terça-feira, maio 31

POEMA DUM FUNCIONÁRIO CANSADO


Foto de Fabiola Narváez

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita

estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediàvelmente perdido no meu cansaço

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma só noite comprida
num quarto só.

António Ramos Rosa

Cadernos de Poesia – Fascículo Nove – Segunda Série
Setembro de 1951

(Curiosamente a edição fac-simile da qual foi retirado este celebrado poema de um dos maiores poetas contemporâneo portugueses, por sinal, nado na minha cidade de Faro, reproduz os exemplares dos “Cadernos de Poesia” pertencentes ao poeta Albano Martins autor do poema que, neste blog, antes dei à estampa.)

Frutos


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Quando a amada oferece
o seu corpo, ela sabe
que dos frutos apenas
se colhe o sabor.
É então
que os dedos
separam as películas,
que a lâmina desce e a água
e o fogo se misturam.
E é então que a vida
e a morte convivem
sob o mesmo tecto.

Albano Martins

Escrito a vermelho

segunda-feira, maio 30

Margarida Delgado (3)


v o u
m e r g u l h a r
n o
a z u l . . .

In Sabor a Sal

Deficit, qual deficit? Europa, qual Europa?


«Rolão Preto, ao entrar no Palácio das Exposições, saudado romanamente pelos camisas azuis em guarda de honra». [18 de Fevereiro de 1933, fotografia a preto e branco - Revolução, n.º 292, Lisboa, Portugal - Fotografia publicada no Revolução - Diário Nacional-Sindicalista da Tarde (1932-1933), de segunda-feira, 20 de Fevereiro de 1933.]

O banquete de homenagem a Rolão Preto, de 18 de Fevereiro de 1933, comemorava o primeiro aniversário da publicação do diário Revolução, no início subintitulado Diário Académico Nacionalista da Tarde, cujo primeiro número tinha saído em 15 de Fevereiro de 1932. In “O Portal da História”

As corporações só conhecem a linguagem da força. Não vale a pena escrever lindas palavras em barras de sabão. É preciso esculpi-las no granito afrontando a dureza das pedras endurecidas pelo tempo. Os homens perdem a capacidade de se libertar da servidão quando nela nasceram e foram educados para obedecer. Ou quando já se esqueceram da servidão no que ela tem de mais abjecto. É o caso de Portugal e da maioria das democracias da Europa Ocidental.
O exercício da liberdade não dispensa a inteligência e a emoção de escolher - aceitar ou contestar, falar ou calar - em cada momento e em todo o lugar. O exercício da liberdade é o mais difícil de todos aqueles a que o homem é chamado a responder. Por isso valeu bem o sacrifício de milhões de homens e mulheres em duas guerras sangrentas na Europa em pleno século XX. As vantagens da liberdade são incomensuráveis para a humanidade mas nunca estão definitivamente garantidas. É uma ilusão perigosa pensar o contrário.
Falo a propósito das discussões acerca das medidas do governo socialista para fazer face ao deficit. Deficit, qual deficit? parecem perguntar muitos portugueses, comunistas e não só! Mas caso se não equilibrem as contas públicas ficam abertas as portas aos arautos da “ordem” (que ilustro, numa versão portuguesa de 1933), ou seja, da tirania que, na versão moderna, poderá assumir as mais surpreendentes fórmulas.
Penso nos resultados do referendo em França. Europa, qual Europa? Parecem perguntar as extremas direita e esquerda, parte dos socialistas e parte da direita tradicional francesa! Mas se a Europa não se mantiver unida, no essencial, ficam abertas as portas à guerra. Tirania e guerra marcham sempre a par na história.
As escolhas resultantes do voto popular são para respeitar. Quem, em Portugal, não percebeu que os socialistas são a única força capaz de realizar uma política de salvação nacional, não percebeu nada! Por isso lhe foi outorgada, em eleições livres, uma maioria absoluta.
Quem, na Europa (em França e não só!) não percebeu que o que está em jogo é o enfrentamento com o poder dos EUA (e da China), a nível global, preservando a paz na Europa e o “modelo social europeu”, não percebeu nada! Podem discutir-se os métodos e os ritmos mas o essencial está aí.
Portugal é uma ínfima parcela desta realidade. As corporações, em Portugal, por razões históricas, só conhecem a linguagem da força. Mas os democratas e os amantes da liberdade, dão privilégio à força da inteligência (razão) e da persuasão (diálogo).
Será suficiente? Uma velha conversa porventura mais actual do que muitos possam pensar!

CEREJAS


Do Dias com Árvores

domingo, maio 29

França: Change? Não!


“Foto de António José Alegria, do amistad”

A propósito de uma pequena digressão/pesquisa que fiz, com outra finalidade, fixei a citação que adianto reproduzo.

As primeiras sondagens divulgadas apontam para a vitória do Não no referendo, realizado em França, à chamada “Constituição Europeia”.

Sejam quais forem as consequências políticas imediatas deste resultado é assinalável a participação estimada de 80% do eleitorado francês. Aí está, para os democratas, uma vitória. A vitória da liberdade.

Se o Não ganhou o medo venceu; o nacionalismo venceu; a memória das guerras na Europa perdeu; o proteccionismo venceu; o internacionalismo perdeu; a Europa na disputa com os EUA perdeu; o cepticismo e o pessimismo venceram. Que persista a democracia e a paz que tudo se há-de arranjar!

“O único problema contemporâneo: poderá transformar-se o mundo sem se acreditar no poder absoluto da razão? Apesar das ilusões racionalistas, mesmo marxistas, toda a história do mundo é a história da liberdade. Como poderiam ser determinados os caminhos da liberdade? É decerto falso dizer que o que é determinado, é o que já não vive. Mas só é determinado o que já se viveu. O próprio Deus, se existisse, não poderia modificar o passado. Mas o futuro não lhe pertence nem mais nem menos do que ao homem.”

Camus – Cadernos (Caderno nº5 – Setembro 1945/Abril 1948).

Não, Sim?

Agora mesmo a poucos minutos de se saberem – publicamente - as projecções dos resultados do referendo em França. Ontem o Margens de Erro deixava pairar a dúvida. Não, Sim?

Fifty fifty, finalmente

Dois Livros


Imagem do Pentimento

Abriu a Feira do Livro. Ainda lá não fui. Como alguém diz é um lugar de culto. Sempre lá vou, pelo menos uma vez. É o equivalente às feiras tradicionais da nossa meninice. Escrevo, habitualmente, notas a lápis nos livros que lá compro. Poucos mas bons, para mim. Livros com um significado especial pois ficam colados às diversas fases da minha vida e as datas permitem mais tarde encontrar o seu lugar na memória. Muito mais tarde não interessarão a ninguém. Mas o que interessa isso? Estamos a cuidar simplesmente da liberdade de escolher o que nos dá prazer. De escolher aquilo de que se gosta. Mais nada.

Entretanto comprei dois livros fora da feira onde ainda não fui. Uma pequena traição.

- “Por Amor a Che”, de Ana Menéndez, da Civilização Editora (muito interessante!);

- “Cadernos de Poesia”, de Luís Adriano Carlos e Joana Matos Frias, da “Campo das Letras”.

Este último contém a reprodução fac-similada dos “Cadernos de Poesia” que, logo na introdução, os autores caracterizam através de uma referência a Jorge de Sena que, mais tarde, também viria a fazer parte do grupo: “Em 1958, nas páginas do Diário Popular, Jorge de Sena, traduziu de forma desconcertante o espírito de independência dos Cadernos de Poesia, fundados em 1940 por José Blanc de Portugal, Ruy Cinatti e Tomaz Kim: “aos chamados poetas dos cadernos nada os irmana, absolutamente nada do que habitualmente aglutina um grupo. Tudo os separa”.”

São umas centenas de páginas de poemas (e estudos acerca de poesia) de variados autores, grande parte dos quais desapareceram de circulação, decerto das antologias e, muitas vezes, das publicações dos próprios autores. Publicarei aqui, ao longo do tempo, alguns desses poemas.

Como por exemplo este de Alexandre O´Neill.

A CENTRAL DAS FRASES

Já te disse que são os do primeiro
e afinal não podemos telefonar
ai nem queiras saber o engenheiro
se me dão licença eu vou contar

penses nisso era só o que faltava
não as outras duas é que são as tais
mas o senhor presidente autorizava
na avenida centenas de pardais

de facto muito inteligente
o´ filha por aqui fazes favor
que veio ontem p´ra falar co´a gente
é mesmo lá ao fim do corredor

In “Tempo de Fantasmas” – Cadernos de Poesia
Fascículo Onze * Segunda Série
Novembro de 1951

Fabiola Narváez


Apresentando Fabiola Narváez

sexta-feira, maio 27

DANÇANDO


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Dançando. A imagem faz-me lembrar a dança do debate político, da direita para a esquerda; da esquerda para a direita ... Estive umas horas largas a digerir o conteúdo das medidas anunciadas na 4ª feira passada por José Sócrates.

É sempre necessário conhecer a matéria antes de perorar acerca dela. Não é? Podemos até não ser especialistas mas, caso haja decência e bom senso, dá para perceber de que lado está a razão. Já digeri. As medidas de combate ao deficit apontam para mais longe.

É inevitável, por exemplo, mexer na idade de reforma, no modelo de protecção social da função pública, cortar privilégios da classe política e dirigente de topo ... só para começar! Se queremos manter o essencial do chamado “estado social português” é preciso cuidar de garantir a sua viabilidade.

Uma vez mais têm que ser os socialistas a tomar as medidas difíceis. Já tinha acontecido o mesmo nos anos 80. Com Mário Soares foram tomadas as medidas de austeridade que prepararam a adesão à UE de 1985 e deram de mão beijada o governo a um Cavaco que resmungava contra a própria adesão. Época de vacas magras. Lembram-se?

Depois vieram os fundos comunitários sempre com a direita no governo. Entre 1985 e 1995 o governo foi dirigido por Cavaco. Vacas gordas. A direita parece que, em Portugal, se coloca sempre no lugar dos vícios que atribui à esquerda.

A direita ideológica é um grupúsculo sem expressão política. A direita política é uma excrescência do Estado Novo que, em 30 anos, nunca ganhou autonomia face à direita dos interesses. Em Portugal a direita que manda, que põe e dispõe, no estado ou na sociedade, no governo central ou local, nas corporações ou colectividades, é a direita dos interesses. Para esta direita o Estado é o altar da celebração dos negócios e ... pouco mais. Dançando!

A minha posição é de apoio às medidas do governo. A desenvolver ao longo da próxima semana.

quarta-feira, maio 25

Almocreve das Petas - deficit



A ler os “Ecos do défice ou a moléstia da "coisa””, no Almocreve das Petas, que vale a pena.

MERGULHO


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Escrevo pouco depois do anúncio das medidas de combate ao deficit sem conhecer ainda os seus detalhes. O deficit é, em termos simples, o “gap” entre as despesas e as receitas do Estado. É um clássico das finanças públicas e, em Portugal, um tema antigo.

Em 1928 num célebre discurso de tomada de posse, como ministro das finanças, Salazar já abordava o tema do deficit anunciando, em plena ditadura militar, a ditadura das finanças, prenunciando a ditadura que havia de perdurar até ao 25 de Abril de 74. Salazar dispôs de 46 anos (!) para, em ditadura, consolidar as contas públicas.

Hoje vivemos em democracia integrando o espaço da União Europeia. O anúncio das medidas de combate ao deficit não podem deixar de levar em conta essa realidade e são, aliás, um resultado do cumprimento de regras ditadas por essa mesma UE.

Sócrates dispõe, na prática, de 3 anos para reduzir o défice em 3,83%, ou seja, cerca de 1,27% por ano. É um esforço brutal, mas inevitável, para um país que quer pertencer a uma comunidade de nações democráticas como a UE.

Outra questão é o modo de promover, planear e executar as medidas de redução do deficit, ou seja, a questão política propriamente dita. Aqui é que vale a pena fazer incidir a nossa atenção.
Em democracia os sacrifícios que se pedem aos cidadãos, para serem exequíveis, carecem de ser assumidos pela maioria como necessários e inevitáveis. Todos os que conhecem um pouco de história sabem que é assim.

O Presidente Roosevelt, por exemplo, demorou anos a preparar a opinião pública americana antes de tomar a decisão, que sabia inevitável, de fazer os Estados Unidos entrar na Segunda Guerra Mundial.

Aliás a história da liderança da América por Roosevelt, após 1932 até à sua morte, imagine-se (!) em 1945, é notável.

As decisões que exigem sacrifícios aos povos têm que ser assumidas colectivamente, serem concentradas no tempo, comunicadas de forma determinada e convincente, não perderem de vista a equidade e tocarem a corda sensível de um valor, um pouco em desuso, que se chama patriotismo.

Vamos ver se as políticas que vão ser anunciadas apontarão no caminho certo, ou seja, se os sacrifícios exigidos à comunidade serão assumidos por todos e por todos suportados.

DÉFICIT

Ainda em busca na net de notícias acerca das medidas anunciada pelo PM - que tardam em aparecer mesmo na Lusa - deparo com este extraordinário post no INCURSÕES.

"Seisvirgulaoitentaetrês

Acompanhei esta manhã a visita do Senhor Ministro da Justiça a um dos centros de reeducação de menores, geridos pelo IRS (...não, é o outro, o Instituto de Reinserção Social).

O Centro conta com modelares instalações, nas quais não faltam piscina e picadeiro e estábulo com vários cavalos, para aulas de equitação. Nele trabalham 31 funcionários administrativos, de todas as categorias, desde director e sub-director a tratador de cavalos. Para além destes 31 administrativos, conta ainda com a indispensável colaboração de 9 professores, médico e até um sacerdote, embora estes últimos não trabalhem ali a tempo integral.

Ao todo são mais de 50 (cinquenta) funcionários e prestadores de serviços que, diariamente, ali labutam de forma esforçada, em prol da reinserção social de jovens que, por uma razão ou por outra, se desviaram das normas sociais estabelecidas ou, como dirá o sacerdote, que pecaram.

Um último pormenor: estão internados neste centro 9 (nove) jovens."

terça-feira, maio 24

ANTÓNIO GUTERRES


Escultura no Aeroporto de Faro - Foto de Marg. Ramos

Eh pá! O Guterres já lá vai! para “Alto-comissário da ONU para os refugiados”

Este é o site do ACNUR em português. No site do ACNUR, em inglês, já é dada a notícia da escolha de Guterres. Veja aqui.

Com que então Freitas do Amaral seria um mau Ministro dos Negócios Estrangeiros? Blá, blá, blá ... Então esta não é também uma vitória da diplomacia portuguesa?

HOPPER


Hopper para conhecer o desfio

CHINA BELA


"Blue" Kuang Jian 2000 [Oil on canvas 56" x 42"]

Kuang Jian was born in 1961 in Hefei City, Anhui province. He began studying art privately in 1974 and in 1979 was accepted into the Academy of Arts of the People's Liberation Army, Beijing. Since his graduation in 1983 he has been an art director for the Army Day Movie Studio, Beijing. He was awarded the Bronze prize at the Seventh National Exhibition in 1989 and has participated in shows in Australia, Hong Kong, Taiwan, Japan and Germany. He currently resides in Beijing.

Ver Aqui

(Das andanças de Marg. Ramos pela China)

6,83%

Há muito tempo que existia a convicção de que, em Portugal, o orçamento de estado para 2005 era, de facto, uma fraude. Há muito tempo que algumas pessoas vinham avisando para o embuste da orientação política de Santana Lopes, Paulo Portas e Bagão Félix.

Apuradas as contas, com verdade e competência, pela Comissão Constâncio, ainda sem considerar as autarquias e as regiões autónomas, o deficit apurado, para 2005, atinge 6,83 %. O mais alto de todos os países da UE e mais do dobro daquele que foi apresentado pelo ex-ministro das finanças Bagão Félix.

Talvez agora alguns altos responsáveis políticos, assim como influentes fazedores de opinião, disponham de dados suficientes para avaliar da seriedade e competência políticas de Bagão Félix. E possam compreender o verdadeira alcance de alguns episódios do seu magistério político nos governos que integrou. Ou ainda não é suficiente?

Vejam só esta pequena amostra que o DN hoje apresenta.

“No orçamento apresentado por Bagão Félix faltava dinheiro para pagar salários dos funcionários públicos, pensões dos reformados, subsídios de desemprego, facturas com a saúde...

(…)

Nas pensões, as verbas destinadas aos aumentos anunciados pelo Governo de Santana Lopes não estavam orçamentadas, "em virtude de não ter sido considerada a actualização das pensões", explica o relatório Constâncio.

Veja-se o que se passa nas contas da Segurança Social, onde as receitas e as despesas são irreais. Para pagar reformas e subsídios de desemprego, faltam 598,8 milhões de euros. Ou seja, grosso modo, falta metade da verba anual para pagar aos desempregados.

As receitas da Segurança Social foram de tal maneira empoladas que existe um excedente de 189 milhões de euros, no OE para 2005 e assinado por Bagão Félix. Pois bem, agora a Comissão Constâncio corrigiu, apurando um défice de 598 milhões de euros. Na frente dos cuidados sociais, não é tudo.

Na Caixa Geral de Aposentações (CGA), a segurança social dos funcionários públicos, faltam 228,3 milhões de euros.

(…)

Na Saúde, a hemorragia orçamental é difícil de estancar o défice atinge uma profundidade de 1,772 mil milhões de euros, o suficiente para ordenar a construção de uma outra ponte sobre o Tejo. Bagão Félix tinha previsto um défice de 259,7 milhões de euros, mas agora a Comissão Constâncio refez as contas e apurou que afinal o Governo necessita de mais 1,51 mil milhões de euros.”

segunda-feira, maio 23

CANÇÃO


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Pelos ramos do loureiro
vão duas pombas escuras.
Uma era o sol,
a outra, a lua.
Vizinhas, disse-lhes,
onde está minha sepultura?
Em minha cauda, disse o sol.
Em minha garganta, disse a lua.
E eu que estava caminhando
com terra pela cintura
vi duas águias de mármore
e uma rapariga desnuda.
Uma era a outra
e a rapariga era nenhuma.
Aguiazinhas, disse-lhes,
onde está minha sepultura?
Em minha cauda, disse o sol.
Em minha garganta, disse a lua.
Pelos ramos da cerejeira
vi duas pombas desnudas,
uma era a outra,
e as duas eram nenhuma.

Federico García Lorca

“Primeiras Canções” – 1922

In Obra Poética Completa
Martins Fontes – São Paulo
Tradução de William Agel de Mello

SARDOAL


Sardoal, 2005 Mai 15

Apresentando uma por rolo que vale a pena.

domingo, maio 22

BENFICA E TRAPATTONI

No dia 6 de Julho de 2004 escrevi um post a propósito da contratação de Trapattoni pelo Benfica. Hoje o Benfica sagrou-se campeão nacional de futebol. Para além de todas as razões que no futebol, por vezes, a razão desconhece, esta é uma vitória que se deve, no essencial, ao treinador italiano do Benfica.

"Trapattoni
Digam o que disserem a grande notícia do dia é a contratação de Trapattoni para treinador do Benfica. Por ser o Benfica e por ser Trapattoni. Para quem tenha dúvidas acerca do significado desta contratação para o futebol português e para Portugal leia o artigo "O omnipresente". É um extraordinário texto da jornalista Andreia Schianchi, da "La Gazzeta Dello Sport",
publicado hoje no Público." 6/7/2004

(O link já não "encontra" o texto referido mas nele, de forma brilhante, era descrita a áurea de Trapattoni que prenunciava o seu sucesso em Portugal).

JORGE DE SENA


Jorge de Sena é um dos maiores poetas e escritores da língua portuguesa de todos os tempos. Não há que ter medo das palavras. Sena ombreia com os grandes Luís de Camões e Fernando Pessoa.

Polémico e insubmisso. Exigente com a sua Pátria que nunca renegou. Morreu nos Estados Unidos e lá ficou sepultado. É uma vergonha que, apesar de todas as dificuldades, o Estado português não assegure as condições do seu regresso a Portugal. Todas as diligências deviam ser realizadas para alcançar esse objectivo.

Vejo que o assunto é, mais vez, lembrado aqui.

O Julgamento de Nuremberg


Para encerrar a série de posts acerca do 60º Aniversário do fim da 2ª Guerra Mundial

Les accusés :
Premier rang, de gauche à droite : Hermann Göring , Rudolf Hess , Joachim von Ribbentrop , Wilhelm Keitel , Ernst Kaltenbrunner , Alfred Rosenberg , Hans Frank , Wilhelm Frick , Julius Streicher , Walther Funk , Hjalmar Schacht . Deuxième rang, de gauche à droite : Karl Dönitz , Erich Raeder , Baldur von Schirach , Fritz Sauckel , Alfred Jodl , Franz von Papen , Arthur Seyss-Inquart , Albert Speer , Konstantin van Neurath , Hans Fritzsche .

Ver aqui

sexta-feira, maio 20

O ANJO


Foto de Graça Seligman O Caixote

O anjo que em meu redor passa e me espia
E cruel me combate, nesse dia
Veio sentar-se ao lado do meu leito
E embalou-me, cantando, no seu peito.

Ele que indiferente olha e me escuta
Sofrer, ou que, feroz comigo luta,
Ele que me entregara à solidão,
Poisava a sua mão na minha mão.

E foi como se tudo se extinguisse,
Como se o mundo inteiro se calasse,
E o meu ser liberto enfim florisse,
E um perfeito silêncio me embalasse.

Sophia de Mello Breyner Andresen

In “Dia do Mar” - 1947

Salazar e a Questão das Finanças do Estado


SALAZAR EXPLICA AS CONDIÇÕES DA REFORMA FINANCEIRA. [Discurso proferido na sala do Conselho de Estado, em 27 de Abril de 1928, no acto da posse de Ministro das Finanças, segundo as notas do jornal Novidades.] In "O Portal da História"

O discurso que surge, paradoxalmente, pleno de pontos comuns com os que preenchem a nossa actualidade política e noticiosa, está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR.

Discurso de Salazar no momento de entrar definitivamente para o governo como Ministro das Finanças, lugar que só abandonou em 1940. A sua participação na política tinha sido até aí escassa. Convidado, em 1918, por Sidónio Pais para secretário no Ministério das Finanças, recusara. Em 1921 fora eleito deputado, mas segundo parece só se apresentou no Palácio de São Bento uma única vez. Em 1926 fora escolhido, pela primeira vez, para Ministro das Finanças, mas um desentendimento com o primeiro-ministro da altura fez com que se demitisse.

Salazar foi chamado novamente em 1928, devido ao falhanço das negociações de um empréstimo de 12 milhões de libras, devido à não aceitação pelo governo português das condições draconianas impostas pela Sociedade das Nações para aprovar o empréstimo.

Neste discurso Salazar explicita claramente quais foram as suas exigências para aceitar regressar ao governo, e que não é mais do que a instauração de uma Ditadura das finanças, acabando proferindo a célebre frase: "sei muito bem o que quero e para onde vou."

Em 5 de Julho de 1932 foi nomeado Chefe do Governo, lugar que manteve até 6 de Setembro de 1968.

quinta-feira, maio 19

UM POR TODOS


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Ao JPP

Poeta feito de prótons
de nêutrons e de neutrinos.
Poeta feito de mícrons
de minúsculos,
mas superlativos,
superladino:
tu és pó e escreves menos que pó.
Paulicéia concentrada:
paz na terra aos homens de versos breves.

Felipe Fortuna
(nasceu no Rio de Janeiro -1963)

In Poesia Brasileira do Século XX
Jorge Henrique Bastos
Antígona

À descoberta

Novos links:

Fotograficamente

Pulga

Solidário na Denúncia


"Vergonha (na estrada) nacional (Esta é a doer! E é também a primeira entrada comum a um blog -Dias sem árvores, há muito na forja- que pretende denunciar "casos" destes de todos os pontos do país! Se quiser colaborar é só dizer.)"

Veja a descrição no Dias sem Árvores.

DIA DO MAR NO AR


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Dia do mar no ar, construído
Com sombras de cavalos e de plumas

Dia do mar no meu quarto – cubo
Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam
Entre o animal e a flor como medusas.

Dia do mar no ar, dia alto
Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem
Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.

Sophia de Mello Breyner Andresen

In Coral - 1950

quarta-feira, maio 18

Ganhar ou Perder, Perder ou Ganhar


Final da Taça UEFA: o Sporting acaba de perder por 3-1. Os Russos do CSKA ganharam. Numa final como esta só há dois resultados possíveis. Ganhar ou perder.

O futebol cínico dos russos venceu. O Sporting cometeu, na 2ª parte, alguns erros fatais. A ganhar optou por não defender o resultado. Deixou que o tempo corresse a favor da estratégia dos russos, foi ingénuo e perdeu.

O meu filho ficou triste mas interpretou racionalmente a situação. O Sporting numa semana perdeu a Liga e a taça UEFA. Podia ter sido campeão em tudo e não será campeão de nada. É assim o futebol.

Aqui fica a imagem do seu goleador, Liedson, que hoje ficou em branco. Uma homenagem à qualidade do futebol do Sporting que, afinal, não deu para ganhar nada. As ironias da vida...

SPORTING


Hoje é dia de futebol. Há quem não goste. Mas isso é outra discussão. O meu filho é sócio e adepto do Sporting. Lá vou com ele ao estádio torcer pela conquista de mais uma taça europeia para um clube português. O Sporting bem merece – porque joga muito e bem – ganhar a taça UEFA. Mas, em futebol, como em tantas coisas na vida, não basta merecer ... Depois do jogo falamos.

PRAIA DAS MAÇÃS


Praia das Maçãs. [1918, óleo sobre madeira, 690 x 870 mm, Museu do Chiado, Lisboa - Portugal. Quadro de José Malhoa (1855-1933).] O pintor nasceu em 28 de Abril de 1854. In “O Portal da História”.

A arte, por vezes, retrata o lugar que se reconhece. Eis aqui um desses lugares. As minhas incursões pela poesia têm ganho maior expressão no absorto. É o resultado do meu profundo interesse pelo género e da minha desilusão pela política.

Guardemos o que resta da nossa esperança no futuro do homem pela fruição das artes. É o que me apetece dizer. Não é desprezo o que sinto pelos gestores da “coisa pública” que já fui um deles. É um afastamento tanto maior quanto não lhes encontro o fervor das convicções que pudessem fazer retornar a política ao seu lugar de “fábrica de sonhos”.

Se o político não for capaz de fazer sonhar o povo com o futuro, mesmo que dele não saiba adivinhar as exactas formas, seja pela fé, seja pelas realizações, seja pela pura discussão, não está cumprindo seu ideal. É o sonho que comanda a vida e a política é, somente, o instrumento privilegiado da sua concretização.

"Desconfiai daqueles que vos dizem: nada de discussões políticas que são estéreis; ocupemo-nos só dos melhoramentos materiais do país", dizia Alexandre Herculano.

Quer dizer que pelo pragmatismo, puro e duro, não vamos lá. É esse pragmatismo que antevejo no horizonte, apesar da mudança política. Pragmatismo sem alma que nos anuncia a emergência de um tempo de novas desilusões e desesperanças.

Que não faleça o regime democrático no turbilhão da austeridade que se aproxima é o mais a que posso, de verdade, aspirar. É pouco, convenhamos, para aqueles que, como eu, não aceitam a cultura pós-moderna e a volúpia exibicionista dos seus cultores.

terça-feira, maio 17

MAIS QUE TUDO O MAR


Ilha Deserta, Ria Formosa - Faro (Foto Margarida Ramos)

Mais que tudo o mar
me fala dos homens
de ti,

Meteste o pé na água
molhaste o teu corpo

Mais que tudo o mar
de ti o arrepio a água
gelada,

E o teu olhar aflito me
toma desejado absorto

Mais que tudo o mar
o azul além do tempo
infinito,

O olhar breve fugaz
grita um grito aflito

Mais que tudo amar
Mais que tudo o mar
bendito,

Faro, 14 de Julho de 2004

DIFÍCIL SER FUNCIONÁRIO


João Cabral de Melo Neto

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

O poema acima, escrito em 29-09-1943, revela a decisiva influência de Carlos Drummond de Andrade nas primeiras produções do autor. Inédito, foi extraído dos "Cadernos de Literatura Brasileira", nº. 01, publicado pelo Instituto Moreira Salles em Março de 1996, pág.60.

segunda-feira, maio 16

Margarida Delgado



Conhecer as fotos (e não só) de Margarida Delgado no Sabor a Sal

Parque de Ramalde - Solução à Vista?


O Dias com Árvores volta á questão do Parque de Ramalde. Aqui fica o meu renovado apoio a uma solução que o permita salvar da destruição.

"As últimas notícias nos jornais fazem-nos suspirar de alívio: tudo indica que vai imperar o bom senso e que há intenções sérias de impedir que se "rasgue" o Parque Desportivo do Inatel em Ramalde destruindo a maior parte do equipamento e ocupando um terço da sua área.

Parece que não vai ser necessário ninguém atravessar-se à frente das retroescavadoras (pelo menos é o que se dispunha a fazer uma das moradoras do bairro, segundo me informou o igualmente"activista" marido, e estou convencida que não seria a única."

Notícias:

Preservar o parque do Inatel ;
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E DEPOIS DO ADEUS


“Foto de António José Alegria, do amistad”

A letra da canção "E Depois do Adeus", vencedora do Festival da Canção de 1974, que serviu de senha para o movimento militar do 25 de Abril de 1974 em Portugal. Acabei de a ouvir cantar.

Paulo de Carvalho : E depois do Adeus

Música: José Calvário

Letra: José Niza

Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.

Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar
É ganhar
E perder

Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele
E ao morrer
Renasci

E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós
Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
Tua paz
Que perdi
Minha dor que aprendi
De novo vieste em flor
Te desfolhei...

E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós

domingo, maio 15

REGRESSO/SOFIA LOREN


Recorte de um postal de Agnes Vanda sobre a visita a Portugal de Sofia Loren em 1956. (Margarida Ramos)

Regresso

Hoje andei a visitar os meus mortos
mais antigos mas sempre presentes
e regresso

com a imagem deles presa à cabeça
o meu filho tomou nota dos nomes
e das datas

notou os seus rostos de camponeses
duros e conformados às vicissitudes
da espera

que crescesse a colheita ou morresse
à míngua de água ou de braços que a
tomassem

para si e lhes dessem de comer o pão
sem o qual se desespera ou se morre
enxuto

sempre à espera do tempo que havia
de lhes trazer aquela esperança eterna
já morta

Março de 2005

AS FARPAS


Ramalho Ortigão com a farda de sócio da Academia das Ciências [fotografia a preto e branco, publicada na Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 503, Lisboa, 11 de Outubro de 1915 -Fotografia da Casa Vidal & Fonseca, de A. Vidal e João Fonseca. Ramalho Ortigão nasceu em 24 de Outubro de 1836. In “O Portal da Historia”

Lembro-me, como se fosse hoje, da leitura de largos trechos das “Farpas” pelo Prof. Almodoval, sempre com a sua gabardina com um rasgão “pespontado”, nas aulas do Liceu. Era no tempo das turmas pequenas e dos professores fascinantes. Sempre podem haver professores fascinantes mas na escola elitista o seu peso era maior.
Aquelas leituras das “Farpas” eram uma bênção caída do céu. O tom irónico da crítica social assumia, no tempo da ditadura, uma espessura e intencionalidade política ("não dita") que era corrosiva e apaixonante. Sentia-se a subtil passagem de uma mensagem como que a dizer-nos: “não se deixem amordaçar”, “abram os olhos”, “tomem a realidade pelos cornos” … uma pedagogia da assumpção de uma cidadania antes do tempo da democracia.
Vi um dia o Prof. Almodoval, com um professor de “canto coral”, o Prof. Dores, num jogo de futebol no velho “Estádio Padinha”, em Olhão, e não mais me esqueci do sentimento de estranheza que me tomou acerca da sua presença ali. O que os teria levado ao futebol? Um gosto que eu não era capaz de colar aos seus gostos. Ignorância minha. Nunca conhecemos os homens pelas suas leituras mesmo quando pensamos que os conhecemos.
Desse professor, como de outros que me marcaram profundamente, nunca cheguei, de verdade, a conhecer nada. Somente a antever a sua cultura humanista e o seu prazer, comedido, em passar para os alunos o gosto por aprender, o estímulo à curiosidade e, no fundo, o apelo à insubmissão.
Comprei agora as “Farpas”, na edição preparada pela Filomena Mónica, para oferecer à minha mulher no dia do seu aniversário. Que gozo só de manusear o grosso volume e de sentir a argúcia, a subtileza e a actualidade da fina escrita de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Este menos conhecido e divulgado do que aquele e do qual aqui deixo um retrato e o acesso uma biografia.

sábado, maio 14

Aborto e Hierarquia Católica

A Ler no Prozacland

"Matar uma criança no seio materno é mais violento que matar uma criança de cinco anos".
(Pe. Domingos Oliveira)

"Criar para chegar mais perto dos homens?"


“Foto de António José Alegria, do amistad”

A escola não servia só para aprender as primeiras letras e a tabuada mas, antes de tudo, para nos tornar homens disciplinados, fiéis ao ideal de servir o patrão e a Pátria, a grande patroa de todo a Nação.

A verdadeira sensibilidade formava-se como que num outro lugar: na terra batida das ruas despojadas, na luz reflectida pelas paredes brancas e na imagem e falajar das pessoas sem história que retive na memória e dos íntimos que me marcaram.

Para além do meu irmão Dimas, os meus primos camponeses, mais velhos, Ezequiel, morto prematuramente por uma doença ruim, e o Gervásio, agricultor resistente às adversidades, o Damião, empregado de meu pai, que tanto chorei quando partiu, rumo à Argentina, cumprindo o seu destino de emigrante agora morto também.

Eles foram os verdadeiros lugares da minha infância e o bálsamo para o caminho incerto do meu futuro. Aqui e ali despontava um olhar promissor de mil carícias que se consumavam mas o tempo e a busca do destino separam os homens.

“Criar para chegar mais perto dos homens? Mas se pouco a pouco a criação nos separa de todos e nos empurra para longe sem a sombra de um amor...” (*)

(*) Camus - “Cadernos”

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (10 de 10)

CATEDRAL



Para conhecer a Catedral

França - pode ser que SIM

Referendo para a Constituição Europeia: o SIM ganha terreno

França, Sofres, 10 de Maio (último dia trabalho de campo)

Sim: 52%
Não: 48%

Ver no Margens de Erro

sexta-feira, maio 13

HORTELÃ



Para conhecer a Praça da República

DEFICIT=7%

Duas manchetes uma mesma realidade. “A Capital” antecipa o deficit que a “Comissão Constâncio” apurou. 7%. Em editorial Osório pergunta: “Não há responsabilidade criminal para os 7 por cento?” A resposta, defensiva, ao pré anúncio desta realidade está implícita na manchete exclusiva do “CM”: “Bagão Félix trava negócio da A7 e A11”.

“A Capital”

"Finanças Públicas - O défice real estimado pela Comissão Constâncio para 2005 ultrapassa as previsões do ministro das finanças, Campos e Cunha

Défice chega aos 7 por cento - Sócrates foi informado deste cenário no final da semana passada, tendo marcado uma reunião com o seu núcleo duro para analisar o assunto"

“Correio da Manhã”

"Bagão Félix trava negócio da A7 e A11"

Um santo homem, atento aos negócios de “última hora” do governo Santana Lopes, devoto à causa pública, poupado e seráfico, ministro pelo PP sem ser ministro do PP, político pelo PP sem ser político do PP, independente e indisponível para assumir as responsabilidades políticas.

Um Ministro das Finanças que, ao que parece, deixou um deficit de 7%. Tantas virtudes, para quê? Tudo se resume a ter “travado” o negócio da A7 e A11! É tudo muito evidente: a manchete exclusiva do "CM" tenta “tapar” a notícia dos 7% de deficit e as investigações em curso …

O que se seguirá na ardilosa estratégia, em falência, da direita e extrema direita?

Um Dia Nevou


Havia de fazer frio nalguns meses do ano. Mas desses meses não me lembro a não ser do dia 4 para 5 Fevereiro de 1954 em que nevou. Mas foi um dia excepcional. A memória perdeu esse dia no calendário que recuperei na leitura do “Aprendiz de Feiticeiro”, de Carlos de Oliveira, uns anos depois.

Guardo essa memória como de um dia quente. Somente um pouco menos do que habitualmente. Não sei explicar porquê! As casa eram todas baixas com terraços dos quais se avistavam os quintais e os alegretes das casas vizinhas. Plenas de cheiro a limões e a flor de laranjeira na época do desabrochar da floração. Mesmo nos lugares públicos mais notáveis a cidade guardava espaços abertos ás vistas.

Os pobres ostentavam, desabrigadas, a sua pobreza agreste, por vezes, bela contrariando os critérios dos nossos dias. É certo que a única vantagem daquela pobreza é pertencer ao passado. A sua lembrança não orgulha as suas vitimas: o povo deserdado e carente de todo o conforto.

O que tem a luz desses lugares a ver com a revolta? Nada. Foram simplesmente os lugares dela. O labirinto das ruas ensolaradas era o lugar da libertação e a aspereza da mestre escola o espaço da revolta.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (9 de 10)

quinta-feira, maio 12

Sophia de Mello Breyner Andresen


VI FLORESTAS E DANÇAS E TORMENTOS

Vi florestas e danças e tormentos
Cantavam rouxinóis e uivavam ventos
Nos céus atravessados por cometas.

Vi luz a pique sobre as faces nuas,
Vi olhos que eram como fundas luas
Magnéticas suspensas sobre o mar.

Vi poentes em sangue alucinados
Onde os homens e as sombras se cruzavam
Em gestos desmedidos, mutilados.

Levada por fantásticos caminhos
Atravessei países vacilantes,
E nas encruzilhadas riam anjos
Inconscientes e puros como estrelas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

In “Dia do Mar” – 1947

“Foto de António José Alegria, do amistad”

Roberta Sá


Do Pentimento

Grata surpresa o disco Braseiro, de Roberta Sá. A cantora que, segundo me informaram, participou do programa Fama (sendo eliminada nas primeiras rodadas, tem uma voz suave), afinadinha e agradabilíssima, em alguns momentos chegando a lembrar Marisa Monte. Além disso, seu cd de estréia prima pelo repertório, bastante orgânico e irrepreensível sob o ponto de vista da qualidade. Gravada anteriormente por João Gilberto, a suingada Eu sambo mesmo (Janet de Almeida), que abre o álbum, ganha 'pegada' na gravação da moça. Em Pelas tabelas, do Chico, o registro está no mínimo à altura do feito pelo próprio autor. Merecem destaque também a contundente No braseiro ("Tão vendendo ingresso / pra ver nego / morrer no osso / vou fechar a janela / pra ver se não ouço / a mazela dos outros"), de Pedro Luís; a obra-prima Lavoura ("A tristeza é o grão / A saudade é o chão onde eu planto / Do ventre da solidão / É que nasce o meu pranto"), parceria da Teresa Cristina com o Pedro Amorim que no cd Roberta divide com Ney Matogrosso; a clássica A vizinha do lado ("A vizinha quando passsa / Com seu vestido grená / todo mundo diz que é boa / Mas como a vizinha não há"), de mestre Dorival; e a dolorida Cicatrizes ("Amor que nunca cicatriza / Ao menos ameniza a dor / Que a vida não amenizou"), de Paulinho César Pinheiro e Miltinho.

Trata-se, enfim, de um daqueles raros cds para serem ouvidos do início ao fim - não há nem sequer uma faixa ruim.

Para postar, escolhi a lírica Casa pré-fabricada, canção inspirada de Marcelo Camelo que a cantora gravou com a delicadeza que letra e melodia sugerem...

"Casa pré-fabricada"

Marcelo Camelo

"Abre os teus armários eu estou a te esperar,
Para ver deitar o sol sobre os teus braços, castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar,
E fazer do teu sorriso um abrigo
Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz, tristeza nunca
Mais vale o meu pranto que este canto em solidão,
Nesta espera o mundo gira em linhas tortas
Abre essa janela a Primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota
Canto que é de canto que eu vou chegar,
Canto e toco um tanto que é pra te encantar
Canto para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz, tristeza nunca mais."

(Vamos procurar o CD aqui em Portugal)


Peixes/Fische


Desenho do meu filho na pré-primária (ou no 1º ano?). Peixes. Uma paixão antiga. Os amigos são peixes grandes. Os professores peixes pequenos. Com excepções. A mãe não foi esquecida mas o pai sim. Não tem importância.

Zeichnung meines Sohnes im Kindergarten (oder in der Grundschule?). Fische. Eine alte Leidenschaft. Die Freunde sind groβe Fische, die Lehrer sind kleine Fische – mit einigen Ausnahmen. Auch die Mutter ist hier. Aber nicht der Vater. Macht nichts.

A Morte da Política


A morte de Germânico 1627, [óleo sobre tela, 1480 x 1980 mm Minneapolis Institute of Art, Minneapolis, Estados Unidos da América - Quadro de Nicolas Poussin (1594 -1665 ).] O imperador Calígula, filho de Germânico, foi assassinado em 24 de Janeiro do ano 41 d. C. durante os Jogos Palatinos, após um reino de apenas quatro anos. In "O Portal da História".

A imagem que me ocorreu acerca do declínio da política em Portugal, e em toda a parte, hoje, e em todos os tempos, após as notícias que trazem à liça alguns acontecimentos envolvendo ministros do anterior governo.

Tão avisados que estavam todos. Tantas vezes os mesmos métodos em tudo. As notícias correndo à frente das acusações e os negócios correndo à frente de tudo o resto, ou como diz o anúncio do SKIP, ocupando todas as paredes de Lisboa, “sujar-se é bom!” (?).

O símbolo que esse anúncio ostenta é igual (ou muito parecido) ao dos cartazes de Manuel Maria Carrilho, promovendo a sua candidatura à Presidência da CML, ou é engano meu?

O Branco da Cal


Uma linha recta, sem mais nada, rodeado das paredes brancas das casas - pintadas a cal - e as ruas de terra batida. A minha memória fixou os recantos das ruas e os rostos das pessoas. A rua em que nasci era habitada por muita e diversa gente. Pobres e remediados.

A escola era um lugar de disciplina antes de ser um lugar de aprendizagem. Estávamos na primeira metade da década de 50. Então a revolta tomou um lugar relevante na minha vida.

Não que tivesse sido castigado ou supliciado fisicamente na escola como tantos dos meus colegas. Mas bastava assistir. Fui mandado para casa uma vez por ter sujado as mãos com a tinta azul (um belo colorido) da caneta de aparo que não cuidei de usar com a necessária perícia.

A professora Pessanha não perdoou. Nesse dia senti a humilhação de ter de abandonar a escola fora do horário estabelecido. Nada ficou igual na minha vida a partir desse pequeno incidente.

Fazia calor. E nunca mais deixei de sentir no rosto esse calor do ar e da terra salpicados pela humilhação.

Foi como um rasgo para sempre cravado na minha personalidade aquele dia em que não senti o habitual prazer do regresso a casa a pé.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (8 de 10)

quarta-feira, maio 11

Bocage


Retrato de Bocage ? [1797, óleo sobre tela, 87 x 64 cm - Colecção particular Quadro de Domingos Sequeira (1768-1837), representando, de acordo com uma tradição familiar, o poeta. O que parece pouco verosímil, pois não há notícia que tivesse direito a utilizar a Cruz de Cristo.] Bocage nasceu em 15 de Setembro de 1765. In "O Portal da História".


Soneto

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Em Defesa do Parque de Ramalde


Sei do que fala o Dias com Árvores.

Nos 70 anos de vida do INATEL, a cumprir no próximo dia 13 de Junho, 10% foram dirigidos por uma equipa a que eu próprio presidi. (1996/2003).

Em qualquer projecto –por mais ousado que seja - nunca se conclui tudo o que se projecta realizar. Em regra adoptei três princípios na gestão do vasto património do INATEL, em que se incluiu, pela primeira vez, de forma explícita e prática, o conceito de gestão ambiental: preservar, qualificar, utilizar.

Sempre pensei, no entanto, que se existissem dificuldades, ou dúvidas, acerca da avaliação das vantagens de uma qualquer intervenção, na sua vertente ambiental, mais valia estar quieto.

Travei todas as batalhas possíveis, mesmo as menos populares e simpáticas para os poderes e os cidadãos utentes do INATEL, para impedir diversas intervenções com consequências negativas para o interesse público e ambiental.

Quando saí do INATEL deixei mais património, e mais valioso, do que aquele que encontrei à data da minha entrada. Querem, aliás, fazer-me pagar por isso. É uma estranha forma de reacção dos poderes estabelecidos, em Portugal, contra aqueles que não se dispõem a fazer “fretes” aos chamados “interesses”.

O Parque de Ramalde sempre esteve no fio da navalha. Não foi possível, infelizmente, executar uma intervenção de requalificação - prevista - que teria retirado alguma margem de manobra às tentativas posteriores de destruição do Parque.

Mas nada justifica a sua destruição. Existem muitos modelos de gestão possíveis para que o Parque de Ramalde possa ser, ao mesmo tempo, preservado, no plano ambiental, e colocado ao serviço da comunidade em benefício da sua qualidade de vida.

A sua destruição é, em todo o caso, um crime contra a natureza e, no limite, é preferível deixar ficar tudo como está a ceder aos interesses imobiliários que, certamente, estão por detrás desta sanha destruidora.

As palavras e imagens do blog Dias com Árvores (que está entre os meus favoritos e por isso tomei conhecimento deste post) ajudam a compreender, com bastante evidência, a justeza desta asserção.

"No dia em que surgem mais algumas notícias de contestação ao projecto de destruição do Parque Desportivo do Inatel em Ramalde, aqui ficam mais algumas fotografias. Para que quem não o conhece, fique a saber do que se está a falar e a razão da nossa incredulidade e revolta. E realize também a importância que têm, para certos planeadores da nossa cidade, os espaços verdes relativamente às vias para automóveis."

As notícias:Inatel promete contestar solução do PDM do Porto (no Público)
INATEL pediu ao tribunal para ser esclarecido (no JN)

terça-feira, maio 10

Girassol


Do Pentimento

"Um girassol da cor do seu cabelo"

Lô Borges / Márcio Borges

"Vento solar e estrelas do mar
A terra azul da cor do seu vestido
Vento solar e estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo?
Se eu cantar, não chore não, é só poesia
Eu só preciso ter você por mais um dia
Ainda gosto de dançar bom dia, como vai você?
Sol girassol, verde vento solar
Você ainda quer morar comigo?
Vento solar e estrelas do mar
Um girassol da cor de seu cabelo
Se eu morrer, não chore não
É só a lua, é seu vestido cor de mar
É filha nua ainda moro nesta mesma rua
Como vai você?
Você vem, ou será que é tarde demais?
O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo"

FRANCISCO SIMÕES


É linda a retribuição da Guida ao poema “Como uma Seta”, ou “A Caminho do Sul”, alusivo ao seu aniversário, postado ontem.

Foto de José Carlos Nascimento – Escultura de Francisco Simões

In Poesias de David Mourão Ferreira – Publicação da C. M. Coimbra (1996)

segunda-feira, maio 9

CAVAFY


“Foto de António José Alegria, do amistad”

CORPO, LEMBRA …

Corpo, não te lembres de quanto foste amado
só; nem só dos leitos em que te deitaste;
mas também dos desejos que por ti
brilharam francamente nos olhares,
nas vozes palpitaram – e que apenas
um acaso impediu e reduziu a nada.
Agora que ao passado já pertencem todos,
quase é como se tu, a tais desejos,
também te houveras dado – como eles brilhavam,
lembra, nos olhos que se demoravam,
e como nas vozes palpitavam, lembra-te, por ti.

(1918)

Constantino Cavafy

Tradução de Jorge de Sena - “90 e Mais Quatro Poemas” - Edições ASA

O Meu Avô Dimas


O meu avô paterno, por sua vez, tinha regressado de uma longa estadia de emigrante no Brasil vindo morrer, um mês depois do meu nascimento, a casa de D. Maria, sua amante.

A casa era também uma “venda”, estabelecimento de comes e bebes, mais bebes que comes. Foi lá que provei, pela primeira e última vez na vida, “sopas de cavalo cansado”.

Era perto da casa de meus pais, numa esquina da Rua da Circunvalação onde se fixou depois, por longos anos, uma afamada, e muito bem sucedida, sapataria popular – a "Sapataria Limpinho".

Desse meu avô herdei o nome – Eduardo – depois de meu irmão já ter herdado, onze anos antes, Dimas que já era o nome de meu pai. Todos ficamos com o nome de meu avô Dimas Eduardo Graça.

A fotografia do meu avô paterno está em lugar de destaque ao lado da Bíblia Sagrada. A imagem de uns e a herança de outros. No seu esplendor tem algo de institucional. É uma daquelas fotografias grandiloquentes, com selo a água de fotógrafo do Brasil (Santos), mostrando, na sua claridade sóbria, a razão porque somos todos, na família, iguais a ele.

No rosto, e porventura, no temperamento. Lá dormi, algumas vezes, não nos braços de meu avô, pois não nasci a tempo, mas na cama onde ele dormiu com a sua amante Maria e onde morreu.

O padre por esse desvio liberal que, suponho, foi a forma de encontrar, fora do casamento, o consolo para as desditas da vida, não lhe quis fazer o funeral católico. E não fez. Meu pai cortou, de imediato, relações com o dito padre e fez bem.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (7 de 10)