Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, abril 16
SULFATOS
O ex-ministro da saúde regressou ao Grupo Mello. O ex-ministro da saúde, no Grupo Mello, não terá nada a ver com os negócios da saúde do Grupo Mello. Vai dedicar-se ao negócio dos sulfatos!
Se tivesse sido ministro dos sulfatos regressaria, ao Grupo Mello, para tratar dos negócios da saúde e não teria nada a ver com o negócio dos sulfatos!
Estão a perceber?
ACONTECEU-ME
Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos!
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.
Almada Negreiros
Publicado em Almada: O Escritor - O Ilustrador, 1993
sexta-feira, abril 15
"a própria política é feita da mudança dos homens"
Foto de amistad
No último dia de Junho de 2004, em “Citações-4”, ensaio a mais curta e violenta crítica à eventual mudança de governo, sem a realização de eleições legislativas, com a mais longa citação de Camus assinalada a negro:
Voltando à questão dos "chefes". A mudança dos homens é a essência da política. A citação do dia é um pouco mais longa do que tem sido habitual. Mas parece-me que ilustra, com muita acuidade, uma faceta da crise política actual. A mudança do "chefe" da actual maioria representa uma profunda alteração da situação política.
Não é um detalhe que possa encontrar solução num arranjo de bastidores quando todos sabemos que "a própria política é feita da mudança dos homens".
E esta mudança é demasiado estruturante da própria política para não ser legitimada pelo mais nobre dos mecanismos da democracia representativa: o voto popular.
"Curioso. Historiadores inteligentes investigando a história de um país empregam todas as suas forças a preconizar tal política, realista por exemplo, a que se devem, segundo lhes parece, as maiores épocas desse país.
Apontam eles próprios todavia que esse estado de coisas não pôde durar porque imediatamente um outro homem de Estado ou um novo regime vieram e tudo estragaram.Nem por isso deixam de defender uma política que não resiste à mudança dos homens, enquanto se sabe que a própria política é feita da mudança dos homens. É que só pensam ou escrevem para a sua época.
Alternativa para os historiadores: cepticismo ou uma teoria política que não dependa da mudança dos homens (?)."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
PARA O ZÉ
Para o Marcelo do pentimento com amizade
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
para escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne do que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
da tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.
Adélia Prado, In "Um Jeito e Amor"
Bagagem
Fotografia de Helder Gonçalves
Esquecimentos
O "Director Geral dos Impostos", Paulo Macedo, esqueceu-se de pagar, em tempo, uma prestação da Contribuição Autárquica. Já a ex-Ministra das Finanças, que o nomeou, se tinha esquecido de declarar ao fisco, em tempo, uma outra “coisa qualquer”.
Todos nos esquecemos sempre de alguma coisa. Mas quem assume funções de topo na administração fiscal não pode esquecer-se de nenhuma das suas obrigações fiscais. A verdade é que, nestas questões de impostos, só o BCP não se esquece nunca de nada!
Mas nada me leva a simpatizar com esta campanha que o DN está conduzir contra Paulo Macedo. Repugnam-me estes métodos conduzidos por mãos ocultas visando atingir fins que bem podiam dispensar a humilhação pública dos cidadãos honestos que aceitam desempenhar funções dirigentes na administração pública.
Estes são os métodos do populismo. O governo PS não pode pactuar com eles. Portanto das três uma: ou o governo demite o "Director Geral dos Impostos", por falta de confiança política, assumindo o ónus da decisão, ou o defende publicamente, reiterando-lhe a confiança política, ou ele se demite por falta de condições para o exercício da função.
"Diário do Governo" - 9
Todos nos esquecemos sempre de alguma coisa. Mas quem assume funções de topo na administração fiscal não pode esquecer-se de nenhuma das suas obrigações fiscais. A verdade é que, nestas questões de impostos, só o BCP não se esquece nunca de nada!
Mas nada me leva a simpatizar com esta campanha que o DN está conduzir contra Paulo Macedo. Repugnam-me estes métodos conduzidos por mãos ocultas visando atingir fins que bem podiam dispensar a humilhação pública dos cidadãos honestos que aceitam desempenhar funções dirigentes na administração pública.
Estes são os métodos do populismo. O governo PS não pode pactuar com eles. Portanto das três uma: ou o governo demite o "Director Geral dos Impostos", por falta de confiança política, assumindo o ónus da decisão, ou o defende publicamente, reiterando-lhe a confiança política, ou ele se demite por falta de condições para o exercício da função.
"Diário do Governo" - 9
quinta-feira, abril 14
Imbecilidades
Fotografia de amistad
Uma das questões que se colocavam, com mais acuidade, no verão de 2004, era a da capacidade política de Santana Lopes para chefiar o governo. Ainda para mais no contexto de uma sucessão de tipo “dinástica”, ou seja, sem a realização de eleição – nem legislativas, nem internas no próprio PSD.
Pedro Santana Lopes foi, simplesmente, nomeado primeiro ministro. Cumpriu-se a legalidade mas esqueceu-se a legitimidade. De facto “há imbecilidades de tal quilate...”
Eis o que escrevi nas “Citações-3, em 29 de Junho de 2004
Claro que o "bom governo" não se reduz às qualidades do "chefe". O "bom governo" exige um bom programa e uma equipa competente. Vejam o caso do governo chefiado por Durão Barroso. É um governo legítimo resultante dos resultados das eleições de Março de 2002.
Mas o governo não integrou, salvo os líderes de ambos os partidos, nenhuma das personalidades que, durante a campanha eleitoral, foram apontadas como futuros ministros. Nem António Borges, nem Dias Loureiro, nem outros que foram insinuados, ou mesmo apresentados, como valores seguros.
O governo de Durão Barroso é fraco e incompetente. A equipa que Durão Barroso reuniu no governo foi fortemente condicionada pela coligação com o PP. Estes dois anos de governo mostraram que o PP é um partido predador. O Dr. Durão Barroso abandonou, à primeira oportunidade, o governo porque percebeu que não seria capaz de o remodelar sem se desembaraçar do PP.
Os quadros social-democratas competentes, que qualificariam um governo de centro direita, nunca integrarão um governo de coligação com o PP do Dr. Paulo Portas. Os governos de coligação PDD/PP, mesmo que resultem de uma inverosímel "iniciativa presidencial", serão sempre governos fracos e incompetentes.
A tendência, no caso da formação de um governo assente na actual maioria, é para a qualidade baixar ainda mais. A competência do governo está na qualidade das mulheres e dos homens que o compõem. Qualidades humanas, políticas e técnicas. O governo de Durão Barroso está repleto de gente sem qualidade humana, sem tacto nem experiência política e eivado de incompetência técnica.
É difícil baixar ainda mais o nível mas Santana Lopes, se for primeiro-ministro, com ou sem eleições, vai conseguir. O primeiro a perceber esta realidade é o Dr. Jorge Sampaio. Durão Barroso não sei se percebe mas, em Bruxelas, não terá que escolher os comissários. O Dr. Santana Lopes tem como tradição escolher equipas fracas e incompetentes. Para ele é-lhe indiferente o governo que chefiar pois pensará sempre "no lugar que se segue".
A citação do dia: "Montesquieu. "Há imbecilidades de tal quilate, que seria preferível uma imbecilidade ainda maior.""
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
Uma Ida ao Teatro e Carmen Miranda
Carmen Miranda
No sábado passado fui ao teatro. Não a um teatro qualquer. Recebi uns dias antes um telefonema do Joaquim Teixeira, do Grupo de Teatro Lethes, de Faro, convidando-me a assistir, na Biblioteca Orlando Ribeiro, em Telheiras, à apresentação da peça “À Distância de um Lenço”, de Manuel Córrego.
Aquele grupo de teatro foi a minha segunda escola e os tempos que nele vivi, pela mão do Dr. Emílio de Campos Coroa, foram uma luz que se atravessou a minha vida.
Assisti à bela representação da uma comédia – alta – com a presença do próprio dramaturgo- Manuel Córrego, que eu conhecia por ter sido galardoado, em 1998, com um prémio do concurso anual de peças teatrais promovido pelo INATEL.
Foi bonita a representação que o autor da peça no fim, em breves palavras, assinalou com emoção. O teatro anda sempre onde menos se espera. Ali estiveram, na minha frente, uma dúzia de actores de qualidade que me fizeram identificar com a minha própria experiência passada.
A sala estava composta. Fiquei feliz por ver que a obra iniciada pelo Dr. Coroa continua pelas mãos do seu filho, do Joaquim Teixeira e tantos outros que se arriscam, por puro amor à arte, a pisar um palco.
A minha celebração do Dia Mundial do Teatro, embora tardia, ficou completa com este blog que descobri a propósito do aniversário de Carmen Miranda acerca da qual discorrem: “A 9 de fevereiro de 1909, nascia em Marco de Canavezes, distrito do Porto, Portugal, Maria do Carmo Miranda da Cunha - Carmen Miranda. Dois anos depois, a família já vivia no Rio de Janeiro, onde o pai se estabeleceu como barbeiro. Sob a influência da irmã Olinda, a jovem Maria do Carmo aprenderia a costurar e a conhecer e amar a nossa música.”
quarta-feira, abril 13
"Há sempre uma filosofia para a falta de coragem"
Camus
No verão de 2004 a crise política aberta pelo abandono de José Manuel Barroso conduziu a uma situação propícia à avaliação da governação de direita e às mais diversas especulações acerca do caminho a tomar para a conjuração da crise. No centro do “furacão” ficaram o PR e o Secretário Geral da PS, à época, Ferro Rodrigues.
Discorro neste post, e nos seguintes, acerca do “bom governo”, dos “chefes” e dos “programas”. Mais à frente aventuro-me numa especulação em torno da estratégia presidencial.
Diga-se que sempre acreditei, ingenuamente, que o PR convocaria eleições antecipadas em Julho de 2004. Enganei-me. Em 28 de Junho de 2004, na abébia vadia, sob o título “Citações-2”, escrevi:
O "bom governo" o que é? A crise aberta pela nomeação de Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia pode ser uma grande oportunidade para debater o tema do "bom governo".
Não falo de formalidades mas da coisa em si mesma. Tomando em consideração a ideologia de juventude do "putativo futuro" PCE a primeira condição do "bom governo " é a do timoneiro ou, na linguagem mais vernácula do maoismo, a do "grande timoneiro".
O "bom governo" carece de um "bom primeiro-ministro". As suas qualidades intrínsecas não são, no entanto, suficientes pois, em regime democrático, a bondade do líder carece de ser sufragada pelo povo. É a maçada das eleições.
Nas ditaduras um grupo de conjurados impõe, a golpe, o "chefe", enquanto nas democracias representativas, os eleitos são uma emanação do sufrágio popular.
Em democracia as escolhas não resultam das qualidades intrínsecas do "chefe" exaltadas pelo apoio "unânime" dos seus apaniguados. Este é o modelo populista que se aproxima tanto mais da ditadura quanto a democracia é transformada aos olhos das massas numa desnecessidade por "não resolver nada" ou "por não valer a pena votar" (quantas vezes já ouvimos estas palavras nos últimos dias!).
A verdadeira democracia exige a coragem tranquila dos homens que querem ser livres e estão dispostos a correr o risco de lutar pela liberdade.
A citação do dia: "Há sempre uma filosofia para a falta de coragem."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
POEMA PARA GALILEU
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...
Eu sei...Eu sei...
As Margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo de praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las - ,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo
caindo
caindo
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.
António Gedeão
Obra Poética
Edições João Sá da Costa
2001
Fotografia de Helder Gonçalves
terça-feira, abril 12
DEMOCRACIA
Decidi re-publicar a série de 16 posts sob o título “Citações” que escrevi, entre 27 de Junho e 23 de Julho de 2004, para a abébia vadia, agora em pousio absoluto.
A sua leitura tem que ser feita à luz dos acontecimentos da época, ou seja, no essencial, sob a tensão da (in)decisão política do PR acerca se convocava, ou não, eleições legislativas antecipadas.
Aqueles momentos estão prenhes de ensinamentos e as citações- todas de Camus – são, na sua maioria, pelo menos para mim, um conforto para todos os desencantos passados, presentes e futuros.
Cada um destes 16 posts será agora ilustrado com uma imagem, antecedido de um comentário e de um novo título. Este é o post "Citações 1", de 27 de Junho de 2004.
Nestas alturas de crise política que me afectam o estado de espírito, vá lá saber-se porquê, desde a juventude, ponho-me a ler Camus. Alguém disse que lemos sempre o mesmo livro mesmo quando lemos livros diferentes.
Leio quase sempre os "Cadernos" de Albert Camus mesmo quando leio outro livro qualquer. Nestes dias de descrença na capacidade dos homens para encontrarem as boas soluções de governo nada melhor do que estarmos atentos. Não podemos tomar as medidas que desejamos. Outros as tomarão por nós.
As ditaduras afastam os povos da responsabilidade da tomada das decisões. Lembro-me do discurso da falta de maturidade do povo para votar. Quanto menos for chamado a pronunciar-se acerca das grandes questões nacionais, em particular, as escolhas de governo, mais o povo se sentirá afastado dos desígnios da democracia.
Confiar? Desconfiar? O povo desconfia. Terá razão? O populismo espreita. Delegamos o poder através do voto. Será que nos vão devolver o poder, em tempo útil, para escolhermos de novo? Uma só partícula de poder a cada um de nós. Mas o suficiente para que nos sintamos reconfortados por termos influenciado as escolhas que comprometem toda a comunidade.
Não é o tempo oportuno? Mas se não escolhermos a participação popular, mesmo quando a mesma parece excessiva, estamos a abrir o caminho aos populistas. Os populistas fingem que usam o poder para servir o povo mas servem-se dele para alcançar os seus objectivos particulares.
Aqui estão as citações do dia. A continuar.
""Tudo o que não me mate torna-me mais forte." Sim, mas…E como é duro pensar na felicidade. O peso esmagador de tudo isso. O melhor é calarmo-nos para sempre e voltarmo-nos para o resto."
""Retz: "Com excepção da coragem, o senhor Duque de Orlèans tem tudo quanto é necessário a um homem honesto""
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
Fotografia de Helder Gonçalves
Os Paraísos Artificais
Jorge de Sena
Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.
Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.
O cântico das aves - não há cânticos,
mas só canários do 3º andar e papagaios do 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.
Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.
A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.
Jorge de Sena
"Pedra Filosofal" (1950)
Incluído em Poesia I,
Moraes Editores2ª edição, 1977.
segunda-feira, abril 11
As Árvores e as Sombras
A natureza despe-se sem pudor apesar do olhar dos homens. Nasci com a escassez da água por entre os medos da seca e da fome. Mas a natureza não detém a sua marcha perante os receios do homem.
*
No sul o frio é suave e temperado pelo mar e pela vizinhança de África. A minha terra fica mais próxima de África do que de Lisboa. Sempre nos esquecemos disso quando pensamos nos espanhóis.
*
A sul a neve caiu de 1 para 2 de Fevereiro de 1954. Vi-a cair pela primeira vez debruçado de espanto da janela com vista para o meu mundo. A rua ficou branca e fiz bolas de jogar. Mas a neve na minha memória é quente.
*
A nespereira familiar da minha infância prepara-se para dar frutos. Imagino o seu lugar no quintal de onde nunca saiu e se apresenta sempre viçosa às gerações que passam. Ela renova-se e parece imortal.
*
A figueira do caminho do campo despida de folhas olha-me curiosa. O frio fê-la ficar nua e reparei que não se mexia nem tiritava nem sequer temia a sua morte anunciada. Ela sabe que no próximo verão ainda vai dar frutos suculentos.
*
As árvores são um mundo de vida e de afectos para os artistas. Poetas, pintores, músicos, cineastas, fotógrafos ... muitos dos grandes artistas cantaram a natureza através das árvores.
*
A sombra de cada árvore é diferente conforme a sua natureza. Cada sombra projectada por uma árvore tem vida própria e uma personalidade diferente conforme as espécies. As sombras das árvores são todas diferentes.
*
Ir para a sombra era uma obsessão da minha infância. No sul o sol impõe as suas regras. As árvores no verão eram o lugar da sombra antes de serem o lugar dos frutos e da subsistência.
Fotografia de amistad
Natércia Freire
CANÇÃO DO VERDADEIRO ABANDONO
Podem todos rir de mim,
podem correr-me à pedrada,
podem espreitar-me à janela
e ter a porta fechada.
Com palavras de ilusão
não me convence ninguém.
Tudo o que guardo na mão
não tem vislumbres de além.
Não sou irmã das estrelas,
nem das pombas, nem dos astros.
Tenho uma dor consciente
de bicho que sofre as pedras
e se desloca de rastros.
De «Obra Poética», 1991-1995,
IN-CM, Lisboa
domingo, abril 10
POEMA EM LINHA RECTA
Retrato de Fernando Pessoa. [1954, óleo sobre tela, 2010 x 2010 mm - Museu da Cidade, Lisboa, Portugal - Quadro de Almada Negreiros (1893-1970), pintado para o restaurante Irmãos Unidos, de Lisboa, versão final de uma encomenda cujo projecto primitivo se intitulava «Lendo o Orpheu»] Imagem do portal da História
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe —todos eles príncipes— na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não uni pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ô príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semi-deuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos —mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Fernando Pessoa/Álvaro da Campos
In "Quinze Poetas Portugueses do Século XX"
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz
Assírio & Alvim
sábado, abril 9
"Comissão Permanente para o Acolhimento e Inserção Social da Comunidade Timorense" - Para que não esqueça
A propósito de uma notícia que hoje veio a público, dando conta do apoio da República de Timor-leste à candidatura de António Guterres para “Alto-Comissário da ONU para os Refugiados” (ACNUR), lembrei-me de uma missão que desempenhei a partir de inícios de 1996: Presidente da “Comissão Permanente para o Acolhimento e Inserção Social da Comunidade Timorense”.
No IR AO FUNDO E VOLTAR deixo à disposição o teor da entrevista que, à época, concedi à Lusa (?), cuja última frase é bastante significativa: "Essa comunidade (timorense) vai ter um papel importante num país que um dia há-de ser independente e democrático", as condições em que desempenhei, a título gracioso, aquela função e alguns ensinamentos.
Esclareço que nunca visitei Timor nem a título oficial nem particular. Para que não esqueça.
No IR AO FUNDO E VOLTAR deixo à disposição o teor da entrevista que, à época, concedi à Lusa (?), cuja última frase é bastante significativa: "Essa comunidade (timorense) vai ter um papel importante num país que um dia há-de ser independente e democrático", as condições em que desempenhei, a título gracioso, aquela função e alguns ensinamentos.
Esclareço que nunca visitei Timor nem a título oficial nem particular. Para que não esqueça.
Saber Viver é Vender a Alma ao Diabo
Gosto dos que não sabem viver,
dos que se esquecem de comer a sopa
(Allez-vous bientôt manger votre soupe,
s... b... de marchand de nuages?")
e embarcam na primeira nuvem
para um reino sem pressa e sem dever.
Gosto dos que sonham enquanto o leite sobe,
transborda e escorre, já rio no chão,
e gosto de quem lhes segue o sonho
e lhes margina o rio com árvores de papel.
Gosto de Ofélia ao sabor da corrente.
Contigo é que me entendo,
piquena que te matas por amor
a cada novo e infeliz amor
e um dia morres mesmo
em "grande parva, que ele há tanto homem!"
(Dá Veloso-o-Frecheiro um grande grito?..)
Gosto do Napoleão-dos-Manicómios,
da Julieta-das-Trapeiras,
do Tenório-dos-Bairros
que passa fomeca mas não perde proa e parlapié...
Passarinheiros, também gosto de vocês!
Será isso viver, vender canários
que mais parecem sabonetes de limão,
vender fuliginosos passarocos implumes?
Não é viver.
É arte, lazeira, briol, poesia pura!
Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;
não me bandeio (que eu já vi esse filme...)
com gerações perdidas.
Mas senta aqui, mendigo:
vamos fazer um esparguete dos teus atacadores
e comê-lo como as pessoas educadas,
que não levantam o esparguete acima da cabeça
nem o chupam como você, seu irrecuperável!
E tu, derradeira geração perdida,
confia-me os teus sonhos de pureza
e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia...
Por que não põem cifrões em vez de cruzes
nos túmulos desses rapazes desembarcados p'ra morrer?
Gosto deles assim, tão sem futuro,
enquanto se anunciam boas perspectivas
para o franco frrrrançais
e os politichiens si habiles, si rusés,
evitam mesmo a tempo a cornada fatal!
Les portugueux...
não pensam noutra coisa
senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,
nos pintores, nas aflitas,
no tojé, na grana, no tempero,
nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e
... sont toujours gueux,
mas gosto deles só porque não querem
apanhar as nozes...
Dize tu: - Já começou, porém, a racionalização do trabalho.
Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
o mais económico dos gestos!
*
Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim...
Alexandre O´Neill
Poesias Completas
1951/1981
Biblioteca de Autores Portugueses
Imprensa Nacional Casa da Moeda
sexta-feira, abril 8
Manuais Escolares
As notícias acerca do tema são manifestamente exageradas. O despacho acerca da “transmissão em cadeia” de manuais escolares, agora revogado, não chegou, na prática, a entrar em vigor.
O mês de Abril seria fatal não houvera a revogação agora concretizada. A Ministra da Educação do governo de direita, Maria do Carmo Seabra, não mediu o alcance do despacho que assinou, 5 dias antes das eleições legislativas, publicado a 9 de Março, muitos dias depois das mesmas.
A questão é simples: a viabilidade da aplicação daquele despacho – nos planos técnico e financeiro – não foi acautelada. A revogação pelo governo em funções do dito foi correcta, adequada e tomada em tempo oportuno.
Assim se evitou, com uma medida simples, males maiores para a gestão das escolas. Por razões éticas não devo aprofundar o tema. Mas as razões evocadas pelos detractores da revogação são fundadas na mais pura ignorância ou má fé.
Veja aqui o despacho de revogação bastante bem fundamentado.
E ainda algumas considerações judiciosas na Memória Flutuante
"Diário do Governo" - 9
Jornais de Todo o Mundo
Jornais de todo o mundo on-line
Se clicar sobre a bandeira do país que desejar, aparecerão os jornais desse país. Depois é só clicar no jornal de sua predilecção e abrirá a edição actualizada de cada um.
São 29 Países ao redor do mundo.
Se clicar sobre a bandeira do país que desejar, aparecerão os jornais desse país. Depois é só clicar no jornal de sua predilecção e abrirá a edição actualizada de cada um.
São 29 Países ao redor do mundo.
ABRIL
Foto de amistad
Abril
É um mês que me diz muito. Nele nasci lá mais para o fim. Nele nasce o sangue novo que a primavera desperta. Nele se reconquistou, em Portugal, a democracia e a liberdade.
Abril
Nele me dá vontade de ler e de escrever. Observar a natureza e os seres que se movem como que abandonados à sua sorte. As flores que desabrocham e os cheiros excitantes que, aqui e ali, irrompem do interior da cidade adormecida sobre si própria.
Abril
Da brisa matinal que o atlântico torna fresca e a tez das gentes adocica. Dos brados soltos de janela em janela nos bairros antigos dando a notícia ou o recado. Das crianças que saltam de euforia e dos velhos que se aliviam da triste solidão.
Abril
Das mulheres que mostram no corpo a sua jóia mais preciosa. Das músicas que ecoam suaves nas ruas e nos pátios em que se desenham janelas engalanadas de flores. Da luz que brilha refulgente, nos excita e cega os sentidos.
Abril
Da leitura juvenil dos Cadernos de Camus, ainda da sua época de Argel:
“Abril.
Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se perdem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas, mouros de conversa à espera que venha a noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento.”
quinta-feira, abril 7
Girassóis
"Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranqüilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza ...
À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.
Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis, sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranqüilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido."
Fernando Pessoa, como Ricardo Reis.
Imagem e Texto do Pentimento
quarta-feira, abril 6
JOÃO LÚCIO
Província onde nasci, amada do luar
E o sol ruidoso, ardente, imorredoiro …
Lírio fresco e azul deitado à beira-mar,
Com o cálix gentil a orvalhar-se em oiro …
Nesse canto imortal de todo o Universo,
De florestas, de sóis, mares e cordilheiras,
Tu és, unicamente, um perfumado verso,
Feito em luar dormente, azul e laranjeiras.
Lindo verso, porém, dessa lira suprema,
Com hinos triunfais, auroreais, fecundos,
Que abrange a Vida toda e faz o seu poema,
Rimando montes, céus, oceanos e mundos.
Tens o rir jovial e a bonomia calma,
O dulcíssimo aspecto ingénuo das crianças;
O sol doira-te o corpo; a fantasia a alma;
Fala-te o céu de amor; fala-te o mar d´esp´ranças.
Que este livro te diga, oh terra aventureira,
Como o meu coração a voz te sabe ouvir:
Ele é singelamente uma canção ligeira,
Que tu lhe tens cantado e tenta repetir.
Quando os astros de noite, errantes e dispersos,
Vierem mergulhar nas águas do teu mar,
Vai ler-lhes mansamente estes humildes versos
Pra que digam a Deus como te sei amar.
João Lúcio
O Meu Algarve - 1905
HAI-KAIS
Tem chovido bastante: insuportável tempo.
Na noite do quintal, o sapo canta.
*
Conversam como ao longe
não comigo,
Se comigo falavam
cansar-me-iam.
*
Por nuvens as montanhas não têm picos.
Mas, negras e escalvadas, cabeleira branca.
*
O mar se alonga ao longe tão sereno.
No temporal, há pouco, era mais curto.
*
O ano inteiro esta árvore
larga folhas mortas.
*
Roupa que se abre e cai:
surpresa; ou muito ou pouco.
*
No escuro cresce o amor
que só nocturno se ama.
*
Para encontrar-se o acaso
ai quanto caminhar!
*
Sentado, escreve e lembra
imagens que não viu.
Jorge de Sena
11-12/1/74
terça-feira, abril 5
Política
[Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 – 1610), Giuditta eOloferne (c. 1599), óleo sobre tela, 145 x 195 cm, Galleria Nazionale d’Arte Antica, Pal. Barberini, Roma]
“Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.”
Albert Camus, in Cadernos
Imagem de Educação Sentimental
Governadores Civis
O país é pequeno mas há outros países da UE mais pequenos. O país é pobre mas há poucos países mais pobres na UE. Nos últimos anos o PIB do país cresceu menos que a média do PIB dos países da EU. O país empobreceu. O mesmo vai acontecer em 2005 e 2006.
É urgente inverter esta situação de calamidade nacional. Entretanto o governo empossou os novos governadores civis. O que me apraz dizer é: nunca mais acabam os governadores civis!
O ministro António Costa, na posse dos ditos, disse, na presença do primeiro ministro, que devem dar prioridade à prevenção e combate aos incêndios e que não devem comportar-se como “minifundiários”.
Mas a função faz o cargo. O governo civil é mesmo, politicamente, um minifúndio. Não há nada a fazer. A não ser o emparcelamento: ou seja a extinção dos ditos. O governo perdeu uma oportunidade para dar ao país mais um sinal de mudança.
Desta vez o sinal foi de continuidade. “Mudança na Continuidade” ou “Continuidade na Mudança”?
“Diário do Governo” – 8
"Ir até ao fim ..."
Faro - Uma vista do lugar das minhas leituras de juventude de Camus em volta da doca
“Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir. Tenho necessidade de sentir a minha própria pessoa, na medida em que ela é o sentimento daquilo que me ultrapassa. Por vezes preciso de escrever coisas que em parte me escapam, mas que provam justamente o que em mim é mais forte do que eu”.
Albert Camus, in Cadernos
segunda-feira, abril 4
LUZ
Luz. Iluminar. Uma lâmpada que ilumine. A epígrafe de Jorge de Sena que abre o meu último artigo:
“Aprendemos que, em política, a arte maior é a de exigir a lua não para tê-la ou ficar numa fúria por não tê-la mas como ponto de partida para ganhar-se, do compromisso, uma lâmpada de sala que ilumine a todos."….
Lembrei-me de Isadora Duncan. Quando a vejo retratada na minha memória, pelas imagens que me encantaram no cinema, associo à sua imagem a palavra LUZ.
Fascínio
"Público" Inimigo de Si Próprio
Já abordei o tema. O “Público” vai fazer-se pagar pelos acessos on line.
Vai perder pensando que vai ganhar. Um Jornal de referência
em Portugal – ao contrário de outros países – só tem a perder
ao fechar-se face à emergência de uma pluralidade imensa
de canais de informação interactivos. É um erro de gestão.
Um afloramento prático da leitura neo liberal feita por
marxistas fora do seu tempo.
O “Público” corre o rico de se
transformar, em breve, num jornal “careta”,
sem novidade nem carisma. Inimigo de si próprio.
Não vou mais reproduzir as suas notícias e artigos.
O Pacheco Pereira hoje, no Abrupto, identifica, com exactidão,
as consequências do fechamento do “Público” que esta deriva mercantil produzirá.
A ler ainda Atrium.
sábado, abril 2
O PAPA MORREU
O Papa João Paulo II morreu. No seu pontificado, longo e intenso, afirmou-se como uma figura notável. Concretizou um pontificado universalista, em particular, em prol do reencontro entre as religiões. Viajou ao encontro dos povos e usou a palavra como uma arma pela reconciliação e pela paz. Era um conservador em muitas questões que atormentam a vida dos cidadãos e das sociedades contemporâneas como é o caso, por exemplo, da “interrupção voluntária da gravidez”, do uso de métodos contraceptivos e da ordenação das mulheres.
Mas impressionou-me sempre e, em particular, na fase final da sua vida, a forma desassombrada como encarou a velhice, a doença e a morte. Foi até ao fim um protagonista da sua própria vida impregnando de esperança no futuro os desafortunados pela marginalização, pela tirania, pela doença e pela pobreza.
Professemos, ou não, da sua fé, concordemos, ou não, com as orientações do seu pontificado, reconheçamos, humildemente, que foi um grande homem entre os homens do nosso tempo e de todos os tempos.
Uma nota dissonante e, porventura, menor para lastimar como, em Portugal, a RTP, canal público de televisão, realizou a cobertura dos últimos momentos da vida do Papa. No momento em que era anunciada oficialmente a morte do Papa a RTP transmitia um anúncio comercial.
Mais tarde quando o Presidente da República pronunciou a comunicação pública de condolências, em nome do povo português, a RTP não entrou no ar senão quando a comunicação já decorria e, mesmo durante a mesma, mostrou uma imperdoável displicência, sem a presença de um jornalista no acto e partilhando, quase todo o tempo, a imagem do Presidente da República com outras imagens.
A SIC, um canal privado, pelo contrário, cumpriu plenamente o serviço público que deveria competir à RTP. Face a este comportamento indigno a administração da RTP deveria ser exonerada já amanhã.
Mas impressionou-me sempre e, em particular, na fase final da sua vida, a forma desassombrada como encarou a velhice, a doença e a morte. Foi até ao fim um protagonista da sua própria vida impregnando de esperança no futuro os desafortunados pela marginalização, pela tirania, pela doença e pela pobreza.
Professemos, ou não, da sua fé, concordemos, ou não, com as orientações do seu pontificado, reconheçamos, humildemente, que foi um grande homem entre os homens do nosso tempo e de todos os tempos.
Uma nota dissonante e, porventura, menor para lastimar como, em Portugal, a RTP, canal público de televisão, realizou a cobertura dos últimos momentos da vida do Papa. No momento em que era anunciada oficialmente a morte do Papa a RTP transmitia um anúncio comercial.
Mais tarde quando o Presidente da República pronunciou a comunicação pública de condolências, em nome do povo português, a RTP não entrou no ar senão quando a comunicação já decorria e, mesmo durante a mesma, mostrou uma imperdoável displicência, sem a presença de um jornalista no acto e partilhando, quase todo o tempo, a imagem do Presidente da República com outras imagens.
A SIC, um canal privado, pelo contrário, cumpriu plenamente o serviço público que deveria competir à RTP. Face a este comportamento indigno a administração da RTP deveria ser exonerada já amanhã.
JOÃO PAULO II
No fim da vida o Papa polaco, João Paulo, Karol, quis, de vontade própria, dizer ao mundo dos homens que a vida deve ser vivida até ao fim.
Exagero, dizem alguns. Nos últimos dias as imagens das aparições públicas do Papa eram chocantes. E as imagens das guerras e de massacres de civis inocentes? E as imagens da “Quinta das Celebridades”? E as imagens dos corpos amortalhados das vítimas de desastres de viação? E as imagens dos aviões a embaterem nas Torres Gémeas ? ...
No caso deste Papa as imagens do seu sofrimento destinavam-se, por vontade do próprio, a destronar a imagem do efémero atingindo, em plenitude, o coração e a inteligência dos homens. É assim que as entendo.
O Papa quis mostrar que a velhice não é um impedimento para o desempenho de uma profissão, de uma missão, de um trabalho. Que a terceira ou quarta idade, o fim da caminhada pela vida, não é um estigma que justifique o abandono do homem pelos outros homens e a sua condenação à solidão.
Que a doença não é uma fatalidade que se deva aceitar com resignação. O Papa quis, de vontade própria, mostrar ao mundo dos homens, que o sofrimento não é motivo de vergonha e faz parte integrante da vida.
O Papa quis utilizar o poder da sua imagem pública, a sedução que a sua figura exerce em católicos e não católicos, para nos dizer: vivam a vida até ao fim, sem abdicação de nada a que tenham direito, partilhando com a comunidade não só a parte radiosa da criação humana, sempre associada à juventude, como a sua parte mais dolorosa: a dor, a doença e a morte.
Este ritual de exposição pública do sofrimento físico de João Paulo II– anunciando o fim da vida, sem subterfúgios – é uma novidade absoluta que marca uma postura corajosa acerca da vida e, quiçá, o princípio de uma nova era.
Imagem de Cibertulia
sexta-feira, abril 1
SECA
É precisa uma estratégia nacional para a água. E, por conseguinte, para a seca. De alto a baixo. De cabo a rabo. Uma tarefa de fundo, a médio/longo prazo, para o governo. Esta é mesmo uma função do governo.
Se o governo socialista a concretizar já basta para ficar na história. Eu disse concretizar. É difícil mas possível. E tem apoio popular. Garantido à partida. Mas não façam prédicas anunciatórias para empatar tempo e adormecer o auditório.
Acção. Acção.
"A SECA - PEQUENA DISSERTAÇÃO LIVRE"
(Texto integral no IRAOFUNDO E VOLTAR)
Fotografia de Helder Gonçalves
"Diário do Governo" - 7
quinta-feira, março 31
O "Ti Mimoso" Morreu
O “Ti Mimoso” morreu hoje. Acabo de receber a notícia, via email da Patagónia, do Pedro Pedrosa. O “Ti Mimoso” era, com a sua mulher Helena, a referência física e humana de todos os que se deslocam à Aldeia Histórica de Linhares da Beira.
Nela viveram pelo menos dois anos os membros de uma equipa do INATEL que produziram no terreno uma obra de grande alcance chamada “Carta do Lazer das Aldeias Históricas”
Nela se realizou, promovida pelo INATEL, anos a fio a mais consagrada das provas de Parapente de Portugal: o “Open de Linhares da Beira”.
O “Ti Mimoso” era uma âncora humana insubstituível de todas as inúmeras iniciativas e actividades, planeadas e estruturadas, que o INATEL realizou, pelo menos desde 1996 a 2002, em prol do desenvolvimento socio-económico da Linhares da Beira e de toda a região da Beira Interior de Portugal. Um verdadeiro projecto, bem sucedido, de apoio ao desenvolvimento sustentável da região contrariando desconfianças, imobilismos e atavismos.
Nas muitas visitas que fiz aquela aldeia, durante sete anos, era ponto de honra visitar em primeiro lugar o “Ti Mimoso" e a D. Helena na sua “tasca”. Eram figuras de referência de todos os parapentistas nacionais e dos estrangeiros que nos visitavam.
Uma noite cheguei à sua beira, por milagre, debaixo de um nevão incrível conduzido de Jeep pelo Valentim, já de noite, através de uma estrada que era necessário adivinhar, sem avistar vivalma, nos limites da sobrevivência (pelo menos era essa a minha sensação, que não a do Valentim) mas com a determinação de cumprir o programa. E cumprimos.
O “Ti Mimoso” lá estava na sua “tasca” para nos receber não escondendo a surpresa pela visita inesperada e quase impossível.
Eu tinha levado calçados uns sapatos que não resistiram à travessia a pé do jeep à tasca. O "Ti Mimoso" e a D. Helena tiveram a gentileza de me oferecer, na hora, uma botas que me serviam a preceito. Retribui mais tarde oferecendo-lhe um relógio. Sei que ele o ficou a adorar de tal forma que o poupava ao uso não fosse estragar-se. Nunca mais esqueci o "Ti Mimoso", nem esquecerei.
Sempre amável e pronto a ajudar guardo dele, afinal, a memória próxima e fraterna de um companheiro de estrada e de viagem. Honra à sua memória.
Nela viveram pelo menos dois anos os membros de uma equipa do INATEL que produziram no terreno uma obra de grande alcance chamada “Carta do Lazer das Aldeias Históricas”
Nela se realizou, promovida pelo INATEL, anos a fio a mais consagrada das provas de Parapente de Portugal: o “Open de Linhares da Beira”.
O “Ti Mimoso” era uma âncora humana insubstituível de todas as inúmeras iniciativas e actividades, planeadas e estruturadas, que o INATEL realizou, pelo menos desde 1996 a 2002, em prol do desenvolvimento socio-económico da Linhares da Beira e de toda a região da Beira Interior de Portugal. Um verdadeiro projecto, bem sucedido, de apoio ao desenvolvimento sustentável da região contrariando desconfianças, imobilismos e atavismos.
Nas muitas visitas que fiz aquela aldeia, durante sete anos, era ponto de honra visitar em primeiro lugar o “Ti Mimoso" e a D. Helena na sua “tasca”. Eram figuras de referência de todos os parapentistas nacionais e dos estrangeiros que nos visitavam.
Uma noite cheguei à sua beira, por milagre, debaixo de um nevão incrível conduzido de Jeep pelo Valentim, já de noite, através de uma estrada que era necessário adivinhar, sem avistar vivalma, nos limites da sobrevivência (pelo menos era essa a minha sensação, que não a do Valentim) mas com a determinação de cumprir o programa. E cumprimos.
O “Ti Mimoso” lá estava na sua “tasca” para nos receber não escondendo a surpresa pela visita inesperada e quase impossível.
Eu tinha levado calçados uns sapatos que não resistiram à travessia a pé do jeep à tasca. O "Ti Mimoso" e a D. Helena tiveram a gentileza de me oferecer, na hora, uma botas que me serviam a preceito. Retribui mais tarde oferecendo-lhe um relógio. Sei que ele o ficou a adorar de tal forma que o poupava ao uso não fosse estragar-se. Nunca mais esqueci o "Ti Mimoso", nem esquecerei.
Sempre amável e pronto a ajudar guardo dele, afinal, a memória próxima e fraterna de um companheiro de estrada e de viagem. Honra à sua memória.
CARANGUEJOLA
- Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores.
Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira -
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado,
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.
Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
- Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar...
Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho- que amor!
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
Plo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...
Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
- Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo - e se resigne a não ter jeito...
De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...
Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Co'a breca! levem-me prà enfermaria! -
Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará.
Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda -
E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...
- Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras...
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.
Paris, Novembro de 1915
Mário de Sá-Carneiro
Atenção à Coreia do Norte e ao Irão
Una comisión impulsada por Bush reconoce que la guerra se basó en información totalmente errónea
Los expertos recomiendan en su informe cambios sustanciales en los servicios de inteligencia
EE UU lanzó la guerra de Irak y embarcó en ella a medio mundo basándose en informaciones "totalmente erróneas".
Ése ha sido el rotundo diagnóstico de la comisión designada por el propio presidente Bush para investigar los fallos de las agencias de inteligencia en los meses previos al ataque.
El informe recomienda una reforma en profundidad de los servicios secretos y advierte además de que la información que se maneja sobre Corea o Irán tiene la misma fiabilidad que la que se tenía entonces sobre las armas de Sadam.
El País
Los expertos recomiendan en su informe cambios sustanciales en los servicios de inteligencia
EE UU lanzó la guerra de Irak y embarcó en ella a medio mundo basándose en informaciones "totalmente erróneas".
Ése ha sido el rotundo diagnóstico de la comisión designada por el propio presidente Bush para investigar los fallos de las agencias de inteligencia en los meses previos al ataque.
El informe recomienda una reforma en profundidad de los servicios secretos y advierte además de que la información que se maneja sobre Corea o Irán tiene la misma fiabilidad que la que se tenía entonces sobre las armas de Sadam.
El País
quarta-feira, março 30
Sondagens no Reino Unido
Com eleições gerais, muito provavelmente em 5 de Maio, no Reino Unido são importantes as reflexões do MARGENS DE ERRO em que se afirma, por exemplo, que “uma votação 35%-34% favorável aos Trabalhistas, como a que resulta da última sondagem YouGov (24 Março), por exemplo, significa, na prática, uma vantagem muito maior em termos de deputados. Ou para ser mais preciso: o Labour pode até perder em número de votos e ganhar confortavelmente em deputados.”
Faro - "Capital da Cultura 2005"
Faro, minha cidade natal, parece aturdida com a ingente tarefa de acolher e organizar a “Capital Nacional da Cultura” - 2005.
A cidade sempre foi arredia a essas coisas da cultura. Cidade natal de muitos artistas, só grandes poetas contemporâneos, assim de repente, me lembro de António Ramos Rosa, Gastão Cruz e Casimiro de Brito...
Mas a cidade não acolhe dos seus grandes artistas senão quase só a sua lembrança.
Não admira que a directoria do certame, com sede ali no “Clube Farense”, paredes meias com uma janela do quarto onde eu me sentava na minha adolescência estudando e lendo enquanto ouvia os sons da mesa da batota que se jogava do lado de lá, encontre o caminho eivado de escolhos.
Morei na Rua de Santo António, a rua principal da cidade, na casa que serviu de lançamento para o negócio no qual o meu irmão – em ambiente familiar - havia de prosperar até à sua recente e dolorosa morte.
Dormimos longos anos os dois no mesmo quarto exactamente à beira da tal janela. Ele era o irmão mais velho e foi-me interessando pelas coisas da cultura. A cidade provinciana olhava esses interesses culturais com desconfiança e julgo, em abono da verdade, que nada de essencial mudou, ao longo dos anos, no espírito da cidade.
A “Capital Nacional da Cultura” em Faro seria algo muito fácil de organizar se tivesse sido pensada antes de ser organizada. E se o tivesse sido teria havido um espírito de buscar o que de mais profundo, na cidade e na província, no que respeita à dita cultura (erudita e popular), existe para estudar, aprofundar e divulgar.
Não foi. Os que conhecem as raízes culturais do Algarve, desde a antiguidade até aos nossos dias, sabem muito bem do que falo. Um dia destes volto ao tema. Por agora fico-me pela recordação daquela janela através da qual me interroguei, vezes sem conta, acerca do porquê das vozes que falavam a linguagem da batota.
A mesma palavra, batota, de que se falo agora, no mesmo exacto lugar, a propósito de Faro "Capital da Cultura - 2005".
Imagem da rua de acesso ao Largo da Sé de Faro
Personalidade do ano - 2004
O Carlos Paredes foi “embrulhado” na homenagem que o Ramon Font quis prestar, por interposta imprensa estrangeira, ao Dr. José Manuel Barroso.
Tenho a maior estima pelo Ramon mas o Carlos Paredes não merecia um tal “embrulho”. O Carlos Paredes era um génio na sua arte. O maior virtuoso da guitarra portuguesa – pelo menos - das últimas décadas. Um artista comprometido com a defesa de ideias dos quais nunca abdicou. Foi comunista até ao fim.
O Dr. José Manuel Barroso, com todo o respeito e consideração, é o seu perfeito oposto. Colocar Carlos Paredes como uma pena no chapéu de José Manuel Barroso é, no mínimo, indecoroso.
Tenho a maior estima pelo Ramon mas o Carlos Paredes não merecia um tal “embrulho”. O Carlos Paredes era um génio na sua arte. O maior virtuoso da guitarra portuguesa – pelo menos - das últimas décadas. Um artista comprometido com a defesa de ideias dos quais nunca abdicou. Foi comunista até ao fim.
O Dr. José Manuel Barroso, com todo o respeito e consideração, é o seu perfeito oposto. Colocar Carlos Paredes como uma pena no chapéu de José Manuel Barroso é, no mínimo, indecoroso.
segunda-feira, março 28
Areia
Areia pisada,
areia dorida,
areia beijada,
areia batida,
areia doirada,
areia estendida,
areia rolada,
rolada na vida.
Frescura abraçada
ao mar que se vai,
e os braços crispados
pregados num ai.
E a areia rolada
nos olhos profundos,
e as matas de sombra
ao fundo dos mundos…
E o paço de pedra
Erguido no espaço
e as capelas tristes,
que perco e abraço…
E o sonho do vento,
que gela e que deixa,
e a voz que ergo e calo
e é vida e é queixa…
Os degraus que subo
e são mais de cem,
e os cisnes vogando
nos lagos de além…
E as estradas brandas
onde correm fontes,
e as moças que sonham
sem verem os montes…
E os bancos abertos
aos corpos cansados,
e a chuva da tarde
nos parques molhados…
E os riscos de luz
que bordam o Céu,
e a cortina branca
que ao Sol me escondeu…
E os quartos alheios
que giram à roda,
e as vozes na estrada
que me tolhem toda…
E eu dentro de um sonho
suspensa e vibrante
- areia beijada num mar mais distante –
e rica e mais longa,
e presa e mais livre
- sem mal e sem vida…
Areia doirada,
areia estendida,
areia rolada,
rolada na vida!
Natércia Freire
In "Horizonte Fechado" - 1942
areia dorida,
areia beijada,
areia batida,
areia doirada,
areia estendida,
areia rolada,
rolada na vida.
Frescura abraçada
ao mar que se vai,
e os braços crispados
pregados num ai.
E a areia rolada
nos olhos profundos,
e as matas de sombra
ao fundo dos mundos…
E o paço de pedra
Erguido no espaço
e as capelas tristes,
que perco e abraço…
E o sonho do vento,
que gela e que deixa,
e a voz que ergo e calo
e é vida e é queixa…
Os degraus que subo
e são mais de cem,
e os cisnes vogando
nos lagos de além…
E as estradas brandas
onde correm fontes,
e as moças que sonham
sem verem os montes…
E os bancos abertos
aos corpos cansados,
e a chuva da tarde
nos parques molhados…
E os riscos de luz
que bordam o Céu,
e a cortina branca
que ao Sol me escondeu…
E os quartos alheios
que giram à roda,
e as vozes na estrada
que me tolhem toda…
E eu dentro de um sonho
suspensa e vibrante
- areia beijada num mar mais distante –
e rica e mais longa,
e presa e mais livre
- sem mal e sem vida…
Areia doirada,
areia estendida,
areia rolada,
rolada na vida!
Natércia Freire
In "Horizonte Fechado" - 1942
Dia Mundial do Teatro
Não me esqueci do Dia Mundial do Teatro que se celebrou ontem. A minha formação humana deve muito ao teatro, em particular, ao teatro amador, para que esqueça uma data destas.
Mas reparei que a modéstia das celebrações foi coberta pelo manto das explicações apressadas acerca da coincidência com o período pascal.
A verdade, nua e crua, é que o teatro não é uma prioridade dos governos de Portugal não tanto por penúria mas por falta de vontade política.
Os teatros nacionais, em geral, arrastam-se com programações sem chama, as companhias independentes, na sua maioria, são cada mais dependentes de subsídios públicos e o teatro amador – nas escolas, nas sociedades culturais e recreativas ou nos CCDs de empresa, é quase uma peça de museu. Mas há excepções.
A efeméride fica assinalada com esta notícia que descreve com argúcia a real situação do teatro em Portugal.
E aproveito para dar a conhecer o BLOGAMEMUNCHO.
Mas reparei que a modéstia das celebrações foi coberta pelo manto das explicações apressadas acerca da coincidência com o período pascal.
A verdade, nua e crua, é que o teatro não é uma prioridade dos governos de Portugal não tanto por penúria mas por falta de vontade política.
Os teatros nacionais, em geral, arrastam-se com programações sem chama, as companhias independentes, na sua maioria, são cada mais dependentes de subsídios públicos e o teatro amador – nas escolas, nas sociedades culturais e recreativas ou nos CCDs de empresa, é quase uma peça de museu. Mas há excepções.
A efeméride fica assinalada com esta notícia que descreve com argúcia a real situação do teatro em Portugal.
E aproveito para dar a conhecer o BLOGAMEMUNCHO.
Lenga-Lenga em Homenagem aos Ilustres Emigrantes
Queriam um frémito um solavanco democrático algo que mexesse com o que estava mal e agora parece que afinal não está, queriam alguma mudança substancial não digo um grito de guerra: aos abrigos! mas um estugar do passo, um esforço, um ranger de cordas nas amarras, queriam festa pá! não foram à rua como eu fui na noite do dia 20 de fevereiro! se se tivessem dado à maçada de levantar uma bandeira no largo do rato teriam percebido que a democracia está consolidada, estão a ver com – solidada! o entusiasmo nem sorria na cara dos vencedores quanto mais na dos vendedores de cachorros quentes e salvo o meu filho que precisava de experimentar uma celebração destas para conhecer o que pode ser uma celebração no futuro, uma celebração a sério, vi logo que estávamos tramados pá! a direita nem precisa de se reorganizar que a esquerda toma conta dela, a esquerda nem precisa de existir que a direita toma conta dela, todos reunidos na grande praça central à espera que se organize uma sociedade que por ela própria, sem mais nada, se organize, é o mercado, é o mercado, abaixo o estado! clamam uma legião de liberais libertadores da pátria em perigo sempre naquele seu gesto emblemático de mão estendida às benesses do estado, enquanto a associação da imprensa estrangeira louva josé manuel barroso como o homem que em 2004 mais estendeu o nome da pátria no mundo e eu a pensar que tinham sido o figo e o scolari, mas eles lá sabem o que lhes coze o estômago, estamos tramados pá! o barroso um dia vai voltar com o peito cheio de comendas e o guterres também, se passar na prova, e aposto que passa que ele é aluno de 19, a tratar dos refugiados pobres do mundo, isto para mim é uma estratégia montada pelo bush que já arrumou com o santana e pensa que arrumou com o ferro, para pôr ordem no mundo, estão a ver um português a tratar dos ricos da europa e outro portugês a tratar dos pobres do mundo, uma estratégia a nível global para dar sentido à diáspora, uma regressão pós-moderna aos píncaros gloriosos do século XV português com o vasco graça moura a fazer de camões (desculpa lá a letra pequena, pá!) e o eng.º sócrates a fazer de vasco da gama, a nova novíssima ínclita geração ao leme do mundo outra vez e voltamos a libertar o imaginário e a sonhar além da calçada à portuguesa e já não vai ser preciso fazer guerra à armada espanhola, nem posar para a fotografia com o Bush nas lages, vão dando notícias que nós, como sempre, cá nos arranjaremos ... com que então queriam um frémito, um solavanco democrático ...
domingo, março 27
O Corvo
Edgar Allan Poe
1
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
"O Corvo", de Edgar Allan Poe, Tradução de Fernando Pessoa.
Versão integral no IRAOFUNDOEVOLTAR
A Direita Pensa Mas Pouco
Não se pense que a direita não pensa. Pensa mas pouco. É que em Portugal a direita carrega ainda o estigma do Salazarismo.
No exercício do poder, em democracia, a direita esbarra na sua proverbial intolerância. A mistura de intolerância, populismo e promiscuidade entre interesse “público” e “privado” é explosiva. Denega a democracia.
O PP no governo foi um exemplo vivo dessa denegação como o episódio do retrato de Freitas do Amaral e dos negócios de última hora, “abençoados” por Bagão Félix, evidenciam.
São os próprios pensadores da direita que levantam a ponta do véu acerca da crise de identidade da direita em Portugal.
Mas, como assinala Vasco Pulido Valente, nem sequer se lembraram do papel da igreja católica.
No exercício do poder, em democracia, a direita esbarra na sua proverbial intolerância. A mistura de intolerância, populismo e promiscuidade entre interesse “público” e “privado” é explosiva. Denega a democracia.
O PP no governo foi um exemplo vivo dessa denegação como o episódio do retrato de Freitas do Amaral e dos negócios de última hora, “abençoados” por Bagão Félix, evidenciam.
São os próprios pensadores da direita que levantam a ponta do véu acerca da crise de identidade da direita em Portugal.
Mas, como assinala Vasco Pulido Valente, nem sequer se lembraram do papel da igreja católica.
sábado, março 26
Num mundo que já não crê no pecado, é o artista que está encarregado da pregação. Mas se as palavras do padre produziam efeito era porque o exemplo as alimentava. O artista esforça-se por se tornar num exemplo. Eis porque o fuzilam ou o deportam, com grande escândalo seu. E depois a virtude não se aprende tão depressa como o manejo da metralhadora. O combate é desigual.
Cito Camus a propósito da tragédia de Bobby Fischer
Fotografia de Hélder Gonçalves
ELEGIA DAS ÁGUAS NEGRAS
PARA CHE GUEVARA
Atado ao silêncio, o coração ainda
pesado de amor, jazes de perfil,
escutando, por assim dizer, as águas
negras da nossa aflição.
Pálidas vozes procuram-te na bruma;
de prado em prado procuram
um potro, a palmeira mais alta
sobre o lago, um barco talvez
ou o mel entornado da nossa alegria.
Olhos apertados pelo medo
aguardam na noite o sol onde cresces,
onde te confundes com os ramos
de sangue do verão ou o rumor
dos pés brancos da chuva nas areias.
A palavra, como tu dizias, chega
húmida dos bosques: temos que semeá-la;
chega húmida da terra: temos que defendê-la;
chega com as andorinhas
que a beberam sílaba a sílaba na tua boca.
Cada palavra tua é um homem de pé,
cada palavra tua faz do orvalho uma faca,
faz do ódio um vinho inocente
para bebermos, contigo
no coração, em redor do fogo.
Eugénio de Andrade
1971
sexta-feira, março 25
O "Público" Faz-se Pagar
O “Público” vai começar a cobrar pelo acesso à sua versão em papel em condições ainda mal esclarecidas.
É um modelo já adoptado, por exemplo, pelo “Expresso” e muito utilizado no acesso às publicações em papel de todos os países.
Por mim não vou assinar. Por vezes reproduzo as suas notícias mas, em boa verdade, não preciso do “Público” para nada. Eles também não precisam de mim. É o negócio deles e que lhes faça bom proveito.
É interessante a coincidência desta decisão com a entrada em funções do governo socialista. Nos tempos da Dra. Manuela Ferreira Leite não de lembraram da coisa.
Aproveito para divulgar o JORNALISMO E COMUNICAÇÃO onde catrapisquei esta notícia.
É um modelo já adoptado, por exemplo, pelo “Expresso” e muito utilizado no acesso às publicações em papel de todos os países.
Por mim não vou assinar. Por vezes reproduzo as suas notícias mas, em boa verdade, não preciso do “Público” para nada. Eles também não precisam de mim. É o negócio deles e que lhes faça bom proveito.
É interessante a coincidência desta decisão com a entrada em funções do governo socialista. Nos tempos da Dra. Manuela Ferreira Leite não de lembraram da coisa.
Aproveito para divulgar o JORNALISMO E COMUNICAÇÃO onde catrapisquei esta notícia.
Breves Despedidas
“Lê-se no «Público» que o antigo (bela palavra) ministro da Defesa Paulo Portas resolveu ter como último acto público a atribuição de medalhas da Defesa Nacional, criadas pelo Governo de Durão Barroso em 2002 (e ainda dizem que o homem nunca fez nada por Portugal).
Curiosamente, o antigo ministro resolveu condecorar o seu antigo (que bela palavra) ministro das Finanças, Bagão Félix (o que só lhe fica bem) e, surpresa das surpresas ou talvez não, deu mais uma medalha ao antigo (que belíssima palavra) embaixador americano em Portugal Frank Carlucci.
O que fez Frank Carlucci por Portugal nos últimos tempos que justifique esta medalha? Ou melhor, o que fez o Grupo Carlyle por Portugal nos últimos tempos que justifique esta medalha (a não ser tratar-nos como uma coutada)? Ou melhor, o que fez o Grupo Carlyle nos últimos tempos por Paulo Portas que justifique esta medalha (perguntar não ofende)?
Recorde-se que já Santana Lopes, a mando e em substituição do (defunto) Barroso, tinha aproveitado uma ida a Nova Iorque para, num intervalo discreto, condecorar o mesmo Frank Carlucci (isto foi há meses) com uma daquelas medalhas grandes e pesadas do Presidente da República, tendo o mesmo Presidente da República aceite a sugestão do (defunto) Barroso para condecorar Carlucci. Porquê agora?”
Extracto do artigo “Breves Despedidas”, de Clara Ferreira Alves, publicado, hoje, na “Única”, revista do Expresso.
Versão integral, que vale a pena, no IRAOFUNDOEVOLTAR.
Curiosamente, o antigo ministro resolveu condecorar o seu antigo (que bela palavra) ministro das Finanças, Bagão Félix (o que só lhe fica bem) e, surpresa das surpresas ou talvez não, deu mais uma medalha ao antigo (que belíssima palavra) embaixador americano em Portugal Frank Carlucci.
O que fez Frank Carlucci por Portugal nos últimos tempos que justifique esta medalha? Ou melhor, o que fez o Grupo Carlyle por Portugal nos últimos tempos que justifique esta medalha (a não ser tratar-nos como uma coutada)? Ou melhor, o que fez o Grupo Carlyle nos últimos tempos por Paulo Portas que justifique esta medalha (perguntar não ofende)?
Recorde-se que já Santana Lopes, a mando e em substituição do (defunto) Barroso, tinha aproveitado uma ida a Nova Iorque para, num intervalo discreto, condecorar o mesmo Frank Carlucci (isto foi há meses) com uma daquelas medalhas grandes e pesadas do Presidente da República, tendo o mesmo Presidente da República aceite a sugestão do (defunto) Barroso para condecorar Carlucci. Porquê agora?”
Extracto do artigo “Breves Despedidas”, de Clara Ferreira Alves, publicado, hoje, na “Única”, revista do Expresso.
Versão integral, que vale a pena, no IRAOFUNDOEVOLTAR.
O Dr. Bagão Ainda Governa (3)
O governo socialista já governa.
O anterior governo fica “destapado”. O que se vai sabendo das suas acções é aterrador. Mais tarde se perceberá melhor o sentido da acção de alguns dos seus ministros.
Nicolau Santos, no “Expresso”, a propósito de “Um negócio demasiado nebuloso” escreve:
Há que dizer-se das coisas o somenos que elas são, escreveu Natália Correia. E o mínimo que se pode dizer é que Daniel Sanches e Bagão Félix foram demasiado imprudentes ao assinar este contrato com a Sociedade Lusa de Negócios. Será que não se interrogaram porque os melhores fabricantes europeus, como a Nokia, EADS e Siemens, que levantaram o caderno de encargos, se recusaram a apresentar propostas? Será que não tiveram conhecimento que o mesmo sistema poderia ser fornecido por 200 milhões de euros?
Às vezes, há coisas tão nebulosas, que não só o novo Governo as deve deitar para o caixote de lixo e começar tudo de novo, como investigar as razões de quem decidiu.
O anterior governo fica “destapado”. O que se vai sabendo das suas acções é aterrador. Mais tarde se perceberá melhor o sentido da acção de alguns dos seus ministros.
Nicolau Santos, no “Expresso”, a propósito de “Um negócio demasiado nebuloso” escreve:
Há que dizer-se das coisas o somenos que elas são, escreveu Natália Correia. E o mínimo que se pode dizer é que Daniel Sanches e Bagão Félix foram demasiado imprudentes ao assinar este contrato com a Sociedade Lusa de Negócios. Será que não se interrogaram porque os melhores fabricantes europeus, como a Nokia, EADS e Siemens, que levantaram o caderno de encargos, se recusaram a apresentar propostas? Será que não tiveram conhecimento que o mesmo sistema poderia ser fornecido por 200 milhões de euros?
Às vezes, há coisas tão nebulosas, que não só o novo Governo as deve deitar para o caixote de lixo e começar tudo de novo, como investigar as razões de quem decidiu.
Governo e Crítica
É verdade que o PS nunca tinha alcançado uma maioria absoluta em eleições legislativas. A maioria absoluta de deputados no parlamento não dispensa, como foi afirmado, pelo primeiro-ministro, a audição dos partidos minoritários nas questões essenciais da governação. Essa vontade não pode, no entanto, constranger o partido do governo de afirmar os seus valores e a sua ideologia.
O pior erro que o PS poderia cometer seria o de abdicar de se afirmar como partido de causas assentes nos valores da esquerda que se podem sintetizar em duas palavras antigas para uma esquerda moderna: justiça e liberdade.
O governo pode “governar ao centro”, encontrar soluções de governação de natureza social-democrata na área social, adoptar posturas liberais de esquerda, na área da economia, concertar negócios e conceber benefícios que atraiam o investimento estrangeiro, assumir o primado de uma função reguladora e defensora dos consumidores e por aí fora, obtendo, momentaneamente, o apoio daqueles que ainda dias atrás fustigavam os socialistas com as críticas mais ferozes.
Mas o PS, sendo a base de apoio do governo, não pode deixar de ser um partido crítico do próprio governo.
Tudo o que agora são medidas reluzentes e sorrisos radiosos nas faces dos membros do governo se transformarão, a médio prazo, em penosas justificações de insucessos e atrasos e em faces crispadas no momento das respostas às perguntas implacáveis das oposições e da comunicação social.
Tudo o que na fase inicial da governação são despesas virtuosas se transformará, na fase seguinte, em desperdícios evitáveis na boca dos opositores da governação socialista.
Mais valia ao governo dispor de um PS que afirmasse a sua autonomia com uma postura de crítica construtiva desde o início. Vêm estas palavras a propósito da prestação de Jorge Coelho no programa “Quadratura do Círculo”, na SIC Notícias, da noite passada e de muitas outras atitudes de apoio entusiástico e voluntarista que têm surgido nestes primeiros dias da acção do governo.
Ao governo o que é do governo, ao partido do governo o que é do partido do governo. Ao governo cabe cumprir o seu programa, ao partido do governo compete, naturalmente, apoiá-lo sem descurar a vigilância crítica desde a primeira hora.
O ambiente político, nesta fase inicial, não tem apontado para esta dialéctica saudável o que, na minha opinião, pode pressagiar um enfraquecimento do governo a médio prazo. Mais valia começar desde já a preparar o terreno para as dificuldades da concretização de muitas das medidas anunciadas e de outras medidas difíceis que aí virão.
O país real, que dá pelo nome de Portugal, é exactamente o mesmo que no dia 19 de Fevereiro de 2005. Mudou o governo, o que já não é nada pouco, mas não mudaram as dificuldades, os constrangimentos e, como consequência, as condições objectivas da governação. Cuidado que a memória das gentes é curta, a gratidão morreu solteira e o pecúlio escasso.
“Diário do Governo” – 6
O pior erro que o PS poderia cometer seria o de abdicar de se afirmar como partido de causas assentes nos valores da esquerda que se podem sintetizar em duas palavras antigas para uma esquerda moderna: justiça e liberdade.
O governo pode “governar ao centro”, encontrar soluções de governação de natureza social-democrata na área social, adoptar posturas liberais de esquerda, na área da economia, concertar negócios e conceber benefícios que atraiam o investimento estrangeiro, assumir o primado de uma função reguladora e defensora dos consumidores e por aí fora, obtendo, momentaneamente, o apoio daqueles que ainda dias atrás fustigavam os socialistas com as críticas mais ferozes.
Mas o PS, sendo a base de apoio do governo, não pode deixar de ser um partido crítico do próprio governo.
Tudo o que agora são medidas reluzentes e sorrisos radiosos nas faces dos membros do governo se transformarão, a médio prazo, em penosas justificações de insucessos e atrasos e em faces crispadas no momento das respostas às perguntas implacáveis das oposições e da comunicação social.
Tudo o que na fase inicial da governação são despesas virtuosas se transformará, na fase seguinte, em desperdícios evitáveis na boca dos opositores da governação socialista.
Mais valia ao governo dispor de um PS que afirmasse a sua autonomia com uma postura de crítica construtiva desde o início. Vêm estas palavras a propósito da prestação de Jorge Coelho no programa “Quadratura do Círculo”, na SIC Notícias, da noite passada e de muitas outras atitudes de apoio entusiástico e voluntarista que têm surgido nestes primeiros dias da acção do governo.
Ao governo o que é do governo, ao partido do governo o que é do partido do governo. Ao governo cabe cumprir o seu programa, ao partido do governo compete, naturalmente, apoiá-lo sem descurar a vigilância crítica desde a primeira hora.
O ambiente político, nesta fase inicial, não tem apontado para esta dialéctica saudável o que, na minha opinião, pode pressagiar um enfraquecimento do governo a médio prazo. Mais valia começar desde já a preparar o terreno para as dificuldades da concretização de muitas das medidas anunciadas e de outras medidas difíceis que aí virão.
O país real, que dá pelo nome de Portugal, é exactamente o mesmo que no dia 19 de Fevereiro de 2005. Mudou o governo, o que já não é nada pouco, mas não mudaram as dificuldades, os constrangimentos e, como consequência, as condições objectivas da governação. Cuidado que a memória das gentes é curta, a gratidão morreu solteira e o pecúlio escasso.
“Diário do Governo” – 6
quinta-feira, março 24
O Dr. Bagão Ainda Governa (2)
No Expresso online surge a notícia "Impostos sobem ainda este ano". Mas o aspecto mais importante está no último parágrafo, que sublinho, dando conta que o défice implícito do Orçamento de Estado/2005 está nos 7%. O Dr. Bagão ainda governa!
"O GOVERNO vai apresentar em Maio um Orçamento Rectificativo, que contempla um conjunto de medidas fiscais destinadas a fazer face à «situação particularmente difícil» e ao «irrealismo» do Orçamento do Estado para 2005. O Ministério das Finanças não descarta que entre essas medidas esteja contemplada a subida de alguns impostos e o congelamento de despesas.
Os impostos que fazem entrar dinheiro imediatamente nos cofres públicos são essencialmente o IVA, imposto sobre combustíveis (ISP) e Imposto Automóvel (IA). Quanto aos cortes nas despesas serão detalhados no Programa Plurianual de Redução da Despesa Corrente (PPRDC), a apresentar pelo Governo dentro de seis meses e visando um horizonte de quatro anos.
Estas medidas visam responder ao défice implícito do Orçamento do Estado/2005, que está nos 7% devido a: crescimento económico 50% abaixo do previsto; preço do barril de petróleo acima dos 39 dólares; não contemplação dos encargos de 500 milhões de euros com as SCUT; 250 milhões de euros da dotação provisional para aumentos salariais; suborçamentação dos serviços, mais 1.700 milhões de euros; medidas extraordinárias de 2.300 milhões de euros; contas da Saúde."
"O GOVERNO vai apresentar em Maio um Orçamento Rectificativo, que contempla um conjunto de medidas fiscais destinadas a fazer face à «situação particularmente difícil» e ao «irrealismo» do Orçamento do Estado para 2005. O Ministério das Finanças não descarta que entre essas medidas esteja contemplada a subida de alguns impostos e o congelamento de despesas.
Os impostos que fazem entrar dinheiro imediatamente nos cofres públicos são essencialmente o IVA, imposto sobre combustíveis (ISP) e Imposto Automóvel (IA). Quanto aos cortes nas despesas serão detalhados no Programa Plurianual de Redução da Despesa Corrente (PPRDC), a apresentar pelo Governo dentro de seis meses e visando um horizonte de quatro anos.
Estas medidas visam responder ao défice implícito do Orçamento do Estado/2005, que está nos 7% devido a: crescimento económico 50% abaixo do previsto; preço do barril de petróleo acima dos 39 dólares; não contemplação dos encargos de 500 milhões de euros com as SCUT; 250 milhões de euros da dotação provisional para aumentos salariais; suborçamentação dos serviços, mais 1.700 milhões de euros; medidas extraordinárias de 2.300 milhões de euros; contas da Saúde."
O Dr. Bagão Ainda Governa
O Dr. Bagão Félix ainda publica legislação, despachos e portarias.
Um dia destes recebi uma citação das finanças com ameaça de penhora de bens. Como descrevi num post anterior fui a correr às finanças saber de que se tratava. Era uma quantia irrisória que resultou, conforme me foi dito, de um acerto provocado por questões informáticas. Não havia, de facto, dívida alguma. A quantia era pequena e para evitar o calvário das reclamações a que o contribuinte se sujeita paguei.
Mas, a partir de agora, olharei os funcionários das finanças como patrões com interesse directo nos resultados das cobranças. Como responsáveis directos pelos erros e omissões. Desconfiarei sempre da boa fé das suas contas. Não perdoarei as desatenções e as esperas. Nenhum erro se pode perdoar a quem dele pode beneficiar.
Um dia destes recebi uma citação das finanças com ameaça de penhora de bens. Como descrevi num post anterior fui a correr às finanças saber de que se tratava. Era uma quantia irrisória que resultou, conforme me foi dito, de um acerto provocado por questões informáticas. Não havia, de facto, dívida alguma. A quantia era pequena e para evitar o calvário das reclamações a que o contribuinte se sujeita paguei.
Mas, a partir de agora, olharei os funcionários das finanças como patrões com interesse directo nos resultados das cobranças. Como responsáveis directos pelos erros e omissões. Desconfiarei sempre da boa fé das suas contas. Não perdoarei as desatenções e as esperas. Nenhum erro se pode perdoar a quem dele pode beneficiar.
ENQUANTO HÁ FORÇA
Enquanto há força
No braço que vinga
Que venham ventos
Virar-nos as quilhas
Seremos muitos
Seremos alguém
Cantai rapazes
Dançai raparigas
E vós altivas
Cantai também
Levanta o braço
Faz dele uma barra
Que venha a brisa
Lavar-nos a cara
Seremos muitos
Seremos alguém
Cantai rapazes
Dançai raparigas
E vós altivas
Dançai também
José Afonso
quarta-feira, março 23
Gracias a la vida
Gracias a la vida (Mercedes Sosa)
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me dio dos luceros que cuando los abro
perfecto distingo lo negro del blanco
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me ha dado el sonido y el abecedario
con él, las palabras que pienso y declaro
madre, amigo, hermano
y luz alumbrando la ruta del alma del que estoy amando
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me ha dado la marcha de mis pies cansados
con ellos anduve ciudades y charcos
playas y desiertos, montañas y llanos
y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano
cuando miro el bueno tan lejos del malo
cuando miro el fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida que me ha dado tanto
me ha dado la risa y me ha dado el llanto
así yo distingo dicha de quebranto
los dos materiales que forman mi canto
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos que es mi propio canto
Gracias a la vida, gracias a la vida
(Agradecendo à Colombina)
terça-feira, março 22
Haverá quem ache estranho as minhas deambulações pelas memórias, pelos antepassados, pelos caminhos e lugares da infância.
Essa estranheza não me estranha. Mas nenhum percurso se faz sem passado, sem enlaçar outros percursos, sem comunicação, sem resposta mesmo quando nos julgamos imortais.
Alguém, além de nós, que nos compreenda e acredite é o maior anseio do homem.
Creio nos meus porque sei que me acompanham sempre mesmo quando parece que os não acompanho.
Poucos desses estão fora da família natural. Nela reside o segredo da minha crença no futuro do homem.
Fotografia de Hélder Gonçalves
No Cimo do Monte
Subi este fim-de-semana ao cimo do monte onde brilha a casa
dos meus avós maternos José Fernandes de Brito (7/11/1891- 12/10/1979)
e Rosa da Conceição Marques (1/1/1892 - 7/12/1984)
no sítio de Sinagoga, Santo Estêvão, Tavira. Do terraço,
ao alto, pintado de branco puro, avista-se a costa algarvia,
de lés a lés, desde Espanha às cercanias de Olhão.
Muita terra, arvoredos, céu azul, lugares camponeses,
aldeias piscatórios e as praias todas. No sentido do norte o
barrocal com a sua vegetação característica a que sempre ouvi
chamar de mato. Tomei o compromisso, para com a minha mãe,
de manter aquela casa, através das gerações, para que os vindouros
possam nela rever-se na vida dos seus antepassados camponeses.
Para que com essa memória se não perca o sentido do tempo e
da honra da pertença a uma família camponesa honrada e a um
povo e dela se possa imaginar até a vista das sandálias que a minha
mulher um dia fotografou abandonadas numa daquelas praias à
distância de um golpe de olhar à mistura com as copas das árvores.
segunda-feira, março 21
Viva o Retrocesso !
Hoje é dia de apresentação e discussão do programa do governo socialista no Parlamento.
Passam para a opinião pública bastantes boas ideias. Retive algumas. Orçamento de estado plurianual a partir de 2006. Uma revolução. Podem crer! Se for para fazer.
Combate à pobreza a começar pelos idosos com 80 anos ou mais e a "deslizar", anualmente, até aos 65 anos. Boa ideia para medir sensatamente o impacto social e financeiro da medida.
Redução das férias judiciais de dois para um mês. E outras, muitas outras, no terreno da economia. Talvez tenham saltado para a opinião pública ideias demais. Mas se o governo não apresentasse ideias no princípio de vida ...
Assim o governo acredita-se desde que seja capaz de acompanhar os anúncios com as concretizações. Os representantes das corporações atacam.
Os representantes dos sindicatos resignam-se e esperam. Aliás são sempre os mesmos e já seria hora de mudarem de elenco! É o Carvalho e o Proença, o Proença e o Carvalho. Bolas!
Desta vez o representante dos farmacêuticos deu um ar da sua graça. Denunciou o "retrocesso" da venda de medicamentos fora das farmácias. Que falta de imaginação!
Os agentes da justiça atacam a redução das férias judiciais.
Não acreditam? Se as corporações estão contra as medidas anunciadas pelo governo é porque elas devem ser boas. É um critério um pouco grosseiro mas, infelizmente, com grandes hipóteses de ser justo.
"Diário do Governo" - 5
Passam para a opinião pública bastantes boas ideias. Retive algumas. Orçamento de estado plurianual a partir de 2006. Uma revolução. Podem crer! Se for para fazer.
Combate à pobreza a começar pelos idosos com 80 anos ou mais e a "deslizar", anualmente, até aos 65 anos. Boa ideia para medir sensatamente o impacto social e financeiro da medida.
Redução das férias judiciais de dois para um mês. E outras, muitas outras, no terreno da economia. Talvez tenham saltado para a opinião pública ideias demais. Mas se o governo não apresentasse ideias no princípio de vida ...
Assim o governo acredita-se desde que seja capaz de acompanhar os anúncios com as concretizações. Os representantes das corporações atacam.
Os representantes dos sindicatos resignam-se e esperam. Aliás são sempre os mesmos e já seria hora de mudarem de elenco! É o Carvalho e o Proença, o Proença e o Carvalho. Bolas!
Desta vez o representante dos farmacêuticos deu um ar da sua graça. Denunciou o "retrocesso" da venda de medicamentos fora das farmácias. Que falta de imaginação!
Os agentes da justiça atacam a redução das férias judiciais.
Não acreditam? Se as corporações estão contra as medidas anunciadas pelo governo é porque elas devem ser boas. É um critério um pouco grosseiro mas, infelizmente, com grandes hipóteses de ser justo.
"Diário do Governo" - 5
domingo, março 20
As terras a sul estão da mesma cor como sempre as conheci. Aqui e ali despontam uns tímidos tons de verde. Todos estão conformados ao castanho tisnado da descrença. Agora já não é a "pesada herança" mas o presságio futuro da desgraça. Mudam os tempos mas não mudam as vontades. Fotografia de Helder Gonçalves
Crise Lamentável
Gostava tanto de mexer na vida,
De ser quem sou – mas de poder tocar-lhe...
E não há forma: cada vez perdida
Mais a destreza de saber pegar-lhe.
Viver em casa como toda a gente,
Não ter juízo nos meus livros - mas
Chegar ao fim do mês sempre com as
Despesas pagas religiosamente.
Não ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas –
À minha Torre ebúrnea abrir janelas,
Numa palavra, e não fazer mais cenas.
Ter força um dia para quebrar as roscas
Desta engrenagem que emperrando vai.
- Não mandar telegramas ao meu Pai,
- Não andar por Paris, como ando, às moscas.
Levantar-me e sair - não precisar
De hora e meia antes de vir prà rua.
- Pôr termo a isto de viver na lua,
- Perder a “frousse” das correntes de ar.
Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa dos amigos que frequento -
Não me embrenhar por histórias melindrosas
Que em fantasia apenas argumento.
Que tudo em mim é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete
E sempre o Oiro em chumbo se derrete
Por meu Azar ou minha Zoina suada...
Paris, Janeiro de 1916
Mário de Sá-Carneiro
De ser quem sou – mas de poder tocar-lhe...
E não há forma: cada vez perdida
Mais a destreza de saber pegar-lhe.
Viver em casa como toda a gente,
Não ter juízo nos meus livros - mas
Chegar ao fim do mês sempre com as
Despesas pagas religiosamente.
Não ter receio de seguir pequenas
E convidá-las para me pôr nelas –
À minha Torre ebúrnea abrir janelas,
Numa palavra, e não fazer mais cenas.
Ter força um dia para quebrar as roscas
Desta engrenagem que emperrando vai.
- Não mandar telegramas ao meu Pai,
- Não andar por Paris, como ando, às moscas.
Levantar-me e sair - não precisar
De hora e meia antes de vir prà rua.
- Pôr termo a isto de viver na lua,
- Perder a “frousse” das correntes de ar.
Não estar sempre a bulir, a quebrar coisas
Por casa dos amigos que frequento -
Não me embrenhar por histórias melindrosas
Que em fantasia apenas argumento.
Que tudo em mim é fantasia alada,
Um crime ou bem que nunca se comete
E sempre o Oiro em chumbo se derrete
Por meu Azar ou minha Zoina suada...
Paris, Janeiro de 1916
Mário de Sá-Carneiro
O LIVRO - Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido. No entanto, as pessoas que entravam na livraria estavam todas muito bem vestidas de quem precisa salvar-se. Almada Negreiros In "A invenção do dia claro" - 1921
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