quinta-feira, setembro 30

Colocação de professores

A divulgação da informação de que uma empresa resolveu, de forma expedita, o problema informático que fez colapsar o processo de colocação dos professores coloca novos problemas. Quais as verdadeiras razões daquele colapso? Se era fácil, rápido e barato solucionar o problema informático porque razão não foi solucionado antes? As colocações, afinal, foram feitas à mão? Se o essencial do problema da colocação de professores foi resolvido ainda bem. Mas depois desta novidade e da intervenção pública do ex-ministro David Justino resta muito por esclarecer, a bem do funcionamento da comunidade educativa e do interesse público
.
"Nova Empresa Resolveu Colocação de Professores em Seis Dias
O problema da colocação de professores foi resolvido através de uma nova solução informática pensada em seis dias e executada em 30 minutos, com o apoio de um novo servidor vindo de Espanha." (Público)
TEXTO

quarta-feira, setembro 29

Serviço Militar Obrigatório

O Dr. Portas surge, ufano, a proclamar o fim do Serviço Militar Obrigatório (SMO). O acontecimento aparece aos olhos da grande maioria como uma grande conquista civilizacional. Em particular aos olhos da juventude. As juventudes partidárias rejubilam.
O Dr. Portas ostenta um orgulho que estaria nas antípodas das suas próprias convicções caso fosse um verdadeiro patriota. No momento em que se consagra o fim do SMO quero afirmar que sempre fui a favor da conscrição, ou seja, do “alistamento militar”.
Acho que o fim do SMO é uma cobardia moral e um sinal de resignação patriótica.
A partir de agora o país ficará a dispor de forças militares profissionais. A maioria dos jovens nunca terá acesso à experiência militar. Nunca saberá manejar uma arma. Nunca terá a noção real do que é a defesa nacional. O país perderá um dos últimos redutos onde se exercitava o sentimento de pertença à comunidade nacional.
Ficam os ex-combatentes para o exercício da demagogia patrioteira. Ficam as compras de armamento para o aumento da despesa pública. Ficam os edifícios e os terrenos militares devolutos para combater o deficit.
O patriotismo virou negócio por grosso e a retalho. E negócio chorudo!

Pequenas coisas

Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.

Albano Martins
Escrito a vermelho
Campo das Letras
1999
1ª edição

Pó dos livros - 8

O teatro ocupou um lugar importante na formação da minha sensibilidade e cultura cívica. Fui iniciado, no liceu de Faro, pelo Prof. Joaquim Magalhães tendo prosseguido uma intensa experiência teatral, no Grupo de Teatro do Círculo Cultural do Algarve, sob a orientação do médico Emílio Campos Coroa, oriundo da escola do TEUC de Coimbra, dirigido por Paulo Quintela.
A todos eles, grandes figuras da cultura portuguesa, esquecidos mas nem por isso menos grandes, fiquei a dever, pela via do teatro, uma perspectiva humanista dos homens e do mundo.

Não admira que o “pó dos livros” revele a presença dos livros de teatro.
Aqui vão dois e um apontamento de uma experiência particular.

- “Teatro de Novos”“Consultório” de Augusto Sobral e “O Pescador à Linha” de Jaime Salazar Sampaio – Arcádia, edição de 1961. Peças estreadas a 2 de Junho de 1961 no Teatro Nacional D. Maria II, com encenação de Artur Ramos. (Talvez o livro de teatro mais antigo que comprei por 15$00.) ;

- “Teatro Contemporâneo” – “problemas do jogo e do espírito” – Mário Vilaça, “um livro seleccionado por Vértice”, edição de autor – Coimbra, 1967.

Neste último, encadernado a “papel ferro”, com abundantes fotos, a preto e branco, se reúnem textos publicados em diversas revistas e publicações fazendo referências a autores, peças, escolas de teatro e técnicas. Reparo, em particular, num texto dedicado ao teatro moderno norte-americano em que se fala, entre outros, de Thornton Wilder.

Retenho que encenei e representei, num trabalho colectivo, no que chamávamos o “Teatro Sarrapilheira”, em Faro, a peça, em um acto, “A Longa Ceia de Natal”, desse grande autor norte-americano. A empresa foi levada a cabo com o beneplácito de Campos Coroa e sem autorização prévia do Governo Civil, cujo pedido tornaria a tarefa impossível. Uma representação única, clandestina, com a sala cheia.
Foi uma das experiências mais importantes da minha vida e ainda hoje, passados decénios, convivo mentalmente com os bastidores da acção, revejo os meus gesto em cena, assim como as faces e os corpos dos meus companheiros de aventura. Dessa experiência guardo, aliás, uma foto que sempre coloco em lugar de destaque.

terça-feira, setembro 28

Três boas notícias e uma má

Governo italiano confirma Reféns italianas libertadas

As duas italianas feitas reféns no Iraque no passado dia 7 foram libertadas, noticiou hoje a televisão Al-Jazira. O governo italiano já confirmou a libertação das duas jovens.

Polícia palestiniana anuncia Jornalista da CNN libertado

Colocação de professores Listas estão publicadas na net
As listas de afectação, destacamento e contratação de docentes foram hoje publicadas na Internet, informou o Ministério da Educação, numa nota à comunicação social. A publicação ocorre dois dias antes do fim do prazo dado pela ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, que terminava a 30 de Setembro.

Constâncio alerta para subida dos preços do petróleo Retoma em perigo
A manterem-se os actuais preços do petróleo irão cair por terra as previsões de crescimento económico. O alerta foi dado hoje pelo governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, que afirmou que caso o preço do barril se mantenha acima dos 50 dólares as previsões terão de ser revistas.

(Expresso on line)



"Uma política de rigor e contenção"

O Dr. Cordeiro, o “boticário mor do reino” (lembram-se?) tem sido recompensado pelo apoio encarniçado que prestou à maioria do governo. Aqui está o exemplo vivo de uma verdadeira política de rigor e contenção da despesa pública!...

"Despesas com medicamentos disparam
Comparticipação do Estado subiu 12 por cento

Os portugueses estão a gastar mais em medicamentos. De acordo com o Jornal de Negócios, esta subida reflectiu-se nas comparticipações do Estado, que aumentaram quase 12 por cento em relação aos primeiros oito meses do ano passado.
A despesa do Serviço Nacional de Saúde com os medicamentos vendidos nas farmácias disparou nos últimos meses. Segundo o Jornal de Negócios, até ao mês de Agosto, o Estado já tinha gasto 916 milhões de euros na comparticipação de medicamentos. Este crescimento de 11,8 por cento em relação aos primeiros oito meses de 2003, constitui também o maior aumento verificado desde 1997, ano em que os encargos do serviço nacional de saúde aumentaram 12,2 por cento.
O Ministro da Saúde já se manifestou preocupado com estes valores. Na semana passada, Luís Filipe Pereira considerou que, se aumenta o consumo de genéricos, o consumo de medicamentos de marca deveria baixar. Mas, ao contrário do que se estava à espera, mesmo com a introdução dos genéricos, a despesa continua a aumentar muito acima da inflação.
Só em Agosto o aumento foi superior a 16 por cento, relativamente ao mesmo período do ano passado. E em Março o aumento chegou aos 20 por cento. O Infarmed chegou a ameaçar alguns laboratórios de retirar a comparticiapação de medicamentos, que registaram um consumo "anómalo", mas até agora o instituto não avançou com nenhuma sanção aos laboratórios. O Ministro da Saúde garante que o Governo irá introduzir um conjunto de medidas para travar este crescimento da despesa do Estado. (Sic on line)






Imigração - ridículo

O ridículo de uma política da qual resulta objectivamente a imigração clandestina. O problema é grave.

"Sistema de quotas para a imigração só legalizou três pessoas
A tentativa do Governo de regular a imigração através do apuramento das necessidades de mão-de-obra no país - tarefa que coube ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) - não está a ter resultados. Dos 8500 imigrantes que deveriam entrar em Portugal este ano, no âmbito da quota definida pelo Governo, apenas três obtiveram o visto de trabalho que lhes permite estabelecerem-se em Portugal e apenas 60 se candidataram.” (Público)

Pó dos livros - 7

Os livros que me caem nas mãos não cessam de me surpreender e, por vezes, inquietar. Ou porque deles já não me lembrava, ou porque no seu corpo descubro detalhes inusitados, sublinhados surpreendentes, notas manuscritas, cartões com apontamentos, enfim, um mundo de descobertas.

- “Escrito Póstumos” Pier Paolo Pasolini – Morais Editores – edição de 1979; extensamente sublinhado a lápis observo um artigo intitulado: “O coito, o aborto, a falsa tolerância do Poder e o conformismo dos progressistas” (19 de Janeiro de 1975, publicado no “Corriere della Sera”, com o título: “Eu sou contra o aborto”). Muito interessante.

- “O Príncipe”Nicolau Maquiavel (comentado por Napoleão Bonaparte) – Livros de Bolso da “Europa América” – edição de 1972.
Reproduzo um sublinhado da minha leitura: “ Os homens são tão simples e tão obedientes às necessidades do momento, que quem engana encontra sempre quem se deixe enganar”.
E mais à frente: “Convém também notar que um príncipe, sobretudo quando é novo, não pode respeitar singelamente todas as condições segundo as quais se é considerado homem de bem, pois não raro, para conservar os seus Estados, se vê constrangido a agir contra a sua palavra, contra a caridade, a humanidade e a religião. É por isso que deve ter o entendimento treinado para virar conforme os ventos da fortuna e a mutabilidade das coisas lhe ordenem, e, como já disse, não se afastar do bem, se puder, mas enveredar pelo mal, se for necessário.”

segunda-feira, setembro 27

Caixa Geral de Depósitos

Ao ponto a que se chegou! As pessoas honestas, os gestores honrados, terem que dar explicações públicas acerca da sua conduta exemplar! Os outros, os habilidosos, os “sacristas”, em silêncio, escondem-se por detrás das decisões políticas que, por sua vez, se escondem por detrás dos regulamentos. Sempre a sacar…

"O ex-presidente do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD), António de Sousa, garantiu hoje em comunicado que não vai receber qualquer pensão de reforma do banco público.” (Expresso on line)


Queixa das almas jovens censuradas


Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.

Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999

(Para muitos de nós esta leitura é também um exercício musical, não é?)

Pó dos livros - 6


As tarefas de arrumação das estantes estão praticamente concluídas. Restam ainda alguns papéis e documentos. Mas nesta faceta a organização da minha pequena biblioteca está facilitada pois nunca segui o hábito de trazer para casa cópias dos dossiers dos meus vários exercícios profissionais.

Aqui identifico mais alguns livros marcantes que me surgiram a uma nova luz neste trabalho de arrumação:

“O Físico prodigioso” -novela – Jorge de Sena – Edições 70, 1979. (Uma das mais extraordinárias leituras da minha vida);

“O Fenómeno da Guerra”Gaston Bouthoul – Ideias e Formas – Estúdios Cor, Edição de 1966; (repleto de sublinhados e anotações pois me lembro de ter sido uma leitura apaixonante da minha juventude – carece de restauro);

“Lenine, seguido de um texto de André Breton”Trotsky – Edições “& etc”; (com uma nota manuscrita assinalando que deve ter sido comprado, em Faro, no verão de 1978);

“O Judeu – Narrativa dramática em três actos”Bernardo Santareno – Edições Ática, edição de 1966; (livro que sempre me acompanhou desde a época das minhas práticas teatrais contemporâneas desta primeira edição).

Para os menos relacionados com o conhecimento do teatro português e com o teor desta obra, que versa o sacrifício às mãos da inquisição de António José da Silva – o Judeu, aqui reproduzo um excerto do final do 3º Acto:

“Olhai que o Santo Tribunal da Inquisição mais não é que o corpo visível, a aparência mortal dum espírito de trevas, e que este espírito … vivo por certo persistirá, neste Nação, muito tempo ainda após a morte do Santo Ofício!”

E, ainda, o último parágrafo da narrativa: “À medida que a obscuridade vai tomando o palco, ilumina-se o vitral de fundo: este deixar-nos-á ver as chamas duma fogueira, cada vez mais altas, até que por inteiro o enchem. Atingem o máximo, o canto inquisitorial e o ódio sanguinário do povo.”

Dedico esta evocação ao meu amigo Eduardo Ferro Rodrigues que, por estes dias, cessou as funções de Secretário-geral do Partido Socialista.

domingo, setembro 26

David Justino

Li as entrevistas de David Justino. Entrevistas aos molhos. Muitas. Acerca do colapso na colocação dos professores. Percebe-se a sua preocupação. Diz que fala porque o silêncio é ensurdecedor. Aqueles que deveriam falar estiveram calados. É sintomático que insista sempre no mesmo ponto: os responsáveis pelo colapso foram outros. Os detalhes são de somenos importância. O que interessa é afastar a responsabilidade.
É um exercício desesperado que, por vezes, atinge o patético. Afirma-se solitário, mas não solidário. Afirma-se responsável político, mas não técnico. Assume a paternidade pela arquitectura global da política educativa, que desenvolveu, mas empurra para outros a responsabilidade pelos processos destinados a pô-la em prática.
Explicita, de forma consciente, fracturas profundas no seio do anterior governo. Nada que já não se soubesse. Mas desta vez as fracturas são assumidas por um protagonista dos acontecimentos. Afirma que precisou de 5 anos para se preparar para ser ministro da educação e diz compreender as dificuldades de quem tem de aprender a exercer o cargo “em exercício”. Marca assim a distância face à actual titular do cargo. No fundo confirma que a coligação PSD/PP nunca funcionou, nem funciona, na execução de políticas públicas essenciais. E envia um “aviso à navegação” para o interior do PSD.
Como diz Veiga Simão, numa estranha entrevista à Visão: ”Os partidos não são escolas de pensamento, são escolas de interesses”. Está tudo dito !

O horror dentro do horror

Uma criança assassinada pela própria mãe. É essa a notícia e parece, quase certo, ser essa a realidade. É o supremo horror, a máxima degradação da condição humana, a miséria moral absoluta. Mas não é menos horrível a sanha popular, as palavras de ódio desapiedadas, a exploração da sanha irracional dos populares em directo pela TV. A miséria da condição humana servida, em directo, à hora do jantar. É o que vende que passa. Só falta o crime em directo. O horror dentro do horror. Vamos a caminho…

sábado, setembro 25

Apura-se e empurra-se

Alguém disse que o colapso da colocação dos professores é pior do que a queda da ponte de Entre-os-rios. É uma fórmula de chamar a atenção para a gravidade deste colapso.
Nestes dias sucedem-se os acontecimentos. Desde pedidos de desculpa aos portugueses, passando por anúncios de inquéritos, até abundantes declarações dos ex-responsáveis governamentais pela educação.
Resumindo: apura-se e empurra-se. O saldo final, ou muito me engano, vai ser um empate a zero. Os responsáveis pelo colapso não vão aparecer. Ao menos no caso de Entre-os-rios o ex-ministro Jorge Coelho demitiu-se na hora.
Se o PS actuar à maneira da coligação PSD/PP vai insistir neste colapso, todos os dias, até ao final da legislatura. Mas, ao menos, que comecem as aulas.

"A cena

Ele sempre considerou a “cena” (doméstica) como uma experiência pura de violência, a tal ponto que, onde quer que ouça uma, tem sempre medo, como uma criança tomada de pânico por causa das discussões dos pais (foge sempre dela, descaradamente). A cena tem uma repercussão assim tão grave porque põe a nu o cancro da linguagem. O que a cena diz é que a linguagem é impotente para fechar a linguagem: engendram-se as réplicas sem qualquer outra conclusão que não seja a do assassínio; e é por estar inteiramente voltada para esta última violência que a cena, todavia, nunca assume (pelo menos entre pessoas “civilizadas”) o facto de ser uma violência essencial, uma violência que tem prazer em se alimentar: terrível e ridícula, à maneira dum homeostato de ficção científica.

(Passando para o teatro, a cena domestica-se. O teatro doma-a quando a obriga a terminar: uma paragem da linguagem é a maior violência que se pode exercer na violência da linguagem.)

Ele tolerava mal a violência. Esta disposição, embora permanentemente verificada, continuava a ser para ele bastante enigmática; mas ele sentia que a razão dessa intolerância devia ser procurada por este lado: a violência organizava-se sempre como cena: a mais transitiva das condutas (eliminar, matar, ferir, dominar, etc.) era também a mais teatral, e era, em suma, a esta espécie de escândalo semântico que ele resistia (pois não se oporá o sentido por natureza ao acto?); ele não podia deixar de entrever bizarramente em toda a violência um nó literário: quantas cenas conjugais não poderão ser agrupadas segundo o modelo de um grande quadro de pintura: A Mulher Expulsa ou ainda O Repúdio? Toda a violência é afinal a ilustração dum estereótipo patético e, bizarramente, a maneira absolutamente irrealista pela qual se decora e sobrecarrega o acto violento – maneira ao mesmo tempo expeditiva e grotesca, activa e cristalizada – era o que o levava a ter pela violência um sentimento que ele não conhecia em mais nenhuma ocasião: uma espécie de severidade (pura reacção de amanuense, sem dúvida).”

"Roland Barthes por Roland Barthes" -
(Fragmento 1 de 2, pag. 16)

Edição portuguesa: "Edições 70"

sexta-feira, setembro 24

Desabafo

"Este governo não cairá porque não é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa."
(Eça de Queirós)

Volta Eça que fazes cá falta, digo eu.
Abraço
F.

Pó dos livros - 5

Não foi uma descoberta nem um reencontro. É o livro dos livros. Era a biblioteca da casa dos meus avós (maternos). Camponeses de um Algarve seco e pobre das primeiras décadas do Sec. XX. Tempos atrás mandei-o encadernar. Ficou como novo.

É uma edição de 1867 impressa em Lisboa pela Typographia Universal de Thomaz Quintino Antunes, Rua dos Calafates, 110.

É a Bíblia Sagrada: “O Novo e o Velho Testamento traduzida em portuguez segundo a vulgata latina por António Pereira de Figueiredo”.

Noutros tempos foi um livro grosso para o meu olhar juvenil. Mais de mil páginas, a duas colunas, letras miúdas e bem arrumados em capítulos e começa assim:

GENESIS - Em Hebraico Beresith
Capítulo I

“1. No princípio creou Deus o Ceo e a Terra. 2. A terra porém era vã e vazia: e as trevas cobriam a face do abysmo: e o espirito de Deus era levado sobre as águas. 3. E disse Deus: faça-se a luz; e foi feita a luz. ...”

Este livro é o sinal de uma cultura e civilização a cuja matriz fundadora não pude escapar.

quinta-feira, setembro 23

Sagrado coração

Sagrado coração de Maria, Deus nos acuda, nem tudo vai mal, há esperanças de salvação, a pasta da justiça é virtuosa, valeu a pena o sacrifício, os amigos são para as ocasiões, a pasta das finanças permite fazer o bem, o senhor presidente é muito boa pessoa, é comovente ver o seu sofrimento, o que não tem solução solucionado está, dizia o meu saudoso pai. Amén.

Houve em tempos uma guerra...


(...) As pessoas queixam-se de que tratamos os animais como objectos, mas, na realidade tratamo-los como prisioneiros de guerra . Sabes que, quando, pela primeira vez, se abriram ao público os jardins zoológicos, os zeladores tinham de proteger os animais dos ataques dos visitantes? Os visitantes achavam que os animais estavam ali para serem insultados e abusados, como prisioneiros depois da vitória. Houve, em tempos, uma guerra contra os animais a que chamámos caça embora de facto, guerra e caça sejam a mesma coisa (Aristóteles percebeu-o com toda a clareza). Essa guerra durou milhões de anos. Só há uns séculos atrás a ganhámos quando inventámos as armas. Só depois da vitória estar consolidada é que nos pudémos dar ao luxo de cultivar a compaixão. Mas a nossa compaixão é muito superficial. Por baixo dela existe uma atitude mais primitiva. O prisioneiro de guerra não pertence à nossa tribo. Podemos fazer dele o que quisermos. Podemos sacrificá-lo aos nossos deuses. Podemos degolá-lo, arrancar-lhe o coração, lançá-lo às chamas. Quando se trata de prisioneiros de guerra não há leis.

J.M. Coetzee, Elisabeth Costello, romance ed D. Quixote, p 106,
in cap. 4 As Vidas Dos Animais, Os poetas e os animais.

quarta-feira, setembro 22

Não há problema...

O discurso da tanga. O desastre do deficit excessivo. Os anúncios da “pesada herança” em grandes parangonas no país e no estrangeiro. Os artigos, e os discursos cirúrgicos, do Prof. Cavaco Silva acerca do “monstro”. A “entrada de leão”: muda-se tudo porque está tudo mal.
Foi assim o tempo todo por quase todo o lado. Dois anos a zurzirem no passado. A destruir organismos. A criar organismos. A fundir organismos. A anunciar a extinção de organismos. A anunciar a separação de organismos. A nomear, a sanear e a sacanear dirigentes e trabalhadores.
A fazer leis orgânicas que nunca entraram em vigor. A desmontar equipas. A desfazer projectos. A sindicar, a auditar, a inspeccionar. A dar caça aos “infiéis”. A humilhar e a queimar na fogueira do “santo ofício” da comunicação social a reputação de gente honesta e dedicada.
A exercer o cinismo mais abjecto. Uma hipocrisia de sacristia. A mentira mais sofisticada. A fazer e a desfazer contratações. A esconder o real aumento da despesa pública. A vender o património público. A colocar o estado de joelhos perante o sacrossanto mercado. Sem recursos nem orientações. Anos a fio.
Os heróis da reforma do Estado desapareceram como ratos pelas sarjetas. O ministros desaparecem e não falam. Ninguém da comunicação social os “obriga” a falar. Os jornalistas de investigação não se interessam pelos problemas importantes do país. Chafurdam no esterco. Obedecem à voz do dono.
A “política da mudança” deu nisto! Depois queixem-se dos discursos do Alberto João Jardim! Não há problema...

Professores 1 - Educação 0

Os professores estão na ordem do dia. No entanto ninguém fala do seu papel no processo educativo. No processo de inclusão social dos jovens e no apoio às famílias. Da sua formação ou falta dela. Da sua itinerância forçada. Da sua profissionalização. Do seu saber. Nada se fala das questões da qualidade. Nada se diz acerca do programa de combate ao abandono escolar anunciado, tempos atrás, pelo governo. Nada se fala acerca da reforma. Nada se fala acerca do fecho de escolas com menos de 10 alunos. E também quase nada se fala acerca do papel das autarquias, das associações de pais, de estudantes e dos sindicatos Fala-se muito de professores. Mas não se fala nada de educação. Professores 1-Educação 0.

terça-feira, setembro 21

Professores colocados com atraso e…à mão

Um dia, andava eu no liceu, reparei, como todos os meus colegas, que o professor Almodoval (julgo não errar no nome) trazia, durante todo o Inverno, sempre a mesma gabardina com um remendo bem à vista de qualquer olhar menos atento. No ano seguinte igualmente.

O Prof. Neves vestia com a modéstia de um sábio pouco preocupado com as aparências. No ano seguinte igualmente. Eram excelentes os professores Almodoval e Neves, assim como tantos outros que conheci no Liceu de Faro.

A permanência dos professores nas escolas era assegurada por um par de anos razoável. Todos se lembram das carreiras de professores poetas consagrados como Régio, ligado a Portalegre ou Gedeão, ligado a Lisboa. Ficaram muitos anos a leccionar no mesmo liceu.

Eu sei que o liceu, nessa época, era frequentado por um número de alunos incomparavelmente inferior aos liceus dos nossos dias. Da frequência do ensino liceal restrita a uma elite de privilegiados, passamos, em poucas décadas, felizmente, para a frequência em massa dos liceus abarcando, tendencialmente, a totalidade dos jovens portugueses em idade escolar. A natureza do processo educativo mudou.

Mas serve a evocação para, sem saudosismo, lembrar que não mudou o valor inestimável da sobriedade, da competência, da modéstia, do saber e da estabilidade no exercício da função docente. Assim sejamos capazes de aplacar a ira do fascínio pela sociedade da informação, da mobilidade e do consumo para dar à escola pública a capacidade (em recursos, qualidade e autenticidade) de reter, por mais e melhor tempo, alunos e professores. É essa uma das questões que está escondida por detrás deste problema da colocação dos professores.

Paradoxalmente, na sociedade da informação, os professores vão ser, finalmente, colocados nas escolas, com atraso e …à mão. Pode ser, quem sabe, um bom sinal!

O ritmo

Ele sempre acreditou nesse ritmo grego, na sucessão da Ascese e da Festa, no desencadeamento duma pela outra (e de forma alguma no ritmo insípido da modernidade: trabalho/lazer). Era precisamente o ritmo de Michelet ao passar, na sua vida e no seu texto, por uma série de mortes e ressurreições, enxaquecas e entusiasmos, narrativas (ele "remava" em Luís XI) e quadros (aí a sua escrita desabrochava). Foi o ritmo que de certo modo conheceu na Roménia, onde, por virtude de um costume eslavo ou balcânico, as pessoas se encerravam periodicamente, durante três dias na Festa (jogos, comida, vigília e o resto: era o "Kef").

Assim, na sua própria vida, esse ritmo é permanentemente procurado; não só é necessário que durante o dia de trabalho haja em vista o prazer à noite (o que é banal) como também, complementarmente, surja da noite feliz, mais para o fim dela, o desejo de chegar muito depressa ao dia seguinte a fim de recomeçar o trabalho (de escrita).

(De reparar que o ritmo não é obrigatoriamente regular: Casals dizia muito bem que o ritmo é o retardo.)

"Roland Barthes por Roland Barthes" - 38
(Fragmento 2 de 2, pag. 15)

Edição portuguesa: "Edições 70"

Nesta página escrevi: "Barthes, o autor, não é o meu ídolo. É um pretexto agora instrumento do meu desejo de ser identificado com uma reflexão que se propõe essencialmente para agradar".

Agora é que é…

Quando se entra a matar. Se rejeita a herança. Se humilham os adversários. Se prometem impossíveis. Se mente e desmente sem cessar. Se ignora a matéria governar. Se sabe que o tempo é escasso e impiedoso. Se fica crispado.

Quando para tudo, agora é que é…a grande oportunidade. A pouco e pouco, começa a chegar a hora da verdade.

segunda-feira, setembro 20

Ministério do Turismo

O artigo com o título em epígrafe publicado, em inícios de Agosto, no "Semanário Económico" e retomado pela revista "Turismhotel" está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR.

O pó dos livros - 4

Não foi propriamente uma descoberta surpreendente. A novidade foi ter confirmado que o livro estava lá. É um dos livros que mais prazer me deu ler. Foi há muitos anos. Mas, a certa altura, perdi-o. Alguém deve ter achado muito interessante a mesma leitura. E esqueceu-se de mo devolver.

Fiquei com uma pena de morte. Reconheço que não é propriamente um clássico que prestigie intelectualmente o leitor. Mas foi uma leitura de época. Daquelas que nos marcam, vá lá saber-se porquê!

Um dia, passados para aí uns 20 anos, ao descer a rua da Trindade, vindo da Cotovia, onde tinha ido comprar "Bagagem", de Adélia Prado, para oferecer a um amigo, resolvi entrar no "Rei dos Livros". Dirigi-me ao balcão e disparei: "Não terá, por acaso, por aí um livro, assim e assim, uma edição antiga, julgo que de uma editora brasileira, ando atrás dele vai para 20 anos...".

O homem olhou para mim com um ar de estranha compaixão que me deu esperanças! Emitiu um monossílabo do género "Um momento...".

Dirigiu-se à sala dos fundos. Pouco depois surgiu com um volume nas mãos. Eu não queria acreditar. Era mesmo o livro que eu, em vão, tinha procurado durante tantos anos: "A minha vida com Picasso", de Françoise Gilot e Carlton Lake.

Vieram-me as lágrimas aos olhos. Agradeci, não sei com que palavras. Paguei 15 euros, uma ninharia. Saí. Senti o ar mais leve e perfumado. Agora só tenho que o mandar encadernar e nunca mais o emprestar a ninguém.

(Françoise Gilot foi companheira de Picasso entre 1943 e 1953. A edição original é da "Europa América" (portuguesa) a partir de uma edição americana da McGraw-Hill Book Company. A tradução do inglês é de Cármen Gonzalez e de António Ramos Rosa. Mas a edição que encontrei é uma reprodução integral da edição portuguesa realizada pela "Editôra Somabaia" e foi impresso no Brasil.)

Nova página

Acabei de criar uma nova página na blogosfera: IR AO FUNDO E VOLTAR.

Nela publicarei os textos que, pela sua extensão e natureza, não se enquadrem nos blogs de intervenção quotidiana nos quais asseguro participação.

O primeiro texto é a reprodução do artigo publicado na última edição do "Acção Socialista": "Imigração - Esquerda e Direita".

domingo, setembro 19

O engano

No abrupto Pacheco Pereira, subtilmente, assinala a perplexidade que o discurso de Bagão Félix causa em certos intelectuais de esquerda. Esses que parecem terem ficado fascinados por esse discurso não sabem nada de história ou têm alguma coisa a ganhar com ele. Mas Pacheco Pereira já tinha caracterizado, por antecipação, a razão da perplexidade que agora se manifesta. O assunto é sério e merece um tratamento mais aprofundado. Darei também, com todo o gosto, o meu contributo para esclarecer o engano.

"Existe em certos sectores da direita e da esquerda intelectual portuguesa a ilusão que um governo Santana Lopes será um governo que prosseguirá políticas liberais, ou, como pejorativamente agora se diz, “neo-liberais”. Enganam-se completamente. Se há coisa que em Portugal sofrerá com o populismo é o discurso genuinamente liberal. O populismo é nacionalista, defensor da closed shop, “social” e clientelar. O populismo será alicerçado em duas coisas muito próximas na vida política portuguesa: um discurso social, que pode mesmo chegar a ser socializante, e na gestão de clientelas. É uma fórmula muito eficaz em Portugal, potenciada agora pela forma como actuam os media. (..)" (post de 8/7/2004, no abrupto)

Colocação professores

A notícia que faz a manchete do "Expresso" deste fim de semana é revoltante. Fiz algumas reflexões acerca do assunto na abébia vadia. Muitas outras vieram a lume noutros espaços de opinião.

O primeiro motivo da revolta é que conheço, por experiência própria, o método utilizado para "queimar" na praça pública responsáveis de instituições e serviços públicos.

O segundo motivo é a natureza e qualidade miserável do trabalho jornalístico em questão: uma "encomenda", misturando insinuações com factos imprecisos, recorrendo à sobreposição da "pesada herança" (os responsáveis cuja demissão se anuncia teriam sido nomeados em 1996 o que é falso, pelo menos no caso de um eles) com a chamada á notícia da ideia de sabotagem. A leitura pretendida é tão só esta: "o caos no processo de colocação de professores foi o resultado de uma sabotagem da responsabilidade dos socialistas".

O terceiro é a evidente intenção de passar uma esponja por cima das responsabilidades políticas. O processo técnico que, aparentemente, entrou em colapso foi, com certeza, aprovado pela tutela exercida pelo anterior governo. Mas, certamente, a demissão dos responsáveis técnicos não elimina a responsabilidade política do governo em funções.

O quarto motivo é a omissão de uma evidência que é importante: o novo processo técnico destinado á colocação dos professores, com as respectivas contratações, veio certamente substituir um modelo utilizado até ao ano passado, o qual não tinha dado problemas. Quais os fundamentos técnicos e políticos da decisão de criar um novo modelo. (Vide Luis Nazaré no causa nossa)

Em quinto lugar, tal como foi, oportunamente, anunciado está a decorrer uma auditoria ao processo pela Inspecção Geral de Finanças da qual não se conhecem os resultados.

Em sexto lugar, o anúncio público de demissões é um facto que inviabiliza a continuidade em funções dos presumíveis demitidos, independentemente da formalização das mesmas.

A partir de 2ª feira ter-se-ão criado condições mais favoráveis para resolver problema da colocação dos professores ?

sexta-feira, setembro 17

"O que é que limita a representação ?

Brecht mandava pôr roupa molhada no cesto da actriz para que a anca desta tivesse o movimento certo, o da lavadeira alienada. Está muito bem; mas é também estúpido, não será ? Porque o que pesa no cesto não é a roupa, é o tempo, é a historia, e esse peso, como representá-lo ? Impossível representar o político: resiste a toda a cópia, por muito que nos esforcemos por torná-la cada vez mais verosímil. Contrariamente à crença inveterada de todas as artes socialistas, onde começa o político cessa a imitação."

(Não resisto, a título excepcional, a um comentário com plena actualidade: já repararam a razão pela qual certos políticos surgem aos nossos olhos com tão pouca autenticidade.)

Na página 14 deste livro artesanal escrevi o seguinte: "uma leitura incompleta, fragmentada (como todas as leituras), repleta de hiatos (frases e palavras incompreensíveis) mas que representa um comentário indirecto (o único possível como nos diz a própria leitura) às nossas iniciativas convencionais ( ia escrever convivenciais) permitindo melhor jogar (mascarar) o jogo das nossas relações."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 37
(pag. 15, 1 de 2)

Edição portuguesa - Edições 70


"Incapacidades"

Há notícias que têm o condão de deixar os cidadãos perplexos. Esta é uma delas. O actual director nacional da PSP (esta não é a sigla de Partido Socialista Português, mas sim de Polícia de Segurança Pública - é um esclarecimento para o pessoal do Brasil!), anterior Inspector-geral da Segurança Social, foi dado como "incapaz", em 2002, por uma junta médica.

A notícia pode ser verdadeira ou não. Não apareceu ainda o "Carocho" para me dar uma certeza acerca deste assunto de intendência.

Mas há um qualquer mistério nestas nomeações, incapacitações, demissões, pensões, transladações, tanta coisa, ao mesmo tempo. É a estratégia da propaganda da propaganda. Nem o mais experiente jornalista sabe por onde pagar em tantos factos, acontecimentos e noticias porque, ao mesmo tempo, surgem as repetições, reafirmações ou negações dos mesmos factos, acontecimentos e notícias.

Os personagens mudam de lugares e trocam de papéis a uma velocidade alucinante. É este o fascínio do governo de Santana Lopes. Agora começo a compreender melhor o fascínio do PR. Isto não é populismo é uma categoria nova. Talvez fique conhecida como "santanismo-pop". Se sobreviver alguém... Pode ser que o PR, lá mais para o ano de 2005, ajude a esclarecer a natureza da coisa.

Des-encantos

Ainda a propósito da colocação dos professores. O tema deveria ser motivo para um debate nacional a sério. Este sim, é um problema que envolve não só as políticas concretas de um, ou mais, governos mas os interesses de toda a comunidade nacional. A educação é uma prioridade nacional? Todos dizem que sim. Mas não parece.

Aqui deixo o discreto des-encanto de um professor.

quinta-feira, setembro 16

Um retrato impiedoso

Aqui está mais um retrato da política do "Governo da Mudança". Ainda se lembram? E da "pesada herança", ainda se lembram? E da "matança" dos gestores socialistas acusados de irregularidades sem fim, apelidados de gastadores impenitentes e de confrangedora incompetência!

Ora vejam o que dizem, hoje mesmo, os que antes fustigaram, impiedosamente, o governo socialista e os seus responsáveis políticos e técnicos.

"Ninguém lhe pede ( a Bagão Félix) e ao Governo, milagres. Nem golpes de magia (a não ser, claro, o de disfarçar o défice real com a cosmética das receitas extraordinárias...). Mas o que confrange é que, ao fim do terceiro exercício orçamental da maioria PSD/CDS e de dois anos e meio de sacrifícios e congelamentos exigidos aos portugueses, a Despesa do Estado se mantenha no mesmo nível assustador e delapidador dos dinheiros públicos, a evasão fiscal persista triunfante a níveis do terceiro mundo e a tão falada consolidação orçamental esteja ainda no ponto zero. Quem assume politicamente este desolador balanço: Bagão Félix, Santana Lopes, Durão Barroso? " (José António Lima - Expresso on line).


A recessão

Há em tudo isto riscos de recessão: o indivíduo fala de si mesmo (risco de psicologismo; risco de enfatuação), enuncia por fragmentos (risco de aforismo, risco de arrogância).

Este livro é feito como o que eu não conheço: o inconsciente e a ideologia, coisas que só se falam pela voz dos outros. Não posso pôr em cena (em texto), como tais, o simbólio e o ideológico que por mim perpassam, uma vez que sou a sua mancha cega (aquilo que realmente me pertence é o meu imaginário, a minha fantasmática: daí este livro). Não posso por conseguinte usar a psicanálise e a crítica política a não ser à maneira de Orfeu: sem me virar, sem olhar para elas, sem as declarar (ou muito pouco: o bastante para tornar a pôr a minha interpretação, mais uma vez, no trajecto imaginário).

O título desta colecção (X. por si próprio) tem um alcance analítico: eu por mim? Mas isso é precisamente o programa do imaginário! Como é que os raios do aparelho reverberam, ressoam em mim? Para além desta zona de difracção - a única sobre a qual posso lançar um olhar, sem que no entanto possa esquecer aquele que precismente dela vai falar - há a realidade e ainda há o simbólico. Quanto a este, não tenho qualquer responsabilidade (já tenho bastante que fazer com o meu imaginário): para o Outro, para o "transfert", portanto...para o leitor!

E tudo isto se processa, como se torna neste caso perfeitamente evidente, através da Mãe, presente ao lado do Espelho."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 36
(pag. 14, 3 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70

quarta-feira, setembro 15

Santana Lopes vaiado

Isto está difícil. Uma figura que se tomava a si própria como popular ser vaiada pelos "Madonna fans"...A barragem de propaganda despejada pelo governo sobre os portugueses tem efeitos perversos. E está bem de ver que estamos só no início do ciclo eleitoral. O pior ainda está para vir...

"O primeiro-ministro, Santana Lopes, recebeu ontem à noite a sua primeira grande vaia pública, desde que assumiu o cargo no Governo da maioria de direita. O líder do Governo deslocou-se ao Pavilhão Atlântico para assistir ao primeiro concerto da cantora norte-americana Madonna, e, quando se instalou no camarote, os espectadores que ali se encontravam, dando conta da sua presença, assobiaram fortemente e patearam o primeiro-ministro.
Santana Lopes, que se instalou num camarote, situado no lado esquerdo da sala de espectáculos de Lisboa, estava acompanhado por, entre outros, Pedro Pinto, vereador da Câmara Municipal de Lisboa - e um dos seus braços-direitos enquanto assumiu a presidência da autarquia -, e por um dos seus filhos. (...) ("A Capital")

O Pó dos Livros - 3

Um dos livros reencontrados mais sublinhados (a lápis) o que denota uma leitura extensiva e atenta.

"O Pós-Socialismo", de Alain Touraine, Edições Afrontamento (1981). Uma nota indica que foi comprado na Feira do Livro de Lisboa em 7 de Junho de 1983 por 200$00.

Reproduzo, pela sua actualidade, pelo menos aparente, um excerto sublinhado da página final:

"Alguns acreditam ainda que a crise da esquerda pode ser superada por um apelo aos partidos, lançado por uma opinião pública que se resuma a uma massa inorganizada de eleitores desiludidos. É contentar-se com pouco e ter medo de reflectir. Já não é preciso apelar aos partidos mas às forças que trabalham uma sociedade nova. Os partidos políticos devem ser apenas representantes do povo. Quem é o povo hoje, e qual é o nome dos seus inimigos? A esquerda parece ter medo de sair da antecâmara do poder; melhor faria em olhar para baixo e para cima, e reencontrar a inspiração de todos os movimentos sociais: lutar com os que são oprimidos, libertar os que estão presos, dar esperança aos que suportam a submissão. (…) É preciso portanto definir claramente a nossa situação para encontrar a coragem de pensar livremente e de agir consoante as nossas convicções mais profundas. Que importam as resistências das ideias gastas e dos aparelhos egoístas! Os que recusam a decadência devem trabalhar para reconhecer e tornar habitável um futuro que criámos, mas que só agora começamos a descobrir."

Aqui pode ler uma curta entrevista concedida ao "Público" em 2001

Aqui uma entrevista em Lisboa e uma breve biografia de Touraine

terça-feira, setembro 14

INEM

Ontem ouvi num canal de TV, a propósito de um grave acidente de viação em Vila Real, que os serviços do INEM mais perto estão em Penafiel. Não há uma única equipa do INEM no distrito de Vila Real? Ou isto é mentira ou está tudo louco. É pedir aos espanhóis que eles resolvem o problema num instante.

O pó dos livros - 2

Mais alguns livros que me têm passado pelas mãos ao arrumar as estantes. Escolhas sem critérios pré-definidos.

"A formação dos Intelectuais", de António Gramsci - Colecção 70, edição de 1972 (profusamente sublinhado e anotado);

"Obra Completa de Cesário Verde " - Colecção Poetas de Hoje, Portugália - organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão; 2ª edição de 1969;

"Memórias e Trabalhos da Minha Vida", de Norton de Matos - 2 volumes, Editora Marítimo Colonial, Lda. (edição de 1944) - muito bem conservados mas a necessitarem de encadernação. Em ambos os volumes existem abundantes sublinhados a lápis, à margem; no segundo uma marca a água indica que o livro foi originariamente comprado na Livraria Inglesa, em Portimão. Foram publicados 4 volumes. Vou agora em busca dos restantes dois.

Encontrei ainda outros dois volumes de Norton de Matos :

"Os dois primeiros meses da minha candidatura à Presidência da República" e " Mais quatro meses da minha candidatura à Presidência da República", edições do autor, referentes a intervenções e acontecimentos ocorridos de 9/7/48 a 9/1/49, editados em 1949. Ambas as edições ostentavam na contracapa o "preço mínimo", 10$00 e 12$50, respectivamente, e uma interessante inscrição: "O produto da venda deste livro é destinado aos fundos da candidatura".

Os livros de Norton de Matos surgem, para mim próprio, de forma surpreendente. A sua aquisição em alfarrabistas (não me lembro bem) deve-se, certamente, ao meu interesse (antigo) pelos acontecimentos do imediato pós-2ª guerra mundial em Portugal. A azul um link com uma biografia, muito interessante, do Norton de Matos maçon.


segunda-feira, setembro 13

Os livros arrumados

Os livros estão quase todos arrumados nas prateleiras. Os reencontros e as redescobertas foram gratificantes. Darei conhecimento de mais algumas. Segue-se o arrumo de outros papéis e documentos antigos. Nada que constitua uma tarefa hercúlea. Mas as férias acabaram. O tempo, a partir de agora, tem de ser repartido de outra maneira. Olhar a pequena biblioteca, depois de limpo o "pó dos livros", é estimulante para encetar outras tarefas e encarar novos desafios.

Promessas aos montes

Aí está, em todo o seu esplendor, a feira populista do Governo do Dr. Santana Lopes. A culminar um fim-de-semana alargado de anúncios, cada um mais populista que o outro, o Ministro Bagão Félix acaba de confessar, sem o dizer, que o deficit real das contas públicas, em 2004, é de 4,4%.

Com mais umas vendas de património público lá chegaremos aos 2,94% (!). Afinal há razões para optimismo: em dois anos e meio de sacrifícios o deficit é exactamente igual ao de 2001, o da chamada "pesada herança"socialista.

Para o futuro tudo vai melhorar, em particular, a vida dos mais pobres e carenciados. O cacharolete de medidas anunciadas, e a anunciar, têm como grande desígnio beneficiar os mais pobres. Pois claro!

Daqui a alguns meses, o mais tardar, até ao Natal, o mais certo é o país estar transformado num grandioso "Túnel do Marquês" mas, desta vez, do "Minho a Timor" (uso este lema antigo em homenagem ao Dr. Portas, insigne chefe do Dr. Bagão Félix.).

Oram vejam este "despacho da Lusa:

"Aumentos para a Função Pública em 2005
Santana garante que novas portagens não prejudicam populações locais

O primeiro-ministro promete aumentos para a Função Pública já no próximo ano. Num comício do PSD em Ponta Delgada, Santana Lopes garantiu que as alterações na legislação de arrendamentos e nas taxas de saúde são para proteger os mais pobres e "não para beneficiar os poderosos".

"Em 2005, os funcionários [públicos] vão ter aumentos como não tiveram nos anos anteriores", disse Santana Lopes, ontem à noite em Ponta Delgada, na abertura das jornadas parlamentares do PSD.
Quanto às alterações na lei de arrendamento, sublinhou que pretendem dar resposta à situação de jovens que não conseguem encontrar casas para alugar e de famílias pobres cujos rendimentos impedem o pagamento de rendas suficientes para suportar obras.

Sobre a "mexida" nas taxas de saúde, Santana Lopes referiu que os que podem pagar mais terão que assumir maiores encargos.
O primeiro-ministro disse ainda, numa referência às portagens a introduzir nas auto-estradas financiadas pelo sistema que isentava de custos os respectivos utilizadores, "não serão prejudicadas as populações locais".

O princípio a praticar no financiamento dos encargos do Estado com a sua construção, que atingirão na sua primeira prestação 500 milhões de euros, será o do "utilizador-pagador", adiantou.
Santana Lopes criticou, também, o posicionamento dos partidos da oposição relativamente ao seu executivo assegurando que "não vai cansar-se, respondendo à calúnia com trabalho"."




domingo, setembro 12

Estou a ler bem?

A guerra já não tinha acabado?

"Iraque - Intensos combates no centro de Bagdad entre tropas dos EUA e guerrilheiros iraquianos AFP, Reuters

O centro de Bagdad foi esta madrugada e manhã cenário de violentos confrontos entre as tropas norte-americanas e guerrilheiros iraquianos. O Exército norte-americano fez uso de tanques e helicópteros e os confrontos chegaram até à "zona verde". Segundo o Ministério da Saúde iraquiano, pelo menos cinco pessoas morreram e outras 45 ficaram feridas. Várias testemunhas indicam, porém, que o número de mortos ascende a mais de 20."
(Público on line)

Discursos

Deixei passar o dia 9 de Setembro. Os dias 9 são pouco inspiradores. Neles ocorreram muitos acontecimentos pouco inspiradores do meu optimismo. Mas o PR não esqueceu. Nunca mais vai esquecer. Neste fim de semana voltou a referir-se à sua decisão política anunciada a 9 de Julho. Fez uns discursos. Justificações. Mas para quê? Entregou o governo a Santana Lopes. A maioria não mudou. Porque razão havia de convocar eleições? Assim ficaria assegurada a estabilidade. Mas, afinal, o governo mudou! Sem eleições. Tudo dentro da mais estrita legalidade. Cumprindo todas as formalidades. O problema é que era tudo uma questão política. O PR tinha que optar. Optou pela estabilidade. Por outras palavras para o PR a estabilidade=direita. A esquerda é, para o PR, um emblema para trazer à lapela. Estranhei. Mas pensando bem...Já me tinha parecido.

"Psicanálise e psicologia"

(Complacência com aquilo que tem pressão(?) sobre nós; assim, tinha eu no Liceu Louis-leGrand um professor de história que, precisando de vaias como de uma droga quotidiana, oferecia obtinadamente aos alunos uma infinidadede de oportunidades de fazerem burburinho: erros, ingenuidades, palavras de sentido duplo, posturas ambíguas, e até a tristeza com que revestia todas estas atitudes secretamente provocadoras; o que fazia que os alunos, tendo-o compreendido, se abstivessem, em certos dias, sadicamente, de o vaiar)."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 35
(pag. 14, 2 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70


Propaganda

Na próxima 2ª feira vai começar o massacre. O plano elaborado pela "central de comunicação" começa com o humaníssimo Ministro Bagão Félix: "Comunicação ao País", seguida de "Entrevista", na RTP, na 5ª feira. Na mesma semana outras humaníssimas comunicações serão feitas por outros humaníssimos ministros.

Ontem (sábado) o Primeiro-ministro surgiu em Castelo de Vide a falar, em peças sucessivas, em todos os canais de TV, na qualidade de Primeiro-ministro misturada com a de líder do PSD. Já não há o cuidado, ao menos, de mudar de sítio, de camisa, de postura. É tão natural que até faz impressão. Os assuntos já não me lembro, mas também não tem importância nenhuma. É tudo para esquecer. Haja decência!

sexta-feira, setembro 10

Atropelar em Portugal

Não sei se há estatísticas internacionais. Portugal deve ser campeão do mundo em atropelamentos. De toda a natureza. Desde a aplicação da lei, e das regras básicas da convivência cívica, até às estradas. Ontem ouvi e vi o caso do atropelamento mortal de dois jovens que seguiam para a Praia de Faro de bicicleta. Hoje um campeão nacional de marcha é atropelado durante o treino. Todos esperamos uma conferência de imprensa do Ministro Portas ou do primeiro-ministro: Atropelar em Portugal. Mandem as tropas para a rua…

"Em estado grave
Campeão nacional júnior de marcha atlética e irmão atropelados
O campeão nacional júnior de marcha atlética, Gonçalo Bejinha, e um irmão foram atropelados enquanto treinavam, nos arredores de Moura, Beja. Ambos ficaram feridos com gravidade." (SIC)




25 (anos) de Abril!

A consciência que se ergueu
na fragilidade
não acreditava
e estava acreditando
e foi à areca e ao bétel
para ler a história
no sono profundo
da sua alma…

E o pensamento que se exultou
na rusticidade
não acreditava
e estava acreditando
e foi à carne e ao vinho
para ler a vida
no sono profundo
da sua alma…

O espírito que se iluminou
na inviolabilidade
não acreditava
e estava acreditando
e foi ao knua e ao mato
para ler o sangue
no sono profundo
da sua alma…

E a linguagem que se agitou
na autenticidade
não acreditava
e estava acreditando
e foi à pedra e ao solo
para ler a herança
no sono profundo
da sua alma…

E a Alma Maubere acordou…

correu planícies
voou montanhas
bebeu nascentes
respirou o ar

E a linguagem
ficou espírito
o pensamento
sua consciência!

Salemba, 6 de Abril de 1999

Xanana Gusmão

Cumprida a promessa. Poema escrito, a minha solicitação pessoal, enquanto Presidente do INATEL, por Xanana Gusmão para o projecto "A Poesia Está na Rua", nas celebrações do 25º Aniversário do 25 de Abril. Esta iniciativa decorreu de uma ideia de Manuela Espírito Santo e foi concretizada em parceria com a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.

quinta-feira, setembro 9

"Alocução aos Socialistas" (2)

Limpar o pó dos livros tem esta faceta extraordinária de nos fazer redescobrir livros, opúsculos, panfletos, e outros documentos, que estiveram dezenas de anos fora do nosso olhar.

A minha mulher é que é responsável por esta empreitada ao tomar a iniciativa de mandar pintar a casa toda. Foi assim que surgiu, entre outros, este opúsculo, muito bem conservado, contendo a "Alocução aos Socialistas", de António Sérgio. Editado pela "Editorial Inquérito" contém a seguinte anotação, a lápis, no cimo da primeira página: "60475=11/7/47=709 6$00".

Por coincidência está a decorrer a campanha para o Congresso do PS. Tenho ouvido, com atenção, Manuel Alegre. Sem menosprezo pelos outros candidatos ouço com prazer Manuel Alegre. Ele próprio explicou o porquê da importância da palavra.

Estou convicto que a diferença entre os candidatos não está tanto nos programas, mas nos protagonistas. Sem menosprezo pelos programas. Mas, convenhamos, que, na política, é muito mais fácil elaborar e apresentar um "bom programa" do que fazer emergir e afirmar, face à nação, um bom candidato, ou seja, um verdadeiro protagonista.

Manuel Alegre é um protagonista autêntico tanto quanto se pode ser autêntico na política. É um homem da palavra. Com espessura humana e intelectual. Veja aqui uma biografia sua.

E o blog da sua candidatura

Ainda a propósito da sua entrevista de ontem, à SIC- Notícias, aqui deixo uma nova transcrição da "Alocução aos Socialistas", proferida por António Sérgio, no 1º de Maio de 1947.

Nela surge a abrir, curiosamente, a frase que, em 1974, encimava a declaração de princípios do extinto MES (Movimento de Esquerda Socialista) cuja adopção deve ter resultado, certamente, da iniciativa de César de Oliveira.

""A emancipação dos trabalhadores" (escreveu ainda Antero naquele mesmo artigo - O Socialismo e a Moral) "deve ser obra do próprio esforço dos trabalhadores; por conseguinte, antes de tudo, e como primeira condição, da sua energia moral, da sua perseverança, da sua firme dignidade; numa palavra: não somente da agitação colectiva (muitas vezes superficial e inconsistente) mas da sólida virtude dos indivíduos".

Tal pensava o poeta: da sólida virtude dos indivíduos. E se assim sucedia naquele tempo dele, meus amigos; se era assim há sessenta anos, - com maioria de razão o devemos pensar neste nosso, quando a ideia socialista já tanto avançou no seu rumo, já tanto se impôs como ideia. Sim, já tanto se impôs como ideia: e, por isso, o importante, na nova fase em que estamos, é que se imponham os indivíduos em que tal ideia encarna, - pela sua firme dignidade, pela sua energia moral."

Petrogal - Guerras Intestinas

"Relatório do Ministério do Ambiente acusa empresa de incúria."

"Acidente na Petrogal: Governo passou "atestado de incompetência" ao ministro António Mexia
A comissão de trabalhadores da Petrogal classificou hoje o relatório da comissão que responsabiliza a Galp Energia pelo acidente no terminal de Leixões como "um atestado de incompetência" ao ex-presidente da empresa e actual ministro das Obras Públicas, António Mexia." (Público)

Esta parece ser mais uma batalha na guerra entre o PSD e o PP. É um jogo de parada e resposta. Aguardemos pelo próximo lanço. Cabe a vez ao Ministro Mexia.

"Alocução aos Socialistas"

Para o Manuel Alegre que acabei de ouvir na "SIC - Notícias"

"Na política, como sabeis, o comportamento rectilíneo, sem argúcia alguma, - sincero, aberto, desartificioso, claro, - usa ser censurado, como sendo ingénuo: e, nessa sua qualidade de comportamento ingénuo, como prejudicial, ou pateta. Paciência. Seja. (…) Os essencialmente habilidosos (não faço empenho em negá-lo) alcançam a sua hora de simulacro e de vista. Mas é uma hora e nada mais; mas é simulacro, e só vista. Logo a seguir a esse instante, comunica-se-lhes o fogo da sua iluminação de artifício, e fica tudo em fumaça, que pouco depois não é nada."

"Aos nossos socialistas, quanto a mim, compete-lhes resistirem ao tradicional costume de se empregarem espertezas e competições de pessoas para apressar o momento em que há-de chegar ao poder…"

"Antes de tudo, buscai prestigiar-vos ante a nação inteira pelo timbre moral da vossa alma cívica; porque (como acreditais, creio eu) não é indispensável conquistar o poder para se influir de facto na orientação do estado."

"Não tenhais a ânsia de vos alcandorar no poleiro com prejuízo das qualidades a que se tem chamado "ingénuas". As habilidades dissipam-se; os caracteres mantêm-se."

"Não existam ciúmes e invejas recíprocas entre os vários componentes da vossa grei socialista: nem tampouco os ciúmes, nem tampouco as invejas, para com os homens que compõem as outras facções da esquerda. Seja vosso lema a unidade. Por mim, quero trabalhar pela unidade, pelo entendimento recíproco, pela existência de convivência amável entre os homens políticos de orientações discordes. Incorrigivelmente "ingénuo", fraterno, cordial."

António Sérgio, In "Alocução aos Socialistas", No Banquete do Primeiro de Maio de 1947".

Acerca de António Sérgio veja aqui e aqui.




O pó dos livros

Ao arrumar estantes surgem muitas surpresas. Livros que nos marcaram. Por diversas razões, em variadas épocas. De todos os géneros. O pó dos livros faz parte dos cheiros que nos marcam para sempre.

Alguns reencontros ao acaso:

"1968 - A Revolução Que tanto Amámos", Daniel Cohn-Bendit (D. Quixote -1988);

"Angústia Para o Jantar", Luís de Sttau Monteiro (Ática, 6ª Edição, 1970);
(No seu interior encontro uma prata, impecavelmente conservada, com um pai natal, em tons de vermelho vivo, daquelas que embrulham as sombrinhas de chocolate.);

"Memórias" - "Vale de Josafat", Volume III, Raul Brandão (Perspectivas e Realidades, sem data de edição);
(Ostenta uma nota que informa ter sido comprado na Feira do Livro de Lisboa, em 6 de Junho de 1984, 3 volumes - 500$00);

"Hiroxima - Antologia de Poemas", vários, (Nova Realidade, 1967);

"Cartas de Fuzilados"Edições "aov" - Colecção "Vitória", 2ª edição, sem data;
(O mais antigo destes livros, a carecer de restauro, certamente do período imediato à 2ª Guerra Mundial. Cartas de resistentes franceses antes de serem fuzilados. É um documento impressionante.);

"Comunidade" - Luiz Pacheco, Desenhos de Teresa Dias Coelho (Contexto-1980);
(6ª edição de "Comunidade" com os belos desenhos de T.D.C.);

"Dores" - Maria Velho da Costa e Teresa Dias Coelho; (D. Quixote, 1994).

quarta-feira, setembro 8

O pragmatismo fúnebre

Tenho observado as notícias, de forma fragmentada, como, aliás, todos tomamos conhecimento das notícias. Uns rumores, uma vista de olhos pelas manchetes (as do "24 Horas" são imprescindíveis), um comentário ouvido de soslaio, um assassinato de carácter (ou mesmo físico), uns desastres de viação, uns atrasos na colocação dos professores, uns aumentos dos preços dos combustíveis, umas discórdias (ou discussões) no PS, pois claro, o ambiente está laço, no estilo "deixa arder", que eu volto depois para comprar barato.

Leio muitas outras coisas e, algumas, sérias. Mas essas não são para aqui chamadas. Não vale a pena. O grupo dos que lêem essas coisas sérias se saírem à rua, e tomarem contacto com a vida real dos portugueses, terão a sensação daquele combatente japonês regressado à "civilização" após 40 anos "perdido" na selva coreana. Ou o sentimento que Van Gogh sentiu quando um patrão do colégio onde trabalhou, um dia, o enviou a fazer cobranças "difíceis" nos bairros miseráveis de Londres. Não foi capaz de cobrar um cêntimo e foi despedido.

O japonês pensará com os seus botões: "Que país demencial é este agora, gente miserável, jornais de trapaça, TVs de escândalo, degradação de linguagem, vestes sombrias, cidades destruídas, campos abandonados, poses pusilânimes, discursos grosseiros, senhoras e senhores ministros de cera …".

Salvo, claro está, digo eu, o Dr. Portas o único que ainda recorda qualquer coisa dos velhos tempos …no vestir austero, na pose severa, na firmeza do discurso…

Entretanto o senhor Primeiro-ministro, após as férias, viaja. Já deviam ter percebido o seu estilo arejado. Na visita oficial ao Brasil, a primeira, afirmou solenemente que ela (a visita) se tinha ficado a dever ao facto de se juntar "o útil ao agradável", ou melhor, "o agradável ao útil". Ele desejava muito a visita e surgiu o convite. Brilhante.

Mas as mais incríveis notícias não têm afinal importância nenhuma. São para entreter. O objectivo é banalizar o essencial para ganhar tempo. E como dizia o outro "tempo é dinheiro". Sempre se fazem uns negócios. Pela "surra". Nos interstícios do ruído promovido pelos assessores de imprensa. Ao mesmo tempo aparecerão umas medidas "sociais" para fazer ver ao povo crente que a estratégia do governo lhe dá importância.

Aliás o problema do governo, como sabem, não advem do conteúdo das medidas, mas da insuficiência da comunicação. Mas esse tempo já acabou. Os sociais-democratas deste governo vão comunicar com eficácia. Não estão verdadeiramente preocupados com as reformas de fundo do País e do Estado, nem com as reformas dos pobres e idosos, nem com o drama dos desempregados. O programa apresentado nas eleições legislativas de 2002 falava em "alhos" e este o governo fala em "bugalhos". Esta situação causa engulhos a muitos sociais-democratas. Mas os do governo estão pouco preocupados com isso.

Estão preocupados é com a comunicação que, noutros tempos, se apelidava de propaganda. E, antes de mais, com as grandes operações financeiras em torno do património do Estado, (a chamada "titularização"), das privatizações (as águas, por exemplo), da aquisição de armamentos para as FFAA … Entrou-se na era do pragmatismo fúnebre.

Lembram-se do celebrado verso de Gedeão: "Eles não sabem, nem sonham, /que o sonho comanda a vida." Mas para os mentores do pragmatismo fúnebre agora a música é outra: "Eles sabem que o negócio comanda a vida".Tudo o resto é para sobreviver, à míngua, ou para morrer. É urgente um sobressalto cívico contra esta estratégia fulminante de tomada do poder real pela direita não social-democrata. Mas é mesmo urgente!


terça-feira, setembro 7

Congratulações

O PP e o PSD, partidos da maioria governamental, congratularam-se por uma decisão de um tribunal. O PSD seguiu a reboque do PP. Esperemos para ver, no futuro, quais as suas tomadas de posição acerca de outras decisões dos tribunais. De qualquer maneira estas congratulações, ao contrário de um sinal de força, parecem um sinal de fraqueza.

segunda-feira, setembro 6

Ao arrumar as estantes

Ao arrumar as estantes os papéis sobejam. E saltitam os livros. Por todo o lado surgem surpresas. As decisões são difíceis. É pragmático lançar para o lixo todos os papéis que ostentem uma aparência inútil. E arrumar fora do alcance directo da mão os livros que se não esperam ler. Mesmo os nunca lidos.

Suspendem-se as decisões vezes sem conta. É uma tarefa de governo autêntica. Mesmo quando a biblioteca é pequena. Mas como definir a dimensão de uma biblioteca? Na casa dos meus avós (maternos), para além do "borda de água", havia um só livro. Tenho-o agora comigo. Era a Bíblia Sagrada. Uma edição antiga. Era uma grande biblioteca, a dos meus avós.

Hoje, ao arrumar as estantes, caiu de dentro da primeira edição de "O Canto e as Armas", de Manuel Alegre, (1967, Colecção Nova Realidade, Impresso na Tipografia do Carvalhido - Porto), um poema. Numa folha A5, muito bem dobrada e conservada, dactilografado à máquina, eis o poema, de qualidade discutível, mas cuja mensagem é o espelho de uma época de resistência à ditadura:

ENTENDER

Entender
mas sem falar,
é fundamental.
E em silêncio
há braços e mãos
que ajudam corpos
movem montanhas,
esperam p´los dias…

Sempre entendendo
sem falar,
tal e qual.

Assinado à mão: Carlos.


Por mais que puxe pela cabeça não sou capaz de identificar o autor. Por vezes a memória fixa os acontecimentos mas omite os protagonistas. A memória, salvo os Santos (e em Portugal não os há) e as multidões anónimas (e em Portugal só as há, por vezes, no futebol), é injusta para os homens que fazem a história.
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Maria João Pires

Uma das maiores figuras da cultura portuguesa, a pianista Maria João Pires, está desiludida. Ao contrário de tantos outros optou por ficar em Portugal. Investiu as suas energias e prestígio num arrojado projecto cultural no interior.

No interior promovendo a verdadeira deslocalização, o combate, a sério, contra a desertificação humana, o equivalente a umas 20 Secretarias de Estado. Enfim o mais difícil. Ainda para mais os incêndios, deste verão, tocaram a Belgrais.

É que há territórios do interior que apoiam, através da sua própria existência física, ou dos rendimentos que geram, projectos culturais. É o caso de Belgrais, de Maria João Pires, como de um outro, que conheço melhor, o da "Fundação de Fronteira e Alorna", de Fernando Mascarenhas. O ano passado também ardeu uma grande área do montado de sobro, situado no Alentejo, que financia, em parte, as actividades desta Fundação.

Os projectos culturais destas entidades, sob o impulso de mulheres e homens verdadeiros defensores da cultura, sofrem também, em silêncio, com os incêndios.

No seu desabrimento Maria João Pires assume as dificuldades das iniciativas ousadas e, quantas vezes, a impotência dos seus mentores face à desconfiança, à inveja e à ignorância. Portugal deixa-se abandonar pelos seus melhores filhos ou exila-os na sua própria terra. Resta Espanha e o Atlântico, não é?

"Pianista Vai Dirigir Projecto Cultural em Salamanca"


Luis Nunes de Almeida

Acabo de ver a notícia da sua morte. Era Presidente do Tribunal Constitucional. Recordo-o como amigo, aberto, afável, cordial e íntegro. Conheci-o, de perto, nos tempos em que ambos militamos no MES (Movimento de Esquerda Socialista). Uma aventura a muitas vozes que, estou certo, nenhum de nós esqueceu. Sinto-me mais pobre.

domingo, setembro 5

LIBROS

Vuelvo a casa
una vez más
con siete libros.

Dirán que engullo el saber,
que todo es pose,
que nadie puede leer tanto, ni tan rápido;
que, como los otros, no disfruto
la lectura;
que esto es parte de mi furor numérico;
que para qué tanto, si no se me pone cara
de docto y circunspecto.

No sospechan, ni de lejos,
la verdad:
me gusta la chica de la librería.

DIEGO VALVERDE VILLENA
In Hartz

Informação e "conversas de café"

O artigo com o título em epígrafe, publicado, 6ª feira passada, no "Semanário Económico", está disponível na abébia vadia.

sábado, setembro 4

Notícias do meu país

As notícias da manhã deram para perceber algumas situações previsíveis. O governo reuniu em Évora - em mangas de camisa - para preparar a concretização do seu programa. Mas já passaram 50 dias. O programa, ao que se consta, é, no essencial, o mesmo do anterior governo. Ou seja do governo de José Manuel Barroso. Este é um governo de continuidade, não é? Devia ser fácil pôr o motor em marcha.

Ainda por cima o "Pacto de estabilidade e crescimento" (PEC) vai ser flexibilizado. Ou seja, vai deixar de ser inflexível. O Dr. Bagão Félix regozija-se. O PS tinha razão. O Estado, afinal, vai poder gastar mais. Aposto que o Dr. Bagão Félix vai fazer uma encenada comunicação ao país na véspera do Congresso do PS. Com uma forte vertente de "preocupação social". Pois o PS já não está no governo e os próximos anos são de eleições.

A pesada herança agora é da Dra. Manuela Ferreira Leite. A "Dama de Ferro" desceu às catacumbas e não se ouve da sua boca nem um suspiro. O que ontem era verdade hoje passou a ser mentira.

Um pormenor exemplar e delicioso: o Dr. Fontão de Carvalho vai assumir o pelouro das finanças da CML. Era ele mesmo o responsável por esse mesmo pelouro na gestão do Dr. João Soares. É para a gente se rir.

sexta-feira, setembro 3

Ilha da Barreta

Mais conhecida por Deserta a "Ilha da Barreta" é um paraíso que sobreviveu ao "assassínio" do Algarve. Fui lá hoje, de novo, com o meu filho que se dedica, com paixão, aos prazeres da pesca.

O dia estava "nuvrado" como dizia meu pai, que amanhã faria 94 anos, usando uma palavra antiga. Mas a paisagem da praia algarvia, sem sol escaldante, ganha um fulgor inusitado.

É o melhor do Algarve. As águas e as aves, o vento suave e fresco, o recorte da praia e o silêncio são, no conjunto, de uma beleza esplendorosa.

Sem nada a ganhar senão divulgar este paraíso aqui deixo o acesso à página electrónica da única entidade que presta serviços na "Ilha Deserta".

quinta-feira, setembro 2

Alegre e Sócrates

Vi que Alegre preconiza um programa político em que a ética republicana toma a dianteira. O problema desta atitude corajosa (nem outra coisa, dele, seria de esperar) é o de surgir de um candidato perdedor. Toda a campanha para a liderança socialista está condicionada pela "ideologia realista" da maioria dos dirigentes socialistas.

A candidatura de Alegre é uma candidatura de contra-poder. A candidatura de Alegre, nos últimos tempos, é uma novidade na política portuguesa. Ferro também o foi mas a direita não lhe perdoou a independência face aos poderes fácticos.

Alegre tem a vantagem de não aspirar, de facto, a ganhar o PS. Afinal o papel desempenhado por Alegre, no PS, está mais próximo do papel desempenhado, no PSD, por Santana, antes de Sampaio lhe ter oferecido, de bandeja, o poder. Ser uma voz crítica e incómoda num partido acomodado.

No país o problema de Alegre é ser penalizado pela opinião pública, ao mesmo tempo, pelo seu papel na "contra-revolução" (efeito esquecimento) e por preconizar, ou mostrar abertura, a uma aliança à esquerda (efeito medo).

No fim Alegre preconiza aquilo que Sócrates não é capaz de defender mas que é capaz de fazer. A fraqueza de Sócrates é a sua força: não tem passado para esquecer, nem futuro para temer.

quarta-feira, setembro 1

Carocho

Dedicado ao "Sempre-à-Coca" aqui reproduzo este post que já foi publicado na abébia vadia. Tal excepcional duplicação deve-se à decisão daquela juíza de turno que aproveitou o ensejo para mandar "prender toda a gente". O que comprova, como poderão verificar mais à frente, que o "Carocho" me faz cada vez mais falta.

O meu amigo Sempre-á-Coca, na sua deriva "citadora", actividade nobre que tem andado pelas horas da morte com a intelectualidade toda a bater no Sócrates, lembrou-me uma fase de "desfasamento" na minha vida.

Ando com a leitura dos clássicos, da "estação estúpida", atrasada uma semana. Ainda não li o Salvado mas já li o Sócrates.

O que é verdade é que as minhas verdadeiras preocupações, aquelas mesmo que me preocupam, estão desfasadas das manchetes dos tablóides, incluindo o Expresso.

Isto preocupa-me. Pois só aconteceu, a sério, uma vez na minha vida e, na época em que aconteceu, não haviam tablóides. É que eu quando era adolescente lia, quase todos os dias, os jornais todos.

Era na pequena biblioteca de uma "Sociedade" da cidade de Faro e eu "papava", de fio a pavio, sem preconceitos ideológicos, desde o "Diário da Manhã", ao "Novidades" a acabar no "República". Nessa altura andava desfasado.

Tinha, à época, um amigo, muito chegado, que o Sempre-à-Coca é capaz de conhecer, que era o "Carocho" - um homem de todas as vidas. Não é gato, não. É mesmo homem.

O "Carocho" sabia tudo. Tinha todas as informações possíveis e imaginárias. E eu, nada. Ele descrevia, com requinte, os factos, das fontes dele, e eu ficava com cara de parvo. Desde os "Ballets Roses" até aos escândalos da terra, ele sabia tudo.

E eu desfasado. Eu só sabia das informações que vinham na comunicação social que, como é sabido, não correspondiam nada à realidade. É claro que havia a censura.

Mas eu acreditava que, mesmo assim, devia andar a par das notícias. De tal maneira me actualizava que andava sempre ao lado da realidade verdadeira. É mais ou menos como agora. Não há censura. Mas o resultado é o mesmo.

A diferença é que agora são as autoridades que não acreditam nas notícias. De que elas próprias são as fontes. O lápis azul foi substituído pelo "não se pode perturbar o inquérito" ou "não se pode descredibilizar a investigação".

Porra que falta me faz o meu amigo "Carocho". Ele também era indiferente às notícias que vinham na comunicação social mas era porque tinha acesso às verdadeiras. E não era do CM nem da PIDE.

Faço daqui um apelo a quem souber do paradeiro do "Carocho" que lhe dê os meus azimutes. Ele que entre em contacto urgente comigo. Volta "Carocho".