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domingo, fevereiro 11

GENERAL HUMBERTO DELGADO

No próximo dia 13 de fevereiro passam 53 anos sobre o assassinato do General Humberto Delgado. Assinalo essa triste efeméride com alguns posts acerca da sua figura e ação politica.

A sua emergência na oposição politica à ditadura ganhou expressão com a candidatura às eleições presidenciais de 1958. O anúncio da mesma ficou célebre, em 10 de Maio de 1958, na conferência de imprensa inaugural da campanha, no antigo Café Chave de Ouro, em Lisboa, com uma resposta do General ainda para mais se atentarmos ao contexto político da época em que foi proferida.

“Dez horas são dez horas!” – Cultor da pontualidade, Humberto Delgado tomou o seu lugar na mesa de honra.

Não foi preciso muito tempo para saber o que tinha Humberto Delgado a dizer quanto às suas intenções a respeito de Oliveira Salazar. Com efeito, essa pergunta delicada, perigosa e mais ansiada que todas, foi logo a primeira a ser colocada, pela boca do correspondente em Lisboa da agência France-Presse desde 1948, o jornalista Lindorfe Pinto Basto. (…)

“Sr. General, se for eleito Presidente da República, que fará do Dr. Presidente do Conselho?”

Cortando cerce o silêncio de sepulcro que se instalou no vasto salão de chá, Humberto Delgado proferiu firme e secamente estas palavras que tomando toda a gente de surpresa e de assalto, incluindo os seus mais próximos correligionários, ficaram para a posteridade e são uma das frases mais célebres e mais citadas da história contemporânea de Portugal:

“Obviamente demito-o!”*

*(… )“no entanto o jornalista Lindorfe Pinto Basto afirmaria, passados muitos anos, que a resposta de Humberto Delgado foi: “Demito-o, é óbvio!” (…)

sexta-feira, janeiro 19

EUGÉNIO DE ANDRADE

Eugénio de Andrade (Fundão, Póvoa de Atalaia, 19 de Janeiro de 1923 — Porto, 13 de Junho de 2005)

Li hoje a notícia. O Eugénio de Andrade está muito doente
Uma notícia não desfaz o mundo nem o inexorável destino.
Peguei num livro e os teus poemas límpidos como a água
Perto da nascente correram pela minha face como gotas
Salgadas que se desfaziam nas letras cerzidas a ouro que
Soletrei com um olhar subitamente luminoso vendo-te
De pé no lugar do poeta que se deixa tomar pela beleza.

Li hoje a notícia. É verdade. A pena parou de garatujar
Versos claros, transparentes, amorosos, mais que perfeitos.
“A beleza não é lugar de perfeição.” Retrato de Actriz (Eunice)
Nemésio (Vitorino): “Ninguém te lê os versos, tão admiráveis
Alguns, e a prosa não tem muitos leitores, …” Admirável
Admiração a tua fazendo belo o mundo à volta, talentosos
Os outros, admiráveis se tu os sonhaste belos por dentro.

Li hoje a notícia. Um velho livro de poemas de Federico.
Ao teu jeito português foi o primeiro que li dele. A paixão
Desabrida em sangue cigano escorrendo pelos lábios
Sedentos de um amor implacável que ardia em chamas.
Soube o que era a Espanha mais por ele e por ti juntos
Do que por mil e uma travessias de fronteiras que além
De nós tinham o encanto das mulheres que se assumiam.

Li hoje a notícia. Já sabia que havias de adoecer um dia.
E o anúncio ao menos evita que alguém amigo te faça
O que fizeste ao Sena: “É por orgulho que já não sobes
As escadas? Terás adivinhado...” Senti ternura. A mão
Escapuliu-se-me e tomou o lugar do coração que pulsou
Mais depressa agarrando tudo o que havia por perto
Fazendo uma concha de terra florida para te guardar.

A voz. Li hoje a notícia. Aguardo a tua despedida tal
Como se fosse a de um familiar íntimo perto de mim.
Seguro a tua mão ouço o suspirar do teu corpo no fim
Conheço os teus versos mas não sei se será suficiente.
E me interrogo que farão da tua memória os vindouros.
Não foste fonte de poder nem encantador de serpentes.
Simplesmente poeta. Quanto baste para não ser gente.

Lisboa, 7 de Junho de 2004

domingo, janeiro 7

Pelo 1º aniversário da morte de Mário Soares

Pode pensar-se o que se quiser, ser afável (ou feroz) adversário, admirador incondicional ou simpatizante complacente, Mário Soares será dos raros nomes, senão o único, que ficará na memória coletiva na história do século XX português.

terça-feira, dezembro 19

ABSORTO - 14 anos

Deixar uma marca

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão olhando o mundo e tomando a medida exacta da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus, usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra, a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar, mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte ou à lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular ou da espingarda apontada à fronte do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente à terra atapetada de flores de amendoeira em silêncio e paz.

(um programa para o absorto)

Fotografia de Hélder Gonçalves

domingo, dezembro 17

PELO 81º ANIVERSÁRIO DO PAPA FRANCISCO - QUE VIVA

O tempo é superior ao espaço

222. Existe uma tensão bipolar entre a plenitude e o limite. A plenitude gera a vontade de possuir tudo, e o limite é o muro que nos aparece pela frente. O «tempo», considerado em sentido amplo, faz referimento à plenitude como expressão do horizonte que se abre diante de nós, e o momento é expressão do limite que se vive num espaço circunscrito. Os cidadãos vivem em tensão entre a conjuntura do momento e a luz do tempo, do horizonte maior, da utopia que nos abre ao futuro como causa final que atrai. Daqui surge um primeiro princípio para progredir na construção de um povo: o tempo é superior ao espaço.


223. Este princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a suportar, com paciência, situações difíceis e hostis ou as mudanças de planos que o dinamismo da realidade impõe. É um convite a assumir a tensão entre plenitude e limite, dando prioridade ao tempo. Um dos pecados que, às vezes, se nota na atividade sociopolítica é privilegiar os espaços de poder em vez dos tempos dos processos. Dar prioridade ao espaço leva-nos a proceder como loucos para resolver tudo no momento presente, para tentar tomar posse de todos os espaços de poder e autoafirmação. É cristalizar os processos e pretender pará-los. Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos de uma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificarem em acontecimentos históricos.

PAPA FRANCISCO, in "EXORTAÇÃO APOSTÓLICA - EVANGELII GAUDIUM"

domingo, dezembro 10

Albert Camus - 60º aniversário da entrega do nobel da literatura

No dia do 60º aniversário da entrega do Nobel da literatura a Camus retomo uma reflexão acerca do sentido da sua obra. Desta forma dou sentido a uma ideia que se instalou nos primórdios deste blog, prestes a completar 14 anos de vida, de se trata de um blog Camusiano, o que nunca foi intenção do autor do mesmo.

A obra de Camus lança os fundamentos de uma filosofia do homem sem Deus numa tripla perspectiva: uma maneira de conceber o mundo (o absurdo); uma maneira de existir (a revolta); uma maneira de estar na vida (o amor).

O sentimento do absurdo orienta Camus para a descoberta dum valor – a revolta. Este valor não se situa nem na eternidade religiosa, nem na sua substituição laica, a história, mas, de forma muito cartesiana, no “provisório” que envolve toda a vida do homem e que, por esse facto, representa para ele o “definitivo”.

O projecto de Camus não é somente o de lançar os fundamentos de uma sabedoria de tipo existencial acerca da compreensão individual da revolta mas, de forma mais alargada, de uma sabedoria social e política a partir da compreensão histórica dessa revolta.

Esta passagem da revolta solitária contra o absurdo à revolta solidária contra o mal da história efectua-se pondo em evidência um novo cogito: “Revolto-me, logo somos”.

Em Camus a revolta, no início e no fim, está ligada ao amor. Não é pelo facto da existência ser um absurdo que o homem revoltado deve sucumbir à tentação de tudo negar. É preciso, incondicionalmente, preservar o valor da vida e do humano na sua tripla dimensão, ao mesmo tempo, existencial e individual, histórica e comunitária, mas também, cósmica, negando o que oprime o homem (o absurdo, o mal). Camus tem uma percepção física e metafísica da dignidade humana.

Identificar o inumano (o absurdo, o niilismo, o ressentimento, o mal), fundar o humano (a revolta, o amor), lançar os fundamentos de uma filosofia do homem sem Deus foi a tentativa filosófica e literária de Camus.

Propor uma sabedoria inédita, ao mesmo tempo, individual, colectiva e cósmica contra tudo o que nega o homem, o mutila e tende a destruí-lo é o fio condutor de toda a sua obra.

Os fundamentos desta filosofia do homem sem Deus são a revolta-e-o-amor. Ou ainda, com André Conte-Sponville, o absurdo-a revolta-o amor: 1) o não do mundo ao homem (o absurdo); 2) o não do homem ao mundo (a revolta); 3) o sim originário e último à vida, aos seres, à terra que os dois nãos, com o consentimento subjacente, assumem (o amor).

“Pessimista quanto ao destino humano – afirmava Camus – eu sou optimista quanto ao homem. E não em nome de um humanismo que sempre me pareceu limitado, mas em nome de uma ignorância que tenta não negar nada.”

Em 1957, nas vésperas de lhe ser atribuído o Nobel, ele declarou:

“ao descer de um comboio, um jornalista perguntou-me se me ia converter. Respondi: não. Nada mais que a palavra: não …Tenho consciência do sagrado, do mistério que há no homem e não vejo razões para não confessar a emoção que sinto perante Cristo e os seus ensinamentos. Receio, infelizmente, que em certos meios, em particular, na Europa, a confissão de uma ignorância ou a confissão de um limite ao conhecimento do homem, o respeito pelo sagrado, surjam como fraquezas. Mas se são fraquezas, assumo-as com força …”

sexta-feira, dezembro 1

A propósito do 1º de dezembro

Num tempo como o nosso de tantas incertezas (afinal comuns a todos os tempos) convivo mal com a ignorância e subalternização da história. Não que seja um especialista, ou estudioso, de história no sentido académico mas como simples cidadão interessado em conhecer os caminhos que nos conduziram, em todos os domínios, até ao presente. Se não erro não há, hoje, um único programa nos canais de televisão generalistas que verse acerca de história. A história de Portugal bem merecia que os meios públicos de comunicação - RTP/RDP - lhe dedicassem uma especial atenção. Vou esperar sentado ... até que a sociedade civil tenha suficiente força para impor a concretização de uma iniciativa que, de forma atraente, divulgue o essencial da história de Portugal.

sexta-feira, novembro 24

AS INUNDAÇÕES DE NOVEMBRO DE 1967 (II)


No dia 25 de novembro de 1967, era sábado, lembro-me de sair, era já tarde/noite, do ISCEF, pouco mais de um ano após ter iniciado os estudos naquela escola. Teria ido, certamente, participar numa reunião ou, mais prosaicamente, jantar na cantina da Associação de Estudantes. Ao sair devo ter feito o caminho de casa, um quarto alugado, ao cimo da Calçada da Estrela. (hoje, passados 50 anos, este percurso e sua envolvente, está, praticamente, igual).

Chovia muito, mas não estranhei porque, ao contrário de hoje, era normal chover nesta época do ano. Não levava qualquer resguardo para a chuva, que nem me pareceu excessiva, e caminhei colado às paredes até chegar ao destino. A minha perceção da chuva que caía naquela hora não me permitiu sequer imaginar as consequências que haveria de provocar. Chovia, simplesmente.

Na manhã do dia seguinte, domingo, devo ter feito o caminho oposto, corriam as notícias de inundações em diversos sítios de Lisboa e arredores, e devo ter-me dirigido ao Técnico para me juntar à gigantesca mobilização estudantil que se organizou para avançar para as zonas mais atingidas em socorro das vitimas e no apoio à reparação dos estragos.

O quartel general, que me lembre, havia sido montado no Técnico e deve ter sido a primeira vez que, à margem dos poderes instalados, com autonomia e mobilizando recursos próprios, se promoveu uma ação voluntária juvenil de grande envergadura à margem da politica oficial do regime. Foi um processo organizado que enquadrou a vontade espontânea de uma multidão de jovens estudantes ávidos de participação cívica e politica.

Fui numa brigada para Alhandra munidos de meios rudimentares e lembro-mo com nitidez de nos afadigarmos a limpar ruas no meio da maior destruição que se possa imaginar. Retenho na memória o ambiente de caos e de tensão pois, afinal, estávamos a participar numa ação voluntária não autorizada que, naquela época, comportava riscos pessoais. Não havia medo, mas necessidade, e vontade, de ação.

Os meios para o socorro eram escassos, mas o que contava, de verdade, era participar, prestar solidariedade, ver com os próprios olhos in loco o que, de súbito, nos surgiu como uma calamidade de enormes proporções. Uma pá na lama, os destroços, uma palavra de conforto e incentivo, uma força coletiva que enfrentava sem medo a situação dramática de populações desprotegidas e, afinal, um regime decadente acobertado na ignorância, na censura e na repressão.

No que me respeita ficou uma experiência sem dissabores. Não poderia imaginar que estávamos nas vésperas da queda de Salazar e da emergência, em 27 de setembro de 1968, do governo de Marcelo Caetano, menos de um ano depois daquelas trágicas inundações. Afinal aquela gigantesca ação voluntária havia de contribuir, de forma relevante, para o início do processo politico que desembocou no 25 de abril de 1974.
Não foi a minha primeira participação num movimento cívico, com vocação politica, (havia participado antes nas “eleições” de 1965) mas foi a ação mais impressiva e intensa que jamais esqueci e que muito contribuiu para configurar uma vontade de participação cívica e politica que nunca mais me abandonou.

AS INUNDAÇÕES DE NOVEMBRO DE 1967

Poste de 20 de novembro de 2007, que reponho hoje, lembrando a passagem de 50 anos sobre as trágicas inundações de 1967.

No contexto da descrição sucinta dos últimos dois anos de Salazar à frente do governo de Portugal, no livro “ a história da PIDE”, Irene Flunser Pimentel – Circulo de Leitores/Temas e Debates, descreve-se um acontecimento marcante sobre o qual passam, nos próximos dias, 50 anos:

“O dia 25 de Novembro de 1967 foi marcado por chuvas diluvianas, em Lisboa e arredores, que causaram centenas de mortos, não sendo divulgada na imprensa a magnitude do desastre nem o número de vítimas. Muitos estudantes de Lisboa mobilizaram-se para ajudar as populações, apercebendo-se, nesse contacto, das terríveis condições em que viviam muitos portugueses. Entretanto, tinha havido no seio do regime o caso dos ballets roses, conforme noticiou, em Dezembro, o jornal inglês Sunday Telegraph.”

Participei numa das brigadas de estudantes que acorreu em apoio às populações dos arredores de Lisboa. Coube-me, com partida do Instituto Superior Técnico, desembarcar, se não erro, em Alhandra no meio de um ambiente desolador de destruição e morte. Lembro a complexa operação logística e as pás a remover a lama que engolira ruas e casas. O regime surpreendido pelas dimensões do desastre e pela prontidão da ação politico/solidária dos estudantes não foi capaz de suster o movimento.

Foi, certamente, este um dos mais significativos atos simbólicos que assinalou o início do fim da ditadura. Pouco tempo depois, em Fevereiro de 1968, Mário Soares foi preso, deportado e sujeito a residência fixa em São Tomé e Príncipe. Em 7 de Setembro de 1968 Salazar foi operado a um hematoma, após a queda da cadeira e, “no dia 17, após convocar uma reunião do Conselho de Estado, o Presidente da República anunciou que iria nomear novo presidente do Conselho de Ministros. Dez dias depois, informou que, “atormentado entre os seus sentimentos efetivos de gratidão”, decidira exonerar Salazar e nomear Marcelo Caetano” [pág.. 184]

Confesso que tinha perdido a noção exata da cronologia destes acontecimentos e fiquei surpreendido com a proximidade entre as grandes inundações de 25/26 de Novembro de 1967 e o mês de Setembro de 1968 que marca o fim político do ditador.

sábado, outubro 28

Pelo aniversário do meu filho Manuel

Pelo 27º aniversário do meu filho Manuel (27/10/1990). O texto abaixo foi escrito, onze anos atrás, a pedido dele, para integrar o “portfolio” da disciplina de português do 10º ano. Publico-o como celebração do seu aniversário e em homenagem à sua mãe que só aparentemente dele está ausente. A professora, por sua vez, com razão, estranhou a ausência de parágrafos. Mas o texto, de facto, é mesmo assim. Uma espécie de mancha compacta povoada de palavras que exprimem uma imagem absolutamente subjectiva de alguém a quem queremos mais do que tudo.

O meu filho pediu-me para escrever um texto acerca dele próprio. Este é o texto mais difícil de escrever. Quando tinha a idade que ele tem agora as minhas dificuldades nos estudos eram mais acentuadas. A descoberta do corpo, nos alvores da adolescência, é fonte de prazeres e de medos. Julgo que sofri mais nessa fase da vida. Subjectividades. Nunca seria capaz de pedir aos meus pais que escrevessem um texto acerca de mim. Não que não fossem capazes apesar do nível de escolaridade que alcançaram ser mais baixo do que aquele que me deixaram de herança. Mas porque o olhar do meu filho acerca do papel dos pais mudou. Assim como mudou o seu olhar acerca do papel do professor e da escola. Ele tem, ao contrário dos pais na sua idade, mais capacidade de crítica e mais autonomia para expressar as suas opiniões. Gosta de participar e excede-se, porventura, na sua vontade de partilhar o espaço comum. Desde criança que exercita a sua curiosidade ouvindo todas as notícias. Mas, ao contrário das aparências, é tímido. Uma herança familiar. Receia enfrentar o desconhecido mas gosta de ouvir as discussões que transcendem a sua capacidade de entendimento. Gosta de discutir os temas da política e, em regra, é capaz de formular sínteses coerentes e equilibradas. Precisa de participar em actividades colectivas. Não sendo o teatro, ou a música, que seja o “parlamento”. Exercitará a capacidade de argumentação, a arte da palavra e as vantagens da síntese. Tem aprendido, progressivamente, a gerir a autonomia que lhe é oferecida e a organizar os seus tempos. Amadureceu a consciência de que precisa de trabalhar mais tempo e de forma mais organizada. É gentil. Vive no seio de uma família estruturada, uma tradição familiar que enraíza nas gerações passadas. É seguro. Desde criança que se enfurece quando lhe escapa das mãos qualquer objecto. Aprendeu a ouvir música para a qual sempre manifestou uma especial predilecção. É apreciador da natureza e da sua preservação, em particular, dos animais. Em criança aprendeu a pescar e a arranjar o peixe de que conhece todas as espécies. Aprecia os amigos, honra a intimidade e guarda os segredos. Entusiasma-se e distrai-se. Amadurece devagar. Sonha.

domingo, outubro 8

Os últimos revolucionários

Neste vil mundo que nos coube em sorte
por culpa dos avós e de nós mesmos
tão ocupados em desculpas de salvá-lo,
há uma diferença de revoluções.
Alguns sofrem do estômago, escrevem versos,
outros reúnem-se à semana discutindo
o evangelho da semana; outros agitam-se
na paz da consciência que adquirem
como agitar-se em benefícios e protestos;
outros param com as costas na cadeia
para que haja protestos. Há também
revoluções, umas a sério, que se acabam
em compromissos, e outras a fingir,
que não acabam nem começam. Mas são raros
os que não morrem de úlcera ou de pancada a mais,
e contra quem agências e computadores
se mobilizam de sabê-los numa selva
tentando que os campónios se revoltem.
Mas os campónios não revoltam. E eles
são caçados, fusilados, retratados
em forma de cadáver semi-nu,
a quem cortam depois cabeça, mãos,
ou dedos só (numa ânsia de castrá-los
mesmo depois de mortos), e o comércio
transforma-os logo num cartaz romântico
para quarto de jovens que ainda sonhem
com rebeldias antes de empregarem-se
no assassinar pontual da sua humanidade
e da dos outros, dia a dia, ao mês,
com seguro social e descontando
para a reforma na velhice idiota.
Ó mundo pulha e pilha que de mortos vive!

24/11/1971

Jorge de Sena, In “Poesia III” – “Exorcismos” – selecção de poemas resultante da leitura de Julho de 2007 em Cuba.

(A propósito do 50º aniversário do assassinato de Che Guavera. Jorge de Sena escreveu ainda, pouco antes de morrer, uma nota publicada na última edição de Poesia III: “Este poema, escrito nos fins de 1971, como vai indicado, havia sido solicitado contributo meu para uma plaquete de homenagem a Che Guevara, que se não estou em erro, a polícia então suprimiu e que Egito Gonçalves organizara. Como outros igualmente violentos, “passou” nestes Exorcismos de que, a mais de que um título, é parte." )

“Che Guevara” – Alberto Korda, Março/1960

quinta-feira, outubro 5

5 de outubro de 1910


Às 8,30 da manhã passava pela Rua do Ouro, em triunfo, a artilharia, que era delirantemente ovacionada pelo povo.

As ruas acham-se repletas de gente, que se abraça. O júbilo é indescritível!

A essa hora, no Castelo de S. Jorge, que tinha a bandeira azul e branca, foi içada a bandeira republicana.

O povo dirigiu-se para a Câmara Municipal, dando muitos vivas à REPÚBLICA, içando também a bandeira republicana.

(…)

Vê-se muita gente no castelo de S. Jorge acenando com lenços para o povo que anda na baixa. Os membros do directório foram às 8,40 para a Câmara Municipal, onde proclamaram a República com as aclamações entusiásticas do povo.

O governo provisório consta será assim constituído: presidente, Teófilo Braga; interior, António José de Almeida; guerra, Coronel Barreto; marinha, Azevedo Gomes; obras públicas, António Luís Gomes, fazenda, Basílio Telles; justiça, Afonso Costa; estrangeiros, Bernardino Machado.

Governador Civil, Eusébio Leão.

Em quase todos os edifícios públicos estão tremulando bandeiras republicanas. A polícia faz causa comum com o povo, que percorre as ruas conduzindo bandeiras e dando vivas à República.

(Transcrito de O Século, quarta feira, 5 de Outubro de 1910, publicação de última hora.)

Raúl Brandão, in Memórias “O meu diário” – Volume II

Perspectivas & Realidades

sábado, junho 10

10 de junho

10 de junho, uma data simbólica. Como são importantes os símbolo! O atual PR, Marcelo Rebelo de Sousa, entende essa importância, tal como os atuais titulares dos mais altos cargos (PM, António Costa e o PAR, Eduardo Ferro Rodrigues) por razões que têm a ver com a cultura e o percurso pessoal, e politico, da cada um. Seria interessante fazer uma digressão pelos respetivos percursos para se entender melhor as suas opções em cada momento, face a cada situação e problema concreto. A saída das fronteiras físicas de Portugal para a celebração do Dia de Portugal corresponde ao reconhecimento da realidade de um país e do seu povo que desde há séculos emigra tendo constituído uma diáspora com significado a todos os títulos. Não somos caso único, bastando para tal conhecer a dimensão, por exemplo, das comunidades estrangeiras no Brasil (alemães, italianos, japoneses ... e a sua dimensão) mas, no caso do Brasil, Portugal, bem ou mal querido, é mais do que um país de destino de emigrantes portugueses.

domingo, maio 14

13 maio

Nestes últimos dias o espaço público do nosso país foi ocupado por acontecimentos com significado e impacto na opinião pública. Ao contrário do que tantas vezes tem acontecido nos últimos anos não se trata de desastres, crises, crimes....
Uma parte da intelectualidade de esquerda mantém um ruidoso silêncio ou emite opiniões de desagrado. Julgo que ressoa ainda no seu pensamento o mito dos três efes do Estado Novo: Futebol, Fátima e Fado. Mas os nossos tempos são outros e, neste 13 de maio de 2017, qualquer destes efes não se pode assemelhar ao "soporífero social" do outro tempo.
O Futebol internacionalizou-se, continua a ser uma modalidade desportiva fascinante e não é mais uma bandeira, no plano politico, de uma ditadura. Fátima neste centenário, para além da questão da fé, trouxe a Portugal o Papa Francisco e a sua palavra que está nas antípodas de qualquer totalitarismo. O Fado, neste dia, cedeu o lugar a um estilo musical contemporâneo que se distingue pela diferença, lançando um desafio à própria indústria musical. Os "Velhos do Restelo" não escolhem quadrantes políticos e ideológicos...

segunda-feira, maio 1

1º de maio

Com que então libertos, hein?

Com que então libertos, hein? Falemos de política,

discutamos de política, escrevamos de política,

vivamos quotidianamente o regressar da política à posse de cada um,

essa coisa de cada um que era tratada como propriedade do paizinho.

Tenhamos sempre presente que, em política, os paizinhos

tendem sempre a durar quase cinquenta anos pelo menos.

E aprendamos que, em política, a arte maior é a de exigir a lua

não para tê-la ou ficar numa fúria por não tê-la,

mas como ponto de partida para ganhar-se, do compromisso,

uma boa lâmpada de sala, que ilumine a todos.

Com o país dividido quase meio século entre os donos da verdade e do poder,

para um lado, os réprobos para o outro só porque não aceitavam que

não houvesse liberdade, e o povo todo no meio abandonado à sua solidão

silenciosa, sem poder falar nem poder ouvir mais que discursos de salamaleque,

há que aprender, re-aprender a falar política e a ouvir política.

Não apenas pelo prazer tão grande de poder falar livremente

e poder ouvir em liberdade o que os outros nos dizem,

mas para o trabalho mais duro e mais difícil de - parece incrível -

refazer Portugal sem que se dissipe ou se perca uma parcela só

da energia represa há tanto tempo. Porque é belo e é magnífico

o entusiasmo e é sinal esplêndido de estar viva uma nação inteira.

Mas a vida não é só correria e gritos de entusiasmo, é também

o desafio terrível do ter-se de repente nas mãos

os destinos de uma pátria e de um povo, suspensos sobre o abismo

em que se afundam os povos e as nações que deixaram fugir

a hora miraculosa que uma revolução lhes marcou. Há que caminhar

com cuidado, como quem leva ao colo uma criança:

uma pátria que renasce é como uma criança dormindo,

para quem preparamos tudo, sonhamos tudo, fazemos tudo,

até que ela possa em segurança ensaiar os primeiros passos.

De todo o coração, gritemos o nosso júbilo, aclamemos gratos

os que o fizeram possível. Mas, com toda a inteligência

que se deve exigir do amadurecimento doloroso desta liberdade

tão longamente esperada e desejada, trabalhemos cautelosamente,

politicamente, para conduzir a porto de salvamento esta pátria

por entre a floresta de armas e de interesses medonhos

que, de todos os cantos do mundo, nos espreitam e a ela.


Jorge de Sena

SB, 2/5/74

POEMAS "POLÍTICOS E AFINS" (1972-1977)

In "40 ANOS DE SERVIDÃO"

sábado, abril 29

ANIVERSÁRIO

Ontem. Não é todos os dias que se comemoram 70 anos de vida. Continuar a trabalhar, obviar ao cansaço da gestão do que me compete gerir, restaurar todos os dias a capacidade de tolerância, não desmerecer da confiança que em mim depositam aqueles que me olham. Seguir em frente com prudência mas sem temor. Obrigada à família e aos amigos que me têm desde sempre apoiado. E sempre a lembrança de meus pais, presentes no meu coração.

domingo, março 26

DIA MUNDIAL DO TEATRO

O dia 27 de março é consagrado como Dia Mundial do Teatro. Sempre assinalo esta data não por mera celebração de uma efeméride mas porque o teatro desempenhou um papel muito importante na minha vida. Na alta adolescência, por altura do meu 6ª ano do liceu, num tempo de trevas culturais, o meu irmão deve ter impulsionado a minha aproximação à atividade teatral. As relações com o Dr. Emílio Campos Coroa haviam sido estreitadas e daí deve ter resultado a minha integração no Grupo de Teatro do Circulo Cultural do Algarve - mais tarde "Teatro Lethes" - após ter já sido iniciado pelo Dr. Joaquim Magalhães nas atividades teatrais do liceu. Foi uma oportunidade de intensa sociabilização, aprendizagem da arte do teatro e exigente exercício de enfrentamento dos públicos. Muito entrada em cena, muito palco e fala e necessário conhecimento de dramaturgos de referência. Somente a minha saída da cidade de Faro para Lisboa me separou desta experiência que marcou a minha formação pessoal e cultural para sempre. Bem hajam aqueles que me impulsionaram e acompanharam nessa formalizável experiência teatral.
(As fotografias mostram o símbolo do GTCCA e a mim próprio - pelos meus vinte e poucos anos - numa cena de "Histórias para serem contadas", do dramaturgo argentino Osvaldo Dragun.)

domingo, março 19

Meu pai na janela do mundo

O meu pai Dimas à janela da casa onde nasci. Foi através dela que conheci um mundo banhado pela claridade da luz do sul. Vivi debruçado nesta janela até aos oito anos. Todo o tempo necessário para aprender a natureza.

Paredes brancas de cal. Ladrilhos coloridos. Ruas de terra batida. Vistas de campos espraiados até ao mar. Recantos floridos. Sombras de árvores de frutos. Mãos carinhosas. Telhas de barro quente. O azul transparente do mar.

A família sobreviveu a todas as adversidades próprias das épocas de guerra. Razão mais que suficiente para, apesar da tirania, se sentir feliz. O meu pai era uma pessoa honrada e ensinou-me a liberdade. Honra e liberdade. Foi essa a herança que dele recebi. Fica-lhe bem a moldura daquela janela na qual aprendi a sonhar.

A casa permanece intacta e habitada e esta é uma das suas duas janelas térreas. O encanto que lhe encontrava estendia-se à vizinhança, aos corredores internos e às ruas circundantes.

terça-feira, março 7

Foi bonita a festa ....

A minha tia Lucília mostrou-se, na festa do seu centenário, lúcida e resistente como sempre ao longo da sua vida. A família, e os amigos, marcaram presença e a Maria da Conceição (minha prima, organizadora da festa) "obrigou-me" a falar aos presentes. O prazer foi todo meu!
(Fotografias de Margarida Ramos)