia social, nomeadamente com o Montepio.
6.7.2. Na esteira de algumas das propostas políticas atrás feitas,
justifica-se uma reapreciação do diploma legal por que se regem as
cooperativas de interesse público, de modo a ajustá-lo ao acréscimo
qualitativo de protagonismo que se espera deste tipo de entidades.
Na verdade, não deve aqui recear-se a opção por uma atitude
pioneira que, ainda que muito atenta às necessidades e potencialidades das
cooperativas de interesse público já existentes, tenha o rasgo necessário
para dar respostas inovadoras, no plano da cooperação entre o sector
público e o sector cooperativo e social. Por exemplo, poder-se-ia renovar a
abordagem da problemática das empresas de inserção, que tão
promissoras foram, fazendo com que assumissem a forma de cooperativas
de interesse público.
6.7.3. Como resposta inovadora a desafios urgentes, há que apostar
na criação de um novo ramo cooperativo, as cooperativas de mão-de-obra,
instrumento que pode ajudar os trabalhadores a gerir melhor a sua
própria precariedade, o risco de desemprego, aumentando a flexibilidade
da oferta laboral, mas podendo calibrá-la eles próprios, em termos que
maximizem a proteção dos seus direitos. A complexidade e a novidade
desta via impõem uma prévia concertação com o movimento sindical,
indispensável para garantir que o novo ramo se insira na defesa dos
trabalhadores e não na instrumentalização das suas dificuldades.
6.7.4. Numa outra vertente, radicada na educação, seria muito
positivo criar mais um novo ramo cooperativo ou integrar uma vertente
nova num ramo já existente, predominantemente destinado aos alunos dos
primeiros níveis de ensino, o das cooperativas escolares. Assim, seria
gerada um vivência sistemática de cooperação, reciprocidade e
solidariedade, que enriqueceria o processo educativo geral e seria
indiretamente uma educação cooperativa pela prática.
6.7.5. O fomento do cooperativismo agrícola, na atual conjuntura
com especial incidência nas adegas cooperativas, é um estímulo poderoso
do desenvolvimento económico-social de muitos territórios. Merece uma
menção específica. E só pode esgotar todas as suas virtualidades se for
encarado como um aspeto do desenvolvimento rural, como um aspeto
importante do combate ao despovoamento do interior do país e nalguns
casos à sua desertificação.
O estímulo ao cooperativismo agrícola implica um reexame
profundo da fiscalidade que nele incide, bem como das estratégias
implícitas nas políticas públicas que o materializem, sejam elas nacionais
ou europeias. Um reexame que se deve inserir na aposta numa
territorialização conjugada dos protagonismos vividos dentro da economia
social, favorecendo e pressupondo uma intercooperação alargada,
especialmente no que diz respeito à cooperativização da intermediação
económica.
Essa política de fomento deve assumir-se também, nomeadamente,
como procura de novas formas de propriedade e de posse (cooperativas
e sociais), como uma aposta num reforço estrutural do papel nela atribuído
às cooperativas de interesse público (ou régies cooperativas), como
opção por um aprofundamento da natureza e da qualidade da gestão
cooperativa, bem como pela abertura a uma aproximação com as
microempresas em geral, num esforço de complementaridade que as
conjugue sistematicamente com a economia social, no plano local.

6.8. Existiu, ligada ao PS, a Fundação Azedo Gneco, uma
fundação que se ocupava do cooperativismo e do associativismo. Foi
extinta. Pelo papel que a Economia Social tem vindo a conquistar em
Portugal, na Europa e no Mundo, e pelo modo com é urgente que se insira
na vida do PS, compreende-se facilmente a proposta de recuperação da
Fundação Azedo Gneco.
Poderá ser uma fundação autónoma ou a criação de uma seção
autónoma dentro da Fundação Res Publica. Poderá ter a sua sede física
fora de Lisboa. Abrangerá toda a economia social.

6.9. Para que a economia social não continue a ser menosprezada e
incompreendida, com prejuízo para o seu desenvolvimento e para os seus
objetivos, é indispensável encará-la como objeto autónomo de estudo,
investigação e ensino.
Nomeadamente, é urgente autonomizar, nos concursos públicos de
projetos de investigação, uma área da economia social, delimitada e
identificada com base na ordem jurídica portuguesa.

7. Conclusão

Esta moção pretende alertar para a relevância da economia social,
quer como decisiva instância de solidariedade e desenvolvimento, quer
como elemento estruturante do socialismo democrático.
É urgente levar a sério a sua temática. Ignorá-la poderá traduzir-se
num prejuízo para o país, numa renúncia do PS a um maior enraizamento
social e a uma maior robustez política. E para o atual Governo poderá ser
a perda de um importante contributo para a prossecução dos seus objetivos
essenciais, poderá ser a renúncia a um fator estratégico de reforço da
maioria parlamentar que o sustenta.

sábado, maio 28

EUROPA

A Europa, na sua versão UE, estrebucha em suas contradições, exercitando a hegemonia das potências do centro, sem territórios contíguos para conquistar (a Rússia a leste nunca foi conquistável!), e sem exército capaz de qualquer empresa militar de vulto (a Inglaterra debate-se com a opção entre o continente ou o reencontro com sua velha tradição atlântica), centrifugando os países que compõem a sua periferia a sul, paradoxalmente, vizinhos de zonas politicamente destruturadas e socialmente pulverizadas. O centro da Europa (a Alemanha, os países do Benelux, e seus aliados a Norte) parece estar apostada em desguarnecer uma fronteira crucial para o desenvolvimento do seu próprio projeto hegemónico. A Rússia e os USA têm vindo, no plano estratégico, a cercar a Europa e os sistemas de alianças intraeuropeus, de que a UE é o supremo paradigma, oscilam ameaçando ruir. Haverá o "suplemento de alma" capaz de fazer resistir o projeto da UE, com seus princípios democráticos, a todas as ameaças? Ou ainda veremos surgir, como vencedores, os pregadores das vantagens da tirania? Com ou sem guerra? Esperemos pelo referendo no Reino Unido e pelas eleições na América. Logo depois se poderá fazer um balanço realista acerca das perspetivas de futuro.

segunda-feira, maio 23

Festejos futebolisticos

Nos últimos dias têm sido só festas futebolísticas, por entre as sombras de um processo de investigação a viciação de resultados, com receções oficiais e manifestações populares de norte a sul. Quem vence festeja e, como os céticos costumam dizer, o povo esquece as carências e as mágoas. Quem perde aspira à "vingança" na próxima oportunidade. O mais curioso das festas deste ano é a associação presidencial - dos clubes e da república - ao júbilo dos vencedores, em regra, sem uma palavra para os vencidos. Como se também nesta disputa, o fluxo futebolístico não fosse sempre composto por duas partes que se complementam: vencedores e derrotados. Por detrás de todos os contendores, que se digladiam pelos campos de futebol desse pais, existem paixões e imaginários que nem por se tratar de um jogo são menos importantes do que a luta pela dignidade no trabalho, pela defesa da liberdade e pela exaltação da cidadania. Nada contra as festas mas como se escreveu naquela ardósia da gelataria de Almoçageme, de uma familiar de um italiano fugido à ditadura fascista de Mussolini, Paz Respeito Liberdade.

sábado, maio 14

AEROPORTO GENERAL HUMBERTO DELGADO

Amanhã, domingo, o aeroporto da Portela, em Lisboa, vai ser batizado de Aeroporto General Humberto Delgado.

Um ato simbólico que enobrece quem decidiu, o apoia e acompanha. Humberto Delgado (General da Força Aérea) foi o inspirador, e criador, da Força Aérea Portuguesa moderna, assim como da aviação civil (desde a criação da TAP às infraestruturas aeroportuárias). Tendo participado, em jovem, no 28 de maio que derrubou a I República, era temido por Salazar que só andou de avião uma vez - um Lisboa Porto - para nunca mais!, que sempre afastou Delgado do exercício de altos cargos militares a que aspirava. Humberto Delgado era um militar de carreira, exigente, cumpridor e competente. Salazar deu-lhe a missão de negociar com os aliados as bases aéreas dos Açores, e assim foi; nomeou-o para cargos diplomático fora do país, e assim foi; por volta de 1957 desafiado por António Sérgio (ideia partilhada com o capitão Henrique Galvão que estava preso) candidatou-se à presidência da República, e assim foi. As eleições de 58 foram duras e o General afrontou, politica e fisicamente a ditadura, como ninguém antes havia feito, com forte apoio popular, a ditadura tremeu, e ficou conhecido como o General sem medo. Sendo um democrata liberal, desalinhado no plano partidário, ameaçado de prisão, quase sozinho, escapou a todas as perseguições, participou, desde 58, em todas as tentativas de golpe para derrubar a ditadura, até que a ditadura decidiu elimina-lo fisicamente, e assim foi. Em 13 de fevereiro de 1965, atraído a uma cilada, foi assassinado por uma brigada da PIDE, em Espanha junto à raia. Os criminosos, e seus inspiradores, após um julgamento interminável e cheio de peripécias indignas, ficaram impunes. Honra à sua memória.

segunda-feira, maio 9

Agostinho Roseta



Agostinho Roseta morreu no dia 9 de Maio de 1995, na plena pujança das suas faculdades humanas, intelectuais e políticas. A sua morte prematura impediu que tivesse, muito provavelmente, exercido influência ainda mais marcante, a partir de 1995, no movimento sindical, no Partido Socialista e, quiçá, no governo.

Ele foi, no movimento operário e sindical, o activista mais importante do MES associando juventude (ou talvez melhor, jovialidade), capacidade teórica e sentido prático de organização sendo, ao mesmo tempo, persuasivo, sedutor e desprendido do poder.

Falar de pessoas é sempre muito delicado mas não receio cometer qualquer injustiça destacando a influência marcante de Agostinho Roseta na formação pessoal e política de um vasto e influente conjunto de dirigentes políticos e sindicais portugueses.

Lembro-o, além do mais, pela amizade sincera que sempre por ele nutri, aliás, retribuída, e porque foi ele o primeiro, entre todos nós, que mais cedo compreendeu o fracasso do projecto político do MES optando por dedicar as suas imensas capacidades de liderança ao movimento sindical.

O dia da sua morte coincide, ironicamente, com o dia de aniversário de minha mulher a quem pedi para reconstruir a última imagem que dele possuo: uma fotografia de grupo registada, certamente, em 27 de Outubro de 1994 na celebração do 4º aniversário de meu filho.

domingo, maio 1

1º de Maio - o MES saiu à rua

Passaram 42 anos. Hoje. A sigla do MES surgiu pela 1ª vez num pano improvisado, na manifestação do 1º de maio de 1974. Ideia do César de Oliveira, segundo Rosário Belmar da Costa (autora das fotografias).